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Revista de Enfermagem Referência

versão impressa ISSN 0874-0283

Rev. Enf. Ref. vol.serIV no.15 Coimbra dez. 2017

https://doi.org/10.12707/RIV17052 

ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO

RESEARCH PAPER

 

Terapia de reminiscência: construção de um programa para pessoas idosas com declínio cognitivo em contexto institucional

Reminiscence therapy: development of a program for institutionalized older people with cognitive impairment

Terapia de reminiscencia: construcción de un programa para personas mayores con deterioro cognitivo en un contexto institucional

 

Isabel Maria de Assunção Gil*; Paulo Jorge dos Santos Costa**; Elzbieta Malgorzata Bobrowicz-Campos***; Daniela Filipa Batista Cardoso****; Maria de Lurdes Ferreira de Almeida*****; João Luís Alves Apóstolo******

 

* MsC., Professora Adjunta, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, 3046-851, Coimbra, Portugal [igil@esenfc.pt]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica, análise e redação documental do artigo. Morada para correspondência: Estrada de Lôgo de Deus, Rua da Fonte s/n, 3020-924, Coimbra, Portugal.

** MSC., Bolseiro de Investigação, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, 3046-851, Coimbra, Portugal [paulocosta@esenfc.pt]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica, análise e redação documental do artigo.

*** Ph.D., Bolseira de Investigação, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, 3046-851, Coimbra, Portugal [elzbietacampos@esenfc.pt]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica, análise e redação documental do artigo.

**** RN., Bolseira de investigação, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem, Portugal Center for Evidence-Based Practice: A JBI Centre of Excellence, 3046-851, Coimbra, Portugal [dcardoso@esenfc.pt]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica, análise e redação documental do artigo.

***** Ph.D., Professora Coordenadora, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, 3046-851, Coimbra, Portugal [mlurdes@esenfc.pt]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica, análise e redação documental do artigo.

****** Ph.D., Professor Coordenador, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem, Portugal Center for Evidence-Based Practice: A JBI Centre of Excellence, 3046-851, Coimbra, Portugal [apostolo@esenfc.pt]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica, análise e redação documental do artigo.

 

RESUMO

Enquadramento: A ausência, ao nível nacional, de modelos de intervenção estruturados, dirigidos a pessoas idosas com declínio cognitivo, tem sido apontada como um dos principais obstáculos à eficácia da terapia de reminiscência (TR) em contexto institucional. Assim, emerge a necessidade de se desenvolverem e validarem programas de TR bem-definidos e replicáveis, de modo a colmatar a lacuna identificada.

Objetivos: Construir e validar um programa de TR.

Metodologia: Foram seguidas as diretrizes para desenvolvimento de intervenções complexas do Medical Research Council. A conceptualização do programa decorreu em 4 fases distintas, incluindo fase preliminar, modelagem, Teste de campo e conferência de consensos.

Resultados: O processo de validação resultou num programa composto por uma vertente principal e uma vertente de manutenção, num total de 21 sessões para aplicar em grupo.

Conclusão: O programa de TR, estruturado e validado no decorrer deste estudo, demonstrou características ajustadas ao contexto e população-alvo, tendo o construto significado para as pessoas. A eficácia do programa de TR será testada num estudo piloto a ser desenvolvido.

Palavras-chave: disfunção cognitiva; idoso; desenvolvimento de programas; terapia reminiscência

 

ABSTRACT

Background: The lack of structured intervention programs aimed at older people with cognitive impairment in Portugal has been identified as one of the main obstacles to the effectiveness of reminiscence therapy (RT) programs in institutional settings. Thus, well-defined and replicable RT programs should be developed and validated to fill in the gap.

Objectives: To develop and validate an RT program.

Methodology: The Medical Research Council framework for the development of complex interventions was followed. The program was developed in four distinct phases, including preliminary phase, modeling, field testing, and consensus conference.

Results: The validation process resulted in a program consisting of a core component and a follow-up component, in a total of 21 sessions for group intervention.

Conclusion: The RT program, which was designed and validated during this study, demonstrated characteristics adjusted to the context and the construct was meaningful to the target population. The effectiveness of the RT program will be tested in a future pilot study.

