Serviços Personalizados
Journal
Artigo
Indicadores
- Citado por SciELO
- Acessos
Links relacionados
- Similares em SciELO
Compartilhar
Revista de Enfermagem Referência
versão impressa ISSN 0874-0283
Rev. Enf. Ref. vol.serIV no.14 Coimbra set. 2017
https://doi.org/10.12707/RIV17028
ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO
RESEARCH PAPER
História em quadradinhos: tecnologia em saúde para a humanização da assistência à criança hospitalizada
Comic books: technology in health for the humanization of care delivery to hospitalized children
Novela gráfica: tecnología en la salud para la humanización de la asistencia al niño hospitalizado
Karla Maria Carneiro Rolim*; Carlon Washington Pinheiro**; Fernanda Jorge Magalhães***; Mirna Albuquerque Frota****; Francisco Antônio da Cruz Mendonça*****; Henriqueta Ilda Verganista Martins Fernandes******
* Ph.D., Enfermeira, Universidade de Fortaleza, 60000-100, Ceará, Brasil [karlarolim@unifor.br]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica, recolha de dados e escrita do artigo. Morada para correspondência: Rua Silva Paulet, 60120-021, Ceará, Brasil.
** Bacharelato, Estudante, Universidade de Fortaleza, 60000-100, Ceará, Brasil [carlon.washington@edu.unifor.br]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica, recolha de dados e escrita do artigo.
*** Ph.D., Professora, Universidade Federal do Ceará, 6043000, Ceará, Brasil [fernandajmagalhaes@yahoo.com.br]. Contribuição no artigo: análise de dados e discussão escrita do artigo.
**** Ph.D., Enfermeira, Universidade de Fortaleza, 60000-100, Ceará, Brasil [mirnafrota@unifor.br]. Contribuição no artigo: análise de dados e discussão e escrita do artigo.
***** Ph.D., Enfermeiro, Centro Universitário Estácio do Ceará, 60000-100, Ceará, Brasil [mendoncafac@hotmail.com]. Contribuição no artigo: discussão e escrita do artigo.
****** Ph.D., Enfermeira, Escola Superior de Enfermagem do Porto, 4200-072, Porto, Portugal [ildafernandes@esenf.pt]. Contribuição no artigo: análise de dados e discussão e escrita do artigo.
RESUMO
Enquadramento: A utilização de uma história aos quadradinhos (HQ) acerca de um procedimento doloroso e stressante na pediatria pode contribuir para uma prática humanística, com a compreensão das necessidades subjetivas da criança e melhoria da qualidade da assistência.
Objetivo: Descrever a experiência da elaboração e utilização de uma história aos quadradinhos (HQ) acerca do brinquedo terapêutico instrucional (BTI) sobre punção venosa, seguindo os pressupostos da teoria humanística de enfermagem.
Metodologia: Relato de experiência, com abordagem qualitativa, de cunho educativo e humanístico, sobre a elaboração da HQ acerca do procedimento de punção venosa, com apoio na teoria humanística de Paterson e Zderad, numa unidade pediátrica de Fortaleza-Ceará-Brasil.
Resultados: Elaboraram-se textos e ilustrações autoexplicativas, instrutivas, divulgadoras, humanizadoras e inéditas, a partir de desenhos tipográficos das etapas da realização do procedimento de punção venosa, como BTI, e tomando como base o léxico dos profissionais de enfermagem pesquisados.
Conclusão: A tecnologia em saúde da HQ pode trazer implicações para a prática quanto à assistência de enfermagem, bem como a sensibilização de profissionais para adoção de uma prática humanizada. Como limitação, cita-se a dificuldade de generalização dos resultados.
Palavras-chave: pediatria; cuidados de enfermagem; hospitalização; educação em saúde
ABSTRACT
Background: The use of a comic book (CB) on a painful and stressful procedure in pediatrics may contribute to a more humanistic practice, leading to a better understanding of children's subjective needs and improved care quality.
Objective: To describe the experience of the elaboration and use of a comic book (CB) about the instructional therapeutic toy (ITT) on venipuncture, following the assumptions of the humanistic nursing theory.
