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Revista de Enfermagem Referência
versão impressa ISSN 0874-0283
Rev. Enf. Ref. vol.serIV no.14 Coimbra set. 2017
https://doi.org/10.12707/RIV17017
ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO (ORIGINAL)
RESEARCH PAPER (ORIGINAL)
Stresse e stressores em motoristas de autocarros
Stress and stressors in bus drivers
Estrés y estresores en conductores de autobuses
Sílvia Elizabeth Gomes de Medeiros*; Jael Maria de Aquino**; Iracema da Silva Frazão***; Estela Maria Leite Meirelles Monteiro****; Maria Sandra Andrade*****; Marlene Gomes Terra******; Betânia da Mata Ribeiro Gomes*******
* MsC., Enfermeira, Universidade de Pernambuco, Recife - PE, 50100-010, Brasil [silviaelizabeth89@hotmail.com]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica, participação em experimentação, recolha de dados, tratamento e avaliação estatística, análise de dados e discussão, escrita do artigo. Morada para correspondência: Rua Francisco de Paula Machado, Edifício Manoel Aleixo, nº 147, apt 302, 50100-130, Brasil.
** Ph.D., Enfermeira, Professora Pós-Doutora, Universidade de Pernambuco, Recife - PE, 50100-010, Brasil [jaelquino@ig.com.br]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica, participação em experimentação, recolha de dados, tratamento e avaliação estatística, análise de dados e discussão, escrita do artigo.
*** Ph.D., Enfermeira, Professora Doutora, Universidade de Pernambuco, Recife - PE, 50100-010, Brasil [isfrazao@gmail.com]. Contribuição no artigo: análise de dados e discussão, escrita do artigo.
**** Ph.D., Enfermeira, Professora Pós-Doutora, Universidade de Pernambuco, Recife - PE, 50100-010, Brasil [estelapf2003@yahoo.com.br]. Contribuição no artigo: análise de dados e discussão, escrita do artigo.
***** Ph.D., Enfermeira, Professora Doutora, Universidade de Pernambuco, Recife - PE, 50100-010, Brasil [capsandra@uol.com.br]. Contribuição no artigo: análise de dados e discussão, escrita do artigo.
****** Ph.D., Enfermeira, Professora Pós-Doutora, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis - SC, 88040-900, Brasil [martesm@hotmail.com.br]. Contribuição no artigo: análise de dados e discussão, escrita do artigo.
******* Ph.D., Enfermeira, Universidade de Pernambuco, Recife - PE, 50100-010, Brasil [betania.mata@upe.br]. Contribuição no artigo: análise de dados e discussão, escrita do artigo.
RESUMO
Enquadramento: O stresse ocupacional é uma das principais desordens patológicas desencadeadas por processos inadequados no trabalho.
Objetivos: Investigar o stresse e stressores em motoristas de autocarros.
Metodologia: Estudo descritivo, exploratório de abordagem quantitativa, desenvolvido com 321 motoristas, utilizando o Inventário de Sintomas de Estresse de Lipp, sendo analisado através dos testes de qui-quadrado, fisher e a razão de verossimilhança (IC = 95%).
Resultados: Dos stressados, 75,6% estão na fase de resistência e 18,6% na fase de exaustão. Houve associação do stresse e das suas fases com o tempo de trabalho na empresa (p = 0,016), tempo de descanso durante o horário de trabalho (p < 0,001), qualidade do sono (p = 0,001) e autoavaliação da saúde (p < 0,001).
Conclusão: O stresse está relacionado com o tempo de serviço, excessiva carga horária diária, inexistência de horário para o descanso e a péssima qualidade de sono.
Palavras-chave: esgotamento profissional; saúde mental; saúde do trabalhador
ABSTRACT
Background: Occupational stress is one of the main pathological disorders triggered by inadequate processes at work.
Objectives: To investigate stress and stressors in bus drivers.
