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Revista de Enfermagem Referência
versão impressa ISSN 0874-0283
Rev. Enf. Ref. vol.serIV no.16 Coimbra mar. 2018
https://doi.org/10.12707/RIV17090
ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO
RESEARCH PAPER
Gugging Swallowing Screen: contributo para a validação cultural e linguística para o contexto português
The Gugging Swallowing Screen: A contribution to the cultural and linguistic validation for the Portuguese context
Gugging Swallowing Screen: contribución a la validación cultural y linguística para el contexto portugués
Alexandra Maria da Silva Ferreira*; Ludmila Pierdevara**; Ines Margarida Ventura***; Amélia Maria Brito Gracias****; Jorge Manuel Franco Marques*****; Maria Gorete Mendonça dos Reis******
* MSC., Enfermagem de Reabilitação, Enfermeira Especialista em Reabilitação, Centro Hospitalar Universitário do Algarve, 8000-386, Faro, Portugal [alexandramariasilvaferreira@gmail.com]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica, participação em experimentação, recolha de dados, análise de dados e discussão, escrita do artigo. Morada para correspondência: Rua Jaques de Oliveira Neves, lote 2, nº 22, 8600-373, Lagos, Portugal.
** MsC., Enfermeira, Centro Hospitalar Universitário do Algarve, 8000-386, Faro, Portugal [pierdevara@hotmail.com]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica, participação em experimentação, recolha de dados, análise de dados e discussão, escrita artigo, tratamento e avaliação estatística.
*** MsC., Enfermeira, Centro Hospitalar Universitário do Algarve, 8000-386, Faro, Portugal [ines.mr.ventura@gmail.com]. Contribuição no artigo: participação em experimentação, recolha de dados, análise de dados.
**** MsC., Gestora do Programa de Segurança do Doente do CHUA, Centro Hospitalar Universitário do Algarve, 8000-386, Faro, Portugal [gracias.amelia@gmail.com]. Contribuição no artigo: análise de dados e discussão, participação em experimentação.
***** RN., Enfermeiro Especialista em Reabilitação, Centro Hospitalar Universitário do Algarve, 8000-386, Faro, Portugal [jorgemanuelfrancomarques@gmail.com]. Contribuição no artigo: análise de dados e discussão, participação em experimentação.
****** Ph.D., Professor Coordenador, Universidade de Évora, 7005-869, Évora, Portugal [greis@uevora.pt]. Contribuição no artigo: análise de dados e discussão, participação em experimentação.
RESUMO
Enquadramento: A introdução de novas ferramentas, validadas e adaptadas para o contexto português para triagem precoce da disfagia, assumem um caráter quase imperativo para a segurança do doente internado. A Gugging Swallowing Screen (GUSS) permite avaliar com precisão o compromisso da deglutição, distinguir o grau de severidade da disfagia e recomendar intervenções específicas.
Objetivo: Traduzir e adaptar para o contexto português a escala GUSS em doentes agudos e avaliar as suas propriedades psicométricas.
Metodologia: Estudo metodológico de tradução e avaliação das propriedades psicométricas da GUSS numa amostra de 174 doentes agudos. Realizou-se a análise da consistência interna, a concordância interobservadores, sensibilidade e especificidade, através da curva de Receiver Operating Characteristic (ROC).
Resultados: A escala apresentou consistência interna de 0,80 na fase direta e de 0,82 na fase indireta. A concordância interobservadores variou entre 0,818 e 0,905. A sensibilidade foi de 100% e especificidade de 43% e 56% (para ponto corte 13,50 e 4,50).
Conclusão: A GUSS versão portuguesa demonstrou propriedades psicométricas excelentes, podendo ser aplicada a doentes em fase aguda da doença.
Palavras-chave: deglutição; disfagia; avaliação não-invasiva; enfermagem; escala
ABSTRACT
Background: The use of new tools for early screening of dysphagia, which are validated and adapted to the Portuguese context, is imperative for the safety of inpatients. The Gugging Swallowing Screen (GUSS) allows for the accurate assessment of swallowing disorders, the identification of dysphagia severity, and the recommendation of specific interventions.
Objective: To translate and adapt the GUSS to the Portuguese context in acute patients and assess its psychometric properties.
Methodology: Methodological study of translation and assessment of the psychometric properties of the GUSS using a sample of 174 acute patients. Internal consistency was analyzed, as well as interrater agreement, sensitivity, and specificity based on the Receiver Operating Characteristic (ROC) curve.
