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Revista de Enfermagem Referência
versão impressa ISSN 0874-0283
Rev. Enf. Ref. vol.serIV no.13 Coimbra jun. 2017
https://doi.org/10.12707/RIV17002
ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO (ORIGINAL)
A enfermagem e a vacinação: evolução do cumprimento da vacina combinada contra o sarampo, parotidite e rubéola
Nursing and vaccination: evolution of the compliance with the combined measles-mumps-rubella (MMR) vaccine
La enfermería y la vacunación: evolución del cumplimiento de la vacuna combinada contra el sarampión, la parotiditis y la rubeola
João Manuel Graça Frade*; Maria de Fátima Graça Frade**; Carolina Miguel Graça Henriques***; Armando Silva****; Guilherme Gonçalves*****
* Ph.D., Professor Adjunto, Escola Superior de Saúde do Instituto Politécnico de Leiria. Membro da Unidade de Investigação em Saúde da Escola Superior de Saúde de Leiria do Instituto Politécnico de Leiria e da Unidade Multidisciplinar de Investigação Biomédica, Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar da Universidade do Porto, 4050-343, Porto, Portugal [joao.frade@ipleiria.pt]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica, colheita de dados, tratamento de dados, análise e discussão, redação do artigo. Morada para correspondência: Campus 2, Moro do Lena, Alto do Vieiro, Apartado 4137, 2411-90, Leiria, Portugal
** Ph.D., Professor Adjunto, Escola Superior de Saúde da Universidade Atlântica. Membro da Unidade de Investigação Centro de Estudos Sociedade, Organizações e Bem Estar (CESOB), Universidade Atlântica e da Unidade de Investigação Centro de Administração e Políticas Públicas (CAPP), Instituto Superior de Ciências Sociais e Politicas, Universidade de Lisboa, 2730-036, Portugal [ffrade@uatlantica.pt]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica, escrita do artigo, revisão global do artigo.
*** Ph.D., Professor Adjunto, Escola Superior de Saúde do Instituto Politécnico de Leiria. Membro da Unidade de Investigação em Saúde da Escola Superior de Saúde de Leiria do Instituto Politécnico de Leiria, 2411-901, Leiria, Portugal [carolina.henriques@ipleiria.pt]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica, escrita do artigo, revisão global do artigo.
**** MPH., Professor Adjunto, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra. Membro da Unidade de Investigação em Ciências da Saúde – Enfermagem, 3048-851, Coimbra, Portugal [armandos@esenfc.pt]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica, escrita do artigo, revisão global do artigo.
***** Ph.D., Professor Associado com Agregação, Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar da Universidade do Porto. Membro da Unidade Multidisciplinar de investigação Biomédica, Universidade do Porto, 4050-343, Porto, Portugal [agoncalves@icbas.up.pt]. Contribuição no artigo: tratamento de dados, análise e discussão, revisão global do artigo.
RESUMO
Enquadramento: Em Portugal a vacinação é uma importante atividade dos enfermeiros que trabalham nos cuidados de saúde primários.
Objetivos: Este estudo pretende avaliar a evolução do cumprimento da estratégia vacinal da vacina combinada contra o sarampo, parotidite e rubéola (VASPR).
Metodologia: Estudo realizado a 411 indivíduos, nascidos em Portugal depois 1970, através da consulta da ficha individual de vacinação (FIV) e do boletim individual de saúde (BIS).
Resultados: A taxa de cobertura vacinal foi de 38,88% nas coortes nascidas antes de 1977. Nas coortes nascidas depois 1990 atingiu valores superiores a 95%. O respeito pelas idades recomendadas pela Direção-Geral de Saúde (DGS) esteve associado à geração de nascimento a que os indivíduos pertencem e foi melhorando à medida que o tempo passou (r = - 0,239; p = 0,001).
Conclusão: Na amostra estudada verifica-se o cumprimento dos objetivos da Organização Mundial de Saúde e da DGS, na aplicação da estratégia VASPR, no que diz respeito à taxa de cobertura vacinal e à adequação dos esquemas vacinais às idades recomendadas.
