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Revista de Enfermagem Referência

versão impressa ISSN 0874-0283

Rev. Enf. Ref. vol.serIV no.12 Coimbra mar. 2017

https://doi.org/10.12707/RIV16074 

ARTIGO TEÓRICO/ENSAIO

 

Aprendizagem e desenvolvimento em contexto de prática simulada

Learning and development in simulated practice environments

Aprendizaje y desarrollo en el contexto de la práctica simulada

 

José Carlos Amado Martins*

* Ph.D., Professor Coordenador, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, 3046-851, Coimbra Portugal [jmartins@esenfc.pt]. Morada para correspondência: Rua da Estrada Real, 15 - Portela do Gato, 3040-478, Almalaguês, Portugal.

 

RESUMO

Enquadramento: O presente documento dá suporte à comunicação com o mesmo título, apresentada no V Congresso de Investigação em Enfermagem Iberoamericano e de Países de Língua Oficial Portuguesa. Apresenta um conjunto de argumentos que sustentam a utilização da prática simulada no ensino de enfermagem.

Objetivos: Analisar os contributos da prática simulada para a aprendizagem e o desenvolvimento do enfermeiro e da enfermagem.

Metodologia: Estudo teórico alinhado pelo conhecimento e experiência do autor, e que utiliza algumas evidências recentes, de forma a conferir maior consistência aos mesmos.

Resultados: É enfatizada a importância da simulação, enquanto estratégia pedagógica, para o processo de construção das competências para o exercício da enfermagem, trazendo como bases justificativas as dimensões da ética e da estética, do conhecimento, da eficiência e da efetividade, da emoção e da relação, da liderança e, inevitavelmente, da segurança do doente.

Conclusão: A simulação é uma estratégia pedagógica efetiva, com resultados positivos para o ensino e desenvolvimento da enfermagem, justificando-se maior investimento na área.

Palavras-chave: enfermagem; aprendizagem; educação; simulação

 

ABSTRACT

Background: This article gives support to the oral presentation with the same title presented at the 5th Congress on Nursing Research of Ibero-American and Portuguese-speaking Countries. It puts forward a set of arguments that support the use of simulated practice in nursing education.

Objectives: To analyze how simulated practice contributes to the learning and development process of nurses and nursing.

Methodology: Theoretical study derived from the author's knowledge and experience, using recent evidence to provide consistent results.

Results: The results underline the importance of simulation as a pedagogical strategy in the process of development of nursing skills, based on the dimensions of ethics and esthetics, knowledge, efficiency and effectiveness, emotions and relationships, leadership and, inevitably, patient safety.

Conclusion: Simulation is an effective pedagogical strategy, with positive outcomes for nursing education and development, what justifies greater investment in this area.

Keywords: nursing; learning; education; simulation

 

RESUMEN

Marco contextual: El presente documento sirve como soporte para la comunicación con el mismo título, presentada en el V Congreso de Investigación en Enfermería Iberoamericano y de los Países de Lengua Oficial Portuguesa. Presenta un conjunto de argumentos que apoyan la utilización de la práctica simulada en la enseñanza de enfermería.

Objetivos: Analizar las contribuciones de la práctica simulada al aprendizaje y al desarrollo del enfermero y de la enfermería.

Metodología: Estudio teórico alineado por el conocimiento y la experiencia del autor, junto a los cuales se intentaron movilizar algunas pruebas recientes con el objetivo de aportar mayor consistencia a los mismos.

Resultados: Se enfatiza la importancia de la simulación como estrategia pedagógica, para el proceso de construcción de las competencias para el ejercicio de la enfermería, teniendo como bases justificativas las dimensiones de la ética y de la estética, del conocimiento, de la eficiencia y de la efectividad, de la emoción y de la relación, del liderazgo e, inevitablemente, de la seguridad del paciente.

Conclusión: La simulación es una estrategia pedagógica efectiva con resultados positivos para la enseñanza y el desarrollo de la enfermería, lo que justifica una mayor inversión en el área.

