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Revista de Enfermagem Referência

versão impressa ISSN 0874-0283

Rev. Enf. Ref. vol.serIV no.13 Coimbra jun. 2017

https://doi.org/10.12707/RIV17008 

ARTIGO DE INVESTIGAÇÃ0 (ORIGINAL)

RESEARCH PAPER (ORIGINAL)

 

Vivências e necessidades dos pais no internamento do filho adolescente com comportamento autolesivo

Experiences and needs of parents of adolescentes with self-harm behaviors during hospitalization

Experiencias y necesidades de los padres durante el internamiento del hijo adolescente con comportamiento autolesivo

 

Maria Edite de Miranda Trinco*; José Carlos Santos**; António Barbosa***

* MsC., Enfermeira Especialista, Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, 3000-075, Coimbra, Portugal [editetrinco@esenfc.pt]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica, recolha, tratamento e análise de dados, discussão e redação do artigo. Morada para correspondência: Urbanização Ferreira Jorge, Lote 6 - 2º Esq, 3040-016, Coimbra, Portugal.

** Ph.D., Professor Coordenador, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, 3046-851, Coimbra, Portugal [jcsantos@esenfc.pt]. Contribuição no artigo: orientador, análise de dados, discussão e revisão do artigo.

*** Ph.D., Professor, Faculdade de Medicina de Lisboa, 1649-028, Lisboa, Portugal [cbioetica@medicina.ulisboa.pt]. Contribuição no artigo: orientador, análise de dados, discussão e revisão do artigo.

 

RESUMO

Enquadramento: A família é um agregado especialmente destinado à realização dos seus elementos, ajudando o adolescente a crescer num sincronismo harmonioso, visto serem os comportamentos autolesivos mais frequentes nesta etapa da vida, particularmente entre as raparigas.

Objetivos: Identificar as vivências/necessidades dos pais dos adolescentes com idade entre os 13 e os 18 anos com comportamento autolesivo, e que ficaram internados no serviço de urgência de um hospital pediátrico.

Metodologia: Estudo qualitativo, exploratório-descritivo, com abordagem fenomenológica, numa amostra de conveniência constituída por 38 pais. Foi utilizada a entrevista semiestruturada com posterior análise de conteúdo.

Resultados: Da análise, emergiram 4 categorias (Impacto da noticia, Sentimentos/Emoções, Pensamentos, Necessidades). Sendo que a categoria Sentimentos/Emoções apresenta duas subcategorias (Negativo/Positivo).

Conclusão: Os resultados obtidos evidenciaram que esta situação provoca Sentimentos/Emoções ambivalentes nos pais que manifestaram o ensejo de falarem com o enfermeiro sobre o sucedido e poderem ter orientação de como lidar com o filho mas, sobretudo, sem serem criticados/estigmatizados assim como o adolescente.

Palavras-chave: família; adolescente; comportamento autodestrutivo; acontecimentos que mudam a vida; necessidades; hospitalização

 

ABSTRACT

Background: The family is particularly designed to enable family members to achieve fulfillment, helping adolescents to grow in a synchronic harmony, since self-harm behaviors are more common at this stage of life, particularly among girls.

Objectives: To identify the experiences/needs of parents of adolescents aged 13 to 18 years with self-harm behaviors and who were admitted to the emergency department of a pediatric hospital.

Methodology: This is a qualitative, exploratory-descriptive study with a phenomenological approach, using a convenience sample composed of 38 parents. Semi-structured interviews were conducted and later analyzed following the content analysis technique.

Results: Four categories emerged: Reaction to the news; Feelings/Emotions; Thoughts; and Needs. The Feelings/Emotions category is divided into two subcategories: Negative and Positive.

Conclusion: Results showed that this situation causes mixed Feelings/Emotions in parents, who expressed the desire to talk to the nurse about what was happening, receive guidance on how to deal with their child, but, above all, not to feel criticized and stigmatized.

Keywords: family; adolescent; self-injurious behavior; life change events; needs; hospitalization

 

RESUMEN

Marco contextual: La familia es un grupo especialmente destinado a la realización personal de sus individuos, y a ayudar al adolescente a crecer en un sincronismo armonioso, ya que los comportamientos autolesivos son más frecuentes en esta etapa de la vida, particularmente entre las chicas.

