SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.serIV número17Autoavaliação da intensidade da dor: correlação entre crianças, pais e enfermeirosConsulta de enfermagem e controlo de fatores de risco cardiovasculares na pessoa após síndrome coronária aguda índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Revista de Enfermagem Referência

versão impressa ISSN 0874-0283

Rev. Enf. Ref. vol.serIV no.17 Coimbra jun. 2018

https://doi.org/10.12707/RIV17082 

ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO

RESEARCH PAPER

 

Construção de um programa de imaginação guiada para doentes internados em unidades de cuidados paliativos

Development of a guided imagery program for patients admitted to palliative care units

Construcción de un programa de imaginación guiada para pacientes internados en unidades de cuidados paliativos

 

Adriana Coelho*; Vítor Parola**; Olga Fernandes***; Ana Querido****; João Apóstolo*****

* MSc., Doutoranda em Ciências de Enfermagem no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar. Assistente Convidada, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem, Portugal Centre for Evidence-Based Practice: A JBI Centre of Excellence, 3046-851, Coimbra, Portugal [adriananevescoelho@esenfc.pt]. Contribuição no artigo: desenho do estudo; planeamento da metodologia; recolha, tratamento e análise de dados; escrita do artigo.

** MSc., Doutorando em Ciências de Enfermagem no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar. Assistente Convidado, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem, Portugal Centre for Evidence-Based Practice: A JBI Centre of Excellence, 3046-851, Coimbra, Portugal [vitorparola@esenfc.pt]. Contribuição no artigo: planeamento da metodologia; desenho do estudo; revisão do artigo.

*** Ph.D., Professora Coordenadora, Membro do Grupo de Investigação-NurID: Inovação e Desenvolvimento em Enfermagem - CINTESIS - Center for Health Technology and Services Research – FMUP, Escola Superior de Enfermagem do Porto, 4200-072, Porto, Portugal [olgafernandes@esenf.pt]. Contribuição no artigo: planeamento da metodologia; desenho do estudo; acompanhamento metodológico; revisão do artigo.

**** Ph.D., Professora Adjunta, Escola Superior de Saúde – Instituto Politécnico de Leiria, 2411-901, Leiria, Portugal [ana.querido@ipleiria.pt]. Contribuição no artigo: acompanhamento metodológico; revisão do artigo.

***** Ph.D., Agregação, Professor Coordenador, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem, Portugal Centre for Evidence-Based Practice: A JBI Centre of Excellence, 3046-851, Coimbra, Portugal [apostolo@esenfc.pt]. Contribuição no artigo: planeamento da metodologia; desenho do estudo; acompanhamento metodológico; revisão do artigo.

 

RESUMO

Enquadramento: Uma das intervenções não farmacológicas cada vez mais implementada em diferentes contextos clínicos é a imaginação guiada (IG). Porém, não existem programas de intervenção de IG desenvolvidos e adaptados aos doentes admitidos em unidades de cuidados paliativos, o que impossibilita a sua implementação. Assim, emerge a necessidade de se desenvolver e validar um programa de IG.

Objetivo: Construir e validar um programa de IG.

Metodologia: Estudo descritivo, seguindo as diretrizes para desenvolvimento de intervenções complexas do Medical Research Council que consiste em 3 fases: identificação da evidência existente, identificação e/ou desenvolvimento de teoria, modelagem do processo e resultados.

Resultados: O processo de desenvolvimento resultou num programa composto por 2 sessões de IG a serem implementadas numa mesma semana. Resultados provisórios relativamente à implementação de uma sessão de IG sugerem que a intervenção é eficaz na melhoria do conforto.

Conclusão: O programa de IG demonstrou ter características ajustadas ao contexto e população-alvo. A eficácia do programa será provada num estudo quasi-experimental, a desenvolver.

Palavras-chave: cuidados paliativos; enfermagem; enfermagem de cuidados paliativos; imagens guiadas; projetos de pesquisa

 

ABSTRACT

Background: Guided imagery (GI) is being increasingly used as a non-pharmacological intervention in different clinical settings. However, GI intervention programs have not yet been developed and adapted to patients admitted to palliative care units, which impedes their implementation. Thus, the need emerges to develop and validate a GI program.

Objective: To develop and validate a GI program.

Methodology: A descriptive study was conducted following the guidelines of the Medical Research Council for the development of complex interventions in 3 phases: identifying the evidence base, identifying/developing appropriate theory, modelling process and outcomes.

Results: The development process resulted in a program consisting of 2 GI sessions to be implemented in the same week. Preliminary results on the implementation of a GI session suggest that the intervention is effective in increasing comfort.

Conclusion: The characteristics of the GI program proved to be adjusted to the context and target population. The effectiveness of the GI program will be tested in a quasi-experimental study.

Keywords: palliative care; nursing; palliative nursing; guided imagery; research design

 

RESUMEN

Marco contextual: Una de las intervenciones no farmacológicas que se implementan cada vez más en diferentes contextos clínicos es la imaginación guiada (IG). Sin embargo, no existen programas de intervención de IG desarrollados y adaptados a los pacientes admitidos en unidades de cuidados paliativos, lo que imposibilita su implementación. De este modo, surge la necesidad de desarrollar y validar un programa de IG.

