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Revista de Enfermagem Referência
versão impressa ISSN 0874-0283
Rev. Enf. Ref. vol.serIV no.14 Coimbra set. 2017
https://doi.org/10.12707/RIV17037
ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO (ORIGINAL)
RESEARCH PAPER (ORIGINAL)
Intervenções breves na redução do consumo de álcool em utentes de uma unidade de saúde familiar
Brief interventions for reducing alcohol consumption in users of a family health unit
Intervenciones breves en la reducción del consumo de alcohol en usuarios de una unidad de salud familiar
Filomena Margarida Jorge*; Maria Teresa Moreira**; Maria Odete Pereira***; Tereza Maria Mendes Diniz de Andrade Barroso****
* MsC., Enfermeira, Unidade de Cuidados na Comunidade Nabão do Centro de Saúde de Ansião, 3000-457, Coimbra, Portugal [gigijorge@gmail.com]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica, recolha de dados, tratamento de dados, análise de dados e discussão, escrita do artigo.
** Ph.D., Professora Adjunta, Universidade Fernando Pessoa, 4249-004, Porto, Portugal [m.teresa.moreira@gmail.pt]. Contribuição no artigo: análise de dados e discussão, escrita do artigo.
*** Ph.D., Professora Adjunta, Universidade Federal de Minas Gerais, 30130-100, Minas Gerais, Brasil [m.odetepereira@gmail.com]. Contribuição no artigo: análise de dados e discussão, escrita do artigo.
**** Ph.D., Professora Adjunta, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, Coimbra Portugal [tbarroso@esenfc.pt]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica, recolha de dados, tratamento de dados, análise de dados e discussão, escrita do artigo.
Morada para correspondência: Rua Comercial, nº 18, Bairro da Liberdade, 3020-112, Coimbra, Portugal.
RESUMO
Enquadramento: As intervenções breves (IBs) têm como objetivo primordial a deteção de consumo de risco e nocivo de bebidas alcoólicas e motivar o indivíduo a modificar comportamentos.
Objetivos: Avaliar o efeito das IBs na redução do consumo de álcool em utentes de uma unidade de saúde familiar (USF).
Metodologia: Estudo pré-experimental, avaliação antes e após intervenção (5 meses) de 45 utentes (grupo único). Utilizou-se o Alcohol Use Desorder Identification Test (AUDIT). As IBs foram desenvolvidas por enfermeiros.
Resultados: Na avaliação inicial, 88,6% dos utentes encontravam-se no nível de risco I; 11,4 % no nível de risco II. No seguimento, 5 meses após as IBs, 97,7 % encontravam-se no nível de risco I, 2,3% no nível de risco II.
Conclusão: As IBs tiveram efeito na diminuição e estabilização dos níveis de risco de consumo de álcool, reforçando a importância da sua aplicação nos cuidados de saúde primários.
Palavras-chave: alcoolismo; avaliação de eficácia-efetividade das intervenções; consumo de bebidas alcoólicas; atenção primária em saúde; enfermagem
ABSTRACT
Background: The primary objective of brief interventions (BIs) is to detect hazardous and harmful alcohol consumption and encourage behavior change.
Objectives: To assess the effect of BIs in reducing alcohol consumption in users of a Family Care Unit (FCU).
Methodology: A pre-experimental study, with assessment before and after the intervention (5 months), was conducted with 45 users of a FCU (single group). The Alcohol Use Disorder Identification Test (AUDIT) was used. The BIs were developed by nurses.
Results: At baseline, 88.6% of users were at risk level I and 11.4% were at risk level II. At follow-up (5 months after BIs), 97.7% of them were at risk level I and 2.3% were at risk level II.
Conclusion: BIs reduced and stabilized the risk levels of alcohol consumption, reinforcing the importance of their application in primary care.
Keywords: alcoholism; evaluation of the efficacy-effectiveness of interventions; alcohol drinking; primary health care; nursing
RESUMEN
Marco contextual: Las intervenciones breves (IBs) tienen como objetivo primordial la detección de consumo de riesgo y nocivo de bebidas alcohólicas, así como motivar al individuo para que modifique sus comportamientos.
Objetivos: Evaluar el efecto de las IBs en la reducción del consumo de alcohol en usuarios de una Unidad de Salud Familiar (USF).
Metodología: Estudio preexperimental, evaluación antes y después de la intervención (5 meses) de 45 usuarios (grupo único). Se utilizó el Alcohol Use Desorder Identification Test (AUDIT). Las IBs las desarrollaron enfermeros.