Results: Internal consistency was 0.80 in the direct phase and 0.82 in the indirect phase, interrater agreement ranged from 0.818 to 0.905, sensitivity was 100%, and specificity was 43% and 56% (cutoff at 13.5 and 4.5).
Conclusion: The Portuguese version of the GUSS proved to have excellent psychometric properties and can be applied to patients at the acute stage of disease.
Keywords: deglutition; dysphagia; non-invasive evaluation; nursing; scale
RESUMEN
Marco contextual: La introducción de nuevas herramientas, validadas y adaptadas al contexto portugués para la detección precoz de la disfagia asume un carácter casi imperativo para la seguridad del paciente hospitalizado. La Gugging Swallowing Screen (GUSS) permite evaluar con precisión el problema de la deglución, distinguir el grado de severidad de la disfagia y recomendar intervenciones específicas.
Objetivo: Traducir y adaptar al contexto portugués la escala GUSS en pacientes en fase aguda y evaluar sus propiedades psicométricas.
Metodología: Estudio metodológico de traducción y evaluación de las propiedades psicométricas de la GUSS en una muestra de 174 pacientes en fase aguda. Se realizó el análisis de la consistencia interna, la concordancia interobservadores, la sensibilidad y especificidad a través de la curva de Receiver Operating Characteristic (ROC).
Resultados: La escala presentó consistencia interna de 0,80 en la fase direta y de 0,82 en la fase indirecta. La concordancia interobservadores varió entre 0,818 y 0,905. La sensibilidad fue del 100% y la especificidad del 43% y 56% (para el punto corte 13,50 y 4,50).
Conclusión: La versión portuguesa de la GUSS demostró propiedades psicométricas excelentes, y se puede aplicar a los pacientes en la fase aguda de la enfermedad.
Palabras clave: deglución; disfagia; evaluación no invasiva; enfermería; escala
Introdução
O distúrbio de deglutição/disfagia é considerado um sintoma relacionado com qualquer alteração no ato de deglutir que dificulta ou impede a ingestão oral segura, eficiente e confortável no doente e pode ocorrer em diferentes faixas etárias, decorrente de variadas condições médicas e até psicológicas ou psíquicas (McFarland, 2008).
A evidência científica salienta que, segundo os métodos de avaliação utilizados, a incidência de disfagia pode variar entre 22% e 65%, e persistir durante alguns meses ou ressurgir no contexto de comorbilidades futuras (Cardoso et al., 2011; Dias, 2015).
Na área de prestação de cuidados de saúde, a identificação precoce dos doentes com esta alteração nem sempre é uma tarefa fácil e as manifestações mais relevantes desta alteração são as sequelas respiratórias.
A pneumonia de aspiração é uma das principais causas de morbilidade e mortalidade entre os idosos institucionalizados e está associada a elevados custos em cuidados de saúde. Park et al. (2013) considerou os esforços preventivos inerentes a esta situação uma prioridade. A sua incidência é mais elevada em idades extremas, ou seja, abaixo dos 2 anos e acima dos 60 anos de idade. No que se refere à pessoa idosa, esse risco aumenta seis vezes a partir dos 75 anos, comparando com as pessoas com idades abaixo dos 60 anos, sendo mais predominante no sexo masculino após os 70 anos de idade (Tanure, 2008). Nesta ótica, a idade tem sido considerada como um importante preditor dos distúrbios de deglutição, sendo por isso importante uma avaliação cada vez mais precoce.
Em Portugal, a magnitude desta problemática foi abordada por um grupo de investigadores ao realizar um estudo de identificação dos eventos adversos num serviço de medicina. Para além de terem verificado uma taxa de prevalência de pneumonia de aspiração de 6,67%, confirmaram que em quatro casos, a pneumonia de aspiração foi o dano que contribuiu para a morte do doente (Pierdevara & Eiras, 2016).