Objetivo: Construir y validar un programa de IG.

Metodología: Estudio descriptivo, que sigue las directrices para el desarrollo de intervenciones complejas del Medical Research Council, que consiste en 3 fases: identificación de las pruebas existentes, identificación y/o desarrollo de la teoría, modelado del proceso.

Resultados: El proceso de desarrollo dio lugar a un programa compuesto por 2 sesiones de IG para implementarse en una misma semana. Los resultados provisionales de la implementación de una sesión de IG sugieren que la intervención es eficaz en la mejora del confort.

Conclusión: El programa de IG demostró que tiene características ajustadas al contexto y la población objetivo. La eficacia del programa se probará en un estudio cuasiexperimental que se desarrollará más adelante.

Palabras clave: cuidados paliativos; enfermería; enfermería de cuidados paliativos; imagenes guiadas; proyectos de investigación

 

Introdução

O aumento da esperança média de vida e o incremento das doenças crónicas e progressivas têm tido um impacto crescente na organização dos sistemas de saúde e na necessidade de unidades de cuidados paliativos (UCP; Comissão Nacional de Cuidados Paliativos, 2016). Segundo a World Health Organization (2002), os cuidados paliativos (CP) são cuidados que visam melhorar a qualidade de vida dos doentes e das suas famílias, que enfrentam problemas decorrentes de uma doença incurável e/ou grave e com prognóstico limitado, através da prevenção e alívio do sofrimento. São cuidados de saúde ativos, rigorosos e totais, onde as medidas terapêuticas agressivas dão lugar a cuidados intensivos de conforto.

O conforto, objetivo dos CP e do processo de cuidados de enfermagem, é definido por Kolcaba (1995) como uma condição em que estão satisfeitas as necessidades básicas, relativamente aos estados de alívio, tranquilidade e transcendência, as quais se desenvolvem em quatro contextos: físico, sociocultural, psicoespiritual e ambiental.

Para este fim, no âmbito dos CP, intervenções não farmacológicas têm vindo a ser cada vez mais desenvolvidas e implementadas, de forma independente, em complementaridade com outras abordagens terapêuticas, contribuindo para um aumento do conforto dos pacientes (Coelho, Parola, Cardoso, Escobar-Bravo, & Apóstolo, 2017).

Contudo, a necessidade de contratação de profissionais externos com formação específica, a falta de evidência científica respeitante à eficácia das intervenções (Osaka et al., 2009), e o dispêndio económico que a sua implementação implica para as instituições, são obstáculos à sua implementação (Olotu, Brown, Barner, & Lawson, 2014).

Uma das intervenções não farmacológicas cada vez mais implementada em diferentes contextos clínicos é a imaginação guiada (IG).

A IG é definida como um processo de uso intencional de imagens mentais e atributos sensoriais que são fruto da imaginação ou da memória, para conseguir um desejado objetivo terapêutico (Naparstek, 1994). O envolvimento da pessoa com as imagens mentais é de tal forma intenso, que o organismo tende a responder como se respondesse a uma experiência externa genuína, produzindo consequências psicofisiológicas profundas (Apóstolo, 2010; Hart, 2008). Trata-se de uma intervenção que pode ser implementada por enfermeiros, de aplicação simples e económica, e que requer pouco esforço para a pessoa doente.

A literatura sustenta que a intervenção com IG está relacionada com um aumento de conforto em mulheres com cancro de mama (Kolcaba & Fox, 1999), em doentes psiquiátricos (Apóstolo & Kolcaba, 2009), entre outros.

No âmbito dos CP, porém, uma scoping review realizada por Coelho et al. (2017), identificou a inexistência de estudos sobre o efeito da IG no conforto, o que limita claramente a sua implementação. À luz dos estudos supramencionados, os potenciais efeitos da IG no âmbito dos CP, não devem ser subvalorizados. Se se demonstrar que esta intervenção é eficaz neste contexto, a sua implementação pode traduzir-se num significativo aumento dos níveis de conforto de inúmeros doentes internados em UCP.

Deste modo, considerou-se relevante a construção e validação de um programa de IG, a ser aplicado a pessoas hospitalizadas em UCP. Foram assim seguidas as orientações e recomendações do Medical Research Council para o desenvolvimento de intervenções complexas (Craig et al., 2008). Este artigo pretende descrever as diferentes fases subjacentes a este processo.

 

Enquadramento

Não tendo sido construído até ao momento nenhum programa de IG adaptado ao contexto dos CP (Coelho et al., 2017), de forma a responder ao desafio referido anteriormente, pretende-se construir e validar um programa de IG direcionado para pessoas internadas em UCP.