Objetivos: Identificar las experiencias y las necesidades de los padres de los adolescentes con edades comprendidas entre los 13 y los 18 años con comportamiento autolesivo, y a los que se les internó en el servicio de urgencias de un hospital pediátrico.

Metodología: Estudio cualitativo, exploratorio y descriptivo, con enfoque fenomenológico, en una muestra de conveniencia constituida por 38 padres. Se utilizó la entrevista semiestructurada y posteriormente el análisis de contenido.

Resultados: Del análisis surgieron 4 categorías (Impacto de la noticia, Sentimientos/Emociones, Pensamientos, Necesidades). A su vez, la categoría Sentimientos/Emociones presenta dos subcategorías (Negativo y Positivo).

Conclusión: Los resultados obtenidos mostraron que esta situación provoca Sentimientos/Emociones ambivalentes en los padres que manifestaron la ocasión de hablar con el enfermero sobre lo sucedido y poder recibir orientación de cómo lidiar con el hijo y, sobre todo, sin ser criticados y estigmatizados, ni ellos ni el adolescente.

Palabras clave: família; adolescente; conducta autodestructiva; acontecimientos que cambian la vida; necesidades, hospitalización

 

Introdução

A família é um agregado especialmente destinado à realização pessoal dos seus elementos, mas não uma identidade diferente destes e muito menos superior ou soberana. A família enquanto grupo tem como objetivo o bem de todos e de cada um dos indivíduos que a integram (Campos & Campos, 2016), exercendo funções de proteção, afeto, formação social e cívica, proporcionando paulatinamente a autonomia e socialização do adolescente (Relvas, 2004).

O adolescente é geralmente saudável, com baixos níveis de morbilidade e mortalidade, comparativamente com a infância e a idade adulta. No entanto, existem adolescentes em que as diversas transformações e exigências, necessidades de ajustes e reajustes internos e externos, instabilidade e desequilíbrio, geram dificuldades na gestão do desenvolvimento saudável nos campos afetivo, pessoal, familiar, escolar e de socialização, tornando-os desta forma vulneráveis a comportamentos autolesivos (Trinco & Santos, 2015). Estes comportamentos exercem sobre os pais um mal-estar constante com sentimentos de tristeza, inquietação, ansiedade, culpa e medo do futuro (Greene-Palmer et al., 2015).

De acordo com o Plano Nacional de Prevenção do Suicídio 2013-2017 (Direção-Geral da Saúde, 2013) são considerados comportamentos autolesivos, os comportamentos que envolvem atos autolesivos com ou sem intencionalidade suicida, tais como: ingestão de uma substância ou objeto não ingerível, ingestão de fármacos em doses superiores às dosagens terapêuticas, ingestão de uma droga ilícita ou substância psicoativa com intencionalidade deliberada de autoagressão, saltar de um lugar relativamente elevado e automutilação. Por vezes este tipo de comportamentos implica mudanças individuais e familiares que terão ressonância a nível estrutural, processual, cognitivo e emocional no adolescente e nos pais (Ferrey et al., 2016).

Na revisão sistemática da literatura podemos identificar alguns autores como Morgan et al., (2013), Buus, Caspersen, Stenager, >e Fleischer (2014), Greene-Palmer et al., (2015) e Ferrey et al., (2016). Estes autores investigaram as vivências e necessidades dos pais perante um comportamento autolesivo do filho. Cada família vivencia a sua experiência de forma particular mas as necessidades são transversais e estão ancoradas sobretudo na relação de ajuda para si próprios e para o adolescente. Contudo, todos os estudos são realizados em contexto de ambulatório, não tendo sido explorada a temática em contexto de internamento.

Face ao exposto, pretendemos enveredar por um paradigma de investigação qualitativa, com recurso à entrevista semiestruturada aos pais, com a finalidade de aprofundar o conhecimento sobre as vivências e identificarmos as necessidades destes pais durante o internamento do filho. Desta forma, contribuir para melhorar a prática dos cuidados de enfermagem que promovam práticas assertivas nas interações com a família, ajudando-a a desenvolver as suas competências para uma melhor resposta aos seus problemas.