Keywords: cognitive dysfunction; aged; program development; reminiscence therapy

 

RESUMEN

Marco contextual: La ausencia, a nivel nacional, de modelos de intervención estructurados, dirigidos a personas mayores con deterioro cognitivo, se ha señalado como uno de los principales obstáculos para la eficacia de la Terapia de Reminiscencia (TR) en un contexto institucional. De este modo, surge la necesidad de desarrollar y validar programas de TR bien definidos y replicables para abordar la laguna identificada.

Objetivos: Construir y validar un programa de TR.

Metodología: Se siguieron las directrices para el desarrollo de intervenciones complejas del Medical Research Council. La conceptualización del programa se desarrolló en 4 fases distintas, entre ellas la fase preliminar, el modelado, la prueba de campo y la conferencia de consensos.

Resultados: El proceso de validación dio lugar a un programa compuesto por una vertiente principal y una vertiente de mantenimiento, en un total de 21 sesiones para aplicar en grupo.

Conclusión: El programa de TR, estructurado y validado en este estudio, demostró características ajustadas al contexto y a la población objetivo, por lo que el constructo tiene significado para las personas. La eficacia del programa de TR se probará en un estudio piloto por desarrollar.

Palabras clave: disfunción cognitiva; anciano; desarrollo de programa; terapia reminiscencia

 

Introdução

Os dados do Portugal – Relatório de Saúde Mental em Números 2015 (Direcção-Geral de Saúde, 2016) apontam para níveis de incidência de défice cognitivo ligeiro em pessoas idosas com mais de 65 anos entre 9,9% a 21,5% prevendo-se que este número triplique até 2050. Os idosos com declínio cognitivo perdem progressivamente as suas capacidades cognitivas e motoras, causando, em estados mais avançados da doença, um elevado sentimento de sobrecarga na família, que culminam frequentemente com a sua institucionalização. De acordo com Kuske et al. (2009), cerca de 60% das pessoas institucionalizadas em países industrializados apresentam um quadro demencial, o que acarreta novos desafios para estas instituições e para os seus profissionais. Torna-se, deste modo, prioritário o delineamento das intervenções que, de forma eficaz, se foquem nas melhores práticas para um envelhecimento ativo, visando a implementação de medidas que minimizem o impacto das perturbações neurocognitivas (PNC), ao retardar a sua progressão ou modelando o seu curso, reduzindo assim a sintomatologia associada (Direcção-Geral de Saúde, 2016; World Health Organization, 2015).

A investigação tem apontado para o impacto positivo da utilização combinada de terapias farmacológicas e não-farmacológicas na intervenção terapêutica dirigida às pessoas idosas com declínio cognitivo. Neste seguimento, as intervenções não-farmacológicas emergem na literatura pelo papel privilegiado que desempenham ao nível dos modelos multidimensionais, integrando as dimensões Cognitiva, Funcional, Comportamental e Afetiva. Nesta linha, destaca-se o impacto significativo, eficácia e ganhos em saúde a nível da diminuição da desorientação, aumento dos níveis de bem-estar, diminuição da depressão e melhoria da função cognitiva resultantes da implementação de programas de terapia de reminiscência (TR) estruturada em pessoas idosas com compromisso cognitivo (Bohlmeijer, Roemer, Cuijpers, & Smit, 2007; Subramaniam & Woods, 2012; Webster, Bolhmeijer, & Westerhof, 2010).

A literatura enfatiza o valor da TR como estratégia terapêutica para a capacitação das pessoas com PNC proporcionando momentos de prazer e privilegiando a dignidade e propósito de vida. A TR revela-se como uma técnica de estimulação cognitiva que recorre à recordação sistemática de memórias antigas com o desígnio de ativar o passado. Para isso, serve-se de materiais antigos (jornais, utensílios domésticos, fotografias, músicas) para estimular a memória e permitir a partilha e a valorização das suas vivências (Subramaniam & Woods, 2012; Webster et al., 2010).

A nível internacional, o processo de construção e validação de programas de TR utilizados em estudos controlados nem sempre se encontra definido, o que se revela como uma possível limitação metodológica e explicativa de resultados inconsistentes entre diferentes estudos de eficácia (Bohlmeijer et al., 2007; Cotelli, Manenti, & Zanetti, 2012; Stinson, 2009). Mesmo em estudos recentes que pretendem desenvolver um programa de intervenção de qualidade, como o de Stinson (2009), verifica-se que a sua construção é baseada em trabalhos e recomendações teóricas, não existindo nenhum processo de validação da conformidade e aplicabilidade destas recomendações.

