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Revista de Enfermagem Referência
versão impressa ISSN 0874-0283
Rev. Enf. Ref. vol.serIV no.16 Coimbra mar. 2018
https://doi.org/10.12707/RIV17056
ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO
RESEARCH PAPER
Parto eutócico versus cesariana eletiva e o impacto no desenvolvimento de competências da criança
Vaginal delivery versus elective cesarean section and the impact on children's skill development
Parto eutócico frente a cesárea electiva e impacto en el desarrollo de las competencias del niño
Sílvia Manuela Leite Rodrigues*; Paulo Manuel Marques Silva**
* Ph.D., Enfermeira Especialista em Saúde Materna e Obstétrica, Hospital de Braga, 4710-243, Braga, Portugal. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica, recolha de dados, tratamento estatístico e discussão dos resultados. Morada para correspondência: Avenida D. João II, nº48, 3 direito, 4710-243, São Victor, Braga, Portugal.
** MsC., Enfermeiro, Hospital de Braga, 4710-243, Braga, Portugal. Contribuição no artigo: análise de dados e discussão dos resultados.
RESUMO
Enquadramento: A cesariana é associada a diferente desenvolvimento de competências na criança. Deste modo, o tipo de parto pode influenciar a saúde da criança.
Objetivos: Verificar se existem diferenças significativas entre os nascidos de parto eutócico e os nascidos de cesariana eletiva no desenvolvimento de competências aos 2 anos.
Metodologia: Estudo do tipo observacional e transversal. Amostra constituída por 400 díades. Utilizada a metodologia quantitativa, através da análise multivariada com o Generalized Linear Models no IBM SPSS Statistics, version 18.0.
Resultados: Os nascidos de cesariana apresentam menor índice de competências locomotoras mas entre os parâmetros normais para a idade. Apresentam um menor índice de competências manipulativas, visuais, de fala e linguagem e de autonomia pessoal comparativamente aos de parto eutócico. Nos índices de competências cognitivas, de audição e linguagem e de interação social não existem diferenças entre os grupos.
Conclusão: Verificam-se diferenças significativas entre o desenvolvimento de algumas competências aos 2 anos de idade entre os nascidos de cesariana eletiva e os nascidos de parto eutócico.
Palavras-chave: desenvolvimento infantil; parto
ABSTRACT
Background: Caesarean section is associated with different development outcomes in children. In this way, the type of delivery can influence the health of the child.
Objectives: To investigate the existence of differences in skill development up to the age of 2 between children who were born by vaginal delivery and those born by elective cesarean section.
Methodology: Observational and cross-sectional study with a sample composed of 400 dyads, using a quantitative methodology based on a multivariate analysis with Generalized Linear Models in IBM SPSS Statistics, version 18.0.
Results: Children born by cesarean delivery scored lower in the locomotor skill domain, but still within the normal parameters for their age. They also scored lower in the manipulative, visual, speech and language, and self-care skill domains than those born by vaginal delivery. No differences were found between groups in the cognitive, hearing and language, and interactive-social skills.
Conclusion: Significant differences were found in the development of some skills at 2 years of age between children born by elective cesarean section and those born by normal delivery.
Keywords: child development; parturition
RESUMEN
Marco contextual: La cesárea se asocia con el diferente desarrollo de las competencias en el niño. De este modo, el tipo de parto puede influir en la salud del mismo.
Objetivos: Comprobar si existen diferencias significativas entre los nacidos por parto eutócico y los nacidos por cesárea electiva en el desarrollo de las competencias a los 2 años.
Metodología: Estudio de tipo observacional y transversal. Muestra constituida por 400 díadas. Se utilizó la metodología cuantitativa, a través del análisis multivariado con el Generalized Linear Models en el IBM SPSS Statistics, versión 18.0.