Methodology: Experience report with a qualitative, educational, and humanistic approach on the elaboration of the CB on venipuncture based on Paterson and Zderad's humanistic theory at a pediatric unit in Fortaleza, Ceará, Brazil.
Results: Self-explanatory, instructive, disseminating, humanizing, and original texts and illustrations were elaborated based on typographic drawings of the stages of the venipuncture procedure, as ITT, and using the vocabulary of surveyed nursing professionals.
Conclusion: The use of CB as a health technology is believed to improve nursing care and practice, as well as for raising professionals' awareness to the adoption of a humanized practice. A limitation of this study was the difficulty in generalizing results.
Keywords: pediatrics; nursing care; hospitalization; health education
RESUMEN
Marco contextual: Emplear un cómic (HQ, en portugués) sobre un procedimiento doloroso y estresante en pediatría puede contribuir a la práctica humanística, mediante la comprensión de las necesidades subjetivas del niño y la mejora de la calidad de la asistencia.
Objetivo: Describir la experiencia de elaborar y utilizar una novela gráfica (HQ) acerca del juguete terapéutico instructivo (BTI) sobre la punción venosa, siguiendo los presupuestos de la teoría humanística de enfermería.
Método: Relato de experiencia, con enfoque cualitativo, educativo y humanístico, sobre la elaboración de la HQ acerca del procedimiento de punción venosa, con base en la teoría humanística de Paterson y Zderad, en una unidad pediátrica de Fortaleza (Ceará, Brasil).
Resultados: Se elaboraron textos e ilustraciones autoexplicativas, instructivas, divulgadoras, humanizadoras e inéditas, a partir de dibujos tipográficos de las etapas del procedimiento de punción venosa, como BTI, y tomando como base el léxico de los profesionales de enfermería investigados.
Conclusión: La tecnología en salud de la HQ puede tener implicaciones para la práctica en cuanto a la asistencia de enfermería, así como la sensibilización de profesionales para la adopción de una práctica humanizada. Como limitación se cita la dificultad de generalización de los resultados.
Palabras clave: pediatría; atención de enfermería; hospitalización; educación en salud
Introdução
A história aos quadradinhos (HQ) possui arcabouço teórico e visual que impacta, favoravelmente, na estimulação da leitura, na criatividade e no raciocínio de jovens e crianças. É, juntamente com o cinema, o meio de comunicação de massa mais importante do século XX, o qual se ampliou a partir da década de 1930, para praticamente todos os países do mundo. A HQ permite a interação lúdica entre o leitor e o texto, permitindo desafios e descobertas mediados pela imaginação e linguagem (Kawamoto & Campos, 2014; Santos, Urbinati, & Santos, 2015).
O processo de produção da HQ, ao ser voltado para o contexto da saúde, mais especificamente para a enfermagem pediátrica, possui potencialidades para propiciar a realização de um processo de assistência mais humanística, uma vez que permite ao leitor compreender necessidades e sentimentos de crianças, possibilitando que estas desenvolvam um papel ativo durante a própria assistência. Projetam-se, no meio exterior, os receios e as angústias de crianças, bem como possibilidades de compreensão e de tomada de atitudes diferentes frente às situações e problemáticas vivenciadas no internamento (Silva, Jesus, Santos, & Martins, 2010).
Diante desse contexto, o estudo objetivou descrever a experiência vivenciada por voluntários do projeto Anjos da Enfermagem, com a elaboração e utilização de uma HQ acerca do brinquedo terapêutico instrucional, segundo os pressupostos da teoria humanística de enfermagem.
Enquadramento
Ao ser utilizado como uma tecnologia em saúde na assistência à criança hospitalizada, a HQ pode ser conceituada como um brinquedo terapêutico (BT), o qual é classificado quanto à finalidade como: brinquedo terapêutico dramático (BTD), brinquedo terapêutico capacitador de funções (BTCF) e brinquedo terapêutico instrucional (BTI). Neste sentido, ao avaliar as intervenções/ações de enfermagem, no contexto hospitalar da criança e respetiva família, que ao serem realizadas por meio da criatividade e da arte, possibilitam o fortalecimento da comunicação, das relações interpessoais com maior integração entre profissionais/criança/família ou responsável/acompanhante, expandindo, assim, a humanização da assistência e o alcance de resultados positivos (Catrib & Oliveira, 2012).
