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Revista de Enfermagem Referência
versão impressa ISSN 0874-0283
Rev. Enf. Ref. vol.serIV no.16 Coimbra mar. 2018
https://doi.org/10.12707/RIV17075
ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO
RESEARCH PAPER
Dispneia em cuidados paliativos: registos de enfermagem e a autoavaliação da dispneia
Dyspnea in palliative care: nursing records and self-assessment of dyspnea
Disnea en cuidados paliativos: registros de enfermería y autoevaluación de la disnea
Ana Raquel Margarido Vaz Alves*; Paulo Sérgio dos Reis Saraiva Pina**
* MsC., Enfermeira de cuidados gerais, Serviço de Medicina 1, Hospital Garcia de Orta, EPE, 2805-267, Almada, Portugal [ana.raquel.alves3@hgo.min-saude.pt]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica, desenvolvimento do formulário aplicado no estudo, colheita de dados, tratamento, análise e discussão de dados, redação e revisão final do artigo. Morada para correspondência: Av. Torrado da Silva, 2805-267, Almada, Portugal.
** MsC., Médico, Casa de Saúde da Idanha, Belas, 2605-077, Sintra, Portugal [preispina@hotmail.com]. Contribuição no artigo: desenvolvimento do formulário aplicado no estudo, análise e discussão de dados, redação e revisão final do artigo.
RESUMO
Enquadramento: Os registos de enfermagem (RE) que englobam uma avaliação quantitativa da dispneia permitem adequar a prestação de cuidados de enfermagem às necessidades do doente.
Objetivos: Comparar os RE e a autoavaliação da intensidade da dispneia realizada com recurso à Escala de Avaliação Numérica (EAN) por indivíduos com doenças crónicas, progressivas e avançadas, com necessidades paliativas, internados em serviços de medicina interna.
Metodologia: Realizou-se uma pesquisa quantitativa, descritiva, transversal e observacional através da aplicação de EAN da intensidade da dispneia. Recolheram-se RE de 77 selecionados de forma intencional e não aleatória.
Resultados: Os enfermeiros diagnosticam corretamente a dispneia em repouso e/ou dispneia funcional sem recurso a uma escala de avaliação de dispneia. Não se observam intervenções autónomas de enfermagem em todos os indivíduos com o diagnóstico de dispneia, bem como, as intervenções não abrangem todas as dimensões da dispneia total.
Conclusão: Os RE quantitativos contribuem para maior rigor na identificação, monitorização e intervenção na dispneia. Considera-se necessária uma abordagem mais sistematizada da dispneia em indivíduos com necessidades paliativas.
Palavras-chave: dispneia (enfermagem), dispneia (classificação), registros de enfermagem, cuidados paliativos, avaliação da dispneia
ABSTRACT
Background: The integration of a quantitative assessment of dyspnea in nursing records (NR) allows adjusting nursing care delivery to each patient's needs.
Objectives: To compare NR and the self-assessment of dyspnea intensity using the Numerical Rating Scale (NRS) in patients with advanced progressive chronic disease and palliative care needs who were admitted to internal medicine wards.
Methodology: A quantitative study was conducted using a cross-sectional, descriptive, and observational approach. The NRS was applied to assess dyspnea intensity. Seventy-seven NR were selected using a non-random, purposive sampling technique.
Results: Nurses diagnosed dyspnea at rest and/or functional dyspnea correctly without using a dyspnea assessment tool. Not all patients diagnosed with dyspnea had nursing care plans. In addition, the specific nursing interventions do not consider all dimensions of total dyspnea.
Conclusion: Quantitative NR allow for a more accurate identification, monitoring, and management of dyspnea. A more systematic approach to dyspnea in patients with palliative care needs is required.
Keywords: dyspnea (nursing), dyspnea (classification), nursing records, palliative care, assessment of dyspnea
RESUMEN
Marco contextual: Los registros de enfermería (RE) que engloban una evaluación cuantitativa de la disnea permiten adecuar la prestación de cuidados de enfermería a las necesidades del paciente.
