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Revista de Enfermagem Referência
versão impressa ISSN 0874-0283
Rev. Enf. Ref. vol.serIV no.14 Coimbra set. 2017
https://doi.org/10.12707/RIV17023
ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO
RESEARCH PAPER
A influência da informação fornecida pelos enfermeiros sobre a ansiedade pré-operatória
The influence of the information provided by nurses on preoperative anxiety
La influencia de la información proporcionada por los enfermeros sobre la ansiedad preoperatoria
Marco António Rodrigues Gonçalves*; Maria da Nazaré Ribeiro Cerejo**; José Carlos Amado Martins***
* MsC., Enfermeiro, Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra (Hospital Geral), 3000-075, Coimbra, Portugal [enfmarcopbl@esenfc.pt]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfia, recolha de dados, tratamento e avaliação estatística, análise dos dados e discussão, escrita do artigo. Morada para correspondência: Rua da Laranjeira, nº 13, Machada, 3105-286, Pelariga, Portugal
** MsC., Professora Adjunta, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, 3046-851, Coimbra, Portugal [ncerejo@esenfc.pt]. Contribuição no artigo: tratamento e avaliação estatística, revisão do artigo antes da submissão.
*** Ph.D., Professor Coordenador, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, 3046-851, Coimbra, Portugal [jmartins@esenfc.pt]. Contribuição no artigo: tratamento e avaliação estatística, revisão do artigo antes da submissão.
RESUMO
Enquadramento: Uma grande parte dos doentes manifesta diversos níveis de ansiedade aquando de uma cirurgia. A transmissão de informação no pré-operatório parece reduzir estes níveis de ansiedade.
Objetivos: Avaliar a ansiedade pré-operatória de doentes propostos para cirurgia programada e a informação de enfermagem que possuem; analisar se algumas variáveis sociodemográficas influenciam a ansiedade pré-operatória; e analisar a relação entre a informação de enfermagem e a ansiedade pré-operatória.
Metodologia: Estudo descritivo, correlacional. Aplicado um questionário a 200 doentes internados, no pré-operatório de cirurgia programada.
Resultados: Os doentes percecionam estar melhor informados sobre aspetos organizacionais, comparativamente com os cuidados de enfermagem. O sexo influencia o nível de ansiedade pré-operatória. A informação pré-operatória está relacionada com o número de elementos do agregado familiar e o tempo em lista de espera, no entanto, quando correlacionada com o nível de ansiedade, não apresenta diferenças significativas.
Conclusão: Os enfermeiros devem investir no fortalecimento da informação acerca dos cuidados de enfermagem ao longo do período perioperatório. Esta constitui uma área autónoma da profissão, relevante na prestação de cuidados de qualidade.
Palavras-chave: informação; enfermagem; cirurgia; ansiedade
ABSTRACT
Background: Many patients undergoing surgery experience varying levels of anxiety. The provision of information in the preoperative period seems to reduce the levels of anxiety.
Objectives: To assess preoperative anxiety in patients proposed for elective surgery and their level of nursing information; to analyze whether some sociodemographic variables influence preoperative anxiety; and to analyze the association between nursing information and preoperative anxiety.
Methodology: Descriptive, correlational study. A questionnaire was applied to 200 inpatients in the preoperative period of elective surgery.
Results: Patients perceived to be better informed about organizational aspects than about nursing care. Gender influences the level of preoperative anxiety. Preoperative information is correlated with the number of household members and waiting list time but showed no significant differences when correlated with the level of anxiety.
Conclusion: Nurses should invest in improving the information about nursing care throughout the perioperative period. This is an autonomous nursing area which is relevant to the provision of quality care.
Keywords: information; nursing; surgery; anxiety
RESUMEN
Marco contextual: Una gran parte de los pacientes manifiesta diversos niveles de ansiedad durante una cirugía. La transmisión de información en el preoperatorio parece reducir estos niveles de ansiedad.
