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Revista de Enfermagem Referência
versão impressa ISSN 0874-0283
Rev. Enf. Ref. vol.serIV no.14 Coimbra set. 2017
https://doi.org/10.12707/RIV17010
ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO
RESEARCH PAPER
Fatores condicionadores do desenvolvimento da competência de autocuidado na pessoa com ostomia de ventilação
Conditioning factors for the development of the self-care competence in the person with a tracheostomy
Factores condicionantes del desarrollo de la competencia de autocuidado en la persona con ostomía de ventilación
Sílvia Maria Moreira Queirós*; Célia Samarina Vilaça de Brito Santos**; Maria Alice Correia de Brito***; Igor Emanuel Soares Pinto****
* Msc., Enfermeira, Centro Hospitalar de S. João E.P.E., 4200-319, Porto, Portugal [silvia.queiros86@gmail.com]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica; recolha de dados; tratamento e avaliação estatística; análise de dados e discussão; redação do artigo. Morada para correspondência: Rua 32, nº 900, 3º direito, 4500-319, Espinho, Portugal.
** Ph.D., Psicologia. Professora Coordenadora, Escola Superior de Enfermagem do Porto, 4200-072, Porto, Portugal [celiasantos@esenf.pt]. Contribuição no artigo: tratamento e avaliação estatística; análise de dados e discussão; redação do artigo.
*** Ph.D., Enfermagem. Professora Adjunta, Escola Superior de Enfermagem do Porto, 4200-072, Porto, Portugal [alice@esenf.pt]. Contribuição no artigo: análise de dados e discussão; redação do artigo.
**** Msc., Doutorando, Enfermagem, Universidade Católica Portuguesa, 4202-401, Porto, Portugal [isp.igor@gmail.com]. Contribuição no artigo: discussão; redação do artigo.
RESUMO
Enquadramento: O desenvolvimento da competência no autocuidado à ostomia é impulsionador de uma transição saudável para a vida com o estoma. Estudos sugerem a existência de fatores condicionadores do desenvolvimento da competência no autocuidado à ostomia.
Objetivos: Identificar os fatores condicionadores do desenvolvimento da competência de autocuidado na pessoa com ostomia de ventilação.
Metodologia: Estudo quantitativo, descritivo e transversal. Técnica de amostragem não probabilística, com 80 participantes. O instrumento de colheita de dados foi o Formulário de Avaliação da Competência de Autocuidado na Pessoa com Ostomia de Ventilação.
Resultados: Ser do sexo masculino, ter baixa escolaridade, ter realizado cirurgia de urgência, ter uma ostomia temporária e ter um cuidador, constituem-se como fatores inibidores do desenvolvimento da competência de autocuidado à ostomia de ventilação. O tempo pós-operatório revelou-se como fator facilitador.
Conclusão: O reconhecimento da existência de fatores condicionadores do desenvolvimento da competência no autocuidado à ostomia de ventilação permite ao enfermeiro identificar condições de vulnerabilidade nos seus clientes e adequar as intervenções de forma a potenciar a autonomia.
Palavras-chave: autocuidado; ostomia; traqueostomia; enfermagem
ABSTRACT
Background: The development of the self-care competence in the person with a stoma promotes a healthy transition to a life with a stoma. Studies suggest the existence of factors conditioning the development of the ostomy self-care competence.
Objectives: To identify the conditioning factors for the development of the self-care competence in the person with a tracheostomy.
Methodology: A quantitative, descriptive, and cross-sectional study was conducted in a nonprobability sample composed of 80 participants. Data were collected using the Assessment Form of the Self-Care Competence in the Person with a Tracheostomy.
Results: The conditioning factors for the development of the tracheostomy self-care competence were: being a man, having low schooling, having had an emergency surgery, having a temporary ostomy, and having a caregiver. The postoperative period proved to be a facilitating factor.
Conclusion: The recognition of the existence of factors conditioning the development of the tracheostomy self-care competence allows nurses to identify conditions of vulnerability in their patients and adapt their interventions with a view to enhancing their autonomy.