Resultados: Los nacidos por cesárea presentan un menor índice de competencias locomotoras aunque se encuentran dentro de los parámetros normales para la edad. Asimismo, presentan un menor índice de competencias manipulativas, visuales, de habla y lenguaje, y de autonomía personal en comparación con los nacidos por parto eutócico. En los índices de competencias cognitivas, de audición y lenguaje, y de interacción social no existen diferencias entre los grupos.
Conclusión: Se observan diferencias significativas entre el desarrollo de algunas competencias a los 2 años de edad entre los nacidos por cesárea electiva y los nacidos por parto eutócico.
Palabras clave: desarrollo infantil; parto
Introdução
Nas últimas décadas, o fenómeno do aumento da taxa de cesarianas tem tomado uma proporção universal. Segundo Dobson (2001), a taxa de cesarianas aumentou de 16% em 1995 para 21,5% em 2000 em Inglaterra e no País de Gales. A Administração Regional de Saúde do Norte (2011) no relatório de atividades da ARS Norte deu conhecimento que a taxa foi de 30% em 2011 no norte do país, mas foi em 2010 que se atingiu a taxa de 36%. Por esta razão, Portugal é um dos países europeus com as maiores taxas de cesariana.
A World Health Organization (2015) afirma que, uma taxa de cesarianas superior a 10-15% não reduz a mortalidade materna nem neonatal, pelo que não existem justificações para taxas de cesarianas acima dos 15%. Para Khalaf et al. (2015) a cesariana está associada a menor desenvolvimento motor e cognitivo aos 9 meses. Por outro lado, Khadem e Khadivzadeh (2010) e Li, Ye, e Pei et al. (2011) não encontraram diferenças significativas nos coeficientes de inteligência (QI) entre os nascidos de parto vaginal e cesariana.
Contudo, “o parto eutócico é genericamente considerado como a forma de nascimento mais natural e com menos complicações e menor gravidade para a mulher e o feto de baixo risco” (Campos et al., 2010, p. 8).
O objetivo do estudo foi verificar se existiam diferenças significativas entre os nascidos de parto eutócico e os nascidos de cesariana eletiva no desenvolvimento de competências aos 2 anos de idade da criança.
Enquadramento
O desenvolvimento adequado de competências concorre para o bem-estar e saúde da criança. O tipo de parto surge associado ao desenvolvimento de competências. No que toca ao QI para Hohlweg-Majert, Goyert, e Schmitt (1979) num estudo conduzido na Alemanha, estes investigaram o desenvolvimento mental e o desenvolvimento motor nos nascidos de cesariana, parto instrumentado (com recurso a um instrumento para a extração do feto) e parto eutócico, e não verificaram diferenças. Por outro lado, Li, Ye, e Pei et al. (2011) num estudo realizado na China, demonstraram que os nascidos de cesariana, entre os 4 e os 6 anos de idade apresentavam um aumento no QI total e no QI verbal. Também Li, Ye, e Achenbach et al. (2011), acrescentam que os nascidos de cesariana a pedido das mães apresentam menor risco de psicopatologias comparativamente aos nascidos de parto eutócico ou parto instrumentado. Por outro lado, Kelmanson (2013) defende que os nascidos de cesariana apresentam mais distúrbios emocionais e problemas de sono na idade pré-escolar.
Hipóteses
H1: Os nascidos de cesariana apresentam um índice inferior de competências locomotoras aos 2 anos comparativamente aos nascidos de parto eutócico.
H2: Os nascidos de cesariana apresentam um índice inferior de competências manipulativas aos 2 anos comparativamente aos nascidos de parto eutócico.
H3: Os nascidos de cesariana apresentam um índice inferior de competências visuais aos 2 anos comparativamente aos nascidos de parto eutócico.
H4: Os nascidos de cesariana apresentam um índice inferior de competências de audição e linguagem aos 2 anos comparativamente aos nascidos de parto eutócico.
H5: Os nascidos de cesariana apresentam um índice inferior de competências de fala e linguagem aos 2 anos comparativamente aos nascidos de parto eutócico.