Objetivos: Evaluar la ansiedad preoperatoria de los pacientes propuestos para una cirugía programada y la información de enfermería que poseen; analizar si algunas variables sociodemográficas influyen en la ansiedad preoperatoria; y analizar la relación entre la información de enfermería y la ansiedad preoperatoria.
Metodología: Estudio descriptivo, correlacional. Se aplicó un cuestionario a 200 pacientes internados en el preoperatorio de cirugía programada.
Resultados: Los pacientes perciben que están mejor informados sobre los aspectos organizativos en comparación con los cuidados de enfermería. El sexo influye en el nivel de ansiedad preoperatoria. La información preoperatoria está relacionada con el número de elementos del hogar y el tiempo en la lista de espera. Sin embargo, cuando está correlacionada con el nivel de ansiedad, no presenta diferencias significativas.
Conclusión: Los enfermeros deben invertir en el fortalecimiento de la información sobre los cuidados de enfermería a lo largo del período perioperatorio. Esta constituye un área autónoma de la profesión, que es relevante en la prestación de cuidados de calidad.
Palabras clave: información; enfermería; cirugía; ansiedad
Introdução
A cirurgia constitui-se como uma nova realidade que provoca alterações profundas na vida de cada indivíduo, tendo implicações importantes no bem-estar e na saúde, nos padrões basilares da vida ao nível individual e familiar. Existe, no entanto, uma elevada subjetividade que decorre das diferenças individuais, que pode limitar o desenvolvimento do conhecimento e das estratégias de avaliação neste domínio (Santos, Martins, & Oliveira, 2014).
De acordo com Cheever e Hinkle (2015), a experiência cirúrgica ou período perioperatório divide-se em três fases: pré-operatório, intraoperatório e pós-operatório, e defendem que a avaliação do doente cirúrgico no pré-operatório é fundamental, devendo refletir as necessidades físicas, psicológicas, espirituais e sociais do doente e seus conviventes significativos.
A preparação pré-operatória deve visar a componente psicológica do doente cirúrgico, através do desenvolvimento de estratégias para minimizar os estados emocionais sentidos, constituindo uma área em que os enfermeiros têm um papel fulcral no desenvolvimento, consolidação, crescimento e implementação de intervenções e mudanças (Santos et al., 2014).
A ansiedade do doente cirúrgico no pré-operatório é variável, obedecendo a um conjunto alargado de fatores que a poderão influenciar. Segundo a American Psychiatric Association (2014) a ansiedade consiste na antecipação de um perigo indefinido e imprevisível, sendo uma resposta a uma ameaça que é desconhecida e vaga, como seja a cirurgia.
O efeito excessivo e contínuo deste desequilíbrio psicológico repercute-se na recuperação e qualidade de vida dos doentes. Neste sentido, e visto que as consequências associadas a esta problemática nem sempre são mensuráveis de modo objetivo, consideramos que é premente alcançar pontos de partida para a correta avaliação desta perturbação e a forma como pode condicionar um melhor ajuste ao estado de saúde.
Com base neste quadro problemático realizámos um estudo descritivo e correlacional com os seguintes objetivos: avaliar a ansiedade pré-operatória dos doentes propostos para cirurgia programada; analisar se algumas variáveis sociodemográficas influenciam essa ansiedade; avaliar no pré-operatório a informação, fornecida pelos enfermeiros, que os doentes possuem sobre o perioperatório; e analisar a relação entre essa informação e a ansiedade pré-operatória manifestada pelos doentes propostos para cirurgia programada.
Enquadramento
A cirurgia é um evento que causa uma série de constrangimentos no quotidiano do doente, sendo considerada uma transição no processo saúde-doença. O campo da anestesiologia é considerado o que maior contributo tem dado para o crescimento e o desenvolvimento científico da cirurgia moderna. A propósito desta especialidade médica, é sabido que, a grande maioria da população, devido a crenças e mitos, ainda a considera como sendo o maior risco da cirurgia. Relacionada com os procedimentos cirúrgicos, a segurança do doente deve ser sempre uma preocupação para os profissionais de saúde, durante o ato anestésico-cirúrgico (Cheever & Hinkle, 2015).