Keywords: self-care; ostomy; tracheostomy; nursing
RESUMEN
Marco contextual: El desarrollo de la competencia en el autocuidado a la ostomía impulsa una transición sana hacia la vida con un estoma. Los estudios sugieren que existen factores que condicionan el desarrollo de la competencia en el autocuidado a la ostomía.
Objetivos: Identificar los factores que condicionan el desarrollo de la competencia de autocuidado en la persona con ostomía de ventilación.
Metodología: Estudio cuantitativo, descriptivo y transversal. Técnica de muestreo no probabilística, con 80 participantes. El instrumento de recogida de datos fue el Formulario de Evaluación de la Competencia de Autocuidado en la Persona con Ostomía de Ventilación.
Resultados: Ser del sexo masculino, tener un bajo nivel de escolaridad, haber sido sometido a una cirugía de urgencia, tener una ostomía temporal y tener un cuidador son factores inhibidores del desarrollo de la competencia de autocuidado a la ostomía de ventilación. El tiempo posoperatorio fue un factor facilitador.
Conclusión: El reconocimiento de la existencia de factores que condicionan el desarrollo de la competencia en el autocuidado a la ostomía de ventilación permite al enfermero identificar condiciones de vulnerabilidad en sus pacientes y adecuar las intervenciones para potenciar la autonomía.
Palabras clave: autocuidado; estomía; traqueostomía; enfermería
Introdução
A realização de uma traqueotomia constitui-se como um evento crítico que gera mudanças significativas na vida da pessoa, nomeadamente na respiração, na comunicação, na deglutição, na autoimagem e no autocuidado.
A aquisição de competência para o autocuidado à ostomia é considerada como uma das principais impulsionadoras da transição para a vida com um estoma (O´Connor, 2005; Recalla et al., 2013; Mota et al., 2015). Conhecer os fatores que condicionam o desenvolvimento da competência para o autocuidado à ostomia de ventilação revela-se preponderante, na medida em que possibilita uma maior compreensão sobre o processo de aquisição de mestria nos cuidados à ostomia e, simultaneamente, permite identificar casos de maior vulnerabilidade na adaptação à ostomia. Assim, o objetivo do estudo foi identificar os fatores condicionadores do desenvolvimento da competência de autocuidado na pessoa com ostomia de ventilação.
Enquadramento
O número de traqueotomias tem vindo a aumentar (Parker et al., 2007), principalmente nos doentes internados nas unidades de cuidados intensivos, com o objetivo essencial de facilitar a ventilação mecânica. Não obstante, a incidência crescente de cancro da cabeça e pescoço concorre igualmente para o aumento gradual do número de pessoas com traqueostomia (Maasland, Brandt, Kremer, Goldbohm, & Schouten, 2014). Consequentemente há cada vez mais pessoas com traqueostomia no meio hospitalar, mas também na comunidade, pelo que a capacitação da pessoa para a vida com uma ostomia de ventilação é, cada vez mais, um importante foco de atenção dos enfermeiros.
Apesar da sua complexidade e multidimensionalidade, o desenvolvimento de competência no autocuidado à ostomia é descrito na literatura com um dos principais impulsionadores de uma transição saudável. Segundo Orem, o autocuidado pode ser definido como o conjunto de atividades que o indivíduo desempenha de forma a manter, restaurar ou aumentar a sua saúde, vida e bem-estar geral (Orem, 1995). Assim, aplicado à ostomia, o autocuidado centra-se no desempenho das atividades inerentes ao cuidar da ostomia. Estudos desenvolvidos sobre esta problemática (Mota et al., 2015; Lim, Chan, & He, 2015) sugerem a existência de fatores condicionadores, facilitadores ou inibidores, do desenvolvimento da competência no autocuidado à ostomia e, por conseguinte da adaptação às vivências que lhe estão associadas.