O projeto Anjos da Enfermagem: educação e saúde através do lúdico é composto por voluntários, financiado pelo Conselho Federal de Enfermagem (COFEN) e apoiado pelos Conselhos Regionais de Enfermagem (COREN) e Universidades do Bem. Destaca a missão de proporcionar apoio à criança hospitalizada e de construir uma visão humanística sobre as práticas de educação em saúde, por meio de ações lúdicas, permeadas por descontração e participação, de modo a interagir e motivar a comunicação entre voluntários e crianças hospitalizadas. Minimizando, por meio das atividades lúdicas, as situações traumáticas e de difícil adaptação das crianças hospitalizadas, promovendo alegria, sorrisos e melhoria na interação profissional/criança/família (Pinheiro, Teixeira, Mendonça, Rolim, & Duarte, 2014; Cruz, Rocha, & Marques, 2013).
O impacto desse projeto de responsabilidade social, considerado o mais importante da enfermagem brasileira, é evidenciado pelas atividades de ensino, pesquisa e extensão, com a finalidade de desenvolver e reforçar a cidadania, por meio do trabalho voluntário para melhor formação académica e profissional (Vieira, 2012; Cruz & Acosta, 2014).
Nos cursos de graduação em enfermagem, o tema humanização é, constantemente mencionado, contudo devido à cultura biomédica, ainda não se demonstra a mesma atenção às nuances do processo saúde-doença. No final da década de 80, Paterson e Zderad defenderam a teoria humanística de enfermagem, a qual é permeada pelo contexto humano e traz como pressuposto com: o diálogo, a partida para o encontro, a presença, o relacionamento, um chamado e uma resposta, de maneira singular e individualizada (Paterson & Zderad, 1988). Tais pressupostos têm o intuito de favorecer a comunicação de maneira efetiva e humanística (Oliveira, Salvador, & Santos, 2012).
O conteúdo da teoria traz a influência do existencialismo, do humanismo e da fenomenologia, sendo citados escritores como Husserl, Buber, Marcel, Nietzsche, entre outros (Paterson & Zderad, 1988).
A enfermagem humanística vincula-se à experiência dos indivíduos como fenómenos das suas vidas e do seu desenvolvimento. A relação inter-humana dirige-se a nutrir não somente o bem-estar da pessoa, mas o estar-melhor, ajudando-a a tornar-se o melhor possível na sua situação particular. Sendo a enfermagem um processo entre pessoas, a qual permite que ambas possam atuar e serem afetadas, com possibilidade de se tornarem melhores. É preciso conhecer os valores, preconceitos, mitos e expectativas das pessoas envolvidas, enfermeiro e paciente, os quais fazem parte deste processo.
Questão de investigação
Quais os procedimentos de elaboração e utilização da HQ nos cuidados de punção venosa às crianças hospitalizadas?
Metodologia
Estudo do tipo relato de experiência, descritivo, vivenciado por quatro alunos e três coordenadores do programa Anjos da Enfermagem Núcleo Ceará, acerca da elaboração e utilização de uma HQ intitulada Os Anjos da Enfermagem em: O Brinquedo Terapêutico, com abordagem qualitativa, de cunho educativo, apoiado nos preceitos da teoria humanística de Paterson e Zderad (1988). Foi realizado de março a maio de 2016, num hospital pediátrico de referência em Fortaleza-Ceará-Brasil.
O processo seletivo dos voluntários do programa Anjos da Enfermagem acontece uma vez por ano e é promovido pelos coordenadores estadual, local e instrutores. Os candidatos são entrevistados e observados através de dinâmicas quanto à relação com os demais candidatos, empatia e criatividade, assim como pelo histórico académico. Os voluntários selecionados participam numa formação através de palestras e oficinas sobre arte, terapia com música, balões, pinturas, expressão corporal, teatro, e, orientações sobre a interação com as crianças hospitalizadas de forma lúdica, através da educação em saúde.