Objetivos: Comparar los RE y la autoevaluación de la intensidad de la disnea realizada con la Escala de Evaluación Numérica (EEN) por individuos con enfermedades crónicas, progresivas y avanzadas, con necesidades paliativas, internados en servicios de medicina interna.
Metodología: Se realizó una investigación cuantitativa, descriptiva, transversal y observacional a través de la aplicación de EEN de la intensidad de la disnea. Se recopilaron RE de 77 seleccionados de forma intencional y no aleatoria.
Resultados: Los enfermeros diagnostican correctamente la disnea en reposo y/o disnea funcional sin recurrir a una escala de evaluación de la disnea. No se observan intervenciones autónomas de enfermería en todos los individuos con diagnóstico de disnea, y las intervenciones no abarcan todas las dimensiones de la disnea total.
Conclusión: Los RE cuantitativos contribuyen a un mayor rigor en la identificación, el seguimiento y la intervención en la disnea. Se considera necesario un enfoque más sistemático de la disnea en individuos con necesidades paliativas.
Palabras clave: disnea (enfermeira), disnea (clasificación), registros de enfermería, cuidados paliativos, evaluación de disnea
Introdução
Em cuidados paliativos, a dispneia, comummente conhecida por dificuldade respiratória, ocorre quer em doentes com cancro, quer em não oncológicos e pode surgir em qualquer fase da doença (Coccia, Palkowski, Schweitzer, Motsohi, & Ntusi, 2016).A prevalência da dispneia em pessoas portadoras de doenças crónicas pode variar entre 19% a 50% (Feio, 2016). Efetivamente, não existem dados estatísticos consensuais, ora porque as pessoas com dispneia negligenciassem a dificuldade respiratória sentida, ora porque os profissionais de saúde considerassem irrelevantes as queixas da pessoa (Banzett & O'Donnell, 2014).
A autoavaliação da dispneia pelo doente é um processo rápido, não exige que o indivíduo decida se é relevante ou não transmitir ao profissional de saúde e permite registos objetivos (Banzett & O'Donnell, 2014).
As vantagens deste processo são várias. Por um lado, uma avaliação quantitativa precoce e frequente da dispneia permite um melhor controlo da mesma, alívio do sofrimento e diminuição da possibilidade de agravamento da doença (Baker et al., 2013). Por outro lado, permite registos de enfermagem (RE) mais fidedignos e relacionados com as queixas do doente e, por conseguinte, possibilita intervenções de enfermagem mais adequadas às necessidades da pessoa.
Todavia, apesar de existirem várias escalas para classificar a intensidade da dispneia, sabe-se que a aplicação de instrumentos de avaliação da dispneia não é uma prática frequente na prestação de cuidados de enfermagem. Nesta linha de raciocínio, surge a inquietação de aferir todo o processo desde a identificação à intervenção de enfermagem na dispneia com recurso a Escala de Avaliação Numérica (EAN).
Para a compreensão do fenómeno em estudo optou-se por indagar a autoavaliação da dispneia dos sujeitos da amostra através de EAN presentes em formulários e seguidamente confrontá-los com os RE.
Deste modo, é possível comparar os RE e a autoavaliação da dispneia, conhecer a intensidade da dispneia funcional do doente, identificar as intervenções autónomas de enfermagem registadas pelos enfermeiros que visem o cuidar, determinar a prevalência das intervenções autónomas de enfermagem, alcançar um tratamento ótimo para a dispneia e determinar se o turno de enfermagem enviesa a autoavaliação da dispneia.
Enquadramento
A dispneia é uma experiência subjetiva de desconforto respiratório que consiste em sensações qualitativamente distintas, variáveis na sua intensidade (American Thoracic Society, 2012). A experiência deriva de interações entre múltiplos fatores fisiológicos, psicológicos, sociais e ambientais, podendo induzir respostas comportamentais e fisiológicas secundárias (Coccia et al., 2016).