Os fatores sociodemográficos como a idade, o género, as habilitações literárias, a condição socioeconómica, o estado civil e o suporte familiar e social são referidos na literatura como possíveis condicionadores da adaptação ao estoma e consequentemente da autonomia nos cuidados à ostomia (Brown & Randle, 2005). Liu et al. (2016) sugerem que as mulheres ostomizadas revelam uma maior e melhor interação social após a cirurgia, repercutindo-se numa melhor aceitação do estoma e melhor perceção de qualidade de vida. Por outro lado, uma baixa escolaridade está associada a uma menor capacidade da pessoa para interagir e recorrer aos profissionais e uma menor competência para questionar e ajuizar sobre os cuidados de saúde (Bellato, Pereira, Maruyama, & Oliveira, 2006). Uma condição socioeconómica elevada, ser casado e estar ativo profissionalmente, são referidos igualmente como promotores de uma melhor perceção de qualidade de vida após a ostomia (Pereira, Cesarino, Martins, Pinto, & Netinho, 2012; Liu et al., 2016), da autoeficácia e de autonomia nos seus cuidados. A família e os grupos de suporte são também mencionados como favorecedores do empoderamento da pessoa na reconstrução da autonomia no seu autocuidado, na redefinição da sua identidade, na promoção da autoestima e ainda na reinserção social (Mota et al., 2015).
Os fatores de índole clínica, como o diagnóstico médico, os sintomas pré-operatórios, o tempo decorrido após a cirurgia e a presença de complicações pós-operatórias, foram igualmente mencionados na literatura (Brown & Randle, 2005; Registered Nurses' Association of Ontario [RNAO], 2009). Entre estes os mais referidos são o tempo, enquanto agente facilitador da aceitação, adaptação e desenvolvimento de autonomia no cuidado à ostomia (Bellato et al., 2006; Lim et al., 2015; Mota et al., 2016) e a duração da ostomia, em que os portadores de ostomia permanente revelam melhores níveis de autonomia e de qualidade de vida (Recalla et al., 2013; Campillo Martínez, 2015).
No que concerne aos fatores de acompanhamento de saúde, a informação pré-operatória é descrita como uma variável que pode potenciar a adaptação à ostomia e consequentemente o desenvolvimento da competência no seu autocuidado (Walker & Lachman, 2013; Mota et al., 2016).
Apesar de existirem vários estudos que indicam fatores condicionadores do desenvolvimento da competência para o autocuidado à ostomia e adaptação à mesma, poucos se direcionam para a população alvo deste estudo, que são as pessoas com ostomia de ventilação. Assumindo a influência dessas diferentes variáveis no processo de transição e no desenvolvimento da competência no autocuidado à ostomia de ventilação, facilmente se reconhece a importância da sua identificação e compreensão para o sucesso terapêutico da intervenção dos enfermeiros.
Questão de Investigação
Quais os fatores condicionadores do desenvolvimento da competência de autocuidado na pessoa com ostomia de ventilação?