Resultados: En la evaluación inicial, el 88,6 % de los usuarios se encontraban en el nivel de riesgo I; el 11,4 % en el nivel de riesgo II. En el seguimiento, 5 meses después de las IBs, 97,7 % se encontraban en el nivel de riesgo I, el 2,3% en el nivel de riesgo II.
Conclusión: Las IBs tuvieron un efecto en la disminución y estabilización de los niveles de riesgo de consumo de alcohol, y reforzaron la importancia de su aplicación en la atención de salud primaria.
Palabras clave: alcoholismo; evaluación de eficacia-efectividad de intervenciones; consumo de bebidas alcohólicas; atención primaria de salud; enfermería
Introdução
O consumo nocivo de álcool tem uma importante carga social e económica a nível mundial, encontrando-se entre os cinco principais fatores de risco para doenças incapacitantes e de morte. Os padrões de consumo de álcool e os problemas associados ao seu consumo variam em todo o mundo, vários fatores são importantes para explicar essas diferenças, designadamente a cultura, disponibilidade e acessibilidade do álcool, entre outros (World Health Organization, 2014).
Em Portugal, o consumo per capita na população adulta é de 12,4 litros de álcool puro, superior à média europeia, e embora os últimos dados epidemiológicos apontem uma tendência para a diminuição do consumo na população em geral, verificou-se um aumento dos consumos problemáticos e nocivos em determinados grupos etários (Balsa, Vital, & Urbano, 2013).
As intervenções breves (IBs) para a redução do consumo nocivo de álcool, são estratégias baseadas na abordagem motivacional, que têm como objetivo identificar os níveis de risco de consumo de álcool e ajudar a pessoa na mudança de comportamento, reduzir ou parar o consumo de bebidas alcoólicas (Babor, Higgins-Biddle, Saunders, & Monteiro, 2001; Barroso, Rosa, Jorge, & Gonçalves, 2012; Tariq, Van den Berg, Hoogenveen, & Van Baal, 2009; Ribeiro, 2011)
Segundo Ribeiro (2011) estima-se que cerca de 20% a 30% das pessoas que recorrem aos cuidados de saúde primários (CSPs) são consumidores excessivos de álcool, por outro lado existe acumulada evidência científica da redução de consumo, em resposta às IBs (O'donnell et al., 2014; Platt et al., 2016).
Assim, os enfermeiros nos cuidados de saúde primários, ocupam uma posição privilegiada para a deteção precoce de utentes com padrões de consumo de risco e/ou nocivo e para o desenvolvimento de IBs apropriadas ao nível de risco identificado.
Em Portugal, existem diretrizes da Direção- Geral da Saúde que recomendam a sua utilização, nomeadamente a Norma nº 030/2012 de 28 de Dezembro, atualizada a 18/12/2014 (Direcção-Geral da Saúde [DGS] , 2014). Todavia, as IBs não estão disseminadas na prática clínica e os estudos neste domínio são escassos. Este estudo tem como objetivo avaliar o efeito das IBs na redução do consumo de risco e/ou nocivo em utentes de uma unidade de saúde familiar (USF).
Enquadramento
Os CSPs são definidos desde a Conferência em Alma-Ata como o primeiro nível de cuidados de saúde. Os profissionais dos CSPs apresentam-se na linha da frente, integrados na própria comunidade, com responsabilidade de intervenção em diversas áreas desde a educação para a saúde, vacinação, saúde ambiental, planeamento familiar, saúde materna e infantil, saúde escolar, diagnóstico e tratamento das doenças agudas e crónicas mais comuns na comunidade e fornecimento dos medicamentos essenciais.
No que diz respeito à deteção precoce do consumo de álcool, como salienta Ribeiro (2011), há três importantes barreiras que têm que ser ultrapassadas: a dificuldade dos utentes em declarar os seus consumos, a dificuldade dos profissionais de saúde na abordagem dos utentes, e a deficiente disposição do sistema para facilitar essa mesma deteção.
Para Biscaia et al. (2008), os CSPs são essenciais e por isso devem ser universalmente acessíveis a todos os indivíduos e a todas as famílias da comunidade, tendo como vocação tratar dos principais problemas de saúde dessa comunidade e englobando ações de promoção da saúde, de prevenção, cuidados curativos, de reabilitação ou de fim de vida.
No sistema de saúde português, os CSPs são a porta de entrada dos cidadãos no sistema de saúde. Neste primeiro nível de contacto do indivíduo, da família e da comunidade com o sistema de saúde, preconiza-se o desenvolvimento de intervenções específicas em função dos principais determinantes de saúde, ao longo do ciclo vital.