Methodology: A descriptive, exploratory study with a quantitative approach was conducted with 321 bus drivers, using Lipp's Inventory of Stress Symptoms for Adults. The chi-squared test, the Fisher's exact test, and the Likelihood-ratio test (CI = 95%) were applied.
Results: In this sample, 75.6% of the stressed bus drivers are in the resistance phase and 18.6% are in the exhaustion phase. Stress and its phases were correlated with length of service (p = 0.016), rest during working hours (p < 0.001), sleep quality (p = 0.001), and health self-assessment (p < 0.001).
Conclusion: Stress is associated with working time, excessive daily workload, lack of time to rest, and poor sleep quality.
Keywords: burnout, professional; mental health; occupational health
RESUMEN
Marco contextual: El estrés ocupacional es uno de los principales trastornos patológicos desencadenados por procesos inadecuados en el trabajo.
Objetivos: Investigar el estrés y los estresores en conductores de autobuses.
Metodología: Estudio descriptivo, exploratorio, de enfoque cuantitativo, desarrollado con 321 conductores y en el que se utilizó el Inventario de Síntomas de Estrés de Lipp, el cual se analizó a través de las pruebas de ji cuadrado, Fisher y la razón de verosimilitud (IC = 95%).
Resultados: De las personas estresadas, el 75,6 % está en la fase de resistencia y el 18,6% en la de agotamiento. Hubo una asociación del estrés y sus fases con el tiempo de trabajo en la empresa (p = 0,016), el tiempo de descanso durante el horario de trabajo (p < 0,001), la calidad del sueño (p = 0,001) y la autoevaluación de la salud (p < 0,001).
Conclusión: El estrés está relacionado con el tiempo de servicio, la carga horaria diaria excesiva, la inexistencia de un horario para descansar y la pésima calidad del sueño.
Palabras clave: agotamiento profesional; salud mental; salud laboral
Introdução
Os motoristas de transporte coletivo urbano constituem uma categoria profissional de grande importância social por serem mediadores da mobilização. Desse modo, investigações acerca das condições físicas e psíquicas dessa categoria profissional podem ser consideradas como relevantes na avaliação do bem-estar urbano.
O ato de conduzir é uma tarefa altamente desgastante, o desempenho da função dos motoristas de autocarros está relacionada com questões ambientais, sociais e de interação interpessoal. Por trabalharem em ambiente público, os condutores estão expostos a condições adversas no trânsito, modificações climáticas e más condições de preservação das vias. Além desses fatores, acrescentam-se a irregularidade na carga horária, baixa remuneração, insegurança no trabalho, ruídos e vibrações, exigências empresariais, danos nos equipamentos, excesso de paragens, pressão para o cumprimento de horários, entre outros (Prange, 2011).
O papel social do motorista reflecte-se também na responsabilização pelas vidas dos passageiros, pedestres e outros veículos na via. Esse compromisso proporciona ao condutor certas inseguranças na sua atividade laboral, acarretando tanto em ações benéficas – como a procura de maior proteção e atenção sobre os transeuntes – quanto em ações que o façam protagonizar medos e conflitos, podendo, dessa forma, desencadear processos adoecedores. Por estes motivos, é importante que as unidades contratantes não vejam os motoristas de autocarros apenas sob o prisma do cumprimento de exigências ou de interesses económicos, mas sim como seres singulares inseridos na organização do trabalho (Baltazar, Maia, Figueiredo, Correia, & Holanda, 2008).
Vale salientar que os stressores a que esta categoria profissional está exposta podem contribuir tanto para condutas inadequadas no trânsito quanto para a manifestação de doenças ocupacionais como: stresse, cansaço, ansiedade, depressão; bem como doenças circulatórias e vasculares, afeções músculoesqueléticas, perda auditiva induzida por ruído, autoestima reduzida (Alquimim, Barral, Gomes, & Rezende, 2012; Guterres, Duarte, Siqueira, & Silva, 2011).