Palavras-chave: enfermeiros; vacinação; Portugal; MMR
ABSTRACT
Background: Immunization is an important activity performed by primary health care nurses in Portugal.
Objectives: This study aims to assess the evolution of the compliance with the immunization strategy for the combined measles-mumps-rubella (MMR) vaccine.
Methodology: A study was conducted with 411 individuals, born after 1970 in Portugal, by consulting immunization records (IRs) and health booklets (HBs).
Results: The vaccination coverage rate was 38.88% in cohorts born before 1977 and higher than 95% in cohorts born after 1990. The administration according to the age criteria recommended by the Directorate-General for Health (DGS) was associated with the participants' birth generation and improved over time (r = - 0.239, p = 0.001).
Conclusion: In this sample, the MMR vaccine strategy complied with the objectives of the World Health Organization and DGS concerning the vaccination coverage rate and the adequacy of the immunization schedules according to the recommended age criteria.
Keywords: nurses; vaccination; Portugal; MMR
RESUMEN
Marco contextual: En Portugal la vacunación es una actividad importante de los enfermeros que trabajan en la atención primaria.
Objetivos: Este estudio pretende evaluar la evolución del cumplimiento de la estrategia de la vacuna combinada contra el sarampión, la parotiditis y la rubeola (VASPR).
Metodología: Estudio realizado a 411 individuos nacidos en Portugal después de 1970, mediante la consulta de la ficha individual de vacunación (FIV) y del boletín individual de salud (BIS).
Resultados: La tasa de cobertura relativa a la vacuna fue del 38,88 % en las cohortes nacidas antes de 1977. En las cohortes nacidas después de 1990 alcanzó valores superiores al 95%. El respeto por las edades recomendadas por la Dirección General de Sanidad (DGS) estuvo asociado a la generación de nacimiento a la que los individuos pertenecen y fue mejorando a medida que pasó el tiempo (r = - 0,239; p = 0,001).
Conclusión: En la muestra estudiada se verifica el cumplimiento de los objetivos de la Organización Mundial de la Salud y de la DGS en la aplicación de la estrategia VASPR, en lo que se refiere a la tasa de cobertura de la vacuna y a la adecuación de los esquemas de la vacuna a las edades recomendadas.
Palabras clave: enfermeros; vacunación; Portugal; MMR
Introdução
Em Portugal o Programa Nacional de Vacinação (PNV) é uma história de sucesso para a qual muito têm contribuído os enfermeiros ao longo das suas cinco décadas de aplicação no país. São os enfermeiros que gerem o PNV, sendo muito do sucesso deste programa devido ao esforço e ao empenho destes profissionais na sua aplicação sistemática, consistente e coerente ao longo do tempo.
Neste estudo procuramos avaliar a evolução do cumprimento da estratégia vacinal contra sarampo, papeira e rubéola (VASPR), a utentes da Unidade Local de Saúde (ULS) da Guarda e do Agrupamento de Centros de Saúde (ACES) Pinhal Litoral, procurando demonstrar a importância dos enfermeiros no alcance dos objetivos do PNV no controlo e eliminação da doença.
O presente estudo pretende avaliar, para a amostra estudada, a evolução do cumprimento da estratégia vacinal VASPR, desde a sua introdução até aos dias de hoje, no cumprimento dos objetivos da Direção-Geral da Saúde (DGS) e da Organização Mundial de Saúde (OMS), no que diz respeito: à adesão à vacinação, ao cumprimento das idades recomendadas para a administração das vacinas e aos esquemas vacinais seguidos. O estudo pretende ainda verificar a partir de que ano a taxa de cobertura vacinal atingiu, na amostra estudada, valores superiores a 95%, e como evoluíram os respetivos esquemas vacinais a partir desse ponto.