Essa seleção orienta a importância da fala, a delicadeza do toque, a importância do sorriso, do contacto visual e do entendimento da criança que está fora do seu convívio social, proporcionando momentos de alegria, no intuito de amenizar a angústia e dor das crianças durante o processo de internamento.
Anteriormente às vivências, os alunos voluntários participam numa formação acerca dos direitos do paciente, da legislação de enfermagem, das noções de prevenção e do controlo de infeção hospitalar e da metodologia científica, considerando a necessidade de desenvolvimento de pesquisas.
Para realização das visitas intra-hospitalares, com autorização prévia da direção do hospital pediátrico, os voluntários supervisionados pelos coordenadores desenvolvem atividades lúdicas de educação em saúde para as crianças em tratamento oncológico e interagem com as crianças e os familiares.
A utilização de estratégias voltadas para a educação em saúde não tem como finalidade somente a transmissão de informações, mas deve propiciar trocas de experiências de vida, ressaltar aspetos comportamentais e medidas terapêuticas vivenciadas em realidades diferenciadas nacionais e internacionais (Sposito, Sparapani, Pfeifer, Lima, & Nascimento, 2013).
São realizadas atividades lúdicas, voltadas para a educação em saúde, entre elas: arte com balões e com pinturas, contar histórias, desenhos, magia, musicoterapia, teatro, entre outras. Tais atividades são realizadas para amenizar o medo e a ansiedade causados pelo processo de internamento hospitalar e tratamento quimioterápico (Pinheiro et al., 2014).
Nesse momento, o aluno voluntário tenta compreender os processos a serem vivenciados, estabelecendo metas para reestruturar a assistência, buscando promover uma relação dialógica, através do cuidado mais humanizado. Encontrando-se com a criança angustiada e sofrida, em virtude da situação da doença e suas dores, cabe ao voluntário acolher os seus anseios e medos, procurar o relacionamento e demonstrar a verdadeira presença.
Conforme a teoria humanística, este encontro, em que existe um chamamento e uma resposta intencionais, é uma meta da enfermagem, que utiliza esta teoria como arte, de forma significativa e efetiva, deixando uma impressão duradoura, demonstrando que as pessoas podem lutar para serem tudo o que são capazes de ser (Paterson & Zderad, 1988).
Dessa forma, para atuar junto das crianças em tratamento oncológico, o voluntário necessita de se valer de uma infinidade de estratégias lúdicas, entre elas a proposta pedagógica trazida pela arteterapia. Esta vem sendo aplicada para a prática da educação, com ênfase na psicomotricidade, na qual as crianças desenvolvem habilidades motrizes necessárias para o desenvolvimento pessoal e interpessoal a partir de atividades, como modelagem, desenho, pintura, maquetes, trabalho com música, teatro de fantoches, entre outros (Malagutti & Kakihara, 2014).
Desse modo, a presença é a qualidade de estar aberta, percetiva, pronta, quando o voluntário deve mostrar disponibilidade cognitiva e emocional. Chamados e respostas são entendidos como a comunicação voluntário/criança, quando chamam e deveriam ser respondidos de modo simultâneo. A tentativa de todo esse processo dialógico deve ser vivenciada por meio de palavras, olhares, atitudes, entoação de voz, expressões corporais e faciais, demonstrando a importância da comunicação efetiva para o estabelecimento da prestação de assistência eficaz, favorecendo a comunicação de forma holística e integral (Lima, 2015).
Diante das observações, verifica-se que o profissional, muitas vezes, está imerso na impessoalidade, a interação genuína com a criança encontra-se prejudicada e o profissional espera da criança apenas expressões e ações colaborativas, seguidas de atitudes e comportamentos aceitáveis. Esse modo de ser renega a responsabilidade pessoal, resulta em atos e linguagens superficiais que em nada contribuem para compreensão dos envolvidos (Melo & Valle, 2010).