As ações direcionadas para a saúde e as condições de trabalho deste grupo populacional são de relevância incontestável, uma vez que o transporte público é conduzido por indivíduos dotados de aspetos biopsicosocioculturais que merecem atenção especial, afinal não são uma engrenagem mecânica.
Por constituir um processo dinâmico, o stresse pode ser agravado caso não sejam estabelecidas estratégias para enfrentar o problema. O enfermeiro, por sua vez, parece ainda não estar inserido nas atividades de saúde do trabalhador deste grupo populacional. Nesse contexto, a enfermagem deveria emergir como uma profissão comprometida com o bem estar físico e mental dos indivíduos, tendo em vista a promoção, proteção, recuperação e reabilitação da saúde nos diversos cenários do cuidar.
O enfermeiro, como integrante da equipa multiprofissional, pode ser um elemento propulsor de intervenções e acompanhamento, tanto devido à sensibilidade diante dos desgastes físicos e mentais desencadeados pelo stresse nos motoristas de autocarros, como também pela sua formação comprometida com uma atenção integral promotora de saúde. Diante dessa perspetiva, o objetivo do estudo pretende investigar o stresse e os stressores em motoristas de autocarros, enfatizando a variável stresse como desencadeadora de desordens físicas e psíquicas.
Enquadramento
O stresse é entendido como uma das principais patologias psíquicas desencadeadas por processos inadequados de trabalho. Foi inicialmente definido como reação inespecífica do organismo perante qualquer exigência, podendo acarretar modificações fisiológicas quando somos impostos a enfrentar situações capazes de desencadear emoções fortes, sejam elas benéficas ou nocivas (Selye, 1959).
O stresse foi dividido primariamente em três fases: alerta, resistência e exaustão. A primeira fase é caracterizada como positiva por causa da produção de adrenalina, tornando o indivíduo mais atento, criativo, produtivo, motivado, preparado para ação. A segunda fase requer do indivíduo estratégias de coping e assegura a homeostase. Uma vez eliminado o agente stressor, o equilíbrio homeostático estabelece-se e o processo fisiológico de stresse termina. Caso haja permanência dos fatores stressantes, ocorrerá o desenvolvimento da terceira fase, na qual os processos de adoecimento, depressão e perda da concentração são identificados (Lipp, 2004).
A essa tríade, foi acrescida uma quarta fase do stresse, intercalada entre as fases de resistência e exaustão, denominada de quase exaustão (Goulart Junior & Lipp, 2008). Nesta última, quando os níveis de tensão se elevam para além dos limites fisiológicos, ocorre a diminuição da resistência física e emocional, sendo necessário aumentar os esforços para melhorar o desempenho das atividades quotidianas.
A fase de exaustão é reconhecida pela quebra da homeostase, acarretando uma série de enfermidades como: pressão sanguínea elevada, depressão, distúrbios sexuais, afeções dermatológicas, além do ataque cardíaco e morte imediata (Lipp, 2014).
Hipótese
Os fatores adversos a que os motoristas de autocarros estão expostos diariamente determinam o aparecimento do stresse bem como de instabilidades físicas e mentais.
Metodologia
Pesquisa descritiva de abordagem quantitativa realizada nos terminais integrados de passageiros (TIPs) da cidade do Recife – Pernambuco, Brasil. Os TIPs são locais destinados à movimentação de autocarros e circulação de passageiros, os mesmos que servem como pontos estratégicos no transporte dos pedestres. Os autocarros partem dos TIPs de referência, levam os passageiros aos destinos desejados e regressam para o mesmo ponto de partida, refazendo, assim, vários ciclos diários.