Enquadramento
Em Portugal os enfermeiros desempenham um papel crucial na consecução dos objetivos do PNV, sendo a vacinação uma importante atividade dos enfermeiros que trabalham na área dos cuidados de saúde primários (Subtil, 2011). No domínio da vacinação, os enfermeiros têm demostrado possuir competências técnicas, científicas, éticas e deontológicas que têm permitido assegurar a eficácia, a eficiência e a efetividade da aplicação do PNV, em Portugal, gerindo-o e administrando-o de forma exemplar e conseguindo taxas de cobertura vacinal altas e superiores à da maioria dos outros países (Loureiro, 2004; Subtil, 2011). Na prática, estas competências materializam-se na administração das vacinas segundo o plano e normas recomendadas pela DGS, na manutenção de comportamentos de adesão à vacinação, na execução de registos vacinais fidedignos e na vigilância epidemiológica de aplicação do PNV e na gestão de stocks (Loureiro, 2004; Subtil, 2011).
Está cientificamente comprovado que taxas de cobertura vacinais superiores a 95% são garantia de controlo e possível eliminação de algumas doenças prevenidas pela vacinação, nomeadamente o sarampo, a parotidite e a rubéola (DGS, 2016; Plans, 2010; Tharmaphornpilas, Yoocharean, Rasdjarmrearnsook, Theamboonlers, & Poovarawan, 2009; WHO, 2011). A taxa de cobertura vacinal representa o número de doses de vacinas administradas à população alvo, sendo que como atrás ficou dito, para o caso do sarampo, parotidite e rubéola, taxas de cobertura vacinal superiores a 95% produzem o chamado efeito de imunidade de grupo que garante proteção de toda a população, mesmo que esta não esteja 100% vacinada, pela dificuldade de circulação do vírus entre os indivíduos vacinados. Para além da taxa de cobertura vacinal superior a 95%, é igualmente importante que as vacinas sejam administradas nas idades recomendadas no sentido de garantir eficácia e efetividade da resposta imunológica à vacinação (Cutts, Lessler, & Metcalf, 2013; DGS, 2016; WHO, 2011).
Em Portugal, a VASPR foi introduzida no esquema recomendado do PNV em 1987, substituindo a vacina monovalente contra o sarampo (VAS) introduzida em 1973. Recomendou-se essa administração (VASPR I) aos 15 meses de idade (DGS, 1990) antecipada para os 12 meses, em 2012 (DGS, 2013a). A introdução de uma segunda dose de VASPR (VASPR II) entre os 10 e os 13 anos deu-se em 1990, tendo sido antecipada para os 5-6 anos, em 1999 (DGS, 1990). As coortes de nascidos em 1992-1993 foram as últimas a seguir a recomendação VASPR II aos 10-13 anos e as coortes de nascidos em 1994-1995 foram as primeiras a seguir a recomendação atualmente em vigor.
Tendo em conta a história da introdução da vacina contra o sarampo em Portugal, podemos distinguir cinco gerações vacinais distintas, mas complementares: a primeira geração vacinal nasceu antes de 1977, foi uma geração que não teve oportunidade de ser vacinada com duas doses de VASPR, nas idades recomendadas pela DGS (1990). A segunda geração vacinal nasceu entre 1977 e 1984, já teve a oportunidade de ser vacinada com duas doses de vacina contra o sarampo, dentro das idades recomendas pela DGS (DGS, 1987, 1990). Esta geração iniciou a vacinação com a vacina monovalente VAS e completou-a com a vacina trivalente VASPR, caso a tenha feito nas idades recomendadas pela DGS (DGS, 1987, 1990). A terceira geração vacinal nasceu entre 1985 e 1990 e reunia as condições para ser vacinada com duas doses de vacina trivalente VASPR, tanto na idade da primeira dose, como na idade da segunda dose de vacina. No entanto, estes esquemas nem sempre foram respeitados apresentando esta geração estados vacinais muito heterogéneos (DGS, 1987). A quarta geração é uma geração vacinada com duas doses de vacina contra o sarampo tendo realizado a segunda dose de VASPR também aos 10-13 anos, no entanto esta geração já apresenta estados vacinais mais homogéneos. Por último, a quinta geração é uma geração semelhante à anterior, mas antecipa a segunda dose de VASPR para os 5-6 anos de idade (DGS, 2011a,b,c).