Quanto à elaboração da HQ, foi realizada inicialmente a seleção, entre os principais cuidados de enfermagem a serem abordados pelos Anjos da Enfermagem durante as atividades lúdicas. A punção venosa foi o procedimento de escolha frente aos sentimentos de angústia, nervosismo e a dor sentida pelas crianças. Procedeu-se à digitação de textos e criação de ilustrações gráficas, conforme os pressupostos teóricos abordados. As ilustrações foram primeiramente desenhadas à mão, por desenhador com habilidades artísticas que se dispôs para colaborar no estudo, desenvolvendo os desenhos conforme solicitados e descritos pelos pesquisadores. Posteriormente realizou-se o retoque dos desenhos, com o uso do programa Adobe Photoshop CC e, por fim, acrescentou-se a formatação do texto e das ilustrações no mesmo programa.
O estudo seguiu os preceitos éticos da Resolução 466/12, do Conselho Nacional de Saúde, conforme parecer de aprovação Nº 1. 444.510 (Resolução 466/2012/CNS/MS/CONEP).
Resultados
A formatação da HQ Os Anjos da Enfermagem em: O Brinquedo Terapêutico possui caráter informativo e educativo para os profissionais de enfermagem e as crianças hospitalizadas. Esta tecnologia foi desenvolvida no formato de 21cm de altura e 29,7cm de largura em cada folha, estruturada em 11 folhas no total, dividida em capa e conteúdo da HQ, perfazendo um total de 10 páginas.
O conteúdo expresso possui figuras inéditas, que são instrutivas, autoexplicativas e capazes de divulgar o conhecimento. As imagens foram elaboradas a partir de fotografias retiradas da fachada do hospital, ademais buscou-se a criação de um ambiente mais colorido e lúdico da unidade. Uniu-se o intuito de retratar a realidade vivenciada na unidade, com o universo lúdico da criança.
A estética e o texto foram retratados em figuras simples e com mínimas palavras. A capa da HQ está coerente com o conteúdo, é nítida e está inserida em harmonia com o logo do projeto Anjos da Enfermagem. As ilustrações foram distribuídas sobre um plano de fundo azul claro com nuvens, analogia entre os Anjos da Enfermagem e o céu (Figura 1).
Foram utilizadas tanto as cores primárias como as secundárias, ademais os personagens vestidos de palhaços apresentam-se com cores fortes e vibrantes (Figura 2). A escolha dessas cores decorreu da experiência do voluntariado dos Anjos da Enfermagem, que sempre as utilizam para auxiliar as atividades de intervenção como palhaços, desde a pintura até os balões.
A situação de maior destaque de todo o conteúdo da HQ é o momento em que os passos para condução do BTI são realizados pelos personagens do desenho. Esta abordagem dos personagens inicia-se com a intervenção dos voluntários, aproximando-se da criança e da acompanhante, que possuía o papel de mãe.
Na HQ, os voluntários caracterizados de palhaço, chegam e explicam à mãe o motivo de estarem no hospital, voltando-se para a instrução sobre os benefícios do BT na saúde da criança hospitalizada, realizando o esclarecimento de dúvidas expressas pela personagem mãe. O contacto que aborda as finalidades do BT com os familiares é uma etapa fundamental para o sucesso do processo.
Na página seguinte, dois Anjos questionam a mãe, sobre o nervosismo da criança durante a punção venosa, ela dá uma resposta afirmativa, destacando que a criança, além de nervosa, passava mal. Ainda nessa situação, um Anjo entra em cena e outros trazem bonecos e os equipamentos hospitalares necessários para uma punção venosa.
Nesse momento, há diálogo com a criança, são estipulados 15 minutos para realização da brincadeira, terminado esse tempo, os brinquedos são recolhidos. Determinar o período de término da intervenção com a criança é fundamental para estabelecer o fim da ação, ocorrendo da maneira menos traumática possível e de forma colaborativa.
Observa-se que, enquanto a menina brinca com o boneco e os equipamentos hospitalares, os personagens começam a contar a história de uma pequena garota, que tinha medo da injeção na veia e que precisava sempre de muitas pessoas para a segurar, mas que melhorou ao perceber que o algodão era utilizado para limpar a pele, que a borrachinha era usada para ver a veia, e que a agulha servia para que o remédio entrasse no corpo e ela ficasse boa (Figura 3).
Essa etapa da narração da história, associada ao ato de brincar, é relevante, principalmente para que a criança assimile os conteúdos expressos, a partir da empatia com a personagem descrita na história, que se assemelha à sua situação de internamento hospitalar.