A enfermagem perioperatória compreende todas as competências que o enfermeiro desempenha no pré, intra e pós-operatório, englobando os vários períodos da experiência cirúrgica. De acordo com Cheever e Hinkle (2015), a prática profissional destes enfermeiros tem por base um modelo que assenta em quatro áreas: a segurança do doente, o sistema de saúde, as respostas fisiológicas e comportamentais. Assim, o enfermeiro tem desenvolvido novas competências nas áreas da comunicação/relação e informação/educação para a saúde. Segundo Akinsulore, Owojuyigbe, Faponle, e Fatoye (2015), a equipa de enfermagem tem a responsabilidade fulcral de ajudar o doente cirúrgico a compreender e a lidar com as alterações físicas, psicológicas e sociais, com as circunstâncias e complexidades que envolvem o momento cirúrgico, de modo a este poder adquirir um certo sentimento de domínio. O período pré-operatório deve incluir uma preparação psicológica, para além da preparação física, pois o aparecimento de desequilíbrios emocionais e psicossociais favorecem o aumento da ansiedade (Barbosa, Terra, & Carvalho, 2014).
Neste sentido, surge a importância da visita de enfermagem pré-operatória (VEPO), que deve ser efetuada a todos os doentes antes da cirurgia, de modo a avaliar e orientar o doente em relação a todo o período perioperatório, esclarecendo as suas dúvidas (Bagés et al., 2015). Gonçalves e Braga (2012) ressalvam que é no período pré-operatório que o enfermeiro deve explorar os conhecimentos que o doente tem e averiguar as suas expectativas em relação à cirurgia. Para além disso, defendem o efeito positivo da transmissão de informação ao doente cirúrgico no pré-operatório na redução dos níveis de ansiedade, no tempo de recuperação, nas complicações cirúrgicas, utilização de analgesia e na satisfação e adesão aos tratamentos. Também Nigussie, Belachew, e Wolancho (2014) concluíram que a informação no período pré-operatório consegue reduzir o nível de ansiedade do doente cirúrgico.
A ansiedade é a antecipação de um perigo indefinido e imprevisível, como sendo a cirurgia, constituindo-se assim como resposta a uma ameaça desconhecida e vaga (American Psychiatric Association, 2014). O modelo da ansiedade traço/estado foi desenvolvido por Spielberger e diferencia a ansiedade em dois tipos. A ansiedade como um estado emocional transitório e a ansiedade como algo que corresponde a um traço da personalidade do indivíduo. No que se refere à forma de avaliação desta emoção, não existe um modo de abordagem universalmente aceite e o instrumento ideal deve ser o mais adequado à população e ao objetivo, fácil de utilizar e que esteja validado para a população em estudo.
Para Aust et al. (2016), a ansiedade no período perioperatório pode ser considerada como parte normal da experiência cirúrgica. No entanto, as pessoas expressam esta emoção de modo diferente e o enfermeiro deve ser enfático, ouvir bem o doente e fornecer informações que ajudem a aliviar as suas preocupações. A diminuição da ansiedade pré-operatória melhora substancialmente os resultados intra e pós-operatórios, sendo influenciada pelo contexto familiar, pessoal, cirúrgico e informativo. Também Marín, Cortés, Sanz, e Serrano (2015) corroboraram a hipótese de que os doentes que acreditam precisar de mais conhecimento e informações, têm níveis de ansiedade pré-operatória mais elevados.
Questões de investigação/Hipóteses
Formularam-se as seguintes questões de investigação: Em que medida alguns fatores influenciam o nível de ansiedade no pré-operatório, dos doentes propostos para cirurgia programada? Qual a influência da informação de enfermagem sobre a ansiedade no pré-operatório, dos doentes propostos para cirurgia programada?