Questões de investigação
A amostra estudada cumpre as orientações da DGS na aplicação da vacina contra o sarampo parotidite e rubéola, no que diz respeito à adesão à vacinação, às idades recomendadas e aos esquemas vacinais seguidos?
Na geração nascida depois de 1990, a taxa de cobertura vacinal da vacina contra o sarampo parotidite e rubéola atingiu valores superiores a 95% e manteve-se elevada, acima desses valores, a partir dessa data?
Metodologia
O presente estudo foi realizado através da consulta da ficha individual de vacinação (FIV) dos ficheiros de vacinação e o boletim individual de saúde (BIS) dos utentes nascidos depois de 1970, pertencentes ao ficheiro do ACES Pinhal Litoral e à ULS da Guarda. A recolha de dados foi obtida entre o ano de 2012 e 2013. Os utentes foram selecionados através do método de amostragem de conveniência, entre os indivíduos que se deslocaram às referidas unidades de saúde para receberem cuidados de saúde, durante o ano de 2012-2013, no entanto só foram incluídos no estudo os indivíduos que acederam participar através da assinatura do consentimento informado e esclarecido aos utentes que acederam participar foi consultada a FIV e o boletim individual de saúde (BIS). Os indivíduos que não apresentavam o BIS, no momento da assinatura do consentimento informado e esclarecido, foram convidados a fotocopia-lo e a envia-lo posteriormente por carta em envelopes pré-pagos. Só foram incluídos nos estudos os indivíduos que pertenciam aos ficheiros das respetivas unidades de saúde, e que apresentavam informação vacinal em pelo menos um dos dois documentos BIS ou FIV. Todos os indivíduos que não apresentaram a informação vacinal atualizada nos seus registos vacinais foram incentivados a atualizarem esse estado.
Tratamento dos dados
Os dados provenientes da história vacinal foram lançados numa base de dados, onde foram tratados com recurso ao Statistical Package for the Social Sciences, versão 23.0.
Como primeira abordagem, foi feito o tratamento descritivo das variáveis mais importantes no estudo, variável independente Geração de nascimento e a variável dependente Estado vacinal. Os intervalos de confiança foram definidos a 95%. Para medir o grau de associação das variáveis foi utilizado o coeficiente de correlação de Spearman. Nas variáveis onde se observou existir associação, foi utilizada a razão dos produtos quadrados (odds ratio), com o objetivo de avaliar a força e o sentido dessa mesma associação e calculados os respetivos intervalos de confiança a 95%.
Considerações Ético-Legais
Foram respeitadas as considerações éticas inerentes a um trabalho de investigação. A aprovação ética para a realização deste estudo foi obtida da Coordenação da Unidade de Saúde Publica do ACES Pinhal litoral, e da Comissão de Ética da ULS da Guarda. Os indivíduos estudados deram o consentimento informado e esclarecido para participarem no estudo. Os dados foram colhidos e analisados mantendo a confidencialidade dos sujeitos que constituem a amostra.
Resultados
Devido à grande heterogeneidade dos estados vacinais, das diferentes gerações vacinais que foi possível identificar neste estudo, os resultados serão apresentados em dois grandes grupos, os indivíduos nascidos antes de 1990 e nascidos depois desta data, no sentido de facilitar a análise e interpretação dos resultados.
Informação vacinal e sua origem
Foram consultados os registos vacinais de 423 indivíduos de ambos os sexos, nascidos em Portugal Continental depois de 1970, em 12 indivíduos, numa primeira análise não existia informação vacinal na FIV nem posteriormente no BIS pelo que foram excluídos da análise, ficando a amostra constituída por 411 indivíduos. Relativamente à taxa de cobertura vacinal ela foi muito semelhante à registada na região e à registada em Portugal Continental, onde só a partir da geração nascida depois de 1990 é que aquela taxa atingiu valores superiores a 95% para, pelo menos, uma dose de vacina (DGS, 2012b,c; DGS, 2013b,c; Tabela 1.