E é nesta perspetiva e problematização dos cuidados à família que desenvolvemos este estudo com os objetivos de compreender as vivências dos pais durante o internamento de um filho com comportamento autolesivo, e identificar as necessidades sentidas pelos pais durante o internamento.

 

Enquadramento

Ao longo da evolução das sociedades, encontramos uma pluralidade de definições de família, podendo analisar importantes diferenças transculturais entre os seus membros, assim como o esperado de cada um e da família no seu todo. Desta forma a diversidade de modelos familiares complexifica um consenso de definição única de família, ainda que todos tenhamos uma conceção e atitude básica relativamente a ela (Hanson, 2005).

Para uma melhor compreensão da especificidade e complexidade da família enquanto grupo relacional, devemos vê-la à luz da perspetiva sistémica, onde a família é considerada um sistema aberto, social e auto-organizado em permanente transformação. Definindo-se pelo significado que confere às relações interpessoais e onde as exigências internas e externas implicam uma permanente flexibilidade, de forma a dar resposta a novas circunstâncias e resolução de crises, sem que seja posta em causa a sua continuidade, coesão, coerência, funções e identidade (Alarcão, 2006).

E é neste permanente equilíbrio entre a homeostasia e a transformação, que uma família com filhos adolescentes vive um período de transição e maior vulnerabilidade no seu ciclo vital, e onde o sistema tem que encontrar o seu novo equilíbrio para ultrapassar da melhor forma estas crises (Dias, 2011).

A adolescência é reconhecidamente um período decisivo no desenvolvimento e assimilação de comportamentos e condutas saudáveis ou de risco que poderão hipotecar a saúde no futuro (Ordem dos Enfermeiros, 2010).

Muitas vezes os comportamentos de risco conduzem a comportamentos autolesivos, levando o adolescente e família aos serviços de urgência. Contudo, e de acordo com a Hawton, Saunders, e Connor (2012) só uma pequena parte destes adolescentes tem contacto direto com os cuidados de saúde.

A literatura sugere que estes comportamentos autolesivos têm início na adolescência, sendo as intoxicações e sobredosagens terapêuticas sem intenção suicida e as automutilações o modus operandi mais utilizados (Direção-Geral da Saúde, 2013). As raparigas têm maior tendência para os comportamentos autolesivos sem intenção suicida (Zetterqvist, 2015; Guerreiro, Sampaio, & Figueira, 2014).

Estes comportamentos são considerados um problema de saúde pública (Carvalho, Castilho, Motta, Caldeira, & Pinto-Gouveia, 2015) e carentes de compreensão e acompanhamento na sua complexa interação biopsicossocial, relacional e familiar devido ao seu manifesto crescimento, hipotecando um futuro saudável.

Em Portugal estudos realizados por Guerreiro et al. (2014) revelam que dos adolescentes investigados 7% a 43% tiveram um comportamento autolesivo ao longo da vida. Também o estudo de Trinco e Santos (2015) nos diz que 8% a 12% dos adolescentes internados com alteração do comportamento são-no por comportamento autolesivo, nomeadamente automutilação e intoxicação por fármacos e tóxicos, sem intenção suicida.

Estes adolescentes quando são internados podem ficar acompanhados por um familiar durante todo o processo de internamento. E é neste contexto que o presente trabalho procura identificar as vivências e as necessidades destas famílias, sobretudo dos pais, pois estes têm um papel muito exigente e complexo dentro da estrutura familiar, já que o seu desempenho é crucial para assegurar a homeostasia da sobrevivência, segurança, desenvolvimento e crescimento dos filhos. A hospitalização de um filho é um processo stressante para toda a estrutura familiar (Arbuthnott & Lewis, 2015).

De acordo com a Ordem dos Enfermeiros (2010) a presença do adolescente e suas famílias nos serviços de saúde são uma oportunidade única para a promoção da assistência ao jovem e sua família, dando primazia aos cuidados centrados na família e não exclusivamente no doente, devendo o enfermeiro especialista em saúde infantil e pediátrica e de acordo com o regulamento da mesma entidade, utilizar um modelo conceptual, centrado neste binómio como enfoque dos seus cuidados.