Em Portugal é escassa a evidência que suporte a eficácia da TR, não tendo sido encontrados estudos para a população portuguesa, centrados nos idosos com declínio cognitivo, em contexto institucional. Com outra população-alvo e tipo de intervenção, destacam-se os trabalhos de Gonçalves (2006), dirigido a idosos com sintomatologia depressiva, e de Lopes, Afonso, e Ribeiro (2013), cuja intervenção individual assenta nas memórias espontâneas. Todavia, verifica-se que em nenhum dos estudos encontrados foram utilizados programas de TR estandardizados, sendo de capital importância para a investigação, a realizar neste domínio, a sua construção de forma definida e replicável (Berg et al., 2010; Stinson, 2009).

Deste modo considerou-se relevante a construção e validação de um programa de TR, a ser aplicado a pessoas idosas com declínio cognitivo em contexto institucional. Foram, então, seguidas as orientações e recomendações do Medical Research Council (Craig et al., 2008) para o desenvolvimento de intervenções complexas. Com este artigo pretende-se descrever as diferentes fases subjacentes a este processo.

 

Enquadramento

Não tendo sido construído, até ao momento, nenhum programa de TR estruturado e passível de ser replicado no contexto português,tendo em consideração que a ausência de modelos de intervenção estruturados consensuais pode estar na base das fragilidades metodológicas que limitam a análise da eficácia deste tipo de intervenção (Gonçalves, Albuquerque, & Martín, 2008; Cotelli et al., 2012) surge, deste modo, a necessidade de construir e validar um programa desta natureza.

O Medical Research Council (Craig et al., 2008) introduz o conceito de intervenções complexas, descrevendo-as como caracterizadas por um número significativo de componentes em interação nas intervenções experimentais e de controlo; o número e a dificuldade subjacente aos comportamentos exigidos aos indivíduos que aplicam ou recebem a intervenção; número significativo de grupos ou níveis organizacionais alvos da intervenção; o número e a variabilidade ou dimensão dos resultados e grau de flexibilidade ou adaptação da intervenção permitido. O desenvolvimento de uma intervenção complexa deve basear-se em: identificar evidências existentes; identificar e desenvolver a teoria; e processo de modelagem e resultados (Craig et al., 2008).

De forma a responder ao desafio social emergente referido anteriormente e de modo a colmatar as lacunas apontadas pretende-se construir e validar um programa de TR direcionado para pessoas idosas com declínio cognitivo, a ser implementado em contexto institucional.

 

Questão de investigação

Que validade apresenta o programa de TR construído para a população idosa portuguesa com declínio cognitivo em contexto institucional?

 

Metodologia

Dada a natureza do objeto em estudo, desenvolveu-se um estudo descritivo que aponta para diferentes fases na construção e validação do programa estruturado da TR, baseando-se nas formulações do Medical Research Council (Craig et al., 2008) e são a Fase I (Preliminar), que corresponde à primeira etapa na conceção de um programa e elaboração dos seus materiais; Fase II (Modelagem), suportada em entrevistas e condução de grupos focais; Fase III (Teste de Campo), avaliando cada uma das sessões do programa e Fase IV (Conferência de Consensos), de modo a sintetizar os contributos e desafios decorrentes das diferentes fases narradas.

Relativamente à Fase I (Preliminar), e no sentido de identificar as forças e limitações de programas existentes, partiu-se de uma base de evidências emergentes baseada em estudos primários e revisões sistemáticas da literatura (Berg et al., 2010; Stinson, 2009), com e sem meta-análise, na qual se constatou o potencial terapêutico da TR na promoção da saúde mental das pessoas mais velhas. Foi construída a primeira versão do programa, composta por uma vertente principal (14 sessões) e uma vertente de manutenção (sete sessões). Ainda nesta fase, foi criada uma plataforma digital onde se reuniram os conteúdos audiovisuais necessários em cada sessão.