Quanto às hipóteses enunciaram-se as seguintes: O nível de ansiedade no pré-operatório do doente proposto para cirurgia programada está relacionado com a idade e o sexo; O nível de ansiedade no pré-operatório do doente proposto para cirurgia programada está relacionado com o apoio familiar durante o internamento; Existe diferença no nível de ansiedade no pré-operatório do doente proposto para cirurgia programada em função das experiências cirúrgicas anteriores; O nível de ansiedade pré-operatória dos doentes propostos para cirurgia programada está inversamente correlacionado com a informação de enfermagem.
Metodologia
De acordo com os objetivos da investigação, desenvolvemos um estudo descritivo e correlacional, com uma amostra de 200 doentes, 109 mulheres e 91 homens, propostos para cirurgia programada e internados em serviços de cirurgia geral, ortopedia, ginecologia e urologia de um centro hospitalar e universitário público, com cerca de 1950 camas no total, considerado hospital central de acordo com a classificação de hospitais portuguesa.
A amostra
Optámos por uma amostra não probabilística por conveniência com os seguintes critérios de amostragem: ter idade igual ou superior a 18 anos; ter capacidade para ler, interpretar e dar respostas por escrito; ter acuidade auditiva, visual e sem alterações mentais; não ter diagnosticada doença oncológica; e estar a aguardar uma cirurgia programada do âmbito das especialidades cirúrgicas referidas.
Os instrumentos
Para a colheita de dados foi utilizado um questionário, dividido em três partes. A primeira parte diz respeito a alguns dados sociodemográficos, familiares e clínicos; na segunda aplicou-se uma escala construída por nós, em que perante 15 afirmações relativas à informação pré-operatória, os indivíduos da amostra selecionaram se estavam nada informados (0 pontos), pouco informados (1 ponto), informados o suficiente (3 pontos) ou informados demais (2 pontos). A atribuição de 2 pontos à resposta informado demais resulta do entendimento de que a informação em demasia, sendo melhor do que estar nada ou pouco informado, pode, no entanto, ser prejudicial e geradora de ansiedade, devendo por isso ser pontuada em nível inferior à resposta informado o suficiente. Após a respetiva pontuação, quanto maior esta fosse, melhor a perceção dos doentes relativamente aos conhecimentos que possuíam. Procedeu-se à análise fatorial dessa escala utilizando o critério de variância acumulada para determinar a quantidade de fatores a extrair e optando pela rotação ortogonal varimax, ficando esta dividida em dois fatores: o primeiro relacionado com os itens que representam a dimensão da Informação pré-operatória relativa aos cuidados de enfermagem e o segundo ilustrando a dimensão da Informação relacionada com os aspetos organizacionais e logísticos. Obtivémos um valor de 0,912 para a medida Kaiser-Meyer-Olkin, considerado excelente, e aquando da análise da sua consistência interna, um coeficiente global alfa de Cronbach de 0,903 sendo que no fator 1 obteve-se um valor de 0,911 e no fator 2 de 0,627. Por último, a terceira parte do questionário foi constituída pela Escala de Ansiedade-Estado do Inventário de Ansiedade Traço-Estado (IDATE) de Spielberger, a versão com 20 itens traduzida e adaptada à população portuguesa (Daniel, 1996), usada extensivamente na pesquisa científica e demonstrando maior grau de estabilidade comparativamente com outras escalas para avaliação da ansiedade. Neste estudo, a variável dependente é a ansiedade do doente cirúrgico no pré-operatório, que foi avaliada através da Escala de Ansiedade-Estado do IDATE, enquanto que a variável independente é a informação de enfermagem pré-operatória que os doentes possuema, avaliada através da escala construída para esta investigação. Foram ainda avaliadas algumas variáveis atributo para caracterizar os indivíduos da amostra.
Procedimentos na recolha de dados
A colheita dos dados decorreu entre setembro e novembro de 2015, no período pré-operatório, com a colaboração dos enfermeiros das respetivas equipas. Após a realização de uma explicação e esclarecimento acerca do estudo às equipas de enfermagem dos diferentes serviços, contámos com a sua colaboração para a entrega e recolha dos questionários aos doentes.