Metodologia
A investigação consistiu num estudo de cariz quantitativo, descritivo e transversal. Os dados foram colhidos no período pós-operatório, quer em contexto de internamento (pós-operatório imediato) quer em contexto comunitário (após a alta clínica), utilizando para tal o CAO-V Formulário de Avaliação do Desenvolvimento de Competência de Autocuidado na Pessoa com Ostomia de Ventilação (Queirós, Santos, Brito, & Pinto, 2015), elaborado numa dissertação de mestrado da Escola Superior de Enfermagem do Porto. O formulário é constituído por duas partes: na primeira parte é realizada a caracterização dos participantes, através das variáveis sociodemográficas (como a idade, estado civil, habilitações literárias, profissão e situação profissional), variáveis clínicas (diagnóstico clínico, tipo de cirurgia, tipo de ostomia, tempo decorrido desde a confeção da ostomia), variáveis de acompanhamento de saúde (consulta prévia de enfermagem, contacto prévio com ostomizados) e ainda outras variáveis, como a existência de um cuidador informal; na segunda parte do formulário, procede-se à avaliação da competência de autocuidado à ostomia de ventilação nos seus seis domínios: (A) Conhecimento; (B) Autovigilância; (C) Interpretação; (D) Tomada de decisão; (E) Execução; e, ainda, (F) Negociação e utilização de recursos de saúde. No domínio do Conhecimento do autocuidado à ostomia de ventilação (A), os indicadores de resultado traduzem a compreensão que a pessoa tem acerca da ostomia de ventilação e seus cuidados. Quanto à Autovigilância (B), os indicadores de resultado referem-se à capacidade da pessoa para observar a ostomia de ventilação e suas características. Relativamente à Interpretação (C), os indicadores de resultados visam avaliar a capacidade da pessoa para analisar e atribuir significados às alterações associadas à ostomia de ventilação. Na dimensão da Tomada de decisão (D), pretende-se avaliar se a pessoa demonstra tomar decisões quanto ao cuidado à ostomia de ventilação. No domínio da Execução (E), é avaliada a habilidade instrumental para a execução dos procedimentos inerentes ao cuidado à ostomia de ventilação. O último domínio a ser avaliado é a Negociação e utilização de recursos de saúde (F), e os seus indicadores de resultado referem-se à capacidade de negociar e recorrer aos recursos disponíveis para apoio à pessoa com ostomia.
Os domínios em estudo são pontuados através de uma escala de tipo likert, que varia entre 1 e 5, em que quanto maior a pontuação, maior a competência demonstrada. Assim, a significância das categorias avaliadas traduz-se em 1 - não demonstra, 2, 3 ou 4 - demonstra parcialmente, 5 - demonstra totalmente, 0 - não se aplica. A atribuição de uma pontuação entre 2 e 4 varia de acordo com a avaliação do enfermeiro e está relacionada com o número de critérios demonstrados, dentro de cada indicador dos domínios da competência (Queirós et al., 2015).
A variável principal do estudo foi assim a competência para o autocuidado à ostomia de ventilação, enquanto as variáveis secundárias foram: o conjunto de variáveis sociodemográficas (sexo, idade, habilitações literárias, situação profissional), variáveis clínicas (há quanto tempo foi submetido a cirurgia, diagnóstico médico, tipo de cirurgia, tipo de ostomia quanto à duração), variáveis de acompanhamento de saúde (se teve contacto com pessoas com ostomia de ventilação antes da cirurgia e participou em consultas de enfermagem no pré-operatório) e ainda outras variáveis, tais como se tinha cuidador informal.
Os critérios definidos para inclusão na amostra foram: ter idade igual ou superior a 18 anos, ser portador de uma ostomia de ventilação (temporária ou definitiva) e aceitar participar, de forma livre e esclarecida, no estudo. Os critérios de exclusão foram: ser totalmente dependente no autocuidado à ostomia de ventilação e não ter capacidade cognitiva que possibilitasse a aquisição da competência. Esse critério foi avaliado, quando se considerou necessário, através da aplicação da Escala Mini-mental state examination (MMSE) validada e adaptada para a população portuguesa (Guerreiro et al., 1994).
A técnica de amostragem utilizada foi a não probabilística acidental, sendo a amostra constituída por 80 pessoas que satisfizeram os critérios de inclusão e que foram acompanhadas em consulta externa pós-operatória ou em regime de internamento, em duas instituições hospitalares da região norte (Tabela 1).
Assim, a amostra foi constituída maioritariamente por homens, com uma média de 60 anos de idade, com escolaridade básica e reformados. Do ponto de vista clínico, a maioria já tinha sido submetida a cirurgia há mais de 1 mês, sabia o diagnóstico que conduziu à cirurgia, tinha sido submetida a uma traqueotomia cirúrgica, definitiva, maioritariamente uma laringectomia total e não tinha tido consulta de enfermagem pré-operatória. De salientar ainda que a maioria não teve qualquer tipo de contacto com pessoas com ostomia de ventilação no pré-operatório e possuía um cuidador informal no domicílio.