Compreender como os pais vivenciam estas transições ao nível da sua função como família e neste momento crítico tanto para si como para o adolescente. Torna-se de suma importância para a enfermagem pediátrica, visto serem os enfermeiros os principais cuidadores destes adolescentes mas também das suas famílias. Assistindo-os nas várias transições a que estão expostos e ajudando-os nas novas fases facilitando o processo de aprendizagem de competências, pois alguns eventos críticos e alterações circunstanciais podem desencadear mudanças no adolescente, assim como na família, levando-os a transtornos comportamentais, de identidade ou mesmo no seu desempenho (Meleis, Sawyer, Im, Hilfinger Messias, & Shumacher, 2000).

Apesar dos estudos de Morgan et al. (2013), Buus et al. (2014), Greene-Palmer et al. (2015) e Ferrey et al. (2016) descreverem o acontecimento como crítico para os pais, não se encontra evidência científica no que alude à hospitalização do adolescente e família. Compete à enfermagem assumir um papel facilitador neste processo transaccional, olhando a família e o jovem como parceiros dos cuidados, reconhecendo e desenvolvendo a capacitação familiar para lidar com a situação.

Assim, entendemos ser pertinente a realização de um trabalho de pesquisa complementar que visasse esta realidade, compreendendo como é que os pais vivenciam este momento e quais as suas necessidades, tendo como escopo a consecução de possíveis contribuições para a prática de enfermagem pediátrica, facultando novas ferramentas ao enfermeiro perante esta temática

 

Questões de investigação

Quais as vivências dos pais perante o comportamento autolesivo de um filho adolescente no internamento de um hospital pediátrico?

Quais as necessidades dos pais durante o internamento de um filho adolescente com comportamento autolesivo?

 

Metodologia

Dada a complexidade da experiência de ter um filho adolescente com comportamento autolesivo, internado num hospital pediátrico, enveredamos pelo paradigma da investigação qualitativa, exploratória-descritiva, com uma abordagem fenomenológica.

A nossa opção é corroborada por Fortin (2009), que nos diz que a investigação qualitativa se propõe, essencialmente, estudar fenómenos e problemas mal conhecidos, explorando em profundidade um conceito ou experiência ou o significado atribuído a essa mesma experiência, tendo como objetivo uma melhor compreensão dos factos, onde o processo é interativo, ajudando a clarificar a experiência e significado que os participantes atribuem à sua vivência, produzindo assim conhecimento científico com impacto na consolidação da enfermagem enquanto ciência e disciplina.

De acordo com a autora supra citada, a experiência vivida é diretamente compreensível a quem a vivenciou e só esse indivíduo pode falar dela com toda a autenticidade. Assim sendo, para consubstanciar a pesquisa, foram realizadas entrevistas semiestruturadas aos pais que acompanharam o filho com comportamento autolesivo no internamento, com base no guião composto por uma caracterização sociodemográfica da família e uma pergunta aberta sobre como foi viver esta situação e quais as necessidades sentidas durante o internamento no hospital. As entrevistas foram gravadas em áudio e posteriormente transcritas e analisadas.

 

Amostragem

Para a seleção dos participantes recorremos a uma amostra por conveniência de modo a conseguir respostas específicas e diferenciadas. A recolha dos dados decorreu entre os meses de janeiro e novembro de 2015, no serviço de urgência de um hospital pediátrico da região centro.

A amostra do estudo foi sequencial, incluindo todos os pais que cumpriram os critérios de inclusão e que aceitaram participar no estudo. É uma amostra constituída por 34 mães e quatro pais de adolescentes que tiveram uma intoxicação medicamentosa voluntária e/ou uma automutilação sem intenção suicida que ficaram internados no serviço de urgência do hospital pediátrico, com idades compreendidas entre os 13 e os 18 anos (exclusive). Trinta e sete são pais biológicos e uma mãe adotiva, dos distritos de Coimbra, Aveiro, Leiria e Guarda. Foram considerados como critérios de exclusão acompanhantes que não fossem pai/mãe, adolescentes com intenção suicida, família com perturbação psíquica em crise.