Estado vacinal dos indivíduos nascidos antes de 1990 (n = 206)
Analisando o estado vacinal dos indivíduos nascidos antes de 1990 da amostra Tabela 2, verificamos que do total dos 206 indivíduos de quem foi possível obter a história vacinal, 54 (26,2% do total da amostra) não apresentaram registos de terem feito a vacina contra o sarampo nos seus registos vacinais. E entre estes 54, 51 (94,4%) nasceram entre 1970 e 1984, altura em que o calendário vacinal português já contemplava uma dose de VAS, apesar disso, estes indivíduos não foram vacinados Tabela 2.
Com registo de terem tomado apenas uma única dose de vacina, temos 62 indivíduos (30,09%), tendo estes nascido na sua maioria 47/62 (75,8%) entre 1977-1984, altura em que o PNV português contemplava apenas uma única dose de VAS Tabela 2.
Com registos de duas tomas de vacina contra o sarampo recolhemos dados de 90 indivíduos (41,3% do total da amostra). Todos nasceram depois de 1987, altura em que já poderiam ter tomado duas doses de vacina Tabela 2.
Ao avaliarmos a evolução da história vacinal verificamos que a taxa de cobertura vacinal foi de 38,88% na geração nascida antes de 1977, de 76,03% na geração nascida entre 1977 e 1984 e de 93,88% na geração nascida entre 1985 e 1990 Tabela 2.
Relativamente à idade em que indivíduos realizaram a primeira toma de vacina VAS, verificamos que apenas 3/152 (1,97%) o fizeram antes dos 12 meses de idade, tendo a sua maioria 98/152 (64,47%) tomado a vacina, na idade recomendada pela DGS, entre os 12 e os 24 meses de idade. Mas existem 51/152 (33,55%) que tomaram a vacina depois dos 24 meses de idade Tabela 2.
Análise da evolução do cumprimento do calendário vacinal na amostra na geração nascida entre 1970 e 1990
Na análise da Tabela 3, podemos verificar que à medida que o tempo foi passando (coortes nascidas mais recentemente) a idade da primeira toma foi-se aproximando do intervalo de tempo compreendido entre os 12 e 24 meses (r = - 0,239; p = 0,001; Tabela 3. No entanto, não parece ter havido qualquer alteração com o passar do tempo no cumprimento da idade para a realização da segunda dose de vacina contra o sarampo nesta amostra, uma vez que a idade da segunda toma foi sendo sempre bastante respeitada ao longo deste tempo (r = 0,162; p = 0,122; Tabela 3.
Já o esquema vacinal foi fortemente associado com a coorte de nascimento a que os indivíduos pertencem (r = 0,684; p = 0,038). Sendo que os que nasceram antes de 1977 fizeram na sua maioria o esquema vacinal: VAS I 13/14 (92,85%). Os nascidos entre 1977-1984, uma boa parte deles fez o esquema VAS I 22/92 (23,91%), outros o esquema VASPR I 25/92 (27,1%), outros ainda o esquema VAS I - VASPR I 39/92 (42,39%). Os nascidos depois de 1984 fizeram, na sua grande maioria 35/46 (76,08%), o esquema VASPR I - VASPR II Tabela 3, o que corresponde às recomendações do PNV da altura a que pertence cada uma das gerações.
Estado vacinal dos indivíduos nascidos depois de 1990 (n = 205)
Neste grupo todos os indivíduos foram vacinados com a formulação vacinal VASPR, a distribuição dos grupos de indivíduos selecionados por esquema vacinal (idades das primeira e segunda toma) e taxa de cobertura vacinal está detalhadamente descrita na Tabela 4.