Realizaram-se, ainda, consultas preliminares com profissionais de saúde, num total de sete enfermeiros mestres, especialistas e doutorados nas áreas de saúde mental e psiquiatria e saúde do idoso e geriatria. O processo de auscultação focou-se na aceitabilidade de um programa de TR a ser aplicado a pessoas idosas com declínio cognitivo em contexto institucional. Os profissionais de saúde foram convidados a expressar a sua opinião relativamente à pertinência e viabilidade do desenvolvimento deste programa. Além disto, a equipa de investigação analisou a evidência recolhida na literatura e confrontou-a com as opiniões destes profissionais, nomeadamente, sobre a estrutura, duração, conteúdo e dinamização das sessões planeadas.

Ainda nesta fase, um dos momentos cruciais prendeu-se com o levantamento de temáticas de interesse para 40 pessoas idosas de sete instituições de longa permanência da região centro, que reforçaram a pertinência das temáticas, conteúdos e atividades a englobar no programa. A seleção das pessoas idosas envolvidas nesta fase seguiu os seguintes critérios: idade igual ou superior a 65 anos; permanência em contexto institucional igual ou superior a 6 meses; score igual ou inferior a 20 pontos no Teste de Diminuição Cognitiva de 6 Itens (6CIT) de Brooke e Bullock (1999), adaptado para Portugal por Paiva e Apóstolo (2015).

No que respeita à Fase II (modelagem), foram constituídos dois grupos. O primeiro grupo focal foi constituído por seis enfermeiros com formação e experiência na condução de intervenções terapêuticas em contexto institucional. O segundo grupo foi constituído por sete profissionais multidisciplinares das áreas de enfermagem de saúde mental, psiquiatria, psicologia, pedagogia e gerontologia. Foi disponibilizado o programa atempadamente para análise prévia pelos peritos. Na condução dos grupos focais foi discutida a necessidade de serem promovidas intervenções baseadas em reminiscência em contextos institucionais, tendo sido analisadas eventuais barreiras à sua implementação. Foi realizada a apreciação do programa, com a análise de cada sessão, assim como da plataforma digital.

Os grupos focais foram conduzidos pela autora do programa de TR, tendo os comentários e sugestões sido recolhidos por um investigador associado através do seu registo escrito. Os resultados obtidos foram inicialmente avaliados individualmente, tendo depois sido triangulados e, seguidamente, realizada uma análise com base nas opiniões do respetivo grupo focal. Posteriormente, foi disponibilizado um questionário anónimo a cada participante com o intuito de recolher as suas opiniões relativamente à estrutura, duração, temáticas das sessões, entre outros. As respostas são baseadas numa escala do tipo Likert de 5 pontos, variando entre discordo plenamente e concordo plenamente.

No que concerne à Fase III (Teste de Campo), os dados recolhidos durante a condução dos grupos focais encontravam-se circunscritos à experiência profissional dos peritos, o que resultava na discussão meramente teórica do programa de TR. Deste modo, emergiu a necessidade de aproximar o mesmo ao contexto prático, com o Teste da Vertente Principal e Vertente de Manutenção (21 sessões no total). Neste processo, foram envolvidos sete enfermeiros a exercerem funções em lar de idosos e nove pessoas idosas com declínio cognitivo, avaliado com recurso da 6CIT, residentes numa instituição de longa permanência da região centro. Os enfermeiros foram alvo de formação pré-intervenção pela investigadora principal, tendo sido abordado o âmbito da TR enquanto intervenção terapêutica, princípios-chave de orientação de sessões de reminiscência em dinâmica de grupo, estrutura do programa construído e intuito do mesmo.

As sessões foram desenvolvidas numa sala da instituição com boas características em termos de privacidade, lideradas por dois enfermeiros e observadas pela investigadora principal. Em cada uma das sessões, a investigadora principal da equipa recolheu dados qualitativos relativos ao interesse, comunicação, interação social e satisfação através da observação presencial das dinâmicas de grupo e interação dos participantes. Todavia, surgiu a necessidade de documentar todas as dificuldades sentidas pelos participantes na realização de determinada atividade, assim como as dificuldades encontradas pelos enfermeiros na condução das diferentes sessões testadas.

Para o efeito, foi disponibilizado um questionário anónimo a cada pessoa idosa e a cada enfermeiro com o intuito de recolher as suas opiniões relativamente à estrutura, duração, temas, conteúdo, organização das sessões e potencial de replicação. As respostas são baseadas numa escala do tipo Likert de 5 pontos, variando entre discordo plenamente e concordo plenamente.