H6: Os nascidos de cesariana apresentam um índice inferior de competências de autonomia pessoal aos 2 anos comparativamente aos nascidos de parto eutócico.
H7: Os nascidos de cesariana apresentam um índice inferior de competências de interação social aos 2 anos comparativamente aos nascidos de parto eutócico.
H8: Os nascidos de cesariana apresentam um índice inferior de competências cognitivas aos 2 anos comparativamente aos nascidos de parto eutócico.
Metodologia
A amostra é constituída por 400 díades, mães e filhos que nasceram em 2011 num Hospital da região Norte de Portugal. Os critérios de inclusão são: recém-nascidos de parto eutócico e de cesariana eletiva, com idade gestacional igual ou superior a 37 semanas, com peso superior a 2.500 Kg ao nascimento e, gravidezes singulares. Os critérios de exclusão são: recém-nascidos de cesarianas emergentes e urgentes, malformações congénitas e gravidezes gemelares com anomalias cromossómicas.
A colheita de dados foi realizada em duas fases. Numa primeira fase, foram recolhidos dados dos processos das parturientes e respetivas crianças, tendo-se solicitado e obtido previamente autorização da instituição para a consulta dos processos aí arquivados. Os dados recolhidos nos processos das mães consistiam em características maternas como: idade, habilitações académicas, profissão, estado civil, índice de massa corporal, participação em aulas de preparação para o parto, gravidez planeada, paridade, ingestão de ácido fólico antes e durante a gravidez, hábitos tabágicos doenças ocorridas na presente gravidez (diabetes gestacional, hipertensão gestacional e pré-eclampsia) e tipo de parto anterior. Por outro lado, nos processos das crianças recolhemos a idade gestacional, género, o índice de Apgar, tipo de aleitamento na primeira mamada, peso ao nascimento e a necessidade de internamento imediato depois do nascimento na unidade de neonatologia.
Numa segunda fase, para um aprofundamento da recolha de dados, foi necessário realizar uma entrevista estruturada e fechada à mãe. O objetivo da entrevista foi recolher os dados relativos à duração da amamentação exclusiva, manutenção da amamentação até aos 2 anos, quais as patologias crónicas da criança até aos 2 anos de idade e quem era o cuidador principal da criança. Por fim, de acordo com Bellman, Lingam, e Aukett (2003), avaliámos as competências locomotoras, manipulativas, visuais, de audição e linguagem, de fala e linguagem, de interação social, autonomia pessoal e cognitivas aos 2 anos de idade das crianças, com base na “SGS II - Escala de avaliação das competências no desenvolvimento infantil II (0 a 5 anos)”. Para a avaliação das competências foi combinado previamente com as mães o dia mais adequado para a avaliação, uma vez que era necessária a presença da criança e material para a aplicação da escala. Posteriormente, as mães foram instruídas a utilizar o material e descrever o comportamento da criança aquando da realização da tarefa.
Utilizámos a análise multivariada, o Generalized Linear Models (GLM) no IBM SPSS Statistics, version 18.0. Foram realizadas oito regressões. Em cada uma das regressões a variável dependente foi uma das competências que nos propusemos a investigar. Cada uma das variáveis dependentes foi ajustada às variáveis independentes (características maternas, gravidez e da criança), com o objetivo de verificar se a variável independente tipo de parto na presença de outras variáveis independentes demonstrava impacto sobre a variável dependente. Dado o tamanho da amostra e cumpridos os pressupostos de normalidade e homocedasticidade estavam reunidas as condições para aplicarmos estas técnicas estatísticas. Durante o estudo, foram respeitadas as normas e as recomendações constantes da Declaração de Helsínquia (com as emendas de Tóquio 1975, Veneza 1983, Hong-Kong 1989, Somerset West 1996, Edimburgo 2000, Washington 2002, Tóquio 2004 e Seul 2008), da Diretiva 95/46/EC do Parlamento Europeu e do Conselho, das Diretrizes Sobre as Boas Práticas Clínicas da EMEA - Agência Europeia do Medicamento (Londres 2000), das Diretrizes Éticas Internacionais para a Pesquisa Envolvendo Seres Humanos da Organização Mundial de Saúde (Genebra 2002), das Diretrizes Éticas Internacionais para os Estudos Epidemiológicos do Conselho de Organizações Internacionais de Ciências Médicas (Genebra 2009) e da Resolução da Assembleia da República nº1/2001.