As últimas páginas da HQ retratam a chegada da profissional de enfermagem que iria realizar a punção venosa. Ao indagar se a menina estava com medo, a profissional recebe uma resposta inesperada da criança, sendo uma afirmação de coragem e segurança para enfrentar o procedimento, isto devido à ajuda dos novos amigos. No fim, os voluntários dão as mãos e saem do quarto despedindo-se da menina.
Discussão
A necessidade de recorrer às tecnologias em saúde é comum para procedimentos de Enfermagem, tornando essencial que a escolha dessa tecnologia busque um resgate do diálogo genuíno, do encontro, da relação e da presença, para que o processo de enfermagem humanística possa ocorrer de modo verdadeiro e não aparente (França, Costa, Lopes, Nóbrega, & França, 2013).
É fundamental o conhecimento, por parte da equipa de saúde, de diferentes tecnologias educativas que permitam a aplicação de instrumentos que venham a facilitar o processo de ensino-aprendizagem, voltando-se para atender aos chamados e às respostas do paciente pediátrico. A perda do medo dos indivíduos que prestam o cuidado torna a assistência menos traumática, justamente pela projeção da segurança que se instalará rotineira e progressivamente e não apenas em ações pontuais que se manifestam, algumas vezes, por conveniência (Oliveira et al., 2012; Malagutti & Kakihara, 2014).
Estudos comprovam que emoções positivas podem contribuir para produção de efeitos benéficos para melhoria da saúde, e considera o bom humor e o riso moderadores de situações dolorosas e stressantes, como a reabilitação cardíaca, perceção da dor, desconforto, modulação da hormona do stresse e melhoria do sistema imunológico em crianças e adultos (Bertini, Isola, Paolone, & Curcio, 2011). O ato de brincar vem fortalecer os laços afetivos e de confiança entre os profissionais de enfermagem e a criança, facilitando a prática do cuidar, a qual proporciona importante interação entre o cuidador e o ser cuidado.
O uso da HQ apresenta como vantagem ser um material com sucessão progressiva de páginas, cujas relações com o contexto da história são interdependentes, capazes de orientar e provocar a reflexão sobre os conteúdos explicitados na problemática que se desenrola, atuando de forma lúdica na interação do mundo, daquele que lê com o mundo, daquilo que se manifesta. Há dentro do universo da HQ o exercício da função poética da linguagem, apresentando uma função dentro dos sistemas simbólicos, que abrangem o mundo metafórico e de onomatopeias, ampliando a interação e a disseminação de ideais (Santos et al., 2015).
Ao adaptar o contexto da HQ para a conscientização sobre BT, ocorre um benefício mútuo dessa interação, somando tanto os aspetos positivos da HQ como os do BT. Um estudo de Malagutti e Kakihara (2014) sobre o uso do BT reafirma que esta tecnologia na assistência de enfermagem, durante a avaliação dos comportamentos das crianças, demonstrou melhorias significativas no processo de compreensão e aceitação do procedimento doloroso. Evidenciou-se, também, no estudo, melhoria significativa pela utilização do BT como intervenção favorável para a melhoria da assistência e do cuidado humanizado de enfermagem. Ressalta-se que antes da utilização do BT 44,1% das crianças sorriam, 35,3% apresentavam expressão de medo, 11,8% choravam e 32,3% apresentavam tensão muscular. Enquanto que, após a sessão de utilização de BT, 85,3% das crianças sorriam, 11,8% tinham expressão de medo, 8,8% choravam e 8,8% apresentavam tensão muscular (Malagutti & Kakihara, 2014).
Durante a vivência foi observado pelos alunos dos Anjos da Enfermagem que, das principais dificuldades da utilização dessa tecnologia no serviço destaca-se a desmotivação, a desvalorização e a sobrecarga de trabalho na unidade, denotando a dificuldade no alcance progressivo dos potenciais humanos. As dimensões do ser psicossomático e espiritual não são vividas em prol do bem-estar e nem do estar melhor e isso dificulta o processo de transcender a si e, consequentemente, do abrir-se em direção ao outro (França et al., 2013).