Inicialmente, entrámos em contacto com o setor de relações públicas do Grande Recife Consórcio de Transportes para apresentação da pesquisa. Em seguida, enviámos a carta de anuência à direção da empresa para apreciação. Depois de autorizado, por meio de uma declaração formal escrita, e aprovado pela comissão de ética e pesquisa, apresentámos o presente projeto ao supervisor de cada TIP. Estes foram responsáveis por permitir a etapa de agendamentos individuais com o intuito de expor o objetivo da pesquisa e iniciar o processo de colheita de dados.
A população do estudo é composta por 1254 motoristas, porém a pesquisa contou com 321 motoristas distribuídos proporcionalmente nos TIPs. Realizou-se um estudo piloto com 86 motoristas, no qual foi aplicado o Inventário de Sintomas de Estresse de Lipp e Guevara (1994). Tomou-se como base a fase do stresse mais prevalente (exaustão) para que fosse calculada uma amostra estratificada. Foram incluídos neste estudo os motoristas de autocarros que conduziram veículos no período da colheita de dados. Por inexistir um local de descanso apropriado para os motoristas, foram improvisados alguns espaços como calçadas, bancadas e interior de veículos estacionados no pátio.
Para a colheita de dados, utilizou-se um questionário de investigação dos dados sociodemográficos e hábitos de vida diária estruturado pelas autoras. Para a investigação do stresse, foi aplicado o Inventário de Sintomas de Estresse de Lipp e Guevara (1994), constituído por 37 sintomas somáticos e 19 psicológicos, sendo alguns repetidos, variando apenas em intensidade. Estes itens estão organizados em três momentos de investigação: o primeiro avalia a fase de alerta, incluindo 12 sintomas físicos e três psicológicos vivenciados nas últimas 24 horas. O segundo engloba 10 sintomas físicos e cinco psicológicos experimentados na última semana. A fase de quase-exaustão é identificada com base numa frequência maior de sintomas listados na última semana. O terceiro e último avalia a fase de exaustão, apresentando 12 manifestações físicas e 11 psicológicas vivenciadas no último mês.
O diagnóstico positivo do stresse, bem como a sua estratificação, é dado a partir da soma dos sintomas de cada quadro do inventário ao ultrapassar o limite de itens assinalados em cada fase específica (Q1 > 6 - sintomas assinalados, indica fase de alarme; Q2 > 3 - manifestações, representa a fase de resistência, ou Q2 > 9 itens, indica fase de quase-exaustão; e Q3 > 8 - sintomas, representa a fase de exaustão; Lipp, 2000).
Os dados da pesquisa foram analisados por meio de técnicas de estatísticas descritivas e inferenciais. A margem de erro utilizada nas decisões dos testes estatísticos foi de 5% e os intervalos foram obtidos com confiabilidade de 95%.
O estudo está de acordo com os princípios éticos de investigação com seres humanos, sendo aprovado pela Comissão de Ética em Pesquisa da Universidade de Pernambuco, sob protocolo de número 551.421 e registo de Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE): 23683613.6.0000.5192.
Resultados
A idade variou entre 24 a 69 anos, com média de 40,7 anos, desvio padrão de 9,5 anos e mediana de 40,0 anos. Dos pesquisados, 97,2% são do sexo masculino e 67,6% casados ou em união estável.
Quanto aos hábitos de vida diária, 34% dos participantes não destinam tempo para o lazer, 76,6% possuem hábitos etílicos, sendo que 22,1% dos condutores ingerem bebidas alcoólicas duas a quatro vezes por mês.
Nas últimas 24 horas, os sintomas físicos mais evidenciados foram a tensão muscular (38%), boca seca (26,2%), aumento da sudorese (25,5%) e alterações no apetite (22,7%). Dentre os psicológicos, a vontade súbita de iniciar novos projetos sobressaiu (29,6%).
Na última semana, os sintomas físicos mais prevalentes foram o cansaço constante (41,4%) e a sensação de desgaste físico constante (38%). A hipertensão arterial foi relatada em 10,3% dos motoristas, obtendo um aumento significativo quando comparado com o percentual obtido nas 24 horas. Os sintomas psicológicos que estiveram evidentes na última semana foram irritabilidade (16,8%), pensar constantemente num só assunto (14,3%) e sensibilidade emotiva excessiva (13,4%).