Procedimentos para análise dos dados
Os dados colhidos foram tratados informaticamente com recurso ao Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 22.0. Para análise das hipóteses, foram utilizados testes não paramétricos, pelo facto de a amostra não apresentar uma distribuição normal, nomeadamente o teste de U de Mann-Whitney, de Kruskal-Wallis e o coeficiente de correlação de Spearman.
Consideramos como estatisticamente significativos os resultados para os quais o nível de significância foi inferior a 0,05.
Procedimentos éticos
Foram garantidos os procedimentos éticos. Foi obtida autorização da administração do centro hospitalar para o desenvolvimento e parecer favorável de Comissão de Ética (Ofício n.º CES/114 e Parecer n.º 268/03-2015). Aquando da entrega do questionário, a pessoa foi informada acerca da finalidade do estudo, da voluntariedade da participação e da garantia da confidencialidade dos dados, assinando o consentimento informado.
Resultados
A amostra de 200 doentes era maioritariamente do sexo feminino (54,5%), do foro da cirurgia geral (56,0%) e submetida a grande cirurgia (57,5%; Tabela 1). As idades variaram entre os 19 e os 85 anos, com média de 53,17 ± 15,35 anos e mediana de 53 anos. O grupo etário mais representado foi o de 51-65 anos (32,5%) e o menos representando o de 35 anos ou menos (14,0%). A maior percentagem dos inquiridos possuía apenas o 1.º Ciclo do Ensino Básico (35,0%) em termos de habilitações literárias. Relativamente à situação profissional, mais de metade da amostra estava empregado (51,0%), havendo 33,0% de reformados. A maioria dos inquiridos eram casados ou viviam em união de facto (76,5%), residindo em meio rural (60,0%) e tinha um agregado familiar composto por três a cinco elementos (56,0%).
No que diz respeito à previsão em receber visitas de familiares ou amigos durante o internamento, a larga maioria dos inquiridos respondeu afirmativamente (94,0%), e a maioria dos doentes (77,5%) já teve experiências cirúrgicas anteriores. Dos doentes já submetidos a cirurgia anteriormente, apenas 7,1% referiram a ocorrência de complicações cirúrgicas. Em relação ao tempo em lista de espera para a realização da cirurgia, obtivémos uma média de aproximadamente 197 ± 242 dias, sendo o intervalo mais frequente entre os 6 e 12 meses (22,0%).
Quando questionados acerca da origem da informação que possuíam, verificamos que a maior parte dos inquiridos obteve informação exclusivamente dos profissionais de saúde (59,5%). Para além disso, 25,5% indicou múltiplas fontes de informação e 20,5% refere outras fontes que não os profissionais de saúde.
Relativamente à variável informação pré-operatória, e após a divisão da escala em dois fatores, percebemos claramente que os doentes revelaram estar melhor informados em relação aos aspetos organizacionais e logísticos ( x = 2,17 pontos), comparativamente com os cuidados de enfermagem (x = 1,33 pontos; Tabela 2). Relembramos que a pontuação dos itens variava entre 0 e 3 pontos, sendo que quanto maior a pontuação, melhor a perceção dos doentes relativamente à informação pré-operatória que possuíam.
Quanto ao nível de ansiedade pré-operatória, num score final que podia variar entre 20 e 80 pontos, a amostra apresentou uma média de 46,33 ± 5,24 pontos. O valor de ansiedade mais baixo foi de 34 e o mais alto de 63 pontos.
Um dos interesses do nosso estudo incluía estabelecer eventuais diferenças nos níveis de ansiedade pré-operatórios consoante a idade e o sexo dos doentes. Verificou-se que quanto à idade existe uma correlação negativa fraca que não é estatisticamente significativa (rs = - 0,108; p = 0,129), enquanto que para o sexo observámos diferenças estatisticamente significativas (z = - 3,386; p = 0,001), com os postos médios mais altos para o sexo feminino. Assim, o nível de ansiedade pré-operatória parece estar associado à variável sexo.