A enfermagem humanística é um diálogo vivo. Ao preocupar-se com o entendimento dos pacientes, a profissional exerce resposta aos chamados destes, sendo uma forma de diálogo intersubjetivo, que acontece nas situações de enfermagem, que necessita da sincronicidade do fazer com e do estar com (Coelho & Vergara, 2015).
As enfermeiras da unidade aparentaram acreditar no impacto positivo da HQ e o BTI como uma tecnologia em saúde válida, para a preparação da criança para a punção venosa, considerando os sinais positivos que transmitiram aos Anjos da Enfermagem, como sorrisos, maneio da cabeça e acenos de mão. Desta maneira, a realização da prática lúdica nas ações educativas é um método fundamental, capaz de incentivar o envolvimento das crianças no cuidado, facilitando a aprendizagem infantil e contribuindo para promoção da saúde e (re)significação da doença.
No entanto, percebe-se que a incorporação de atividades lúdicas na assistência de enfermagem não é efetiva no âmbito da saúde pediátrica no Brasil, devido à ausência de incentivo e ao desconhecimento destas, as quais são reduzidas a simples práticas de manipulação de brinquedos, o que não contempla o verdadeiro potencial da ludoterapia (Brito, Resck, Moreira, & Marques, 2009).
O processo de cuidar em pediatria, pela sua especificidade, é um fator motivador para que o enfermeiro esteja sensível a responder de maneira particular à criança e respetiva família, além da necessidade de capacitação contínua da equipa, ao analisar a sua práxis, para assim, potencializar recursos terapêuticos, como HQ e BT, e propor atividades que aperfeiçoem a assistência de enfermagem (Mendes & Martins, 2012).
Conclusão
Conclui-se que foi possível relatar e descrever a experiência da elaboração de uma HQ acerca do BTI sobre punção venosa, seguindo os pressupostos da teoria humanística de enfermagem.
Sabe-se que apesar das dificuldades na realização do estudo, é necessário refletir sobre a importância de um olhar diferenciado, tanto para aquele que é cuidado como para o cuidador. O estudo da teoria humanística de enfermagem possibilitou a ampliação da consciência, acerca do processo das relações humanas que se dão nas situações de enfermagem, que acabaram culminando com a construção dessas HQ.
Acredita-se que a tecnologia de HQ pode trazer contribuições significativas para a assistência de enfermagem prestada ao paciente pediátrico hospitalizado, contribuindo também para a sensibilização dos profissionais de enfermagem para adoção de práticas humanizadas. Esses aspetos contribuem para a qualidade dos serviços de saúde, além de aperfeiçoarem as relações entre o profissional, o paciente e o familiar.
Destaca-se que este estudo descreve uma experiência piloto, que tem como limitação a não validação da HQ, que deverá ser realizada posteriormente. É importante salientar que são necessários novos estudos que avaliem o impacto da HQ e do BT na assistência à criança hospitalizada, para que surjam novas evidências científicas que indiquem novos rumos para essa especialidade. Questiona-se, também, a possibilidade de aplicação da presente HQ na rotina dos profissionais de enfermagem ao executar o cuidado à criança, pois considera-se uma tecnologia em saúde viável para tal objetivo.