No último mês, os motoristas apresentaram sintomas físicos como insónias (17,4%), excesso de gazes (15,6%), mudança de apetite (11,5%) e diarreia frequente (12,8%). Dentre os psicológicos, destacam-se o cansaço constante e excessivo (30,8%), a perda do senso de humor (29,3%), vontade de fugir de tudo (25,2%), angústia, ansiedade ou medo diário (22,1%), além da apatia, depressão ou raiva prolongada (12,8%).
Dos pesquisados, 86 apresentam algum nível de stresse, sendo que três motoristas (3,5%) se encontram na fase de alerta, 65 (75,6%) na fase de resistência, dois (2,3%) na de quase-exaustão e 16 (18,6%) na de exaustão. A preocupação torna-se ainda maior quando 93,1% dos motoristas afirmaram haver inexistência de atividades para minimizar o stresse neste grupo populacional e 48% dos entrevistados sentem-se desestimulados para exercer a profissão.
O stresse esteve associado ao tempo de trabalho na empresa, tempo de descanso durante o horário de trabalho, qualidade do sono e autoavaliação da saúde. O percentual de motoristas stressados foi maior naqueles que trabalhavam por mais de 10 anos na empresa (47,1%) e não reservavam tempo para o descanso durante o horário de trabalho (43,2%). Em relação à qualidade do sono, os valores aumentaram à medida que a qualidade do sono foi sendo a pior classificada, sendo 34% regular, 48,4% ruim e 61,5% péssimo. Esta relação repetiu-se na autoavaliação da saúde, uma vez que o percentual de motoristas foi aumentando à medida que as classificações referentes à saúde se foram tornando piores, sendo 8,9% dos stressados com saúde ótima e 50% com saúde ruim/péssima, conforme explicitado na Tabela 1.
Na Tabela 2 é possível observar que os motoristas stressados na fase de alerta e resistência trabalham de 1 a 5 anos, com carga horária superior a 10 horas diárias, não reservam tempo para o descanso no horário de trabalho, classificam a qualidade do sono péssima e autoavaliam a saúde como regular. Tais dados apresentaram modificações nas fases de quase exaustão e exaustão, uma vez que os motoristas autoavaliaram a saúde como péssima e a qualidade do sono ruim.
Discussão
A amostra deste estudo foi maioritariamente composta por jovens casados do sexo masculino, o que vai ao encontro dos estudos realizados por Guterres et al. (2011) e Martins, Lopes, e Farina (2014), que salientam a predominância masculina nesta profissão.
O consumo de bebidas alcoólicas foi expresso pelos motoristas como uma forma de lazer, descontração e relaxamento. Essa ingestão costuma acontecer no momento das folgas, ou seja, a cada 7 dias trabalhados. Apesar dos mesmos explicitarem o consumo de álcool como uma distração, mais de 30% dos motoristas não reservam tempo para o lazer, o que sugere a interferência desse fator no aparecimento do stresse.
As consequências decorrentes do uso de álcool no trabalho estão relacionadas com o absenteísmo, com reformas precoces, acidentes de trabalho, além de licenças do emprego devido a doenças (Bravo Ortiz & Maziale, 2010).
Embora a hipertensão arterial súbita tenha apresentado um pequeno percentual de acometidos, tal dado merece ser levado em consideração, uma vez que se trata de uma doença sindrómica e multifatorial.