Por ser uma experiência subjetiva, apenas a pessoa com dispneia está em posição de determinar a sua gravidade (Hayen, Herigstad, & Pattinson, 2013). Assim, sempre que possível, a autoavaliação da intensidade da dispneia deve ser o método de avaliação a utilizar.
Atualmente existem várias escalas aptas para a autoavaliação da intensidade da dispneia (Berliner, Schneider, Welte, & Bauersachs, 2016). Destas, devido à sua objetividade e facilidade de compreensão e de aplicação, destaca-se a EAN (Johnson et al., 2016). Em consonância, Bailey et al. (2013) acrescenta que a EAN permite aos enfermeiros identificar a presença de dispneia, fundamentar e avaliar a eficiência das suas intervenções.
A EAN consiste numa régua dividida em 11 partes iguais, numeradas sucessivamente de 0 a 10 (Wysham et al., 2015). Ao aplicar esta escala pretende-se que a pessoa faça a equivalência entre a intensidade da sua dispneia e uma classificação numérica, sendo que a 0 corresponde sem dispneia e a 10 a classificação de dispneia insuportável (Wade et al., 2017).
Independentemente das recomendações para a implementação de EAN na prestação de cuidados de enfermagem e por conseguinte nos RE (American Nurses Association, 2010) até ao momento da redação do presente artigo o estado de arte nacional e internacional sobre esta realidade é bastante ténue.
Ainda assim, salienta-se um estudo piloto de Baker et al. (2013) que testou a viabilidade da equipa de enfermagem monitorizar a dispneia das pessoas internadas através de um instrumento de avaliação composto por três escalas, sendo uma delas uma EAN. No fim do estudo, 92% dos enfermeiros assumiram ser importante avaliar a dispneia através de um instrumento de avaliação. Os autores consideraram que a implementação da avaliação da dispneia na prestação de cuidados não acresce a carga de trabalho da equipa de enfermagem. Recentemente, Johnson et al. (2016) recomenda o uso da EAN em detrimento da Escala Modificada de Borg para avaliação da intensidade da dispneia em vários momentos e em determinadas situações, como por exemplo, em repouso e em esforço. Finalmente para Wade et al. (2017) a EAN é altamente recomendável para a avaliação da intensidade da dispneia, porém, salienta para a necessidade de enunciados rigorosos.
Por conseguinte, o facto de o registo da avaliação da intensidade da dispneia em suporte apropriado permitir monitorizar a intensidade da dispneia ao longo do internamento, facilita a avaliação das intervenções de enfermagem no alívio da dispneia, contribuindo para a visibilidade dos cuidados de enfermagem e articulação de cuidados multidisciplinares (Registered Nurses' Association of Ontario, 2012).
Por RE entende-se o conjunto de informações escritas, produzidas pelo enfermeiro na prática clínica, nas quais são compiladas as informações resultantes das necessidades de cuidados de enfermagem (Ordem dos Enfermeiros, 2005). Para a uniformização e informatização de todo este processo criou-se o Sistema de Informação em Enfermagem (SIE) representado pelo Sistema de Apoio à Prática de Enfermagem (SAPE®) na realidade em estudo. Através do SAPE® é possível traçar os diagnósticos de dispneia em repouso e/ou funcional, que mediante um juízo clínico identifica, documenta e monitoriza as necessidades do doente. Todavia, sabe-se que o SAPE® não inclui uma escala de avaliação da dispneia indo, assim, em sentido divergente ao recomendado pela evidência científica apresentada anteriormente.
Questão de investigação
Qual a relação entre os RE e a auto-avaliação da dispneia (com recurso às EAN) feita por indivíduos adultos com doença avançada, progressiva e incurável?
Metodologia
A realização do presente estudo foi autorizada pela Comissão de Ética e Conselho de Administração do Hospital Garcia de Orta, EPE (HGO) e pela Comissão de Ética do Centro Académico de Medicina de Lisboa.
Trata-se de um estudo quantitativo, descritivo, transversal e observacional. A população alvo é constituída por todos os doentes consecutivos internados nos Serviços de Medicina I e II do HGO no período de 13 de maio de 2016 a 13 de junho de 2016.