Palabras-clave: enfermería; aprendizaje; educación; simulación

 

Introdução

A Escola Superior de Enfermagem de Coimbra (ESEnfC), herdeira da mais antiga formação em enfermagem em Portugal, é uma instituição pública de referência nacional e internacional, que procura ser líder em várias áreas, entre as quais a que se refere à utilização das mais recentes tecnologias para apoio ao processo de ensino e aprendizagem.

A recente nomeação da ESEnfC como Centro Colaborador da Organização Mundial de Saúde para a prática e investigação em enfermagem, sendo uma das suas atribuições desenvolver conhecimento relativo a práticas educativas de excelência, incluindo a utilização da simulação na formação dos enfermeiros, veio trazer reconhecimento internacional do potencial da ESEnfC para a produção e disseminação de conhecimento nesta área.

A ESEnfC acolhe a Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem (UICISA: E) que tem como missão desenvolver a investigação científica em ciências da saúde, especificamente da enfermagem, reunindo para tal um conjunto de investigadores que desenvolvem os seus projetos em três diferentes áreas da enfermagem: formação, prática clínica e gestão. O grupo da formação integra o projeto A simulação no ensino de enfermagem, através do qual se procura desenvolver e validar práticas educativas inovadoras, utilizando a simulação, assim como testar e avaliar os resultados associados a esta estratégia pedagógica.

Ao longo deste trabalho, procura-se fazer a demonstração do valor intrínseco da prática simulada enquanto estratégia pedagógica, apresentando alguns resultados que a ciência tem vindo a demonstrar e o seu contributo para o desenvolvimento da enfermagem.

Para a realização do trabalho integrou-se o conhecimento e experiência construídos ao longo dos últimos anos aos quais se juntaram algumas evidências recentes, que vão muito além das referências bibliográficas apresentadas neste documento.

Apesar de não existir qualquer conflito de interesses, é justo partilhar que o autor é uma pessoa que acredita no valor da estratégia pedagógica em causa, que a utiliza no seu dia-a-dia enquanto docente, à qual tem dedicado tempo e esforço e que inclusivamente se tem vindo a desenvolver com e pela simulação.

Antes de avançar, faz sentido deixar claros alguns conceitos centrais. Para tal, utiliza-se o proposto por Meakim et al. (2013):

Simulação – estratégia pedagógica que utiliza uma ou mais tipologias (paciente simulado, role play, simulador de tarefa, …) para aumentar ou validar a progressão de iniciado a expert;

Experiência clínica simulada – conjunto de atividades estruturadas que representam uma situação real ou potencial, na qual os participantes desenvolvem um conjunto de atividades num ambiente simulado mas realista e utilizando materiais e equipamentos reais;

Fidelidade (realismo, autenticidade) – grau em que uma experiência clínica simulada se aproxima da realidade. O nível de fidelidade é determinado pelo ambiente pelos materiais e equipamentos utilizados e por fatores relacionados com os participantes. A fidelidade envolve as seguintes dimensões: física (ambiente, materiais, …), psicológica (emoções, crenças, …), sociais (motivação dos participantes, …), cultura do grupo, grau de abertura e confiança dos participantes e modelos de pensamento;

Debriefing – atividade que se segue à simulação, liderada por um docente, que encoraja a reflexão dos participantes sobre a ação e para a ação. Essa atividade utiliza uma estrutura definida, centrada nos objetivos e durante a qual se proporciona reforço positivo face às intervenções, emoções e comportamentos adequados, se discutem intervenções, emoções e comportamentos menos corretos e se procura a transferência do aprendido para situações futuras.

O presente artigo tem como objetivo analisar os contributos da prática simulada para a aprendizagem e o desenvolvimento do enfermeiro e da enfermagem.

A simulação enquanto estratégia pedagógica

A simulação e o treino simulado são hoje reconhecidos como estratégias pedagógicas fundamentais na formação de profissionais de saúde, ao nível graduado, pós-graduado e ao longo da vida, com impacto em várias dimensões que vão desde a Satisfação do estudante à Segurança da pessoa alvo dos cuidados de enfermagem.