O apoio familiar durante o internamento, ao qual nos referimos como suporte social do doente, foi analisado tendo em conta três variáveis: o estado civil, a previsão de receber ou não visitas durante o internamento e o número de elementos do agregado familiar. Verificámos que as diferenças existentes no nível de ansiedade pré-operatória quando relacionado com estas variáveis, não são estatisticamente significativas: estado civil (X2 = 5,137; p = 0,162), visitas no internamento (X2 = 1,211; p = 0,546), e agregado familiar (rs= - 0,028; p = 0,691).
Quando analisámos a relação entre o nível de ansiedade pré-operatória e a existência de experiências cirúrgicas anteriores percebemos que não existe diferença estatisticamente significativa no nível de ansiedade em função de o doente ter ou não realizado cirurgias anteriormente (z = - 0,107; p = 0,915).
Ao relacionar as variáveis ansiedade e informação pré-operatórias, confirmamos pela análise da Tabela 3, a existência de uma correlação negativa fraca, que não é estatisticamente significativa (rs = - 0,054; p = 0,449).
A análise da relação entre a informação pré-operatória e o número de elementos do agregado familiar (rs= - 0,195; p = 0,006), bem como do tempo de espera pela cirurgia (rs= - 0,305; p = 0,000), permitiu verificar que existem associações negativas e estatisticamente significativas.
Discussão
Ainda que a maioria dos doentes da amostra (56,0%) fosse do foro da cirurgia geral, preocupámo-nos em tornar a nossa investigação mais abrangente, tendo em conta que grande parte dos estudos encontrados até ao momento acerca desta temática se cinge apenas ao doente do foro dessa especialidade. Por outro lado, a maioria dos doentes da amostra (57,5%) foi sujeita a grandes cirurgias, pois frequentemente as pequenas cirurgias são realizadas em regime de ambulatório, em unidades específicas, fugindo ao âmbito do nosso estudo.
No que diz respeito à origem da informação pré-operatória, os resultados obtidos levam-nos a inferir que a equipa de saúde é a fonte principal de informação. Os enfermeiros são os profissionais de saúde que passam mais tempo junto dos doentes e, como tal, têm um papel crucial no que diz respeito à transmissão de informação. Neste sentido, seria importante distinguirmos aqui o papel privilegiado que o enfermeiro deve assumir no fornecimento dessa informação. Ainda em relação à informação pré-operatória, verificámos que de um modo global os doentes percecionam como estando pouco informados no pré-operatório. Estes resultados corroboram com os de Barbosa et al. (2014), quando afirmam que as informações pré-operatórias, embora sejam consideradas obrigatórias, não estão a ser fornecidas de forma efetiva. Os nossos resultados revelam que os doentes percecionam como estando melhor informados acerca dos aspetos mais administrativos, em detrimento dos relacionados com os cuidados de enfermagem. Isto leva-nos a admitir a existência de uma maior preocupação com as intervenções interdependentes por parte do enfermeiro, deixando eventualmente para segundo plano, intervenções autónomas que poderiam melhorar a perceção dos doentes acerca da informação que possuem e, consequentemente, facilitar este processo de transição saúde/doença que é a cirurgia. A informação é uma necessidade real para os doentes, que possibilita respostas adequadas às situações, participação efetiva na tomada de decisão e à perspetiva futura.
Aquando da análise do nível de ansiedade dos inquiridos, estes apresentaram níveis médios de ansiedade pré-operatória, o que vai ao encontro dos resultados obtidos por Santos et al. (2012). O facto de existirem dificuldades por parte dos enfermeiros na identificação de sintomas ansiosos e de os doentes não conseguirem verbalizar o que realmente sentem, poderá ser explicativo dos resultados do nosso estudo. Além disso, podemos admitir que o tamanho da amostra, o facto de nos termos restringido a doentes submetidos a cirurgia eletiva, a existência de múltiplas fontes de informação apontadas pelos doentes e o tempo de espera, poderão ajudar nessa explicação.