Foi obtido parecer favorável da comissão de ética da instituição, com a Refª CHUC-110-13. Todos os participantes deram o seu consentimento livre e esclarecido por escrito para participar no estudo, após lhes terem sido explicados os propósitos do estudo e garantido o anonimato e a confidencialidade dos dados, tendo sempre presente os princípios contemplados no Código Deontológico do Enfermeiro.

Procedimento de colheita de dados

A colheita de dados foi realizada através de uma entrevista semiestruturada, que é a técnica que melhor permite ao entrevistado expressar de forma clara os seus pensamentos. Após convite aos pais para participarem no estudo, assegurando a confidencialidade e anonimato dos dados, assim como a voluntariedade para abandonarem a sua participação em qualquer momento, sem prejuízo resultante, foi assinado voluntariamente o consentimento informado, livre e esclarecido por todos os participantes.

As entrevistas decorreram após a primeira consulta depois da alta no serviço de pedopsiquiatria dos hospitais da área de residência dos participantes, tendo sido gravadas em suporte áudio, em ambiente isento de interrupções e perturbações, a entrevista mais breve foi de 33 minutos e a mais longa de 90 minutos, com uma duração média de 60 minutos, tendo sido transcritas e analisadas posteriormente. Verificámos que o conteúdo das respostas se tornara improfícuo ao fim de 38 entrevistas pelo que decidimos parar a sua prossecução. Durante as entrevistas foram feitas anotações escritas de forma a auxiliarem uma melhor compreensão das respostas dos pais sobre as suas vivências.

Após a finalização do processo da recolha de dados, emergiram os resultados mais significativos relacionados com o vivido pelos pais numa situação de terem um filho adolescente com um comportamento autolesivo e que ficou internado e quais as suas necessidades durante o internamento, posteriormente foram analisados, tendo como finalidade dar resposta às questões de investigação por nós formuladas.

Resultados e discussão

Para uma melhor compreensão e interpretação dos dados foi utilizada a técnica de análise de conteúdo com base em Bardin (2009) com recurso ao programa NVIVO8, cumprindo as etapas de codificação e formulação de categorias e subcategorias.

Da análise de conteúdo realizado às entrevistas emergiram as categorias e subcategorias, dados importantes para conhecermos como é que os pais vivenciaram o conhecimento da notícia, que sentimentos/emoções sentiram e o que pensaram perante a situação. Assim como conhecermos as suas necessidades durante o internamento, conforme podemos observar nas figuras seguintes.

 

Figura 1

 

Figura 2

 

Síntese narrativa das categorias encontradas

Confronto com a notícia

Nesta categoria os pais reconhecem que é um momento de grande impacto negativo nas suas vidas. Tiveram manifestações de: surpresa, seguida de um misto de revolta, desespero e vergonha.

As expressões são bem esclarecedoras desta vivência no momento em que são confrontados com a notícia: “Nunca pensei que ela o fizesse . . . uma grande e triste surpresa quando vi a carta que ela escreveu e os cortes, perdi o chão . . . senti uma grande revolta” (E33, 7 de agosto, 2015); “Fiquei sem qualquer reação, senti uma vergonha horrível, só me apetecia bater-lhe” (E35, 23 de setembro, 2015).

Sentimentos/emoções

A expressão de sentimentos e emoções também surge repetidamente ao longo das entrevistas, porque entrar no hospital e acompanhar um filho no internamento leva os pais a terem sentimentos e emoções ambivalentes, se por um lado eles vivem momentos de tristeza, sofrimento, preocupação, dor, desorientação, desespero e apatia, ao mesmo tempo acreditam que este pode ser o momento de resolução da situação.

Esta ambivalência está bem patente nos discursos, como podemos comprovar com as seguintes narrativas: “Senti-me muito triste, só me apetece chorar . . . é um sofrimento muito grande” (E23, 30 de junho, 2015); “Se ela não me atende o telemóvel fico em pânico, nunca mais estive descansada” (E28, 9 de julho, 2015).

Por vezes, os pais também verbalizaram que pensaram que aquele momento podia fazer a diferença nas suas vidas, podendo o adolescente perceber que este caminho estava errado. “Pode ser que lhe sirva para refletir na vida e ver que fez mal” (E31, 4 de agosto, 2015).