Em Curitiba-Paraná, foi realizado um estudo numa empresa interestadual com 46 condutores onde não encontraram associação entre o stresse e a hipertensão arterial; foi, então, sugerida a mensuração do cortisol relacionada com a psicofisiologia do stresse com o intuito de se desviarem das subjetividades (Silva, Keller, & Coelho, 2013). Embora tal associação não tenha sido comprovada nesse estudo, Nóbrega, Castro, e Souza (2007) acreditam que existe uma relação direta entre o stresse mental crónico e a hipertensão arterial, sendo mais evidente em pessoas do sexo masculino, de baixo poder socioeconómico e ocupados com trabalhos de pouco poder deliberativo.
As queixas no que diz respeito a distúrbios ósteo-musculares relacionados com o trabalho (DORT) estão intimamente ligadas ao uso negligenciado de aspetos ergonómicos. Essa inadequação pode estar atrelada ao ambiente de trabalho (movimentos repetitivos, posição e operação dos veículos) e a stressores cognitivos e/ou emocionais inerentes à profissão. (Baltazar et al., 2008).
A presença de sintomas como o cansaço e o desgaste físico constante, na última semana, sugerem a necessidade de pausas maiores entre uma viagem e outra, com vista a reduzir a sobrecarga de trabalho. As pausas realizadas recebem influência direta do cenário do tráfego e de possíveis sinistros, envolvendo veículos ou pedestres, reduzindo ou impossibilitando o período de descanso. Os condutores relataram exposição a uma carga horária excessiva, gozando de folgas curtas e períodos de trabalho exaustivos. Desta forma, o stresse dos motoristas encontra-se associado à carga horária excessiva, tempo de serviço e ao período de descanso entre as viagens.
A péssima qualidade do sono deste grupo de trabalhadores pode provocar repercussões negativas para todos os envolvidos, seja para passageiros, pedestres, outros motoristas da via ou até mesmo os empresários do ramo de transportes. Esta preocupação torna-se evidente ao entender que existe um significativo comprometimento das habilidades físicomotoras quando não há um sono com qualidade, aumentando, assim, o risco de ocasionar acidentes de trânsito.
Os motoristas que apresentaram uma qualidade de sono de regular a péssima são os mais stressados e que declararam insónias e pesadelos frequentes.
Os condutores de transportes públicos parecem cansados de enfrentar situações quotidianas adversas que tendem a interferir na saúde mental. Sintomas como sensibilidade emotiva excessiva, irritabilidade frequente, pensar constantemente em apenas um assunto, cansaço constante e excessivo, vontade de fugir de tudo e a perda do senso de humor, são evidências de que a saúde emocional desse grupo de trabalhadores se encontra fragilizada. Acrescido a isso, quase metade dos motoristas de autocarros não encontram estímulo ao exercer a profissão, relatando o desejo de iniciar novos projetos.
Em relação ao comportamento sintomatológico, notou-se um percentual de sintomas físicos mais elevados nas últimas 24 horas e na última semana, em comparação com os sintomas psicológicos, pois foram mais fortemente assinalados no último mês. Esse dado está em desacordo com outro estudo desenvolvido por Pinheiro e Lipp (2009), uma vez que os sintomas psicológicos predominaram nos três tempos estudados. Tal dado foi justificado devido ao alto nível de atenção, constante a estímulos variados, interações sociais e pressões para o cumprimento de horários.
Um estudo realizado em Belo Horizonte com 124 motoristas apurou que 54,8% apresentavam stresse, sendo que 94% estavam na fase de resistência. Os demais, 6%, encontravam-se nas fases de quase exaustão (4%) e de alerta (2%; Matos, Moraes, & Pereira, 2015). Um outro estudo desenvolvido na região metropolitana da capital de um estado do Sul do Brasil, com 80 motoristas de transporte coletivo, identificou o stresse em 27,5% das amostras, estando na fase de resistência 23,75% e na fase de exaustão, por sua vez, 3,75% (Martins et al., 2014).