O reconhecimento de que a simulação é uma importante estratégia de ensino, de aprendizagem e de avaliação, nos diferentes níveis do ensino de enfermagem, tem vindo a ser apontada por vários autores, que enfatizam sobretudo os ganhos para os estudantes (Baptista, Martins, Pereira, & Mazzo, 2014; Martins et al., 2012).

O debriefing estruturado, enquanto método sistematizado de discussão e de reflexão sobre a ação, associado à simulação, contribui para melhores resultados (Coutinho, Martins, & Pereira, 2014).

Os resultados finais da utilização da simulação dependem de vários fatores que se ilustram na Figura 1 (adaptada de Jeffries, 2007), entre os quais as características do desenho da simulação, o docente, o estudante e as práticas educativas utilizadas.

 

 

O desenvolvimento de competências para a intervenção enquanto enfermeiro é um processo complexo, pois no profissional queremos não apenas alguém que saiba desenvolver um conjunto de ações de acordo com a respetiva técnica, mas também que essa técnica seja acompanhada do melhor conhecimento, da capacidade de recolher e processar informação, de tomar decisões corretas nos mais variados contextos e ainda que as ações sejam acompanhadas das atitudes que garantem o respeito pela pessoa e a construção de uma relação de ajuda (Meakim et al., 2013). A Figura 2 representa o Nursing skill development and clinical judgement model © da Nursing Association for Clinical Simulation and Learning e é apresentada por Meakim et al. (2013) e mostra algumas destas dimensões, indispensáveis à construção do profissional enfermeiro e para o desenvolvimento das quais a simulação dá um elevado contributo.

 

 

Ou seja, a simulação, enquanto estratégia pedagógica ativa, ajuda a consolidar conhecimentos e confere-lhes valor, desenvolve habilidades técnicas e relacionais, ajuda a criar regras e hábitos para pensar e refletir e contribui para o desenvolvimento de profissionais globalmente competentes, fazendo-o em ambiente seguro para o estudante, para o docente e para a pessoa alvo de cuidados.

Hoje conhecemos as vantagens de substituir métodos de aprendizagem passivos pela aprendizagem experiencial, sendo neste grupo que se integra a simulação. No caso, mais importância ganha ainda por ser uma estratégia que proporciona uma verdadeira experiência clínica (ainda que simulada), permitindo nivelar experiências (em quantidade e qualidade) entre os diferentes estudantes e incorporar variabilidade, sempre com caráter antecipatório, isto é, fazendo a experiência acontecer antes de ser necessária a intervenção numa situação clínica real.

Da ética e da estética

Deseja-se que o estudante, quando vai para ensino clínico, desenvolva intervenções baseadas em evidências científicas, de forma segura e no momento oportuno, sem que o seu tutor ou supervisor tenha que interromper a sua atuação por erros técnicos que comprometem a segurança do doente. O estudante deve ter autoconfiança e ser de confiança, isto é, deve sentir-se capaz de realizar as atividades sem erros e também que o seu tutor ou supervisor e demais elementos da equipa acreditem nessas capacidades, não para o deixarem sem supervisão, mas desde logo para o deixar partir para a ação.

Numa perspetiva ética, é incorreto o treino de procedimentos invasivos numa pessoa real sempre que esse treino é possível em ambiente simulado, controlado e seguro para o formando, permitindo o erro e a aprendizagem com e pelo erro, sem que tal tenha consequências nefastas numa pessoa real. Trata-se da não instrumentalização da pessoa doente e de lhe garantir cuidados de enfermagem de qualidade, mesmo quando os prestadores desses cuidados estão em processo de aprendizagem.

A simulação é uma estratégia pedagógica ótima para apoiar os estudantes de enfermagem a desenvolverem-se no domínio ético e a aplicar os princípios éticos na prática clínica (Buxton, Phillippi, & Collins, 2014). E, também pelo exemplo, ajuda a esse crescimento ético, estimulando e conferindo importância ao treino e, simultaneamente estimulando e conferindo importância ao profundo respeito pela pessoa humana e pela sua dignidade.

A simulação de alta-fidelidade contribui ainda para construir a identidade de estudante de enfermagem e de enfermeiro, para a relação com os pares e para construir expectativas da e para a prática futura (Baptista, Pereira, & Martins, 2016; Foronda, Liu, & Bauman, 2013).