Para tratamento e análise dos dados foi utilizado o programa SPSS (Statistical Package for the Social Sciences) versão 20.0. Considerando a anormalidade da distribuição dos dados, foram utilizados testes estatísticos não paramétricos.
Para a implementação deste estudo foram satisfeitos todos os pressupostos éticos inerentes à investigação em saúde, através da obtenção de autorização das comissões de ética das instituições de saúde envolvidas, bem como através do pedido do consentimento informado e esclarecido para a participação na investigação a todos os potenciais participantes. Foi ainda garantido o anonimato e confidencialidade dos dados colhidos, assim como o direito a recusar em qualquer momento da participação no estudo, sem prejuízo associado à não participação ou desistência.
Resultados
No que concerne ao nível de competência de autocuidado, a amostra demonstra ser parcialmente competente no autocuidado à ostomia de ventilação (score médio = 4) em todos os seus domínios. Os domínios em que a amostra revela ser mais competente são o da Execução (score médio = 4,42) e o do Conhecimento (score médio = 4,40). Em contrapartida, os domínios em que a amostra demonstra ser menos competente são o da Interpretação (score médio = 3,68) e o da Tomada de decisão (score médio = 3,96). Por outro lado, e analisando os resultados de acordo com cada indicador de resultado, a amostra demonstra ser parcialmente competente em todos os indicadores do formulário, exceto no item 1 “sabe o que é uma ostomia de ventilação” e no item 2 “sabe qual a finalidade da ostomia de ventilação” do domínio do Conhecimento, em que revela ser totalmente competente (score = 5).
Os principais resultados obtidos sobre o nível de competência de autocuidado da pessoa com ostomia de ventilação, de acordo com as variáveis são sintetizados na Tabela 2.
Assim, da análise dos resultados apresentados é possível inferir que as mulheres apresentam médias significativamente mais altas no domínio da Negociação e utilização dos recursos de saúde (F), em relação aos homens.
Os empregados no ativo demonstram uma média de competência superior no domínio da Interpretação, particularmente em relação aos desempregados e às pessoas em outras situações profissionais não ativas.
É ainda possível perceber a existência de uma correlação positiva, moderada a fraca, mas significativa, entre os anos de escolaridade e todos os domínios da competência de autocuidado, com exceção do domínio da Execução (E).
Com a aplicação do teste de correlação de Spearman constatou-se que não existem diferenças significativas entre o nível de competência de autocuidado à ostomia e a idade.
No que concerne às variáveis clínicas, os resultados obtidos no estudo são apresentados na Tabela 3.
A análise da Tabela 3 permite perceber que as médias de competência demonstradas nos domínios do Conhecimento (A), Autovigilância (B), Interpretação (C) e Tomada de decisão (D) são significativamente mais elevadas nas pessoas com ostomia definitiva, comparativamente com as que têm uma ostomia de ventilação de caráter temporário ou que não sabem a sua duração.
No que concerne ao tipo de cirurgia, existem diferenças significativas nos domínios do Conhecimento (A), Interpretação (C) e Tomada de decisão (D). Assim, as pessoas que realizaram uma traqueotomia de urgência são as que demonstram médias de competência inferior nos referidos domínios. Em contrapartida, as pessoas que realizaram uma laringectomia total são as que apresentam média de competência de autocuidado superior no domínio do Conhecimento (A). Nos domínios da Interpretação (C) e Tomada de decisão (D), as médias mais elevadas são as das pessoas que tinham realizado traqueotomia de urgência com posterior laringectomia total.
As pessoas submetidas a cirurgia há mais de 1 mês demonstram níveis de competência significativamente superiores em todos os domínios estudados. No que concerne às variáveis de acompanhamento de saúde, a comparação de médias não regista diferenças estatísticas significativas entre o nível de competência de autocuidado à ostomia e o contacto prévio com pessoas com ostomia de ventilação (p > 0,05). Demonstra ainda não existirem diferenças estatísticas significativas entre participar ou não em consulta de enfermagem pré-operatória e o nível de competência de autocuidado à ostomia de ventilação demonstrado (p > 0,05).