Resultados
Apresentação da amostra
A maioria das mulheres em ambos os grupos apresentava mais de 25 anos, não licenciadas, com profissões não científicas, casadas e com peso adequado, como se pode ver na Tabela 1. Esta apresenta a descrição da amostra através das características maternas em relação aos nascidos de parto eutócico e de cesariana eletiva.
A maioria das mulheres é multípara, planeou a gravidez e não fez preparação para o parto em ambos os grupos. No caso da ingestão de ácido fólico antes da gravidez, a maioria das mulheres com parto eutócico iniciou a ingestão antes da gravidez, ao contrário das mulheres submetidas a cesariana eletiva, mas em ambos os grupos a maioria das mulheres manteve a ingestão de ácido fólico durante a gravidez. Também nos dois grupos a maioria não apresentava hábitos tabágicos, hipertensão, diabetes gestacional e nem pré-eclampsia. No caso do tipo de parto anterior, a maioria das mulheres submetidas a cesariana eletiva apresentaram uma cesariana anterior, ao contrário das mulheres que experienciaram parto eutócico, que não tinham parto anterior, como se pode verificar na Tabela 2.
A maioria das crianças que nasceram de cesariana eletiva tinha menos de 39 semanas de gestação ao nascimento, ao contrário dos nascidos de parto eutócico, que apresentavam mais ou igual a 39 semanas. Também a maioria dos nascidos de cesariana eletiva eram do sexo masculino, enquanto os nascidos de parto eutócico eram predominantemente do sexo feminino. Em ambos os grupos, a maioria apresentava menos de 4,000 kg ao nascimento. Também a maioria nos dois grupos apresentou um Índice de Apgar ao quinto minuto entre 8-10. Da mesma forma, em ambos os grupos, a maioria não foi internada na unidade de neonatologia imediatamente após o parto. Assim como a maioria dos recém-nascidos dos dois grupos foi amamentada com leite materno na primeira mamada. A maioria dos nascidos de parto eutócico foi amamentada até aos 6 meses de idade, ao contrário dos nascidos de cesariana eletiva, que não foram amamentados até aos 6 meses de idade. Contudo, nenhum dos grupos manteve a amamentação até aos 2 anos de idade. A maioria das crianças nascidas de parto eutócico frequentaram a creche ou uma ama (exceto a mãe), enquanto a maioria dos nascidos de cesariana eletiva foi cuidada pela mãe. Em ambos os grupos, não foram diagnosticadas doenças crónicas nas crianças, como se pode ver na Tabela 3.
Para a análise inferencial dos dados, utilizámos o teste estatístico GLM, em que cada variável dependente (índice de competência) foi ajustada a todas as variáveis independentes recolhidas (características maternas, da gravidez e da criança). Contudo, a variável tipo de parto foi a única variável independente que demonstrou diferenças significativas sobre as variáveis dependentes (competências locomotoras, manipulativas, visuais, fala e linguagem e também autonomia pessoal). Quanto às variáveis dependentes (competências de audição e linguagem e cognitivas) nenhuma das variáveis independentes recolhidas demonstrou impacto em produzir diferenças significativas. Deste modo, os nascidos de cesariana eletiva manifestam menor índice de competências locomotoras comparativamente aos nascidos de parto eutócico embora dentro do expectável para a idade. No que toca ao índice de competências manipulativas, visuais e de fala e linguagem aos 2 anos, os nascidos de cesariana eletiva apresentam significativamente um menor índice de competências, mas ambos os grupos se encontram abaixo do esperado para a idade. Por fim, os nascidos de cesariana eletiva revelam menor índice de competências de autonomia pessoal e abaixo do expectável aos 2 anos, ao contrário dos nascidos de parto eutócico que se encontram dentro do expectável para a idade, como se pode ver na Tabela 4.