Durante a Fase IV (conferência de consensos), procedeu-se a uma estratégia de conferência de consensos, tendo os mesmos sido apresentados para análise e discussão por um grupo de peritos multidisciplinares. A avaliação quantitativa e qualitativa, assim como o registo de todas as observações e sugestões emergentes, foi exposta ao painel de peritos pela equipa de investigação. Foram confrontadas as diferentes versões obtidas até à data, tendo sido debatidas as alterações significativas e potenciais forças e limitações do programa, concluindo assim este processo.

Ao longo das diferentes fases, e no que respeita aos princípios éticos e legais, é de realçar a existência de autorização para realização da investigação pela Comissão de Ética da Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, tendo-se desenvolvido todos os procedimentos no respeito pelo anonimato, confidencialidade e consentimento dos participantes.

 

Resultados

De seguida, serão apresentados os resultados obtidos em cada fase metodológica, salientando os diferentes contributos obtidos para a análise e reformulação do programa.

Resultou da Fase I (preliminar) a primeira versão do programa de TR em grupo, idealizado de acordo com a evidência encontrada e consultas preliminares com profissionais de saúde e pessoas idosas com declínio cognitivo em contexto institucional. Os profissionais de saúde anteciparam que este tipo de intervenções seria benéfico a vários níveis, destacando-se o seu papel nos domínios da qualidade de vida, interação, envolvimento social e bem-estar das pessoas idosas em contexto institucional.

A nível estrutural, o programa encontra-se dividido em duas partes: vertente principal (14 sessões) e vertente de manutenção (sete sessões). A vertente principal deve ser desenvolvida ao longo de sete semanas, com sessões bissemanais com a duração máxima de 60 minutos cada. A vertente principal é complementada por uma vertente de manutenção ao longo de sete semanas, com uma sessão semanal, também com duração máxima de 60 minutos. Cada sessão tem um tema relacionado com o percurso de vida dos participantes que aborda infância e família, escola, vida profissional, viagens realizadas, épocas festivas e momentos históricos, entre outros (Tabela 1). Em algumas sessões, são apresentadas sugestões de atividades complementares a serem desenvolvidas em âmbito institucional. Todavia, o foco dos profissionais deve incidir nas memórias autobiográficas dos participantes, independentemente da natureza da atividade a realizar.

Ainda decorrente deste processo, emergiu a necessidade de se criar uma plataforma digital que incluísse conteúdos audiovisuais para utilização em algumas das sessões protocoladas. Esta ideia foi suportada pelo desejo de criar uma intervenção replicável em diferentes contextos institucionais.

Durante a Fase II (modelagem), uma grande maioria dos peritos concordou com a estrutura, duração, temas/atividades propostas e clareza dos conteúdos apresentados, quer a nível do programa principal como na vertente de manutenção (Tabela 2). Das opiniões recolhidas junto dos peritos, ressalta a sua perceção do potencial de replicação deste programa em diferentes contextos institucionais.

Com o parecer dos peritos elaborou-se a segunda versão do programa de TR. Em ambos os grupos focais foi salientada a preocupação no modo como as sessões seriam conduzidas, e quais os princípios subjacentes à sua dinamização. Neste sentido, o programa sofreu alterações na sua apresentação, tendo sido criado o manual do dinamizador, com apresentação esteticamente mais apelativa e intuitiva na utilização. Além do programa principal e vertente de manutenção do programa, foi incluída uma secção introdutória com base na literatura revista, que contextualiza a importância de intervenções deste âmbito junto de pessoas idosas com declínio cognitivo em contexto institucional, nomeadamente na redução de sintomatologia depressiva associada e promoção da qualidade de vida e bem-estar. De forma complementar, foi incluído um capítulo relativo à estrutura do programa e das sessões, salientando os aspetos fundamentais à sua operacionalização. Deste modo, e referente à duração total de cada sessão, foram propostos 15 minutos para um momento de apresentação, 35 minutos para a discussão temática e 10 minutos para o encerramento da sessão, embora estes tempos não sejam rígidos. No decorrer de cada sessão, o dinamizador deverá ser capaz de rentabilizar o tempo disponível, colocando maior ênfase na fase de discussão de cada temática.