Idade da primeira toma
No grupo dos indivíduos nascidos depois de 1990, tanto na geração nascida antes de 1993, como na geração nascida depois, a maioria dos indivíduos 196/205 (95,61%) realiza a VASPR I na idade recomendada pela DGS (entre os 12 e 24 meses de idade; Figura 1). Já a taxa de cobertura vacinal para a primeira dose, foi de 95,51% na coorte nascida antes de 1993 de 100% na coorte nascida depois daquela data Tabela 4.
Idade da segunda toma
Os indivíduos nascidos antes de 1993, inclusive, realizaram na sua grande maioria a VASPR II aos 10-13 anos de idade 67/89 (75,28%) e os nascidos depois desse ano realizaram a VASPR II aos 5 - 6 anos de idade 106/116 (91,38%). No entanto existem 12 nascidos antes de 1993 inclusive e um nascido depois daquela data, que realizaram aquela vacinação entre 7-9 anos de idade, o que não corresponde a nenhuma estratégia de vacinação. A taxa de cobertura vacinal para a segunda dose de vacina contra o sarampo foi 91,01% nas gerações nascidas entre 1990-93, inclusive e de 95,6% para a geração nascida depois desse ano Tabela 4.
Discussão
Estado vacinal dos indivíduos nascidos antes de 1990
A taxa de cobertura vacinal da estratégia VASPR aumentou nesta amostra de valores de pouco mais de 30% para valores superiores a 95%, ao longo do tempo, desde a introdução da VAS em 1973 (DGS, 2016).
A idade esteve associada à taxa de cobertura vacinal. As gerações mais novas são as que apresentam maior número de doses de vacina e são também aquelas que fizeram essas tomas nas idades recomendadas pela DGS, à semelhança do que acontece noutras regiões de Portugal e do mundo, onde a vacina contra o sarampo é aplicada de forma sistemática desde a sua introdução (DGS, 2016; Plans, 2010; Tharmaphornpilas et al., 2009).
Nos esquemas vacinais vigentes para a sua idade, nos indivíduos nascidos antes de 1977, era aconselhada a vacinação com uma dose de vacina contra o sarampo no segundo ano de vida com a vacina monovalente (VAS); a VASPR não fez parte do calendário recomendado a este grupo etário. Este grupo tem a maior proporção de não-vacinados 22/36 (61, 11%) e nenhum deles recebeu duas doses de vacina. Dos 14 vacinados contra o sarampo: 10 no segundo ano de vida e quatro depois dessa idade, 13 receberam a velha VAS.
Pelo esquema recomendado na época, os nascidos entre 1977 e 1984 teriam recebido a velha VAS no segundo ano de vida e a VASPR na adolescência; 29 desses indivíduos não recebeu qualquer vacina 29/121 (23,9%).
No grupo dos nascidos entre 1977 e 1984, 92/121 (76,03%) receberam pelo menos uma dose de vacina e foram observados os quatro esquemas vacinais possíveis, iniciados com VAS ou VASPR. As idades de administração da primeira e da segunda dose, dependem desse esquema. Embora, na maior parte dos casos as vacinas tenham sido administradas nas idades recomendadas, esta é a geração com maior proporção de primeiras doses tardias (depois dos 24 meses de idade). Sendo que estas administrações tardias podem corresponder a campanhas de vacinação extraordinárias e a esforços adicionais levados a cabo pelos profissionais de saúde com o objetivo de aumentar a adesão à vacinação (Subtil, 2011).
Entre os nascidos depois 1984 (pelo esquema recomendado teriam duas doses de vacina, iniciadas com VAS ou VASPR, antes ou depois de 1987) apenas três não receberam qualquer dose de vacina e um recebeu apenas uma dose. A maior parte recebeu duas doses de vacina 45/49 (91,84%), mediante duas combinações possíveis: VAS+VASPR ou VASPRI+VASPRII, dependendo da vacina disponível na época pelo PNV. Na maior parte dos casos, as duas doses foram administradas nas idades recomendadas.