Discussão
No âmbito do desenvolvimento de competências locomotoras, manipulativas, visuais, fala e linguagem, audição e linguagem, interação social, autonomia pessoal e cognitivas, emergiu do nosso estudo que o índice de competências locomotoras aos 2 anos nos nascidos de parto eutócico foi de 11,47 (1,10), e nos nascidos de cesariana eletiva foi 10,61 (1,10). Após ajustamento com outras variáveis na análise multivariada, os nascidos de parto eutócico apresentam maior índice de competências locomotoras (p < 0,0001; 95% IC [0,286/0,866]) comparativamente aos nascidos de cesariana eletiva. Deste modo, os nascidos de cesariana eletiva apresentam um menor índice de competências locomotoras, mas dentro do expectável para a idade. Também o índice de competências manipulativas aos 2 anos nos nascidos de parto eutócico foi de 14,98 (1,01), e nos nascidos de cesariana eletiva foi 14,65 (1,31). O mesmo acontece no índice de competências visuais aos 2 anos nos nascidos de parto eutócico, que foi de 12,57 (0,77), enquanto nos nascidos de cesariana eletiva foi 12,24 (0,45). De igual forma, o índice de competências de fala e linguagem nos nascidos de parto eutócico foi 11,90 (1,03) e nos nascidos de cesariana eletiva foi 11,01 (1,01). Assim, após ajustamento com outras variáveis na análise multivariada, os nascidos de parto eutócico apresentam maior índice de competências, manipulativas (p = 0,010; 95% IC [0,162/1,204]), visuais (p < 0,0001; 95% IC [0,144/0,436]) e de fala e linguagem (p < 0,0001; 95% IC [0,465/0,999]) aos 2 anos, comparativamente com os nascidos de cesariana eletiva, pelo que os nascidos de cesariana eletiva apresentam um índice inferior, embora ambos os grupos se encontrem abaixo do esperado para a idade. Na realidade, não foram encontrados trabalhos que estabeleçam uma relação entre o tipo de parto e o desenvolvimento destas competências na infância.
De facto, para McBride et al. (1979) apenas foi encontrada relação entre o desenvolvimento de competências e o tipo de apresentação do feto. Os nascidos em apresentação pélvica apresentaram pior performance no equilíbrio, coordenação motora fina, acuidade visual e estrabismo, comparativamente aos nascidos em apresentação cefálica. Assim sendo, a variável tipo de parto não teve impacto no resultado.
No que concerne ao índice de competências de autonomia pessoal, nos nascidos de parto eutócico foi 11,72 (2,27) e nos nascidos de cesariana eletiva foi 10,63 (1,89). Após ajustamento a outras variáveis na análise multivariada, os nascidos de parto eutócico revelaram um índice de competências de autonomia pessoal significativamente superior comparativamente aos nascidos de cesariana eletiva (p = 0,010; 95% IC [0,107/0,286]). Por outro lado, os nascidos de cesariana eletiva para além de apresentarem um índice inferior, também se encontram abaixo do esperado para a idade. Da mesma forma, não encontrámos investigação prévia efetuada que convergisse ou mesmo divergisse com os nossos resultados.