Os critérios de inclusão foram: sujeitos com idade superior a 18 anos; portadores de doença incurável, avançada e progressiva; com consentimento esclarecido e informado assinado; com capacidade para autoavaliar a intensidade da sua dispneia numa EAN; RE do doente, disponíveis e completos.
Tendo em consideração as diretivas do Programa Nacional de Cuidados Paliativos (Direção-Geral da Saúde, 2005) e da European Association for Palliative Care (2009), considera-se doença avançada e progressiva uma doença incurável com necessidade de cuidados paliativos e onde se prevê o fim da vida num período de 1 a 2 anos.
A amostra final do estudo foi composta por todos os indivíduos que cumpriram os critérios supramencionados e com menos de quatro erros na versão portuguesa do Short Portable Mental Status Questionnaire (SPMSQ). Assim, obteve-se uma amostra não aleatória e intencional à qual se aplicou um formulário. Este é constituído por questões de caracterização sócio demográfica, pelo SPMSQ e por duas EANs para autoavaliação da dispneia em repouso e funcional à luz dos estudos de Baker et al. (2013) e de Johnson et al. (2016).
O enunciado da primeira EAN pede ao entrevistado que avalie a intensidade de dispneia em repouso através da seguinte questão: “Quando se encontra em repouso como classifica a sua sensação de falta de ar e dificuldade respiratória?”. O enunciado da segunda EAN refere-se à dispneia funcional “Quando realiza uma atividade de vida diária, como por exemplo comer ou tomar banho, como classifica a sua sensação de falta de ar e dificuldade respiratória?”.
Foram igualmente recolhidos dados dos RE do SAPE® e agrupados em documento criado para o efeito.
Previamente à aplicação da versão definitiva do formulário foi aplicado um pré-teste a um grupo de cinco indivíduos. No final desta aplicação concluiu-se que deveria ser o entrevistador a redigir as respostas de todos os indivíduos inquiridos.
Finalmente os dados foram introduzidos e processados no software IBM SPSS Statistics, versão 23.0 procedendo à análise estatística e descritiva dos mesmos.
Resultados
Foram aplicados 92 formulários, 15 foram excluídos por não cumprirem com o critério de eleição segundo o SPMSQ. Assim, obteve-se uma amostra constituída por 77 indivíduos. A amostra é representada sobretudo por homens, cerca de 65% tem mais de 71 anos de idade, possuindo um nível de escolaridade básico. Igualmente, sabe-se que as doenças do aparelho circulatório são o principal motivo de internamento dos sujeitos da amostra, sendo que o acidente vascular cerebral e a insuficiência cardíaca (IC) representam quase 40% dos problemas de saúde. Mais de metade dos sujeitos da amostra tem três ou mais antecedentes de saúde. A Tabela 1 reúne os dados que caracterizam a amostra.
Através da Tabela 2 é possível concluir que 16,9% dos doentes relata dispneia em repouso, porém segundo os RE somente 11,7% dos sujeitos da amostra tem dispneia em repouso.
Relativamente à avaliação da dispneia funcional, 31,2% dos doentes assume a presença de dispneia aquando da realização de uma atividade de vida diária (AVD). A intensidade da dispneia funcional, segundo a autoavaliação dos indivíduos, é bastante heterogénea existindo sujeitos a experienciar uma sensação de dispneia muito intensa como se pode observar na Tabela 3. À luz dos RE, 28,6% dos indivíduos da amostra apresenta dispneia funcional.
Recodificando os dados da Tabela 3 para dispneia funcional em grau reduzido (EAN 1-3), grau moderado (EAN 4-6) e grau elevado (EAN 7-10), sabe-se que 7,8% dos indivíduos inclui-se em dispneia funcional de grau reduzido, 14,3% de grau moderado e os restantes 9,1% em dispneia funcional em grau elevado. As mesmas percentagens são obtidas nos RE.