De acordo com as sugestões de vários peritos, foram introduzidas no programa novas atividades complementares. Foi reforçado que na condução das sessões seria fundamental a promoção do envolvimento e interação social, assim como a realização de atividades de cariz prático. Ainda por sugestão dos peritos, foram adicionados em variadas sessões, outros exemplos de atividades que reforçam a estimulação multissensorial das pessoas idosas.

Algumas das temáticas abordadas sofreram ligeiras alterações, nomeadamente as sessões de casamento, uniões e filhos e de músicas de outros tempos, de forma a que possam ser desenvolvidas junto de um grupo heterogéneo, com diferentes percursos de vida e características pessoais. Também foram incluídas propostas alternativas em algumas sessões de modo a que os dinamizadores do programa possam contornar questões que evoquem memórias menos positivas ou questões que não se apliquem à história de vida de algum dos participantes. Por último, foi amplamente sugerido pelos peritos a inclusão de um momento de relaxamento, com técnica de respiração abdominal, na fase de encerramento de cada sessão.

Na Fase III (Teste de Campo), consistentemente com a apreciação feita anteriormente pelos peritos (Fase II), os enfermeiros dinamizadores consideraram que a implementação deste tipo de intervenções em contexto institucional constituía uma mais-valia para as pessoas idosas e profissionais. Relativamente ao questionário aplicado, no que respeita à vertente principal do programa, todos os enfermeiros concordaram plenamente com a estrutura, temas e conteúdos apresentados, destacando a sua clareza, variedade e organização (Tabela 3).

As sessões e atividades foram consideradas pelas pessoas idosas como agradáveis e interessantes, tendo sido verificado um forte interesse por parte de outras pessoas da instituição em participar nas sessões. Uma percentagem significativa de pessoas idosas que participaram no estudo concordou plenamente com a estrutura, temas e atividades inerentes ao programa (Tabela 4).

A maioria das pessoas idosas considera ter sido importante recordar momentos de vida passados, tendo evidenciado o desejo de participar em mais programas neste âmbito. De forma menos consensual, a duração do programa foi apontada como curta, sendo expressado o desejo de contemplar um maior número de sessões, sugestões que reforçam a satisfação das pessoas idosas envolvidas nesta fase com o programa apresentado. Com o parecer dos potenciais utilizadores do programa de TR, aliado às observações realizadas em contexto prático pela equipa de investigação, emergiu a necessidade de reformular, pontualmente, construções frásicas e alguma terminologia utilizada e reformular a apresentação visual do manual e plataforma digital, de modo a melhorar a experiência do utilizador.

A dinamização de um programa de TR deve seguir algumas linhas orientadoras de forma a garantir a qualidade e eficácia da intervenção, uma preocupação já anteriormente salientada por alguns peritos na Fase II deste processo. Estas preocupações foram espelhadas durante o Teste de Campo, tendo sido observadas dificuldades por parte dos enfermeiros em lidar com situações pontuais relativas à condução das sessões e dinâmicas de grupo. Neste sentido, foi incorporada no manual uma secção destinada aos princípios-chave da TR, com o intuito de guiar e assistir os dinamizadores.

Durante a Fase IV (conferência de consensos), com a análise de convergências encontradas ao longo das diferentes fases, resultaram revisões menores a nível semântico e estrutural, de modo a colmatar lapsos ou sugestões de clarificação destacadas nas fases anteriores. Porém, destacaram-se dois aspetos que necessitaram de uma reflexão ponderada pelo grupo, sendo estes: a duração e as escolhas temáticas do programa.

No que respeita à duração do programa, ainda que esta inicialmente tenha sido considerada como potencialmente excessiva por alguns peritos (Fase II), constatou-se que, de acordo com os utilizadores do programa entrevistados (Fase III) esta opinião não prevalecia, tendo-se verificado um desejo contrário. Neste sentido, reforçou-se a necessidade de incluir atividades complementares em algumas das sessões do programa, que evoquem a essência da reminiscência e que possam ser desenvolvidas noutros âmbitos institucionais. Assim, em contextos cujos utilizadores expressem um claro desejo em participar neste tipo de intervenção por um maior período de tempo, os profissionais terão à sua disposição um conjunto de materiais que lhes serão úteis para o planeamento e implementação de atividades de reminiscência.