Referências bibliográficas
Bertini, M., Isola, L., Paolone, G., & Curcio, G. (2011). Clowns benefit children hospitalized for respiratory pathologies. Evidence-Based Complementary and Alternative Medicine, 2011, 1-9. doi: 10.1093/ecam/neq064 [ Links ]
Brito, T. R., Resck, Z. M., Moreira, D. S., & Marques, S. M. (2009). As práticas lúdicas no cotidiano de cuidar em enfermagem pediátrica. Escola Anna Nery Revista Enfermagem, 13(4), 802-808. [ Links ]
Catrib, P. R., & Oliveira, I. C. (2012). The nursing team strategies for children with communicable diseases. Texto & Contexto Enfermagem, 21(1), 103-111. [ Links ]
Coelho, N. R., & Vergara, L. M. (2015). Teoria de Paterson e Zderad: Aplicabilidade humanística no parto normal. Cogitare Enfermagem, 20(4), 829-836. [ Links ]
Cruz, A. C., & Acosta, N. M. (2014). Brincar aprendendo ou aprender brincando? A importância do lúdico para crianças com deficiência intelectual. Revista Pós-Graduação: Desafios Contemporâneos, 1(1), 34-49. [ Links ]
Cruz, D. S., Rocha, S. M., & Marques, D. K. (2013). O lúdico na hospitalização: Percepção de mães de crianças hospitalizadas quanto ao projeto de extensão “Anjos da Enfermagem”. Revista de Ciências da Saúde Nova Esperança, 11(2), 131-42. [ Links ]
França, J. R., Costa, S., Lopes, M. E., Nóbrega, M. M., & França, I. S. (2013). Importância da comunicação nos cuidados paliativos em oncologia pediátrica: Enfoque na teoria humanística de enfermagem. Revista Latino-Americana de Enfermagem, 21(3), 780-786. [ Links ]
Kawamoto, E. M., & Campos, L. M. (2014). Comic books as a teaching resource for teaching the human body in initial years of elementary school. Ciência & Educação (Bauru), 20(1), 147-158. [ Links ]
Lima, I. B. (2015). O diálogo da enfermagem no cuidado a criança hospitalizada : Um caminho em direção à alteridade? Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Recuperado de: http://monografias.ufrn.br/jspui/handle/123456789/1753 [ Links ]
Malagutti, W., & Kakihara, C. T. (2014). Curativos, estomia e dermatologia: Uma abordagem multiprofissional (3ª ed.). São Paulo, Brasil: Martinari. [ Links ]
Melo, L. L., & Valle, E. R. (2010). The toy library as a possibility to unveil the daily life of children with cancer under outpatient treatment. Revista da Escola de Enfermagem da USP, 44(2), 510-8. [ Links ]
Mendes, M. G., & Martins, M. M. (2012). Parceria nos cuidados de enfermagem em pediatria: Do discurso à ação dos enfermeiros. Revista de Enfermagem Referência, 3(6), 113-121. [ Links ]
Oliveira, R. K., Salvador, P. T., & Santos, V. E. (2012). Application of humanistic nursing theory in healthcare: An integrative literature review. Revista de Pesquisa: Cuidado é Fundamental Online, 4(1), 2695-2704. Recuperado de http://www.seer.unirio.br/index.php/cuidadofundamental/article/view/1506 [ Links ]
Paterson, J. G., & Zderad, L. T. (1988). Humanistic nursing. New York, NY: National League for Nursing. [ Links ]
Pinheiro, C.W., Teixeira, A.A.S., Mendonça, F.A.C., Rolim, K.M.C., & Duarte, J. (2014). Projeto anjos da enfermagem: protagonismo na humanização do cuidado a criança portadora de câncer. Anais do 17º Congresso Brasileiro dos Conselhos de Enfermagem, Belém, PA, Brasil, 1-13. [ Links ]
Resolução 466/2012/CNS/MS/CONEP. Diário Oficial da União, 12, 59, de 2012. Ministério da Saúde, Conselho Nacional de Saúde, Brasília, Brasil.
Santos, R. E., Urbinati, D., & Santos, I. L. (2015). História em quadrinhos e a função poética na publicidade. Comunicação Mídia Consumo, 12(34), 89-106.doi: 10.18568/cmc.v12i34.965 [ Links ]
Silva, S. H., Jesus, I.C., Santos, R. M., & Martins, D. C. (2010). Humanização em pediatria: O brinquedo como recurso na assistência de Enfermagem à criança hospitalizada. Pediatria Moderna, 46(3), 101-104. [ Links ]
Sposito, A. M., Sparapani, V. C., Pfeifer, L. I., Lima, R.A., & Nascimento, L. C. (2013). Estratégias lúdicas de coleta de dados com crianças com câncer: Revisão integrativa. Revista Gaúcha de Enfermagem, 34(3), 30-35. [ Links ]
Vieira, N.H. (2012). Anjos da Enfermagem: A percepção dos acadêmicos voluntários do projeto. (Licenciatura). Universidade Regional de Blumenau, Brasil. [ Links ]
Recebido para publicação em: 27.03.17
Aceite para publicação em: 01.06.17