Pensamentos

Ao longo das entrevistas surgiram descrições dos pensamentos dos pais sobre o ato deliberado do filho. Emergiu assim a necessidade de saber o porquê, o que é que poderia fazer agora, a culpa do sucedido, a desorientação que sentiram quando confrontados com a situação e a desesperança, mas também relatos de desvalorização para os acontecimentos. O primeiro pensamento que os pais tiveram foi de tentar saber o porquê daquele ato, como referiram: “Não penso no futuro, nem quero pensar” (E2, 5 de fevereiro, 2015); “Isto é muito difícil, por vezes perco a esperança no futuro . . . tenho muito medo do futuro” (E17, 9 de junho, 2015); “Sentirem que tinham fracassado como pais . . . onde é que eu tinha falhado” (E34, 26 de agosto, 2015; E14, 1 de junho, 2015); “Falhei completamente . . . sou uma negligente . . . É como se um projeto ruísse” (E16, 5 de junho, 2015). Isto leva-os a sentirem que as suas competências parentais são inadequadas, apesar de alguns referirem que têm feito tudo para proteger o filho.

A desorientação também é manifestada por alguns pais que narram que o seu pensamento era: “O que vai ser da minha filha? O que é que eu faço agora?” (E1, 23 de janeiro, 2015; E33, 7 de agosto, 2015). Os pais sentiram-se completamente desorientados e sem saberem o que fazer perante aquela situação, mas todos recorreram ao hospital.

Para alguns pais o primeiro pensamento foi de que o filho o estava a manipular e desvalorizaram inicialmente, mas quando confrontados com a realidade acabaram por os levar para o hospital. Uma mãe disse: “Eu pensava que . . . estava com a maluqueira de me chatear, mas depois vi que não era assim” (E10, 14 de abril, 2015; E21, 22 de junho, 2015).

Os pais descrevem que a desesperança se apoderou deles, sobretudo quando o adolescente teve comportamentos recidivantes: “Não penso no futuro, nem quero pensar” (E2, 5 de fevereiro, 2015); “Isto é muito difícil, por vezes perco a esperança no futuro . . . tenho muito medo do futuro” (E17, 9 de junho, 2015).

Necessidades

Os pais têm necessidades relativamente a conhecimentos e informações sobre a maneira como lidar com o filho após a alta. A informação é muito importante para os pais e para a sua capacitação de resolução de crise ou stress, reduzindo sentimentos de incerteza. A hospitalização leva a que os pais sintam uma vulnerabilidade acrescida, sentindo-se invadidos pela dor, dúvida, desespero diante desta nova situação, o que é agravado pela desinformação ou ausência de apoio emocional.

Os discursos dos pais levaram-nos a compreender que a vivência do internamento de um filho é tão marcante nas suas vidas, que acabam por emergir as suas próprias necessidades.

A necessidade mais descrita pelos pais foi a necessidade de compreensão, incluindo o diálogo com os enfermeiros e o apoio emocional. Alguns pais relataram que a falta de atenção dos profissionais de saúde contribuiu para se sentirem mais angustiados:

Eu senti-me muito perdida a necessitar de ajuda mas nunca ninguém me ajudou/falou comigo . . . sem me dirigirem a palavra . . . nem se tinha frio ou calor (E30, 31 de julho, 2015).

Nem mesmo de um copo de água . . . ninguém nos disse absolutamente nada, fizeram-lhe o que tinham que fazer, sem grandes conversas. Eu nem existia ali, ninguém me perguntou nada, nem me disse o que se iria passar. (E31, 4 de agosto, 2015)

Os pais muitas vezes sentiram que os profissionais, para além de não primarem pela comunicação, ainda os estigmatizavam: “Ás vezes sinto-me mal pelos olhares que me lançam, parece que me vão fuzilar, ninguém me deu uma palavra de compreensão” (E8, 10 de março, 2015); “Passavam por mim e até me olhavam de lado. Eu só queria um buraco e desaparecer . . . sentir culpada por eu ter o Benuron® em casa” (E33, 7 de agosto, 2015).