Relação da autoavaliação do paciente com os RE
No sentido de salvaguardar que os dados obtidos através das EANs e dos RE eram concordantes e coincidentes aplicou-se um filtro de elegibilidade na base de dados do IBM SPSS Statistics software. Através deste, foi possível separar a amostra em dois grandes grupos. O primeiro grupo, intitulado de congruentes, constituído pelos indivíduos da amostra em que a autoavaliação da dispneia está de acordo com os RE – grupo consistente; e o segundo grupo, designado de incongruentes, composto pelos casos em que a autoavaliação da dispneia é incongruente com os RE.
Por motivos de simplicidade e organização aplicou-se o filtro em duas fases, sendo a primeira fase dedicada à dispneia em repouso e a segunda direcionada para o estudo da dispneia funcional. Após a aplicação do filtro de elegibilidade procedeu-se ao cálculo das frequências absolutas.
Neste sentido, na primeira fase de aplicação do filtro obtiveram-se 60 casos congruentes e 17 incongruentes. Em 10 casos dos 17 incongruentes o sujeito assumiu dispneia em repouso, mas esta não constava dos RE; nos restantes 7 casos os sujeitos negaram dispneia em repouso, mas esta constava dos RE.
Posteriormente na segunda fase de aplicação do filtro verificaram-se 26 casos incongruentes. A Tabela 4 apresenta uma comparação cruzada entre as avaliações dos sujeitos incluídos no grupo incongruentes e dos RE, conforme a intensidade da dispneia.
Relação dos turnos de enfermagem com o enviesamento de resposta
Ao refletir sobre os resultados urge a incerteza se o turno no qual foi aplicado o formulário é motivo de enviesamento de resposta. Dos 77 formulários elegíveis para o presente estudo, 32 (41,5%) foram colhidos durante o turno da manhã (08h00 às 16h30), 35 (45,5%) no turno da tarde (16h31 às 22h30) e 10 (13,0%) no turno da noite (22h31 às 07h59).
Dos casos incongruentes obtidos na primeira fase de aplicação do filtro de elegibilidade: sete formulários foram colhidos no turno da manhã, seis no turno da tarde e três no turno da noite. Consequentemente na segunda fase de aplicação do mencionado filtro: 14 casos incongruentes foram obtidos no turno da manhã, 11 no turno da tarde e um no turno da noite.
Intervenções autónomas de enfermagem
As intervenções de enfermagem só podem ser delineadas perante um diagnóstico. Neste estudo, somente 38% da amostra apresentou diagnóstico de dispneia em repouso e/ou dispneia funcional. Neste sentido, assumindo este universo, a Tabela 5 exibe as intervenções autónomas de enfermagem identificadas e a percentagem de sujeitos a quem estas foram prestadas. Para o levantamento dos dados expostos analisaram-se somente as intervenções parametrizadas por SAPE®. Analisando a Tabela 5 pode-se concluir que, à luz dos RE, nem todos os indivíduos com diagnóstico de dispneia em repouso e/ou dispneia funcional são alvo de intervenções dirigidas a esta situação.
Discussão
Obteve-se uma amostra constituída por 77 sujeitos, maioritariamente do género masculino, bastante heterogénea respetivamente a antecedentes de saúde e diagnósticos de saúde. Destes diagnósticos a insuficiência cardíaca foi dos mais prevalentes e sabe-se que a dispneia é das manifestações clínicas mais comuns nesta patologia (Arrigo, Parissis, Akiyama, & Mebazaa, 2016).
De acordo com os resultados obtidos pode-se concluir que mais de metade dos sujeitos da amostra nega a presença de dispneia em repouso e/ou dispneia funcional. Com efeito, é de salientar que a aplicação dos formulários, por conseguinte das EANs para avaliação da intensidade da dispneia, foi realizada a qualquer momento no período de internamento numa enfermaria de medicina interna. Possivelmente antes de responder ao formulário o doente já recebera cuidados dirigidos à dispneia ora no serviço de urgência, ora no serviço de medicina interna, garantindo-se o controlo da sintomatologia. Além do mencionado, a heterogeneidade da amostra, em termos de diagnóstico e comorbilidades, pode influenciar a presença de dispneia.