A fase de resistência é caracterizada pela tentativa de alcançar um estado de equilíbrio e, por meio desta reorganização, alguns sintomas iniciais vão desaparecendo, porém a etapa utiliza-se da energia necessária para outras funções vitais. Podemos, então, observar nesta fase distúrbios alimentares, irritabilidade excessiva e até mesmo a diminuição da libido. Não se reabilitando, o organismo entrará na fase de exaustão (Lipp & Guevarra, 1994). Neste caso, poderá ocorrer a exaustão psicológica ou a exaustão física, ambas levando ao processo de adoecimento (Lipp, 2000).
A prevalência dos motoristas na fase de resistência reflete que os mesmos estão a lutar e a criar estratégias de coping para os stressores a que estão expostos diariamente no ambiente de trabalho. Entretanto, a fase de resistência é considerada como limítrofe no aparecimento de doenças físicas e mentais relacionadas com o stresse. Deste modo, o enfermeiro insere-se como agente difusor de estratégias de promoção, proteção e recuperação da saúde, atrelando a condição física e psicológica com vista à garantia do bem-estar social.
A fase de exaustão foi a segunda fase mais prevalente. Nesta fase ocorre o desequilíbrio total dos sistemas orgânicos, ocasionando doenças como a hipertensão arterial, depressão, ansiedade, insónias, diarreia e enfarte. Este agravamento de sintomas aparece de forma representativa no estudo, já que se verifica uma grande percentagem de sujeitos stressados em nível exaustivo (Lipp, 2014).
A despeito da instituição responsável pela saúde ocupacional destes trabalhadores, verificou-se a inexistência de atividades para minimizar os efeitos do stresse. Dentre as limitações do estudo, é importante mencionar a dificuldade inicial de autorização para realização da pesquisa por parte das empresas participantes, além da resistência dos motoristas em fornecer informações necessárias à investigação por receio de sofrerem consequências negativas relacionadas com o trabalho.
O stresse tem interferido na saúde dos motoristas de autocarros, visto que os condutores mais stressados autoavaliam a saúde como péssima. Dessa forma, o stresse vivenciado pelos motoristas de autocarros parece afetar não apenas a condição física e psicológica, mas também a qualidade do sistema rodoviário. A inexistência de ações para minimizar o stresse faz com que seja necessário o desenvolvimento de estratégias, com vista à implementação de políticas públicas voltadas para este grupo de trabalhadores. Destarte, o stresse ocupacional é um problema de saúde pública que deve ser enfrentado de forma a promover bem-estar social, uma vez que os motoristas de autocarros são elementos propulsores e facilitadores da mobilidade urbana.
Conclusão
As sintomatologias expressas pelos motoristas apresentaram-se divergentes, de acordo com a avaliação cronológica do stresse, apresentando um número crescente de sintomatologias psíquicas nos intervalos temporais estudados. O stresse está relacionado com o tempo de serviço, excessiva carga horária diária, inexistência de horário para o descanso e a péssima qualidade de sono.
Diante da importância social concebida aos motoristas de autocarros, é pertinente o desenvolvimento de propostas interserias, envolvendo, em princípio, a coordenação de transportes dos referidos terminais e a secretaria de saúde, visando a execução de ações de promoção para a saúde mental destes trabalhadores, proporcionando um ambiente laboral satisfatório, que venha a minimizar o agravamento do stresse promovendo, assim, a qualidade de vida dos mesmos.
Sugere-se a realização de estudos mais aprofundados acerca dos principais sintomas físicos e psicológicos experimentados pelos motoristas, uma vez que podem servir de ponto de partida para a deteção de doenças sindrómicas, psíquicas e ocupacionais.
O enfermeiro parece ainda não estar inserido nas atividades de saúde do trabalhador desse grupo populacional. Nesse contexto, a enfermagem emerge como uma profissão comprometida com a promoção, proteção, recuperação e reabilitação da saúde nos diversos cenários do cuidar.
Referências bibliográficas
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Recebido para publicação em: 02.03.17
Aceite para publicação em: 25.06.17