Finalmente, os resultados referentes ao nível de competência de autocuidado à ostomia de ventilação obtidos, considerando a presença de familiar cuidador são apresentados na Tabela 4.
Neste sentido é possível perceber que as pessoas com ostomia de ventilação que não têm familiar cuidador são significativamente mais competentes nos domínios do Conhecimento (A), Autovigilância (B) e Interpretação (C) do que as que possuem um familiar cuidador.
Discussão
A análise relativa ao nível de competência de autocuidado à ostomia de ventilação, de acordo com as variáveis sociodemográficas, permite inferir que as mulheres são mais competentes do que os homens para recorrer aos serviços de saúde, nomeadamente para a obtenção de material, para esclarecimento de dúvidas ou para a resolução de problemas. Este resultado pode estar relacionado com o facto de as mulheres terem um maior nível de envolvimento com a sua saúde, sendo o sexo feminino uma das características demográficas mais associadas à utilização de recursos de saúde, até para medidas preventivas (Levorato, Mello, Silva, & Nunes, 2014).
Verifica-se ainda que as pessoas com um maior nível de escolaridade detêm um maior nível de competência de autocuidado à ostomia de ventilação, o que poderá significar que estas pessoas possuem recursos intelectuais mais facilitadores da aprendizagem procurando mais informação (Perrenoud, como citado por Mitchell, 2004). No mesmo sentido, estudos sugerem que quanto mais baixa a escolaridade, mais desfavoráveis são as competências linguísticas para questionar os profissionais de saúde e as capacidades crítico-reflexivas para ajuizar sobre as condições de saúde, os cuidados prestados e os direitos que lhe são inerentes (Bellato et al., 2006). Assim, os resultados obtidos indiciam que os anos de escolaridade poderão ser uma condição facilitadora, intrínseca ao indivíduo, do desenvolvimento da competência de autocuidado à ostomia.
Destaca-se ainda a existência de diferenças significativas no nível de competência de autocuidado, no domínio da Interpretação, face à situação profissional. Dos resultados encontrados, os empregados no ativo são os que revelam uma média de competência superior comparativamente com os restantes. Corroborando estes resultados, um estudo realizado por Liu et al. (2016) também sugere que os empregados no ativo apresentam melhores resultados na capacidade funcional, na autoconfiança, e na perceção de qualidade de vida, tendo a sua participação ativa numa atividade laboral contribuído para o seu processo adaptativo após a confeção da ostomia. Efetivamente, os empregados em exercício das suas funções, face às exigências profissionais, provavelmente terão de ter um melhor ajustamento psicológico à ostomia e ser mais autónomos nos cuidados, pois no local de trabalho terão de os desempenhar de forma independente (Pereira et al., 2012).
Na análise das variáveis clínicas, constata-se que as pessoas que sabem que a sua ostomia é definitiva revelam maior competência nos domínios do Conhecimento, da Autovigilância, da Interpretação e da Tomada de decisão, comparativamente com os que têm uma ostomia provisória ou que não sabem responder a essa questão. A literatura existente sobre esta questão (Recalla et al., 2013) corrobora os resultados apresentados, pois também evidencia que as pessoas com ostomia definitiva tendem a utilizar estratégias confrontativas de resolução dos problemas, pelo que habitualmente desenvolvem mais confiança e mais facilmente se adaptam à mudança, o que se poderá repercutir num melhor e mais rápido desenvolvimento das competências de autocuidado à ostomia e numa melhor perceção de qualidade de vida. Por outro lado, é também mencionado que este facto pode estar relacionado com um maior envolvimento da pessoa com ostomia permanente, por estar consciencializada que é uma condição para o resto da vida (Campillo Martínez, 2015).