De acordo com as autoavaliações dos indivíduos que assumiram dispneia em repouso/funcional, a intensidade da mesma, calculada pela utilização da EAN, é bastante heterogénea existindo sujeitos a experienciar uma intensidade máxima (EAN 10) durante a realização de uma AVD.
Do mesmo modo, segundo os RE, a maioria dos sujeitos da amostra não apresenta dispneia em repouso e/ou dispneia funcional; ademais, pelo teste de elegibilidade, sabe-se que há concordância entre os RE e a autoavalição da dispneia.
Assim, sabendo que os enfermeiros não dispõem de escalas de avaliação da dispneia no SAPE®, nem recorrem às mesmas para a avaliação da intensidade da dispneia do doente, pode afirmar-se que os enfermeiros diagnosticam corretamente a dispneia em repouso e a dispneia funcional, mesmo sem recurso a uma escala de avaliação específica.
Segundo o estudo de Baker et al. (2013) apenas uma minoria dos enfermeiros envolvidos no estudo reconhece a importância de implementar uma escala de avaliação da dispneia nos SIEs. Efetivamente, à luz dos resultados obtidos a carência de uma escala protocolada nos RE não enviesa o juízo do enfermeiro no momento do diagnóstico de dispneia. No entanto, contrapondo com as recomendações da American Nurses Association (2010) e Registered Nurses' Association of Ontario (2012), a implementação de uma escala de avaliação da dispneia permite RE objetivos e rigorosos que facilitam a compreensão da evolução da intensidade da dispneia ao longo do internamento pela equipa multidisciplinar.
Em consonância com estes resultados analisaram-se os RE. Aquando da colheita de dados observou-se a inexistência de um plano terapêutico diferenciado para o controlo sintomático das diferentes intensidades da dispneia. Somente se fez um levantamento das intervenções de enfermagem autónomas dirigidas à dispneia, parametrizadas em SAPE®. Estas intervenções não foram observadas em todos os indivíduos com o diagnóstico de dispneia, assumindo-se uma falha de registo ou uma ausência de medidas de controlo do sintoma.
Salienta-se vigiar a respiração como a intervenção mais prevalente seguida de otimizar a ventilação através de técnicas de posicionamento. Bailey et al. (2013) refere que se pode diminuir a dispneia através do posicionamento, porém, num estudo realizado por Costa (2016) verifica-se que os enfermeiros reconhecem a importância de um adequado posicionamento no alívio da dispneia, mas nem todos têm conhecimentos sobre o posicionamento a adotar.
A existência de RE mais específicos e rigorosos, com a utilização do método de pensamento em enfermagem, compreenderia, com certeza, uma maior visibilidade da profissão, possibilitando a monitorização dos cuidados, a promoção da qualidade e o desenvolvimento de indicadores (Registered Nurses' Association of Ontario, 2012).
Tal como dito anteriormente, sendo a dispneia uma experiência subjetiva com fatores fisiológicos, psicológicos, sociais e ambientais (American Thoracic Society, 2012) não se verificaram intervenções de enfermagem que englobassem a dimensão social e ambiental. A dimensão psicológica é representada por elogiar a aprendizagem de habilidades.
Não se encontraram RE sobre a eficácia das intervenções autónomas de enfermagem prestadas.
Por fim, assumindo que existem variações na intensidade da dispneia ao longo do dia (Mercadante et al., 2016) e sabendo que os episódios de dispneia de intensidade elevada são mais frequentes durante o dia do que de noite (Weingärtner et al., 2015), testou-se a possibilidade do turno de enfermagem poder influenciar a avaliação da dispneia. Assim, recolheram-se formulários nos três turnos que compõem um dia e concluiu-se que o turno no qual foi aplicado o formulário não enviesou a autoavaliação da dispneia.
Ao longo do estudo surgiram algumas limitações. Destas destacam-se a amostra não aleatória, a amostra heterogénea em termos de diagnóstico e antecedentes de saúde independentemente de existirem critérios de inclusão, as circunstâncias organizativas da instituição; e a ausência de um protocolo com critérios de aplicação do formulário.