Nesta realidade, novos desafios emergem nos cuidados de saúde, com vista a garantir a segurança do doente e a qualidade dos cuidados. Na verdade, a maioria dos casos de distúrbios de deglutição são diagnosticados em ambiente hospitalar e para uma intervenção terapêutica, a videofluroscopia é considerada o padrão ouro como exame complementar de diagnóstico para avaliação de disfagia. Contudo, este exame tem as suas desvantagens, que se relacionam com o tempo de espera; complexidade da saída do doente do serviço de internamento; dificuldade do posicionamento e colaboração para efetuar o exame; o risco de aspiração e exposição a algum nível de radiação (Onofri, 2013). Ora, dado a estas condicionantes e à necessidade de se detetar precocemente os sinais de disfagia, a equipa de enfermagem ocupa um lugar de destaque nesta área de cuidados, porque está presente 24 horas por dia, e ao participar e supervisionar a alimentação e hidratação dos doentes, pode identificar rapidamente os sinais e sintomas relacionados com o distúrbio da deglutição (Santos, 2014).
Desta forma, destaca-se a importância da implementação de instrumentos de trabalho que permitam aos enfermeiros realizar uma avaliação da deglutição e implementar, atempadamente, intervenções específicas (Dias, 2015). O reconhecimento precoce dos distúrbios da deglutição e a sua monitorização podem trazer benefícios a todos os intervenientes no processo de reabilitação, e contribuir para a diminuição da taxa de morbilidade e mortalidade (Donovan et al., 2013).
Internacionalmente existem várias escalas que permitem avaliar a deglutição, contudo, para além de a sua maioria não estar validada e adaptada para o contexto português, são complexas e exaustivas. Nesta senda, torna-se pertinente a implementação de um instrumento validado e adaptado para o contexto português, e que permita uma avaliação fácil, rápida e sistemática da deglutição do doente numa fase aguda da doença. Após pesquisas com revisões de literatura, a escala que mais se adequava à população internada no serviço de medicina foi a escala Gugging Swallowing Screen (GUSS).
AbdelHamid e Abo-Hasseba (2017) e Bassiouny, Safinaz, Soliman, e Ahmed (2017), Trapl, Enderle, Teuschl, Dachenhausen, e Brainin (2007) defendem que a GUSS é um dos instrumentos mais eficientes na deteção e avaliação do grau de severidade da disfagia em doentes pós acidente vascular cerebral (AVC), porque além de permitir identificar a capacidade de ingestão oral, possibilita a alteração da alimentação diária do doente e a monitorização da sua evolução ao longo do tempo. Outra das suas vantagens é o facto de poder ser aplicada por qualquer profissional de saúde, pois não é necessário um domínio profundo sobre a mesma.
Assim, estabelecemos como objetivo desta investigação traduzir e adaptar para a população portuguesa a escala GUSS, aplicada a doentes em fase aguda da doença, e avaliar as propriedades psicométricas da mesma.
Enquadramento
A disfagia é considerada um problema frequente. De acordo com a World Gastroenterology Organization (2014), uma em cada sete pessoas apresenta alguma forma de disfagia ao longo da vida e pode ocorrer por diversas etiologias: situações neoplásicas, lesões obstrutivas, doenças neuromusculares, distúrbios metabólicos, doenças infecciosas, causas iatrogénicas, anormalidades anatómicas, idade avançada, entre outras (Jotz & Dornelles, 2012). Mourão, Almeida, Lemos, Vicente, e Teixeira (2016) defendem que nos doentes pós AVC, submetidos à avaliação fonoaudiológica, a incidência de disfagia nas primeiras 48 horas varia entre 43% e 50%. Da mesma forma, entre 30-40% dos idosos internados apresentam disfagia (World Gastroenterology Organization, 2014), sendo mais evidente nos doentes com infeções respiratórias. Em muitas situações a broncoaspiração é a causa principal das pneumonias de aspiração, uma vez que se associa ao aumento de secreções orais que conduzem à obstrução das vias respiratórias (Cordeiro & Menoita, 2012).
Vários autores referem que todas as alterações na deglutição podem ter impacto na saúde do indivíduo, tendo como consequência a pneumonia de aspiração, a desnutrição e a desidratação devido a alterações de hemoconcentração, medo e receio de beber e comer. Além disso, realçam-se as alterações emocionais associadas à privação social (Dias, 2015; Martins, 2016; Santos, 2014).
Neste contexto, a identificação precoce dos distúrbios da deglutição é fundamental. Para isso, a utilização de instrumentos para a avaliação da dinâmica da deglutição permite, de forma segura, adequar a dieta a cada pessoa. Uma das vantagens da avaliação da capacidade de deglutição de substâncias de diferentes consistências, traduz-se numa aproximação dos hábitos alimentares do quotidiano à pessoa (Cardoso et al., 2011).