No intuito de diagnosticar precocemente e intervir junto do consumidor de risco, com consumo nocivo ou em situação de dependência, devem ser utilizados instrumentos de rastreio adequados e utilizar as IBs de base motivacional específicas em função do nível de risco identificado (DGS, 2014).
Os profissionais de CSPs ocupam uma posição privilegiada e têm um papel crucial na identificação e no rastreio de indivíduos com consumo de risco e nocivo de álcool, e/ou provável dependência do álcool, para avaliação, diagnóstico e tratamento adequado. Estes podem também desempenhar um papel no encaminhamento para o tratamento de indivíduos com dependência de álcool (Babor et al., 2001).
Os enfermeiros prestam cuidados globais e personalizados aos indivíduos e famílias, ao longo do ciclo vital, em vários contextos quer seja no domicílio ou comunidade e a diferentes níveis: promoção, prevenção, tratamento e reabilitação. Promovem e mantêm ligações entre os indivíduos, famílias, comunidades e o resto do sistema de cuidados de saúde, trabalhando tanto em autonomia como em colaboração para a prevenção da doença e da incapacidade, bem como para promover, melhorar, manter e restaurar a saúde.
Já desde 2011, a Rede de Referenciação/Articulação para os Problemas Ligados ao Álcool, recomenda a utilização de instrumentos específicos de rastreio, nomeadamente o Alcohol Use Disorder Identification Test (AUDIT) para a deteção dos consumos de risco e nocivo, e ainda, a implementação das IBs de acordo com os níveis de risco identificados, e referenciação para diagnóstico nos casos identificados com provável dependência (Ministério da Saúde, Instituto da Droga e da Toxicodependência, 2011).
As IBs apresentam uma boa relação custo/benefício (Tariq et al., 2009; Platt et al., 2016) para além de serem breves na sua execução, seguem um protocolo de intervenção organizado numa curta sequência de etapas. Apoiam-se em material didático e podem ser facilmente incluídas nas consultas de triagem nos CSPs (Babor et al., 2001; Barroso et al., 2012; Rosa, Abreu, & Barroso, 2015; Patrício, Finnell, & Barroso, 2016).
O rastreio do consumo de risco e nocivo de álcool e as IBs são por isso um importante recurso para os enfermeiros, em particular nos cuidados de saúde primários (Barroso, Castanhola, Marta, & Claro, 2010; Gonçalves, Ferreira, Abreu, Pillon, & Jezus, 2011).
Hipótese
Os indivíduos sujeitos à IB apresentam uma evolução positiva no nível de risco relativo ao consumo de álcool.
Metodologia
Trata-se de um estudo de natureza quantitativo, pré-experimental, de avaliação antes e após as IBs (5 meses após), com grupo único.
O estudo foi realizado numa unidade de saúde familiar (USF) do Concelho de Coimbra, em Portugal, amostra não probabilística e acidental constituída pelos utentes inscritos nessa USF que a ela recorreram por diversos motivos, no período do estudo, e aceitaram participar. Antes do processo de colheita dos dados, obteve-se consentimento do conselho de administração da instituição. Foi ainda obtido consentimento informado e esclarecido de todos os participantes.
A colheita de dados realizou-se por meio de entrevista individual semiestruturada, com questões voltadas para a caracterização sociodemográfica dos participantes, para a avaliação de estilos de vida saudáveis, englobando os seguintes parâmetros: tensão arterial, índice de massa corporal, prática de exercício físico, hábitos tabágicos, consumo de álcool e outras substâncias psicoativas. Para a avaliação do nível de risco relativo ao consumo de álcool, foi utilizado o questionário AUDIT (Babor et al., 2001), um questionário de rastreio com reconhecimento a nível internacional, desenvolvido pela Organização Mundial de Saúde (OMS), na década de 80 com o principal objetivo de identificar, em serviços de saúde de diferentes níveis e contextos, o risco para o consumo nocivo de álcool.
A sua utilização é recomendada pelo Plano Nacional para a Redução dos Comportamentos Aditivos e das Dependências (Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências, 2013) e pela Noma 30 da DGS (DGS, 2014).
O AUDIT foi validado em Portugal por Cunha (2002) e apresenta uma sensibilidade que varia entre os 92% e 98%. No sentido de verificar a fiabilidade do instrumento AUDIT, foi aplicado o teste de alfa de Cronbach para verificar a sua consistência interna. Na avaliação inicial observou-se um alfa Cronbach de 0,736, sendo que os valores de correlação dos itens com o total da dimensão variam entre -0,153 e 0,747.