No que diz respeito às variáveis sociodemográficas, os resultados revelam existir apenas diferenças estatisticamente significativas (p = 0,001) no nível de ansiedade pré-operatória, no que toca ao sexo dos indivíduos, isto é, as mulheres revelaram-se mais ansiosas que os homens. Este resultado é concordante com a maioria dos estudos encontrados (Mitchell, 2013). Admitimos que esta diferença no nível de ansiedade, se explique com fatores hormonais e características biológicas.
Em relação à idade, não encontrámos diferenças estatisticamente significativas, o que certifica os resultados apurados por Santos et al. (2014), apesar de Mavridou, Dimitriou, Manataki, Arnaoutoglou, e Papadopoulos (2013) terem concluído que os doentes mais novos tinham mais medo de acordar durante a cirurgia e que estavam mais ansiosos. Admitimos que os resultados que obtivémos se justificam pelo facto da média de idades ser relativamente elevada (≈ 53 anos) e apenas 14% da amostra ter idade igual ou inferior a 35 anos.
Quanto ao apoio social e familiar durante o internamento, também não se verificaram diferenças significativas nos níveis de ansiedade pré-operatória. Já o estudo realizado por Yilmaz , Sezer, Gürler, e Bekar (2012), mostrou haver uma relação estatisticamente significativa entre o estado civil e o nível de ansiedade antes da cirurgia, afirmando que a presença de suporte social se relaciona significativamente com o nível de ansiedade. O nosso resultado pode explicar-se pelo facto de apenas 3,5% dos doentes não saber se terá visitas e de 94% prever que as terá.
No que concerne aos dados clínicos, verificámos que apesar dos doentes que nunca tinham sido submetidos a cirurgia se apresentarem mais ansiosos, essa diferença não foi significativa. Este resultado não é concordante com a literatura (Mavridou, Dimitriou, Manataki, Arnaoutoglou, & Papadopoulos, 2013), tendo em conta que maioritariamente os doentes sem experiências cirúrgicas anteriores apresentam maiores níveis de ansiedade no pré-operatório. Admitimos que os nossos resultados possam ser explicados pela discrepância existente na amostra, dado que uma grande percentagem dos doentes já tinha sido submetida a cirurgia anteriormente, não tendo sofrido complicações operatórias.
Ao correlacionar as variáveis informação e ansiedade, verificamos que apesar de existir uma correlação negativa e fraca, esta não é estatisticamente significativa, ao contrário de outros estudos já efetuados. Rhodes et al. (2015) concluíram que os doentes necessitavam de informações adequadas à idade e de estratégias educacionais no sentido de minimizar a ansiedade pré-operatória. Admitimos que os resultados que obtivémos possam ser explicados pelo facto da maior parte dos doentes da amostra já ter tido experiências cirúrgicas anteriores, aumentando a probabilidade de maior aporte de conhecimentos. Por outro lado, a maioria da amostra é detentora do 3.º ciclo e/ou superior, o que pode explicar a própria curiosidade intelectual e uma perceção mais sólida do ato anestésico-cirúrgico.
Ainda de acordo com os nossos resultados, os doentes provenientes de agregados familiares mais numerosos percecionam como estando pouco informados, comparativamente com os de agregados mais reduzidos, o que pode estar relacionado com o aumento das tarefas domésticas e/ou familiares em famílias mais numerosas. No que respeita ao tempo de espera pela cirurgia, verificamos que quanto maior este é, pior a perceção que o doente tem sobre a informação que possui, o que pode dever-se ao facto de existir um horizonte temporal grande entre a consulta pré-operatória e o dia da cirurgia, conduzindo ao esquecimento de eventuais informações fornecidas nessa consulta.
Por último, no que toca às limitações do estudo, deparámo-nos com dificuldades inerentes às limitações impostas pela própria instituição, serviços e limites de tempo, constituindo-se a amostra apenas com 200 doentes, nos três meses que durou a colheita de dados. Por outro lado, a técnica de amostragem, não probabilística por conveniência, constitui outra limitação no que toca à possibilidade de generalização dos resultados obtidos, no entanto, apesar destas limitações, pelo tempo da colheita de dados e pelas características da amostra, é possível apontar o potencial de generalização, pelo menos para o contexto onde decorreu o estudo e outros semelhantes.