Assim, para melhorar a qualidade dos cuidados de saúde e a segurança do doente, torna-se imprescindível utilizar, por parte dos enfermeiros, instrumentos válidos com altos níveis de sensibilidade e especificidade, de forma a identificar precocemente a presença de disfagia.
A GUSS é uma escala desenvolvida por Trapl et al. (2007) que, de forma rápida e não invasiva, permite identificar os distúrbios de deglutição. É um método simples (AbdelHamid & Abo-Hasseba, 2017; Bassiouny et al., 2017; John & Beger, 2015) que permite uma classificação graduada com avaliações separadas para alimentações líquidas e não líquidas, iniciando-se pelas texturas não líquidas.
Esta avaliação não só considera a fisiopatologia da ingestão voluntária mais diferenciada, como também proporciona aos pacientes continuarem a alimentar-se por via oral, consoante a consistência indicada.
A escala GUSS é uma ferramenta para o despiste do risco da disfagia, composta por duas fases: Fase 1 - avaliação preliminar/ avaliação indireta da deglutição; Fase 2 - avaliação direta da deglutição.
As avaliações devem ser realizadas sequencialmente, porque a pontuação da avaliação indireta é que permite realizar a direta.
A avaliação indireta é composta por três itens: vigília; tosse voluntária e/ou clearence; e deglutir a saliva. Estes subitens, pontuados como fisiológico (1 ponto) ou patológico (0 pontos). O somatório da pontuação vai de 1 (pior desempenho) a 5 (melhor desempenho). A máxima pontuação (5), permite passar para a avaliação direta. A avaliação direta é composta por quatro itens: deglutição; tosse involuntária; sialorreia; e alteração vocal. Estes subitens, são pontuados como fisiológico (1 ponto), ou patológico (0 pontos), com exceção do item deglutição, em que 0 pontos corresponde a não deglutir, 1 ponto a atraso da deglutição e com 2 pontos a deglutição sem alterações. Esta avaliação direta é constituída por três subtestes realizados sequencialmente, começando com a textura pastosa, seguida de líquida e por fim a sólida. Também o somatório da pontuação vai de 1 (pior desempenho) a 5 (melhor desempenho). A pontuação máxima (5), é pré-condição para passar a avaliação das diferentes texturas.
A pontuação obtida indica a severidade do risco da disfagia, pelo que permitirá ao enfermeiro implementar intervenções, que vão desde não fazer qualquer administração oral; adequar a dieta para ser administrada por via oral; providenciar suplemento nutricional; sinalizar para uma avaliação mais diferenciada e instrumental através da videofluoroscopia ou videoendoscopia.
A escala GUSS pode ser usada juntamente com outras escalas, e está a ser divulgada internacionalmente pela sua especificidade.
Questão de Investigação
A versão portuguesa da GUSS é válida para reconhecimento da presença do distúrbio de deglutição na população portuguesa?
Metodologia
O estudo foi desenvolvido em três fases. Na primeira fase foi efetuada a adaptação cultural e linguística para a língua portuguesa da GUSS. Na segunda fase foi realizado um teste preliminar com o objetivo de verificar a equivalência semântica da GUSS, de forma a identificar potenciais problemas para posterior ajuste. Na terceira fase foi efetuada a avaliação da fiabilidade e validade da versão portuguesa da GUSS em doentes idosos com doença aguda. Nesta fase foi desenvolvido um estudo transversal observacional e quantitativo em doentes agudos internados num serviço de medicina.
Inicialmente foi pedida autorização ao autor da escala para efetuar a tradução e validação da escala para a língua portuguesa, e à Comissão de Ética do Centro Hospitalar Universitário do Algarve (CHUA) para a realização do estudo, fazendo-se acompanhar do consentimento informado de todos os doentes incluídos.
A amostra foi constituída por 174 doentes internados num serviço de medicina do CHUA, tratando-se de doentes com patologias cardíacas, respiratórias, neurológicas e oncológicas.
Para inclusão no estudo foram considerados todos os doentes internados na fase aguda da doença. Como critérios de exclusão foram considerados os doentes com distúrbio de deglutição conhecido previamente.
Adaptação cultural
A tradução e adaptação cultural da GUSS para o português europeu realizou-se com base nos procedimentos internacionais propostos por Beaton et al. (citados por Vilelas, 2009), tendo-se desenvolvido em quatro etapas: tradução inicial, síntese das duas traduções, retroversão e painel de especialistas.