Estado vacinal dos indivíduos nascidos depois de 1990
Nos indivíduos nascidos depois de 1990 verifica-se que quase todos eles estão vacinados com duas doses de VASPR (taxa de cobertura vacinal muito próxima dos 100%, para a primeira e segunda dose de VASPR), o que nos faz antever o cumprimento das orientações da DGS (2011a,b,c) e da WHO (2011), no que diz respeito ao objetivo de eliminar o sarampo através de manutenção de elevadas taxas de coberturas vacinal, que devem ser superiores a 95% em toda população.
Se compararmos este grupo com o grupo dos nascidos antes de 1990, podemos verificar que estes estão mais e melhor vacinados. Ou seja, as taxas de cobertura vacinal são maiores e respeitam melhor as idades de vacinação indicadas pela DGS.
Os dados da DGS (DGS, 2012b) atestam que a cobertura vacinal contra o sarampo em Portugal se situa acima dos 95% para a primeira dose, pelo menos desde 1990 e 95% para a segunda dose, desde pelo menos 2006.
No que diz respeito ao cumprimento das idades recomendadas para a administração da primeira e segunda dose de vacina, uma grande percentagem de indivíduos dos grupos nascidos depois 1990 respeita as idades recomendadas pela DGS (DGS, 2012a,b,c), sendo a média de 15 meses de idade para a primeira dose e 5-6 anos ou 10-13 anos, para a segunda dose, nos grupos nascidos depois de 1993 e nos nascidos antes de 1993, respetivamente.
Em 1990, quando a DGS recomenda uma segunda dose de vacina VASPR II que deveria ser administrada entre os 10 e os 13 anos de idade, os grupos que nasceram entre 1990-93 deveriam ter seguido essa estratégia e de facto a sua larga maioria 66/81 indivíduos (81,5%) assim o fez. No entanto, existem dois indivíduos nascidos nesta coorte, que antecipam essa toma, fazendo a vacina entre os 5-6 anos de idade e existem 13 indivíduos em que a toma entre os 7 e os 9 anos de idade, o que não corresponde a nenhuma das diretrizes da DGS. Esta antecipação, no primeiro caso, está relacionada com o facto desses dois indivíduos terem sido vacinados fora de Portugal, nomeadamente no Brasil e no Canadá, onde provavelmente a segunda dose de vacina já era dada aos 5-6 anos de idade naquelas coortes de nascimento, no segundo caso, ao possível aproveitamento de oportunidades vacinais, uma vez que a idade em que a vacina foi administrada estava muito próxima dos 10 anos. Dos 13 indivíduos, 11 fizeram a vacina no 9º ano de vida, dois fizeram na idade de 8,42 e 8,46 anos de idade, muito próximo dos 10 anos. Estes jovens foram possivelmente vacinados numa das suas deslocações ao centro de saúde e teriam aproveitado essa oportunidade para se vacinarem.
As coortes nascidas depois de 1993 deveriam ser as primeiras a tomar a segunda dose de vacina entre os 5-6 anos de idade. De facto, para a generalidade da amostra aqui estudada, a maior parte dos indivíduos nascidos entre 1990-93 realizaram a segunda dose de vacina entre os 10-13 anos de idade e os indivíduos nascidos depois de 1993 realizaram a segunda toma de vacina quando tinham entre 5-6 anos. O que está de acordo com as orientações da DGS nas suas diferentes circulares normativas (DGS, 1987, 1990, 1999, 2001). No entanto, existem três indivíduos nascidos depois de 1993 que ainda tomam a vacina segundo a estratégia antiga (entre os 10-13 anos de idade) e outro aos 9 anos de idade, provavelmente porque perderam a primeira oportunidade de ser vacinados quando tinham a idade de 5-6 anos, já só foram vacinados na segunda oportunidade de vacinação que ocorreu quando tinham entre 9-13 anos de idade.