O AUDIT permite a identificação do consumo de risco, nocivo e provável dependência (Babor et al., 2001), integra 10 questões relativas ao padrão de consumo e as suas consequências nos últimos 12 meses: as três primeiras questões são sobre a caracterização do consumo e risco do uso de álcool, as três seguintes questões são sobre sintomas de dependência, e as últimas quatro questões sobre problemas decorrentes do consumo e uso nocivo do álcool. A pontuação das oito primeiras questões variam entre 0 e 4 pontos e as duas últimas questões são cotadas em 0, 2 e 4 pontos.
O score do AUDIT varia de 0 a 40, as pontuações mais altas são indicativas de problemas, permitindo classificar o utente numa de quatro zonas de risco: zona I (até 7 pontos: indica uso de baixo risco ou abstinência); zona II (de 8 a 15 pontos: indica uso de risco); zona III (de 16 a 19 pontos: sugere uso nocivo); e zona IV (acima de 20 pontos: sugestivo de dependência). Considerando que as pontuações AUDIT superiores a 20 são sugestivas de dependência alcoólica, o utente deve prontamente ser referenciado para avaliação clínica (Babor et al., 2001).
A zona I é definida como nível de consumo de baixo risco; a zona II - consumo de risco definido como a tipologia de consumo que, embora sem manifestações clínicas, acarreta risco de consequências prejudiciais para a saúde se continuar a persistir; na zona III - consumo nocivo - define-se como o padrão de consumo que causa danos à saúde física e mental, mas que não satisfaz os critérios de dependência.
De acordo com os níveis de risco foram implementadas as IBs, em função do protocolo adaptado de Babor et al. (2001). Aos utentes com baixo risco (nível I; score 0-7) receberam uma intervenção educacional; aos utentes com risco (nível II; score 8-15), receberam aconselhamento simples; utentes com consumo nocivo (nível III; score 16-19) receberam aconselhamento simples e aconselhamento breve e acompanhamento contínuo; os utentes com níveis de risco IV (20-40) foram referenciados para diagnóstico, avaliação, e tratamento. Para cada nível de risco foram elaborados guiões para as IBs, tendo em consideração determinados padrões tais como: a linguagem e a respetiva abordagem. As IBs foram desenvolvidas com base em guiões estruturados, adaptados de Babor et al. (2001), no âmbito do projeto Saúde sem Reservas inscrito na Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem. A Tabela 1, apresenta as atribuições de níveis de risco, em função dos scores obtidos através do AUDIT e as respetivas intervenções a desenvolver.
Critério de exclusão
Provável dependência e/ou dependência. Na fase do rastreio foi identificado um utente com provável dependência que foi referenciado para diagnóstico, não integrou a avaliação posterior.
Para a análise dos dados adquiridos recorreu-se ao uso do software aplicativo Statistical Package for the Social Sciences (SPSS), versão 17.0. Considerando os resultados dos testes de normalidade Shapiro-Wilk (para uma amostra inferior a 50 sujeitos), todas as variáveis dependentes põem em causa os pressupostos da normalidade, decorrente do tipo de variável em estudo (níveis de risco para o consumo de álcool) e do tipo de amostra (amostra emparelhada), optou-se pelo teste não paramétrico Wilcoxon, para avaliação do efeito das IBs.
Resultados
A amostra foi constituída por 44 indivíduos com idades compreendidas entre os 22 e os 72 anos, sendo a média de idades de 48 anos (DP = 15,062).
Quanto ao género, observou-se predomínio do sexo masculino (57%). Relativamente à escolaridade, verificou-se que 63,6 % da amostra tem o ensino básico; 68% são casados e 96% vive com a família (Tabela 2).
Mediante as pontuações do teste AUDIT e o protocolo previamente estabelecido, foram desenvolvidas 39 intervenções educativas e cinco intervenções de aconselhamento simples. Foi encaminhado um utente para referenciação devido a provável dependência (motivo pelo qual foi excluído da avaliação).
Numa primeira avaliação descritiva, relativa aos resultados obtidos na avaliação inicial através do AUDIT, no que se refere à experiência de consumo de bebidas alcoólicas e em resposta à questão: Com que frequência consome bebidas que contêm álcool?, apenas 11,4% declararam não consumir, os restantes consomem, sendo que 43% declararam consumir quatro ou mais vezes por semana.