I. Etapa - O processo de tradução do instrumento iniciou-se com a realização de duas traduções da versão original da GUSS, para o português europeu. Para tal, escolheram-se dois tradutores independentes, bilíngues, cuja língua materna é o português, sendo que um enfermeiro conhecia a escala e outro não.
II. Etapa - Tendo em conta o instrumento original e as duas traduções, o terceiro investigador elaborou um relatório com uma versão final (síntese) das duas traduções, descrevendo as discrepâncias ocorridas. Posteriormente, em conjunto com uma professora doutorada em enfermagem, com experiência em investigação no processo de validação de escalas, realizou-se a reunião de consenso, que validou a versão síntese. Pelo facto da GUSS ser uma escala simples não houve discrepâncias significativas na tradução da escala por parte dos tradutores independentes.
III. Etapa - Por simplicidade da escala e de praticamente não haver divirgências nas traduções independentes, realizou-se retroversão da versão síntese da escala apenas por um tradutor bilíngue, cuja língua materna é o inglês. Este tradutor tem formação académica em saúde, porém não trabalha na área.
IV. Etapa - A escala síntese, após o consenso em português e a versão original em inglês foram analisadas e comparadas por um painel com seis especialistas com o objetivo de obter equivalência semântica, idiomática e conceptual para o português. O comité de especialistas foi composto por dois enfermeiros de um serviço de medicina de cuidados gerais, um especialista em reabilitação, um enfermeiro de emergência hospitalar, uma professora mestre com competências em gestão e outra professora doutora em enfermagem. Decorrente da análise pelo painel de especialistas, obteve-se a versão final da GUSS com um índice de concordância de 98%.
Seguidamente, para avaliar a compreensão e viabilidade da escala, a versão portuguesa preliminar foi apresentada à equipa de enfermagem do serviço, composta por 28 elementos de enfermagem, sem recorrer a nenhum critério de exclusão. Foi solicitada a opinião dos mesmos quanto à clareza do texto. As respostas e os comentários, facultativos, foram registados, indicando por cada um o seu nível de perceção: percebo muito bem, percebo bem, percebo mal ou percebo muito mal. A análise das respostas permitiu identificar que para todos estes elementos, a GUSS, versão portuguesa era bastante clara.
Posteriormente a escala foi aplicada em 174 doentes agudos internados no serviço de medicina.
A avaliação de fiabilidade da GUSS foi realizada ao mesmo indivíduo, por comparação dos resultados da sua aplicação por três enfermeiros distintos (um enfermeiro especialista em reabilitação e outros dois de cuidados gerais), em momentos distintos.
Para este efeito, a escala foi aplicada no mesmo doente nas três refeições principais do primeiro dia de internamento: pequeno-almoço, almoço e jantar. A GUSS foi inicialmente aplicada por uma enfermeira especialista em reabilitação e posteriormente pelas enfermeiras de cuidados gerais.
Os dados foram registados e trabalhados com o programa informático IBM SPSS Statistics for Windows, versão 22.0. A concordância interobservadores foi testada com recurso ao Kappa de Cohen. Para avaliar a consistência interna recorreu-se ao alfa de Cronbach. A sensibilidade e especificidade foram calculadas através da análise da curva de Receiver Operating Characteristic (ROC), sendo considerado o padrão ouro os dados do enfermeiro especialista.
Resultados
Na avaliação das propriedades psicométricas da escala GUSS versão portuguesa, no que se refere à consistência interna obteve-se um alfa de Cronbach de 0,80 na primeira fase (avaliação indireta da deglutição), e de 0,82 na segunda fase (avaliação direta da deglutição), o que se pode considerar excelente para uma escala.
Quanto à fiabilidade interobservadores foi realizada através da concordância entre três observadores: enfermeiro especialista de reabilitação (A), enfermeiro de cuidados gerais 1 (B) e enfermeiro de cuidados gerais 2 (C). Para o cálculo, constituiu-se 3 pares de concordância AB, BC e AC.
Os resultados de fiabilidade entre os três pares de avaliadores AB, BC e AC, medido com o índice kappa de Cohen com resultados de 0,905, 0,818 e 0,896, respetivamente, e com significância (p) inferior a 0,001, demonstraram assim uma excelente concordância (Tabela 1).
A sensibilidade e especificidade da escala GUSS versão portuguesa foram calculadas através da análise da curva ROC com vários pontos de corte (Tabela 2).