Os dados apresentados ao longo deste estudo estão de acordo com os dados da região de onde a amostra foi retirada (DGS, 2013b,c) e com os dados do resto de Portugal Continental (DGS, 2012a). As principias limitações deste estudo prendem-se com o facto de a amostra ser de conveniência e não ser representativa da população portuguesa pelo que a extrapolação destes resultados para esta população deva ser feita com cautela. Note-se, no entanto, que os valores obtidos nesta amostra não diferem das estatísticas nacionais, nomeadamente no que diz respeito às taxas de cobertura vacinal e às características gerais da amostra, para além da história vacinal resultar da consulta de registos vacinais fiáveis e detalhados (FIV e BIS).
Conclusão
Na amostra estudada, em 20 anos, a taxa de cobertura vacinal, da vacina contra o sarampo aumentou de valores de pouco mais de 30%, para primeira dose, nas gerações nascidas na década de 70, para valores acima dos 95% para a primeira e segunda dose, nas gerações nascidas depois de 1993. A idade e os respetivos anos de nascimento influenciaram o estado vacinal dos indivíduos. As gerações mais novas encontram-se mais e melhor vacinadas. À medida que a estratégia VASPR foi sendo aplicada em Portugal, a taxa de cobertura vacinal foi aumentando para as duas doses de vacina, assim como o cumprimento das idades para a realização da primeira e segunda dose de vacina, seguindo as diferentes orientações da DGS, nas suas diferentes circulares normativas. As gerações mais velhas, nascidas antes de 1984, iniciaram a vacinação com a vacina monovalente VAS e as mais novas, nascidas depois daquela data, já a iniciaram com a vacina trivalente VASPR. No entanto há indivíduos nascidos antes de 1984 inclusive, vacinados com VASPR, representando nestes casos a vacinação, um esforço adicional de elevar a taxa de cobertura vacinal, uma vez que estes indivíduos já foram vacinados, na sua grande maioria, depois dos 15 meses de idade, devendo-se este acontecimento à ocorrência de estratégias complementares de luta contra o sarampo, que foram sendo realizadas em Portugal ao longo do tempo. Nos grupos mais jovens, nascidos depois de 1990 a taxa de cobertura vacinal é superior a 95 % para as duas doses de vacina, o que faz antever o cumprimento de Portugal nos seus objetivos de eliminação do sarampo, parotidite e rubéola no que diz respeito ao cumprimento e à manutenção da taxa de cobertura vacinal superior a 95%.
Os níveis promoção da saúde e de prevenção da doença alcançados com a elevada adesão à vacinação, verificada em Portugal, têm mantido o país como exemplo mundial de aplicação de programas de vacinação, com resultados só comparáveis com a distribuição de água potável às populações. No alcance deste objetivo, não podemos ignorar o contributo dos enfermeiros que trabalham na área da vacinação nos Cuidados de Saúde Primários em Portugal, pois não só se têm limitado a vacinar como têm incentivado elevados níveis de adesão à vacinação, com administrações das vacinas nas idades recomendadas pela DGS e com toda a vigilância epidemiológica que realizam na aplicação do PNV.
A importância deste estudo é evidenciada pela análise retrospetiva do cumprimento dos objetivos da DGS e da OMS na aplicação da vacina contra o sarampo, parotidite e rubéola em Portugal, e também pelo estudo dos contributos dados pelos enfermeiros no cumprimento desses objetivos. Numa altura em que começam a surgir, um pouco por todo o mundo, movimentos anti vacinação, desenvolver ações, atividades e estratégias que promovam a manutenção de elevadas taxas de cobertura vacinal de forma adequada, parece-nos perentório, pois até ao momento, as taxas de cobertura vacinais superiores a 95%, com administração nas idades recomendadas, parecem ser o melhor método de controlar e eliminar as doenças alvo do PNV, e neste campo, os enfermeiros continuaram certamente a ser determinantes na manutenção desse objetivo, como até aqui muito bem têm feito.
Referências Bibliográficas
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Recebido para publicação em: 04.01.17
Aceite para publicação em: 09.03.17