Do conhecimento que suporta a ação

A simulação contribui para ampliar e consolidar o conhecimento do estudante, estabelecendo pontes para a ação, conferindo-lhe valor e acrescentando relevância (Foronda et al., 2013; Martins et al., 2012).

A demonstração de que a simulação contribui para o desenvolvimento e consolidação do conhecimento tem sido demonstrada em diferentes áreas clínicas e com diferentes metodologias, existindo hoje evidência suficiente nesta matéria. Como único exemplo, aponta-se a metanálise de 26 estudos randomizados controlados (Lee & Oh, 2015) que, para além de outros, mostra o claro benefício nos domínios cognitivo e psicomotor.

Uma das justificações a ter em linha de conta refere-se precisamente à possibilidade de o estudante, pela simulação, aplicar o aprendido, dando valor real ao que anteriormente era abstrato e, pelo debriefing que necessariamente integra a simulação, ter oportunidade de revisitar a ação, explicar, justificar, atribuir valor à ação correta e identificar as necessárias mudanças na ação com vista à sua melhoria no futuro.

Da eficiência e da efectividade na ação

Nos estudos, são particularmente mencionados como ganhos associados a estratégias pedagógicas ativas, envolvendo a simulação, o desenvolvimento de conhecimentos e de competências para o juízo clínico e para o estabelecimento de prioridades, para a tomada de decisão, para a realização das ações acertadas, para o trabalho de equipa e para a correção de erros sem os seus efeitos adversos numa pessoa real (Foronda et al., 2013; Martins et al., 2012).

Existe inclusive a afirmação de que a simulação de alta-fidelidade melhora significativamente a perícia e as competências técnicas dos formandos, comparativamente aos métodos tradicionais (Lee & Oh, 2015). Programas de formação utilizando simulação melhoram significativamente a resposta nos doentes críticos, ao nível da vigilância, da identificação de critérios de gravidade e da prontidão na resposta, reduzindo a failure to rescue (Foronda et al., 2013).

Entre muitas outras, têm vindo a ser demonstrados resultados significativamente positivos em áreas específicas como os cuidados no parto e a recém-nascidos, nos mais diversos contextos clínicos, em fim de vida, em emergências, nas situações de degradação fisiológica de doentes e na intervenção em situações de catástrofe e acidentes com múltiplas vítimas.

O treino de habilidades específicas é fundamental, mas é na resolução de cenários completos e complexos, em contexto simulado, que os enfermeiros consolidam os seus saberes e desenvolvem as capacidades de juízo crítico e tomada de decisão, assim como, no desenvolvimento das diversas competências, o fazem de forma completa, nas diferentes dimensões técnica, relacional e ética (Martins et al., 2012).

A utilização de simuladores de alta-fidelidade poderá contribuir para que os estudantes de enfermagem desenvolvam capacidades para a resolução de problemas, para pensar e agir como enfermeiro e para o desenvolvimento de competências para comunicar de forma assertiva e terapêutica.

Da emoção e da relação que melhoram a ação

A simulação traz ganhos para os estudantes, como a autoconfiança, satisfação e motivação para aprendizagem e outros (Baptista et al., 2014; Foronda et al., 2013; Martins et al., 2012).

Vários estudos (Foronda et al., 2013; Lee & Oh, 2015) evidenciam ganhos ao nível da autoconfiança com a utilização da simulação de alta-fidelidade. Note-se que a autoconfiança é uma variável importante, existindo demonstração de que uma baixa autoconfiança está associada a maior demora na implementação das ações esperadas, à ocorrência de maior número de erros e a elevados níveis de ansiedade (Martins, Mazzo, Mendes, & Rodrigues, 2014).

A satisfação dos estudantes é igualmente referenciada como uma variável com nítidos resultados positivos associados a esta estratégia pedagógica, conforme indicam os diferentes estudos (Baptista et al., 2014; Foronda et al., 2013). Um ambiente de aprendizagem que fomente a satisfação dos estudantes potencia a motivação para o estudo e a obtenção dos resultados de aprendizagem esperados (Baptista et al., 2014).