No nosso estudo, o índice de competências cognitivas nos nascidos de parto eutócico foi de 17,84 (5,76), nos nascidos de cesariana eletiva foi 15,92 (5,76), mas quando ajustado a outras variáveis na análise multivariada, o índice de competência cognitivas nos nascidos de parto eutócico não é significativamente diferente comparativamente com os nascidos de cesariana eletiva (p = 0,414; 95% IC [0,839/2,035]). Por outro lado, em Li, Ye, e Pei et al. (2011) foi encontrada relação entre a cesariana e um aumento do QI e da linguagem das crianças entre os 4 e 6 anos, e os resultados continuaram significativos mas foram atenuados quando ajustados ao QI materno, habilitações, profissão, sexo e peso à nascença. Também Li, Ye, e Achenbach et al. (2011) afirmam que a probabilidade de problemas psicopatológicos pode ser menor nos nascidos de cesariana eletiva em relação aos nascidos de parto eutócico e parto distócico. No mesmo sentido Roemer, Rowland, e Nuamah (1991) acrescentam que as crianças em idade escolar que nasceram de parto vaginal com trabalhos de parto superiores a 12 horas apresentam QIs inferiores aos nascidos de parto vaginal com trabalhos de parto mais curtos. Também quando comparados com os nascidos de cesariana eletiva, estes apresentaram coeficientes significativamente inferiores, o que poderá sugerir que um trabalho de parto prolongado pode afetar o QI da criança.
Foi encontrada por Khadem e Khadivzadeh (2010) relação entre um maior QI das crianças e a cesariana. Contudo, a taxa de cesarianas era superior em mulheres com mais habilitações académicas, pelo que poderia associar-se que os superiores QIs nas crianças estavam relacionados com as habilitações académicas da mãe e não com o tipo de parto. Após o ajustamento a outras variáveis, as diferenças nos QIs entre os nascidos de cesariana eletiva e os nascidos de parto eutócico deixaram de ser estatisticamente significativas. Pelo contrário, na nossa amostra as habilitações académicas maternas não demonstraram diferenças estatisticamente significativas. Todavia, acrescentamos à análise multivariada as variáveis relacionadas com a amamentação, pois segundo Bernard et al. (2013) a duração da amamentação encontra-se associada a melhor desenvolvimento cognitivo e motor aos 2 e 3 anos.
Também Whyte et al. (2004) e Eide et al. (2005) compararam os nascidos de parto vaginal e de cesariana exclusivamente em apresentação pélvica. Whyte et al. (2004), compararam o neurodesenvolvimento dos nascidos de cesariana com os nascidos de parto eutócico em apresentação pélvica aos 2 anos de idade e demonstraram que os nascidos de cesariana eletiva apresentaram um atraso no neurodesenvolvimento. Numa outra abordagem, Eide et al. (2005) investigaram a performance intelectual aos 18 anos entre os nascidos de cesariana e os nascidos de parto vaginal, ambos em apresentação pélvica, e não encontraram benefício a nível intelectual nos nascidos de cesariana em apresentação pélvica. Assim, nem mesmo o excesso de riscos perinatais do parto vaginal na apresentação pélvica se refletiram na performance intelectual na idade adulta.
No nosso estudo, tivemos em conta o modo de apresentação do feto. Na nossa amostra, 11,3% representavam os fetos em apresentação pélvica e estes nasceram por cesariana eletiva, enquanto os fetos em apresentação cefálica nasceram de ambas as formas, 54,9% de parto eutócico e 33,8% de cesariana eletiva. Na nossa amostra, a apresentação pélvica diz respeito exclusivamente aos nascidos de cesariana eletiva, mas não constituem a maioria da amostra dos nascidos de cesariana eletiva. A maioria dos nascidos de cesariana eletiva e de parto eutócico encontravam-se em apresentação cefálica. Contudo, dadas as características da nossa amostra, não podemos retirar conclusões em função do modo de apresentação do feto. Por outro lado, os nascidos de cesariana eletiva não apresentam um índice de competências de interação social significativamente diferente comparativamente com os nascidos de parto eutócico (p = 0,176; 95% IC [-0,055/0,299]). Da mesma forma, os nascidos de parto eutócico não apresentam um índice de competências de audição e linguagem significativamente diferente comparativamente aos nascidos de cesariana eletiva (p = 0,374; 95% IC [-0,286/0,107]).