Quanto às escolhas temáticas, como realçado inicialmente (Fase I), os profissionais de saúde identificaram enquanto potencial fragilidade deste programa a inclusão de sessões cujas temáticas não contemplavam os interesses de eventuais utilizadores. Contudo, após auscultação de um grupo heterogéneo de potenciais utilizadores residentes em diferentes contextos institucionais (Fase III), os temas emergentes revelaram ser coincidentes com os propostos pela equipa de investigação. Ainda nesta ótica, e durante a mesma fase, verificou-se uma grande aceitação dos temas pela população-alvo. A conferência de consensos constituiu a fase final do processo de construção e validação do programa de TR, tendo resultado deste processo uma versão final, em formato de manual, com 21 sessões complementada com materiais de suporte.

 

Discussão

Partindo da ausência de modelos de intervenção estruturados de TR, o programa e materiais desenvolvidos emergem como novos contributos para a prática clínica, com potencial de implicação teórico-investigacional, numa ótica de renovação estruturada e validada da evidência existente. Este processo é recomendado pelo Medical Research Council (Craig et al., 2008) como forma de salvaguardar os investigadores de se defrontarem com barreiras relacionadas com a aceitabilidade, conformidade, aplicabilidade da intervenção, permanência dos participantes e resultados aquém do esperado, as quais podem debilitar a avaliação final da eficácia de uma intervenção.

Os grupos focais, entrevistas e teste de campo realizados constituíram uma plataforma na qual os potenciais utilizadores do programa de TR, pessoas idosas em contexto institucional e profissionais de saúde, podiam contribuir com as suas opiniões sobre eventuais necessidades e expectativas para uma intervenção deste cariz. Além disto, o desenvolvimento do programa suportado na apreciação de peritos com formação multidisciplinar e experiência reconhecida na implementação de intervenções terapêuticas tornou-se indispensável na reestruturação e reformulação da versão original, garantindo que a intervenção se encontra adaptada e adequada à finalidade pretendida.

Não obstante, são de referir algumas limitações ao presente estudo. Ainda que a implementação das orientações para o desenvolvimento de intervenções complexas proposto pelo Medical Research Council (Craig et al., 2008) represente uma boa prática na investigação clínica, este processo não garante a eficácia da intervenção, nem garante a ausência de entraves na conceção, implementação ou avaliação de um futuro estudo de maior escala. É de salientar que durante o processo de construção e desenvolvimento do programa de TR, não foram avaliados quaisquer outcomes de interesse salientados na literatura (e.g., cognição, qualidade de vida e sintomas depressivos), o que não oferece nenhuma indicação da provável eficácia da intervenção nestes domínios.

No entanto, verificou-se que, de forma consensual, peritos e potenciais utilizadores do programa consideram este tipo de intervenção como relevante e necessária em contexto institucional. Do mesmo modo, foram observados pelos investigadores, na fase de teste de campo, momentos de bem-estar, envolvimento social, diversão e desenvolvimento de competências comunicacionais pelos participantes. Estas observações vão ao encontro de alguns resultados evidenciados na literatura que ressalvam o potencial e eficácia da TR em domínios como cognição, qualidade de vida e sintomas depressivos em pessoas mais velhas com declínio cognitivo, integrados num contexto institucional. Torna-se, então, necessário o desenvolvimento de um estudo piloto que forneça evidências sobre a eficácia do programa de TR construído.

 

Conclusão

A apreciação e aconselhamento recolhidos por peritos multidisciplinares com experiência reconhecida na área temática, assim como de potenciais utilizadores do programa de TR, assegurou que a sua construção teve sempre presente as características e necessidades das pessoas idosas com declínio cognitivo em contexto institucional, com representação significativa para os seus intervenientes. Do processo de validação resultou um programa estruturado composto por duas partes, vertente principal e vertente de manutenção, num total 21 sessões temáticas. Porém, enquanto orientação futura para a investigação, torna-se necessário avaliar a eficácia da versão final do programa construído, conduzindo-se, para o efeito, um estudo piloto. Tal desafio afigura-se como o próximo passo para esta equipa de investigação.

 

Referências bibliográficas

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Recebido para publicação em: 12.06.17

Aceite para publicação em: 28.08.17

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