Encontrámos nas entrevistas dos pais a necessidade de saberem o que se passava com o seu filho e de como as coisas iriam decorrer “Só me diziam alguma coisa, e pouca, se eu perguntasse, porque de resto ninguém me disse nada” (E8,10 de março, 2015; E15, 1 de junho, 2015).

Os pais também revelaram que sentem grande necessidade de ter orientações específicas de como orientar o filho quando vai para casa, e que essas orientações são muito escassas: “Quando a levei para casa, ninguém me disse nada de especial” (E12, 19 de maio, 2015); “Fui para casa desesperada por não saber o que fazer” (E3, 11 de fevereiro, 2015).Uma mãe sugeriu mesmo, que: “Um grupo para nós falarmos sobre isto, porque não sabemos como lidar com eles nestas situações. Há grupos de partilha noutras situações porque é que não podia haver aqui também?” (E2, 5 de fevereiro, 2015).

Os pais manifestam as suas próprias necessidades em relação ao internamento, logo o não saberem o que se está a passar com o seu filho, ou não receberem informações sobre o seu estado de saúde, não serem escutados nem compreendidos, poderá potenciar a sua frustração e incompreensão para o sucedido, sentindo-se negligenciados e ignorados. Quando as necessidades da família não são devidamente compreendidas leva a que os recursos não sejam adequadamente orientados.

Das narrativas identificadas emergem várias áreas de intervenção de enfermagem, nomeadamente: comunicação de más notícias, gestão de emoções, estratégias de coping, literacia em saúde mental e transversalmente a necessidade de uma comunicação eficaz.

 

Conclusão

Neste estudo, procurámos compreender as vivências e necessidades dos pais no internamento do filho adolescente com comportamento autolesivo, sendo que perante as evidências podemos afirmar que esta situação causa um grande impacto nos pais, provocando sentimentos/emoções ambivalentes, mas sobretudo negativas.

Vivenciar o internamento de um filho adolescente com comportamento autolesivo desencadeia nos pais transtornos emocionais, carentes de um apoio psicológico, cuja falta dificulta o enfrentamento do momento de crise. Assim os pais manifestaram o ensejo de poderem falar com o enfermeiro sobre o que estava a acontecer e poderem ter orientação de como lidar com este filho e, sobretudo, não se sentirem criticados e estigmatizados assim como o adolescente perante esta situação.

Portanto, perante a situação de internamento do filho adolescente, há necessidades que os pais apresentam e que a equipa de enfermagem deve dar atenção e sempre que possível resposta adequada. É também tendo isto em conta que se reforça a necessidade de incrementar as competências do enfermeiro no cuidado à criança/adolescente e família, embora pareça estar mais rotinada para os cuidados ao corpo. Exemplo disso é a escassez de estudos com que nos deparámos na nossa revisão bibliográfica, onde a família seja vista como parceira dos cuidados nestas situações.

A enfermagem pediátrica deve desenvolver um olhar integral sobre a família e o adolescente, ambos devendo ser vistos como alvo dos cuidados, o que exige a identificação das necessidades dos pais e a orientação dos cuidados no sentido de satisfazê-las, e pressupõe a consciencialização da enfermagem relativamente à abrangência da família como objeto dos cuidados nestas situações.

A comunicação e disponibilidade de tempo devem ter primazia na relação enfermeiro/família/adolescente, de forma a permitir uma enfermagem mais humanizada, ouvindo-os, esclarecendo dúvidas, compreendendo os seus sentimentos mas sobretudo mantendo uma relação de respeito e empatia.

Implicações para a prática

O enfermeiro em pediatria ocupa um lugar de excelência no cuidado centrado na família, devendo ter um conhecimento abrangente para compreender o impacto que um comportamento autolesivo do filho adolescente tem sobre os pais. Estes pais são um grupo com necessidades individuais, exigindo da enfermagem um constante conhecimento sistémico, criando estratégias que potenciem os recursos existentes e se convertam em atividades sistematizadas. Estas actividades devem fazer parte das suas rotinas, voltadas para o atendimento das necessidades dos pais, tendo em vista a realização de um cuidado holístico e humanizado.

 

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Recebido para publicação em: 27.01.17

Aceite para publicação em: 17.04.17

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