Ainda assim, a cesariana eletiva foi apontada como um fator protetor do desenvolvimento de encefalopatia neonatal, numa meta-análise realizada por Hankins, Clark, e Munn (2006). Porém, não foram encontradas evidências que esta seja protetora de lesão neurológica a longo prazo, como a paralisia cerebral com ou sem atraso mental e ou distúrbios convulsivos. Neste caso, a nossa investigação teve em conta o Índice de Apgar e o internamento imediato na unidade de cuidados intensivos de neonatologia. Todavia, após a análise inferencial dos dados verificámos que não existiam diferenças quanto ao Índice de Apgar e o internamento imediato nos dois grupos, pelo que não podemos concluir que a cesariana eletiva seja um fator protetor do desenvolvimento de encefalopatia neonatal.
Em resumo, no nosso estudo os nascidos de cesariana apresentam menor índice de competências locomotoras aos 2 anos, comparativamente aos nascidos de parto eutócico, contudo encontram-se entre os parâmetros normais para a idade. No âmbito das competências manipulativas, visuais e de fala e linguagem também apresentam um menor índice de competências aos 2 anos comparativamente aos nascidos de parto eutócico, mas por outro lado ambos os grupos encontram-se abaixo do expectável para a idade. No que diz respeito ao índice de competências de autonomia pessoal, os nascidos de cesariana eletiva revelam um índice significativamente inferior e abaixo do esperado para a idade, por outro lado, os nascidos de parto eutócico apresentam um índice dentro do esperado para a idade. Quanto ao índice de competências cognitivas, de audição e linguagem e de interação social, não é significativamente diferente nos nascidos de cesariana eletiva comparativamente aos nascidos de parto eutócico.
Os nossos resultados indicam algumas diferenças no desenvolvimento de competências entre os nascidos de cesariana eletiva comparativamente aos nascidos de parto eutócico, assim como acrescenta conhecimento em algumas competências que ainda não haviam sido investigadas. Por outro lado, o nosso estudo apresenta limitações, a primeira deve-se ao facto de não se terem determinado se as duas amostras eram homogéneas nas variáveis questionadas, a segunda refere-se à ausência de dados sobre o período pré-natal e a terceira à possibilidade de que outras variáveis poderiam ter sido acrescentadas nos 2 primeiros anos de vida. Deste modo, os resultados vão ao encontro da premissa defendida a nível internacional de que a taxa de cesarianas deve ser reduzida e consequentemente evitadas as cesarianas desnecessárias. Nesse sentido, o presente trabalho corrobora a necessidade de manter e difundir as medidas implementadas a nível nacional e internacional, e recriar novas formas de atuação para a redução da taxa de cesarianas desnecessárias, com vista ao superior interesse da criança. Contudo, é necessário aprofundar a investigação quanto ao desenvolvimento de competências na criança, acrescentar à investigação a colheita de espécimes da criança e progenitores e aplicar outos instrumentos de avaliação.
Conclusão
No que concerne ao desenvolvimento de competências, os nascidos de cesariana eletiva manifestam menor índice de competências locomotoras comparativamente aos nascidos de parto eutócico, embora dentro do expectável para a idade. No que toca ao índice de competências manipulativas, visuais e de fala e linguagem aos 2 anos, os nascidos de cesariana eletiva apresentam significativamente um menor índice de competências, mas ambos os grupos encontram-se abaixo do esperado para a idade. Por fim, os nascidos de cesariana eletiva revelam menor índice de competências de autonomia pessoal e abaixo do expectável aos 2 anos, ao contrário dos nascidos de parto eutócico que se encontram dentro do expectável para a idade. Na realidade, não encontrámos estudos que corroborassem as nossas evidências.
Em suma, consideramos que mais estratégias devem ser desenvolvidas no âmbito da saúde infantil e inseridas na conceção globalizante de educação para a saúde. Portanto, vislumbramos uma oportunidade de investigação na construção e implementação de programas de educação para a saúde com o objetivo de desenvolver as competências da criança e de apoiar os pais no desenvolvimento de competências da criança.
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Recebido para publicação em: 19.06.17
Aceite para publicação em: 23.10.17