Verifica-se ainda que o tipo de cirurgia influencia ainda o nível de competência de autocuidado, constatando-se que as pessoas que realizam uma traqueotomia de urgência apresentam níveis de competência de autocuidado inferiores nos domínios do Conhecimento, Interpretação e Tomada de decisão. Estar ou não preparado para a confeção de uma ostomia e suas consequências influencia o desempenho no autocuidado (Mota el al., 2015). Nas traqueotomias urgentes não há possibilidade de preparação antecipatória para a cirurgia, pois decorre de uma situação emergente, pelo que a aceitação do estoma será provavelmente mais difícil e possivelmente repercutir-se-á no nível de desenvolvimento da competência de autocuidado à ostomia (Thorpe, McArthur, & Richardson, 2014; Mota et al., 2015). Pelo contrário, a realização de uma laringectomia total constitui-se como uma cirurgia programada, pelo que o participante poderá estar mais preparado e potencialmente mais consciencializado para a mudança. O facto de as pessoas que realizam traqueotomia de urgência com posterior laringectomia total revelarem níveis de competência superiores no domínio da Interpretação e Tomada de decisão pode estar relacionado com o facto de terem tido experiência anterior com a traqueostomia. Esse evento pode propiciar-lhes a oportunidade de melhorar a capacidade de ajuizar sobre o estoma e as suas complicações e consequentemente decidir sobre os cuidados à ostomia de forma mais efetiva quando esta se torna definitiva.
As pessoas submetidas a cirurgia há mais tempo, demonstram níveis de competência superiores em todos os domínios do autocuidado. Este resultado vai ao encontro da evidência encontrada que sugere que o tempo de vivência é um preditor positivo de aceitação e de adaptação à condição de portador de uma ostomia (Brown & Randle, 2005; Richbourg, Thorpe, & Rapp, 2007; RNAO, 2009, Mota et al., 2016). Com a repetição dos cuidados e convivência com a ostomia ao longo do tempo, as pessoas vão gradualmente adquirindo maior competência no autocuidado, conduzindo a uma maior independência (Thorpe et al., 2014; Lim et al., 2015; Mota et al., 2016).
Os resultados revelam ainda que não existem diferenças estatisticamente significativas entre o nível de competência de autocuidado à ostomia, e o facto de participar, ou não, na consulta de enfermagem pré-operatória. A este respeito, os resultados encontrados na literatura são contraditórios. Da revisão efetuada, a informação pré-operatória é reconhecida como um fator facilitador da adaptação à ostomia, pois auxilia na diminuição do medo, da ansiedade e promove a confiança, o conhecimento, o coping e o envolvimento na mudança (Richbourg et al., 2007; RNAO, 2009; Thorpe et al, 2014; Mota et al., 2015). Os resultados obtidos podem estar relacionados com o modelo em uso na consulta de enfermagem pré-operatória, podendo este não estar ajustado às necessidades destes utentes ou não estar direcionado para a promoção da autonomia. Assim sendo, justificar-se-ia a realização de um outro estudo, com uma amostra mais alargada e representativa, num período mais próximo da cirurgia, para perceber efetivamente a influência da consulta pré-operatória de enfermagem para o desenvolvimento da competência de autocuidado à ostomia.
O contacto prévio com pessoas portadoras de ostomia de ventilação também não demonstra ser significativo para o resultado esperado, o que contradiz os resultados de outros estudos sobre esta problemática (Mota et al., 2015; Mota et al., 2016). Do que foi possível perceber, em quase todos os casos relatados, o contacto foi ocasional, não intencional e sem haver partilha de opiniões ou experiências, o que pode justificar o facto de não ser evidente o seu efeito no nível de competência para o autocuidado.
Importa também analisar os resultados encontrados no que se refere à existência, ou não, de um familiar cuidador e a sua influência no nível de competência de autocuidado à ostomia de ventilação. Os resultados obtidos assemelham-se aos encontrados noutras investigações que sugerem que a existência de um cuidador pode propiciar um menor envolvimento no autocuidado, por saber que existe um familiar com competência e disposto a responsabilizar-se por esses cuidados, demitindo-se assim dessas funções e criando dependência (Mota et al., 2016). Pelo contrário, as pessoas que não têm apoio no domicílio terão de se envolver mais, desenvolvendo autonomia e consequentemente maior competência no autocuidado à sua ostomia (Mota et al., 2016).