Em relação à quantidade de bebidas que consome num dia normal, 66% responderam uma ou duas, 23% responderam que consomem três ou quatro, e 4,5% que consomem sete a nove num dia normal. Assim, 34% declararam consumir diariamente acima do consumo considerado de baixo risco. No que diz respeito à frequência do padrão binge, aqui apreciado através da questão que avalia o consumo de seis ou mais bebidas na mesma ocasião, verificou-se que 27,3% declararam esta tipologia de consumo problemático.
Relativamente aos sentimentos de culpa ou remorsos por ter bebido bebidas alcoólicas, 7% dos inquiridos declarou já ter sentido remorsos.
O efeito das IBs relativamente à primeira dimensão do AUDIT
No que diz respeito à primeira dimensão que caracteriza os consumos, ao aplicar a primeira pergunta relativa à frequência do consumo de álcool, constatou-se na primeira avaliação que 43,2% dos participantes consumia bebidas alcoólicas quatro ou mais vezes por semana. Na segunda avaliação, após a intervenção, verificou-se uma diminuição desta frequência de consumo semanal para 27,3%.
Na segunda pergunta, relativa à quantidade de bebidas alcoólicas consumidas diariamente, verificou-se na primeira avaliação nas opções de resposta cinco ou seis e de sete a nove percentagem de 6,8% e 4,5%, respetivamente, enquanto na opção de resposta três ou quatro obteve-se a percentagem de 22,7% e a opção uma ou duas foi respondida por 65,9% dos participantes.
Na segunda avaliação, após a intervenção, verifica-se a diminuição na quantidade de bebidas alcoólicas consumidas diariamente. Nenhum dos participantes optou pela resposta de sete a nove. As opções cinco ou seis e três ou quatro foram escolhidas por 2,3% e 4,5% dos respondentes, respetivamente, enquanto a opção uma ou duas aumentou para 93,2%.
No que diz respeito à terceira pergunta que avalia a frequência de consumos excessivos na mesma ocasião, consumo de seis bebidas ou mais, designado por binge drinking, verificou-se, na primeira avaliação que, na opção de resposta pelo menos uma vez por semana a percentagem foi de 4,5%. A opção pelo menos uma vez por mês apresentou 6,8% de percentagem e a opção menos de uma vez por mês a percentagem de respostas foi de 13,6%. Na segunda avaliação, após a intervenção, verificou-se que nenhum dos utentes optou pela resposta pelo menos uma vez por semana. Na opção pelo menos uma vez por mês ocorreu uma diminuição, passando a apresentar uma percentagem de 2,3%, enquanto a opção menos de uma vez por mês foi escolhida por 15,9%. Estes resultados mostram uma diminuição da frequência do tipo de consumo padrão binge.
O efeito das IBs relativamente à segunda dimensão do AUDIT
Não foi identificado, na primeira nem na segunda avaliação, nenhum caso na questão relativa ao descontrolo na ingestão de bebidas alcoólicas, assim como na quinta pergunta, que avalia as limitações devido ao consumo de álcool e na sexta pergunta do AUDIT, que avalia a necessidade de consumir logo de manhã para curar uma ressaca.
O efeito das IBs relativamente à terceira dimensão do AUDIT
Finalmente, na terceira e última dimensão do teste AUDIT, que analisa as consequências do consumo de álcool, a sétima pergunta avalia a existência de sentimentos de culpa após beber. Na primeira avaliação, 6,9% dos participantes referiram este tipo de sentimentos diariamente ou quase diariamente, uma vez por mês, e menos de uma vez por mês. Na segunda avaliação, ocorreu uma ligeira alteração na opção pelo menos uma vez por mês que não registou nenhum caso.
Com relação à oitava pergunta que averigua a ocorrência de blackouts, apenas na segunda avaliação ocorreu o registo de uma ocorrência na opção menos de uma vez por mês (2,3%).
Na nona pergunta que avalia a existência de atos cometidos pelo indivíduo que acarretaram consequências para si ou para outros, devido ao consumo de bebidas alcoólicas, 2,3% refere esta ocorrência, nos dois momentos.
A décima e última pergunta, que apura a preocupação dos outros pelo seu consumo, verificou-se que as duas avaliações não apresentam alterações percentuais nas opções de resposta, ou seja, nenhum dos inquiridos referiu preocupação por parte de outros pelo seu padrão de consumo, isto é, em ambas as avaliações.