Da construção de líderes

O treino com recurso à simulação fez parte de vários estudos recentes com foco nas questões da liderança, sendo um resultado unânime a melhoria das competências nesta área, avaliada em aspetos como a autoconfiança para liderar, a eficácia na liderança, a comunicação em equipa, o trabalho em equipa, a adesão às decisões do líder, a entreajuda, a organização, a autenticidade, o autocontrolo, o juízo moral ou o processamento e utilização da informação (Shapira-Lishchinsky, 2014), revelando-se assim uma estratégia pedagógica efetiva na formação e treino de líderes em saúde, com potencial para melhores resultados em saúde.

Da segurança do doente

A formação de enfermeiros deve visar profissionais qualificados e altamente competentes, capazes de atuar de forma pronta perante as várias necessidades das pessoas doentes e suas famílias, à luz de evidências científicas.

A segurança em saúde é um problema atual, pertinente, e fruto da preocupação de entidades de saúde internacionais, como a Organização Mundial de Saúde e nacionais, como a Direção Geral de Saúde. Em todo o processo de prestação de cuidados, a segurança deve ser um objetivo presente, pelo que o ensino de enfermagem não pode deixar de lado este tópico.

É preocupante constatar que, em 2014, e apesar das medidas implementadas, muitas pessoas doentes sofreram e morreram devido a erros dos profissionais de saúde (Durham, 2014). A própria Organização Mundial da Saúde (WHO, 2015) dedica toda uma área do seu website à temática patient safety e define-a como uma prioridade transversal na prestação de cuidados de saúde no mundo.

Estudo promovido pela Escola Nacional de Saúde Pública (Uva & Sousa, 2011), mostrou a ocorrência de eventos adversos em 11,1% das pessoas doentes internadas, grande parte com impacto na sua vida e na sua recuperação da doença, como as infeções associadas aos cuidados de saúde e os erros associados à gestão da terapêutica medicamentosa. A estes podemos juntar os erros por impreparação dos profissionais ou em consequência de uma comunicação deficiente ou ausente.

A prática simulada é uma importante estratégia para treinar os profissionais de saúde no sentido de uma prática mais segura (Durham, 2014), atempada e seguindo as recomendações internacionais, minimizando os erros e aumentando o sentido de responsabilidade dos formandos perante a sua prática clínica.

A transferibilidade do aprendido em contexto simulado para a prática clínica tem também vindo a ser estudada (McGaghie, Draycott, Dunn, Lopez, & Stefanidis, 2011), demonstrando-se a eficácia da simulação a este nível, com vários estudos que apontam os ganhos especificamente associados à segurança do doente (McGaghie et al., 2011; Martins et al., 2012; Baptista et al., 2014), por uma maior qualidade nos cuidados prestados e pela ocorrência de menos erros.

Tem vindo a ser apontada a eficácia da simulação de alta-fidelidade para a construção de práticas seguras em várias áreas. Mas continua a existir discussão em torno das vantagens e custos da utilização de simuladores de alta-fidelidade, surgindo inclusive estudos a referir que, no que se refere à segurança, não existem diferenças significativas nos resultados, quando comparada à simulação de alta-fidelidade e a outros tipos de simulação (Blum & Parcels, 2012).

A formação de enfermeiros e a integração da simulação

Há recomendações para a formação dos enfermeiros, a nível nacional (Ordem dos Enfermeiros, 2007) e internacional (WHO, 2009). Mas essas recomendações, ao nível das competências, são sobretudo centradas no resultado, sendo omissas relativamente ao processo, isto é, como essas competências se constroem e desenvolvem. Surgem notas que parecem enfatizar a importância dos momentos práticos, como a obrigação de, pelo menos metade da carga horária do curso de enfermagem ser em ensino clínico, ou a necessidade de as escolas serem dotadas de laboratórios de simulação e de os utilizarem na formação dos seus enfermeiros (WHO, 2009). Mais recentemente, no documento Transforming and scaling up health professionals' education and training (WHO, 2013), surge a recomendação número 5 a referir que as instituições que formam profissionais de saúde devem utilizar a simulação na educação e treino dos seus formandos, acrescentando ainda que deve ser utilizada a simulação de alta-fidelidade quando existem os contextos e recursos apropriados e a simulação de baixa fidelidade nas instituições com recursos limitados.