Conclusão
O tempo que antecede o internamento do doente cirúrgico tende a ser um período de pouca informação para ele. O enfermeiro é o profissional que, ao estar preparado e sendo detentor da informação que o doente carece, deve, legal e moralmente, informá-lo, através de uma linguagem acessível, acerca dos cuidados de enfermagem que serão prestados ao longo de todo o período perioperatório. A literatura revela que esta preparação pré-operatória tornou o momento cirúrgico mais tranquilo, o que revela o importante papel do enfermeiro na prevenção e diminuição dos níveis de ansiedade pré-operatória.
De acordo com os resultados obtidos, podemos afirmar que no período pré-operatório, a perceção dos doentes acerca da informação/conhecimentos que possuem é baixa. Ainda assim, percecionam como estando melhor informados no que toca aos aspetos administrativos, organizacionais e logísticos, comparativamente com os cuidados de enfermagem de que serão alvo no perioperatório. A maioria dos doentes refere-se aos profissionais de saúde como fonte exclusiva da informação que possuem. Podemos ainda afirmar, com base nos resultados alcançados, que os doentes que constituíram a amostra manifestam níveis médios de ansiedade pré-operatória. Verificaram-se diferenças significativas no nível de ansiedade em função do sexo, ao contrário do verificado para as restantes variáveis sociodemográficas. O nível de ansiedade não é diferente na presença ou ausência de experiências cirúrgicas anteriores e não se correlaciona de forma significativa com a informação de enfermagem. O tempo de espera pela cirurgia e o número de elementos do agregado familiar condicionam de modo significativo a perceção do doente acerca da informação pré-operatória que possui.
Neste sentido, sugerimos o incremento de programas de formação em serviço, dirigidos aos enfermeiros, de modo a focalizarem parte da sua atenção na ansiedade pré-operatória do doente cirúrgico; o investimento na preparação pré-operatória dos doentes, inclusive no que diz respeito às suas necessidades psicológicas e informativas, dando ênfase às intervenções autónomas dos enfermeiros; à criação de uma consulta de enfermagem no período pré-operatório mediato, onde o doente possa colocar dúvidas e medos. Apontamos para uma intervenção estruturada, exequível, objetiva e individualizada, que tenha em consideração as diferenças individuais e as circunstâncias clínicas de cada doente.
Consideramos importante que se faça o esforço de disponibilizar recursos materiais, logísticos e sobretudo humanos que possibilitem a concretização de um acolhimento no serviço de internamento que vá ao encontro das expetativas individuais do doente. Propomos ainda a viabilização da VEPO, evidenciando a importância do enfermeiro nos cuidados de saúde, reforçando e complementando as informações recebidas pela equipa do internamento. Sugerimos também a replicação do estudo noutras instituições e a introdução de novas variáveis, nomeadamente o tipo de anestesia, a espiritualidade e o tempo de internamento pré-operatório.
Com base nos resultados obtidos, admitimos a pertinência da eventual realização de um estudo, em Portugal, com enfermeiros que cuidam de doentes cirúrgicos, no sentido de explorar os fatores que interferem com o fornecimento de informações pré-operatórias na perspectiva do enfermeiro, bem como a sua percepção relativa ao ensino pré-operatório.
A atuação autónoma do enfermeiro no período pré-operatório é essencial no controlo e na diminuição dos níveis de ansiedade pré-operatória, nomeadamente através da transmissão adequada de informações.
Os resultados que obtivémos, oferecem aos enfermeiros a possibilidade de refletir acerca das suas práticas e comportamentos, contribuindo para uma prestação de cuidados de qualidade, com rigor técnico e científico.
Referências Bibliográficas
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Recebido para publicação em: 11.03.17
Aceite para publicação em: 21.06.17