Efeito das IBs nos níveis de risco
Analisando o nível de risco verificou-se que na primeira avaliação 88,6% dos participantes apresentavam nível de risco I (baixo risco), e 11,4% estavam no nível de risco II (nível de risco). Após as IBs, na segunda avaliação, os consumidores do nível de risco diminuíram (2,3%) e aumentaram os consumidores de baixo risco (97,7%). Nenhum dos respondentes se encontrava no nível de risco III. Na avaliação inicial foi identificado um indivíduo no nível IV (provável dependência), como já foi referido, foi excluído e referenciado para o médico de família, foi efetuado diagnóstico e encaminhado para unidade especializada (Tabela 3).
Nos resultados apresentados (antes e após as IBs), e conforme se pode observar na Tabela 4, inerentes à evolução do nível de risco, verifica-se que 43 utentes apresentam uma evolução positiva do nível de risco, ou seja, o nível de risco após a intervenção é menor que antes da intervenção. Não há nenhum participante da amostra em estudo que tenha aumentado o nível de risco e apenas um participante manteve o nível de risco após a intervenção. Esta evolução positiva, como se pode verificar foi estatisticamente significativa (z = -5,712; p = 0,000), indicando um efeito positivo das IBs na redução do consumo de risco.
Discussão
Relativamente às características sociodemográficas da amostra, os dados obtidos revelam o seguinte perfil: homem, idade média de 48 anos, a maioria são casados, vivem com a família, estão empregados e têm o ensino básico.
Os resultados indicam que 43 indivíduos reduziram a zona de risco, apenas um indivíduo manteve o mesmo nível de risco (zona II), verificando-se um efeito positivo na redução da zona de risco associada à intervenção realizada. Para além disso, embora não tenha integrado o estudo, importa referir o efeito clínico da triagem dos consumos de risco, uma vez que foi detetado um indivíduo com provável dependência, foi referenciado para diagnóstico e tratamento.
A redução do nível de risco, decorrente da intervenção, deveu-se, sobretudo, à diminuição da quantidade de bebidas ingeridas, frequência dos consumos e diminuição do padrão binge. A diminuição do padrão binge é um importante indicativo de eficácia desta estratégia, tendo em conta que esta tipologia de consumo problemático, avaliado pelo AUDIT como o consumo de seis ou mais bebidas alcoólicas na mesma ocasião de consumo, é um indiciador de problemas atuais e futuros.
Os resultados encontrados indicam efeito das IBs na redução do nível de risco do consumo de álcool. Entre os participantes deste estudo, observou-se uma diminuição e/ou estabilização da frequência e quantidade de ingestão de álcool após a intervenção. Estas mudanças no nível de risco são importantes ganhos em saúde.
Estes resultados estão de acordo com os encontrados noutros estudos que salientam a eficácia das IBs na redução do consumo de álcool (McCormick et al., 2010; Bartoli et al., 2014; Platt et al., 2016).
Salienta-se ainda o efeito positivo das IBs na redução do consumo de risco para consumo de baixo risco, reforçando a importância da implementação da deteção precoce e IBs em função do risco identificado como forma eficaz de diminuir o consumo de risco e nocivo de álcool, no mesmo sentido dos resultados de outros estudos realizados por enfermeiros em diferentes contextos clínicos (Patrício, Finnell, & Barroso, 2016)
Conclusão
Apesar das limitações decorrentes da ausência de grupo controlo, amostra pequena e não representativa, verificou-se efeito das IBs desenvolvidas pelos enfermeiros na redução do consumo de álcool.
Os enfermeiros, em particular nos CSPs, têm um papel primordial em identificar e intervir junto dos indivíduos que apresentem consumos de risco ou nocivo de álcool. Para isso, é urgente a capacitação destes profissionais para a utilização desta estratégia, no sentido do desenvolvimento de competências para aplicação do protocolo de intervenção. À semelhança de outros procedimentos desenvolvidos de forma autónoma pelo enfermeiro, considera-se imprescindível a deteção precoce do risco de consumo de álcool, através da utilização de instrumentos de triagem adequados, como é o caso do AUDIT.
Os resultados deste trabalho, contribuem também para reforçar a relevância da deteção precoce e das IBs na redução do consumo de risco e nocivo de álcool, no entanto, é importante que se desenvolvam outros estudos de natureza experimental que contribuam para a consolidação da evidência, para assim permitir evidenciar os ganhos em saúde em relação aos cuidados de enfermagem.
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Recebido para publicação em: 09.05.17
Aceite para publicação em: 05.07.17