Mas em diversos países, sabemos, observam-se diversas lacunas nesta área: i) não existem recomendações para a estrutura das escolas de enfermagem ao nível da simulação; ii) não existem recomendações para a utilização do treino simulado ao longo da formação graduada; iii) não existem recomendações para a formação dos docentes nesta área; e iv) não existe qualquer estudo nacional nesta área, desconhecendo-se o que temos, como utilizamos o que temos, o que fazemos, como fazemos e quando o fazemos. E sabemos também que, em cada país, existem assimetrias locais e regionais, parecendo que a implementação da simulação nos curricula depende de decisões associadas a aspetos tão díspares como a capacidade de captar e/ou disponibilizar financiamento, as instalações disponíveis, a gestão dos curricula, ou mesmo a vontade de docentes.

A forma como cada instituição se organiza para integrar a simulação nos curricula é também variável, existindo modelos em que essa integração é feita dentro das diferentes unidades curriculares, outros em que a prática simulada se constitui per si uma ou várias unidades curriculares; em alguns modelos a prática simulada está inserida nas unidades curriculares teóricas (como componente prática), outros em que está inserida nas unidades curriculares de ensino clínico; em alguns modelos o estudante tem possibilidade de treinar as diferentes técnicas e os diferentes cenários, enquanto em outros o estudante assume sobretudo uma posição de observador; em algumas organizações a simulação é utilizada praticamente apenas para a aprendizagem e treino de técnicas específicas, mas em outras é dado grande ênfase ao treino de cenários completos, de complexidade crescente, onde são progressivamente integradas as técnicas e se procura em simultâneo desenvolver habilidades mais globais e mais transversais, como a comunicação com o doente e a equipa, o trabalho em equipa, a tomada de decisão, a gestão de eventos adversos, a liderança e muitos outros.

Apesar das evidências disponíveis, continua a ser relevante investigar como é que a utilização de tecnologia, simulação, informática e experiências virtuais contribuem para o processo de aprendizagem e sua transferibilidade para a prática clínica (National League for Nursing, 2016).

 

Conclusão

Nos últimos anos tem existido forte enfoque na qualidade da formação superior por toda a Europa. Mas a verdade é que esse enfoque tem incidido muito, e bem, na qualificação do corpo docente e na qualidade dos resultados e menos nas variáveis associadas ao processo.

Acredita-se que, no futuro, se irá dar cada vez mais atenção às estratégias pedagógicas, às estruturas físicas, aos materiais e aos equipamentos, ao respeito pelos princípios morais e éticos e às exigências sociais de uma profissão que tem de estar fortemente imbuída pelos princípios do humanismo. É inevitável que o desenvolvimento se faça também nesta direção, utilizando estratégias pedagógicas modernas, respeitadoras desses princípios e sobre as quais vão surgindo evidências cada vez mais fortes sobre a sua efetividade.

A presente revisão mostra que a utilização da simulação se justifica pelos resultados positivos a ela associados nos processos de ensino e aprendizagem, melhorando esse mesmo ensino e, por essa via, o desenvolvimento dos enfermeiros e da enfermagem. Vale a pena destacar as justificações e os resultados: a dimensão Ética e da estética, a dimensão do Conhecimento que suporta a ação, a dimensão da Eficiência e da efectividade na ação, a dimensão da Emoção e da relação que melhoram a ação e a dimensão da Construção de líderes. E por via destas, o contributo para a segurança do doente.

Sem falsas panaceias, mas também sem negar as evidências disponíveis.

E essas evidências mostram claramente as vantagens, os resultados positivos, para estudantes, para docentes e, sobretudo, para os doentes, quando utilizamos a prática simulada como estratégia pedagógica fomentadora de aprendizagens mais sólidas e a gerar maior desenvolvimento.

 

Referências Bibliográficas

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Recebido para publicação em: 17.10.16

Aceite para publicação em: 29.11.16

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