Relativamente à severidade do grau de disfagia, o ponto de corte 20 corresponde sem risco de disfagia; 18,50 disfagia ligeira; 13,50 disfagia moderada; 9 disfagia grave (doentes que passaram para a fase direta) e 4,50 com disfagia severa (doentes que não passaram na fase indireta).
A area under curve (AUC) sob a curva ROC foi de 0,987 para o enfermeiro generalista nº 1, e de 0,991 para o enfermeiro generalista nº 2, demonstrando uma excelente performance da escala aplicada (Figura 1).
Quanto à aplicação da escala, foi estudada numa amostra de 174 doentes, sendo 50,6% do sexo feminino e 49,4% do sexo masculino, com média de idade de 79,36 anos, desvio padrão de 10,4 e moda de 84 anos.
De acordo com os resultados obtidos, 52,87% dos doentes não apresentaram disfagia; 14,37% apresentaram disfagia ligeira; 17,24% disfagia moderada, e 15,52% disfagia grave.
Mais aferiu-se que 79,9% dos doentes se encontravam colaborantes, e do ponto de vista das patologias clínicas/problemas, 32,2% apresentava doença neurológica; 20,1% doença neuromuscular; 2,3% doença oncológica; 48,9% com comprometimento respiratório e 8,6% com comprometimento motor.
Discussão
O presente estudo diz respeito ao processo de tradução e adaptação cultural da escala GUSS para o contexto português, evidenciando a fidelidade e validade do referido instrumento. Em termos de léxico, na fase de tradução e adaptação para o português, a GUSS revelou-se uma escala simples, sem necessidade de alterações major relativamente a escala original. Esta realidade notou-se na consensualidade entre os tradutores, não havendo necessidade de substituir alguns termos por outros para obter a equivalência de conteúdo entre a versão portuguesa e a original. Também, o facto dos enfermeiros que participaram na avaliação da compreensão e viabilidade da escala afirmarem que a versão portuguesa da GUSS era bastante clara, permitiu-nos consolidar a nossa conclusão.
A análise da incidência da disfagia revelou uma taxa de 47,13% nas primeiras 48 horas de internamento, resultado inferior ao encontrado por Trapl et al. (2007), que identificaram uma taxa variável entre 42% e 67% nas primeiras 72 horas após AVC. Este valor é também inferior ao encontrado noutros estudos (AbdelHamid & Abo-Hasseba, 2017; Mourão et al., 2016) ao detetarem uma taxa variável entre 71,4% e 50% nas primeiras 72 horas após AVC.
Consideramos que os resultados deste estudo são inferiores porque a escala foi aplicada a todos os doentes internados com diversas comorbilidades, enquanto nos estudos anteriores referidos, a escala foi aplicada maioritariamente nos doentes com AVC.
No que diz respeito à avaliação das propriedades psicométricas da escala, a consistência interna avaliada através do alfa de Cronbach demonstrou ser excelente, sendo de 0,80 na fase de avaliação indireta e de 0,82 na fase de avaliação direta da deglutição. De realçar que a comparação destes dados com os dados de outros estudos não foi possível, uma vez que em nenhum deles se avaliou a consistência interna. De facto, esta realidade reflete-se devido à escassez de estudos publicados com validade e fiabilidade comprovada (Cardoso et al., 2011).
Além da consistência interna, foi avaliada a sensibilidade e especificidade da GUSS, assim como a concordância interobservadores.
A confiabilidade da GUSS revelou-se excelente quanto à concordância interobservadores, sendo o acordo entre os três observadores (κ = 0,905; κ = 0,818 e κ = 0,896). Outros estudos demonstraram resultados semelhantes aos nossos. No Egito, AbdelHamid & Abo-Hasseba (2017) obtiveram um exelente acordo entre os dois avaliadores (κ = 0,84; = κ 0,82). Na Áustria, Trapl et al. (2007) afirmam que alcançaram exelente concordância entre dois avaliadores (κ = 0,773; κ = 0,900), com o intervalo de confiança de 95% (p = 0,001).