Perante o mencionando, não é possível extrapolar estes factos a outras populações ou situações, servindo apenas para descrever o caso presente. Muito embora o referido, não se pode invalidar a importância dos resultados obtidos e apequenar o caráter inovador do estudo.
Conclusão
A dispneia é uma experiência subjetiva, frequentemente descrita como uma sensação de falta de ar ou uma dificuldade respiratória, que provém da interação de múltiplos fatores fisiológicos, psicológicos, sociais e ambientais.
Este estudo comparou os RE e os resultados obtidos por autoavaliação da dispneia do doente com recurso a uma EAN. De antemão sabe-se que os enfermeiros não dispõem de instrumentos de avaliação da dispneia, porém, segundo os resultados obtidos há pouca discrepância entre a avaliação da dispneia na ótica do enfermeiro e na ótica do doente.
Os RE disponibilizados na aplicação SAPE® seguem a estrutura do processo de enfermagem, logo, para cada diagnóstico de dispneia em repouso e/ou dispneia funcional devem existir intervenções associadas.
A análise dos RE permitiu constatar a inexistência de um plano terapêutico diferenciado para o controlo sintomático de distintas intensidades da dispneia. De igual modo, verificou-se que as intervenções autónomas de enfermagem não abrangeram todas as dimensões da dispneia. Por falha de registo ou inexistência de medidas de controlo da dispneia, existiam diagnósticos de dispneia sem intervenções autónomas de enfermagem associadas.
Igualmente, aferiu-se a ausência de avaliação da eficácia das intervenções autónomas de enfermagem prestadas.
Deste modo, segundo os RE e na ótica de auditor de RE sobre a dispneia, pode-se concluir que os enfermeiros diagnosticam dispneia em repouso e/ou dispneia funcional sem critérios formalizados, registam intervenções autónomas de enfermagem não diferenciadas e não direcionadas às necessidades do doente e finalmente não reavaliam a eficácia das suas intervenções.
Por fim, pode concluir-se que a questão de investigação lançada e os objetivos propostos para este estudo foram respetivamente respondidos e obtidos.
Emergem, no entanto, algumas reflexões. Para a manutenção da qualidade de vida do doente com dispneia é fundamental uma correta identificação e monitorização da dispneia. Este procedimento deve ocorrer no início do internamento e ser mantido periodicamente no decorrer do mesmo com recurso a um instrumento de avaliação único em todo o internamento. Recomenda-se a utilização de EAN para avaliação da intensidade da dispneia porque a EAN é facilmente usada para auto-relato de condições subjetivas e porque se trata de uma realidade que avalia a dispneia em repouso e funcional.
Nesta linha de pensamento, lança-se a inquietação de um estudo sobre a perceção da equipa de enfermagem sobre o uso de escalas de avaliação da dispneia para a mensuração e a monitorização da dispneia. É importante compreender se a equipa de enfermagem se apresenta mais sensibilizada para a dispneia na prestação de cuidados de enfermagem após o uso de escalas de avaliação da dispneia.
Parece igualmente importante estudar se o aumento da sensibilização da equipa de enfermagem seria proporcional ao desenvolvimento de um plano terapêutico diferenciado para o controlo sintomático de distintas intensidades da dispneia.
Do mesmo modo, urge a necessidade de um estudo dedicado às intervenções de enfermagem dirigidas à dispneia e aos resultados esperados das mesmas.
Em suma, apesar das limitações e dificuldades decorridas ao longo deste estudo, foi possível, através do método científico, responder à questão de investigação e alcançar os objetivos propostos. A concretização deste estudo permitiu aumentar os conhecimentos sobre esta temática e alargar os horizontes para futuras investigações sobre esta problemática. Considera-se necessária uma abordagem mais sistematizada da dispneia em indivíduos com doenças crónicas, progressivas e avançadas, com necessidades paliativas.
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Recebido para publicação: 26.09.17
Aceite para publicação: 11.12.17