Conclusão
A aquisição de autonomia no autocuidado à ostomia é preponderante para a adaptação à vivência com um estoma, para a prevenção de complicações, para a promoção da saúde, do bem-estar e da qualidade de vida da pessoa ostomizada. Neste sentido, os enfermeiros devem estar cientes do seu papel na capacitação para a mudança física, social, psicológica e do autocuidado da pessoa com ostomia.
O presente estudo permitiu identificar fatores condicionadores do desenvolvimento da competência de autocuidado na pessoa com ostomia de ventilação, almejando os objetivos definidos. A confirmação da existência de diferentes níveis de competência de autocuidado à ostomia de ventilação de acordo com o sexo, os anos de escolaridade, o tempo decorrido desde a confeção do estoma, a duração da ostomia, o tipo de cirurgia e a existência de um cuidador informal, permitiu concluir que existem fatores condicionadores do desenvolvimento da competência de autocuidado. Os resultados do estudo sugerem que o sexo masculino, a escolaridade baixa, ter uma ostomia provisória, realizada numa cirurgia de urgência e ter um familiar cuidador constituem-se como fatores inibidores do desenvolvimento da competência de autocuidado à ostomia de ventilação. Em contrapartida, o tempo após a cirurgia revelou-se como um fator facilitador de mestria nos cuidados à ostomia.
Assim, os resultados obtidos sobre os fatores condicionadores do desenvolvimento de competência de autocuidado na pessoa com ostomia de ventilação permitem que o enfermeiro defina planos de intervenção mais ajustados e que potenciem o sucesso terapêutico dos seus clientes. A compreensão da influência das variáveis sociodemográficas, clínicas e de acompanhamento de saúde no desenvolvimento da competência de autocuidado na pessoa com ostomia de ventilação, é essencial para o sucesso do processo terapêutico do enfermeiro que tem como alvo a promoção de uma transição saudável para a vida com uma traqueostomia. Neste sentido, este estudo permite ajudar a identificar precocemente as pessoas com maior vulnerabilidade para a aquisição de competência de autocuidado e que potencialmente necessitarão de um acompanhamento mais próximo e continuado por parte da equipa de enfermagem.
Efetivamente, a transição para a vida com uma ostomia é complexa, subjetiva e sujeita a um conjunto de fatores dificultadores. A identificação desses condicionantes permite que os enfermeiros conduzam e implementem as suas intervenções, de forma mais efetiva e eficiente, no sentido de desenvolver competências para o autocuidado dos seus clientes, resultando numa condição de vida mais autónoma e saudável.
Face a esta temática ser ainda pouco estudada, o presente trabalho permitiu fomentar a compreensão deste grupo populacional. Porém, importa assumir algumas limitações deste estudo: por um lado, o tamanho da amostra, que deveria ser mais significativo, de forma a conferir mais segurança aos resultados obtidos, particularmente em alguns subgrupos analisados, como o das mulheres e o dos ativos no trabalho, que fez com que tivessem uma expressão reduzida na amostra; por outro lado salienta-se o facto da técnica de amostragem não ser probabilística, o que condiciona a representatividade da população e, por conseguinte, a generalização dos resultados obtidos. Evidencia-se ainda o facto de a colheita de dados ter sido realizada apenas em duas instituições do norte de Portugal, o que lhe confere escassa abrangência demográfica. Assim, torna-se preponderante a realização de novos estudos, com uma amostra mais significativa, que permitam confirmar os resultados aqui apresentados e extrapola-los à população com maior segurança, e ainda, clarificar, em particular, a influência das variáveis de acompanhamento de saúde no desenvolvimento da competência, visto os resultados deste estudo não serem coincidentes com a evidência encontrada.
O presente artigo deriva da dissertação de mestrado intitulada Desenvolvimento da competência de autocuidado na pessoa com ostomia de ventilação da primeira autora do mesmo.
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Recebido para publicação em: 20.02.17
Aceite para publicação em: 08.05.17