No que se refere à sensibilidade, verificou-se um valor de 100% para todos os pontos de corte (18,50; 13,50; 9 e 4,50), com exceção do ponto de corte 20 por 95% no enfermeiro generalista nº 1 e 92% no enfermeiro generalista nº 2. Estes dados permitem-nos aferir que a escala identifica com segurança os doentes com risco. Relativamente à especificidade identificaram-se valores mais elevados para disfagia severa, nomeadamente com 68% para o ponto de corte 4,50, para ambos os enfermeiros generalistas, e 74% e 76% para o ponto de corte 9 para o enfermeiro generalista nº 1 e nº 2, respetivamente. A especificidade obtida para o ponto de corte 13,50 (disfagia de grau moderado) foi de 43% e 54% para enfermeiro generalista nº 1 e nº 2 respetivamente, com AUC de 0,987 e 0,991.
Esta realidade evidenciou uma performance excelente da escala GUSS. Warnecke et al. (2017) e Trapl et al. (2007) encontraram valores semelhantes ao nosso estudo no ponto de corte 14. O estudo de Warnecke et al. (2017) revelou 96,5% de sensibilidade, 55,8% especificidade e AUC = 0,76. Trapl et al. (2007) revelou 100% de sensibilidade, 69% especificidade e AUC = 0,93.
No entanto, Bassiouny et al. (2017) e AbdelHamid e Abo-Hasseba (2017) identificaram valores de sensibilidade de 93,7% e 93%, sendo muito próximos dos nossos resultados. Contudo os valores de especificidade foram superiores (92,5% e 83%). AbdelHamid e Abo-Hasseba (2017) demonstraram que a área abaixo da curva ROC foi de 0,92, o que significa que a GUSS apresenta boa capacidade preditiva na deteção do risco de disfagia.
É de salientar que todos os estudos que aplicaram esta escala avaliaram a sensibilidade e a especificidade apenas no ponto de corte 14, o que não nos permitiu a comparação em outros pontos de corte.
Pelo exposto, apesar de existir alguma discrepância nos valores de especificidade, a evidência científica, no que diz respeito às capacidades psicométricas da escala, está em concordância ao referir que a escala GUSS é uma ferramenta válida na identificação precoce das perturbações de deglutição, sendo potencialmente mais adequada relativamente a outras escalas de avaliação da disfagia. O facto de ser uma escala de aplicação simples e de curta duração permite uma triagem rápida de perturbações da deglutição. A rápida identificação da gravidade da disfagia ao permitir uma intervenção célere, individualizada e direcionada para as necessidades do doente, garante a sua segurança. Este estudo sugere que a introdução de novas ferramentas válidas e adaptadas ao contexto português para identificação precoce dos distúrbios de deglutição, nomeadamente a escala GUSS, podem prevenir atempadamente as potenciais complicações e sinalizar para a reabilitação através da reeducação da deglutição.
Como limitações do presente estudo, refere-se, não somente à escassez de produção científica relacionada com esta temática a nível internacional, o que dificultou a comparação dos dados com outras realidades, como também a maioria dos estudos existentes se concentraram apenas na aplicação da GUSS nos doentes que sofreram AVC, apesar da evidência científica é de salientar também que os distúrbios de deglutição são muito frequentes na população geriátrica.
Conclusão
Desta forma, o presente estudo permitiu-nos obter a primeira versão da escala GUSS validada para o contexto português. A escala GUSS demonstrou boa qualidade psicométrica, com excelente consistência interna e sensibilidade, bem como boa consistência e fiabilidade. Revelou-se um teste fácil, válido e fiável, para identificar, não invasivamente, os distúrbios de deglutição. A escala GUSS pode ser aplicada pelos enfermeiros generalistas, não carecendo de especialização nesta área. A triagem dos distúrbios de deglutição pode permitir a redução de complicações, nomeadamente a incidência de pneumonia de aspiração nos doentes em fase aguda, conduzir precocemente a intervenções de reabilitação e, consequentemente, contribuir para a qualidade de vida do doente.
Perante o exposto, podemos concluir que a tradução e adaptação da escala GUSS para o contexto português constitui um instrumento importante e fiável para o despiste rápido da disfagia no doente em fase aguda. Contudo, salientamos a necessidade da existência de mais estudos com aplicação desta escala, em outros contextos clínicos e com diversos grupos de doentes, que não apenas em doentes com AVC.
Referências bibliográficas
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Agradecimentos
Agradecemos aos autores da escala pela cedência da autorização para traduzirmos e validarmos a presente escala, aos tradutores que participaram nas etapas de tradução e retroversão, assim como aos enfermeiros do Serviço de Medicina de Lagos do CHUA que colaboraram na recolha dos dados.
Recebido para publicação em: 24.10.17
Aceite para publicação em: 08.01.18