O método proposto pelo Medical Research Council refere que as intervenções complexas são caracterizadas por: um número significativo de componentes em interação; dificuldade subjacente aos comportamentos exigidos aos indivíduos que aplicam ou recebem a intervenção; número significativo de grupos ou níveis organizacionais alvos da intervenção; variabilidade ou dimensão dos resultados; e grau de flexibilidade ou adaptação da intervenção permitido (Craig et al., 2008). Quando aplicadas a um grupo de pessoas, as intervenções complexas produzem um ou vários resultados, com ganhos em saúde para essas pessoas.

O seu desenvolvimento deve basear-se na identificação da evidência existente; identificação e/ou desenvolvimento de teoria; e na modelagem do processo e resultados (Craig et al., 2008).

 

Questão de investigação

Que validade apresenta o programa de IG a ser construído para os doentes internados em UCP?

 

Metodologia

Dada a natureza do objeto em estudo, desenvolveu-se um estudo descritivo, com recurso à metodologia mista, que aponta para as diferentes fases da construção e validação de um programa de IG, baseado nas formulações previamente descritas do Medical Research Council (Craig et al., 2008).

Fase I - Identificação da evidência existente

Esta fase consistiu na identificação da evidência existente sobre intervenções semelhantes e os métodos utilizados para avaliar as mesmas (Craig et al., 2008). Assim, foram identificados os pontos fortes e as limitações dos programas existentes, a partir das evidências emergentes dos estudos primários (Apóstolo & Kolcaba, 2009; Hosseini, Tirgari, Forouzi & Jahani, 2016; Kolcaba & Fox, 1999; Spiva et al., 2015) e revisões sistemáticas da literatura (Roffe, Schmidt, & Ernst, 2005; Van Kuiken, 2004), a partir das quais se constatou o potencial terapêutico da IG na promoção do conforto em diferentes áreas clínicas. Foi ainda realizada uma scoping review com o objetivo de mapear as intervenções não farmacológicas implementadas no contexto dos CP com o objetivo de proporcionar conforto. A realização desta scoping review revelou a inexistência de programas de IG adaptados ao contexto dos CP e forneceu informação relevante sobre outras intervenções complexas implementadas neste contexto, as suas características, as características da população-alvo, bem como sobre os métodos utilizados para avaliar as mesmas (Coelho et al., 2017).

Fase II - Identificação e desenvolvimento da teoria

Esta fase consistiu no desenvolvimento de uma compreensão teórica de evidências e teorias existentes, complementadas por uma investigação primária (Craig et al., 2008). Assim, foi analisada a literatura sobre IG, incluindo guiões sugeridos por autores de referência na área (Apóstolo, 2007), a literatura sobre conforto, incluindo a teoria do conforto de Kolcaba (1995) e realizado um estudo qualitativo de cariz fenomenológico (Coelho, Parola, Escobar-Bravo, & Apóstolo, 2016) com vista à compreensão das experiências de conforto e desconforto dos doentes internados em UCP.

Fase III – Modelagem do processo e resultados

Esta fase consistiu na modelagem progressiva do projeto de intervenção, antes de realizar uma avaliação em escala total, e foi constituída por três subfases (Craig et al., 2008): preliminar, teste de campo e conferência de consensos.

Preliminar

Nesta subfase, a análise da informação resultante das duas primeiras fases (identificação da evidência existente e identificação e desenvolvimento da teoria) suportou a primeira versão do guião de IG. Esta primeira versão foi alvo de avaliação por seis peritos (licenciados em enfermagem, mestres, doutorandos e doutorados nas áreas dos CP, conforto e IG), aos quais foram realizadas consultas preliminares. O processo de auscultação focou-se na aceitabilidade da primeira versão do guião de IG, a ser aplicado a pessoas hospitalizadas em UCP. Os peritos foram convidados a expressar a sua opinião relativamente à pertinência e viabilidade do desenvolvimento e implementação deste programa, a necessidade de serem promovidas intervenções de IG no contexto dos CP, as barreiras à sua implementação, bem como convidados a realizar sugestões que considerassem relevantes. Foi ainda administrado um questionário a cada perito com o intuito de recolher as suas opiniões relativamente à clareza das instruções bem como a sua adaptação à pessoa internada em UCP. As respostas foram baseadas numa escala do tipo Likert de 5 pontos, variando entre concordo muitíssimo e discordo muitíssimo e, com base nos dados recolhidos, foi realizada uma revisão do guião, da qual resultou uma segunda versão.

Teste de campo

Tendo em consideração que os dados recolhidos na subfase preliminar se encontravam circunscritos à experiência profissional e académica dos peritos, o que resultava numa análise meramente teórica do programa de IG, emergiu a necessidade de modelar o guião de intervenção ao contexto prático. Assim, foi realizada uma gravação piloto da segunda versão do guião de IG, com o objetivo de otimizar o conteúdo do mesmo, ajustar a fluência do discurso e o tempo que medeia cada indicação relativamente aos exercícios respiratórios, relaxamento muscular e construção de imagens mentais, bem como validar a adequação da intervenção à população-alvo através de um teste de campo. Esta segunda versão foi áudio-gravada e, posteriormente, testada em dois enfermeiros que desempenhavam funções na UCP há mais de 1 ano e que aceitaram, de forma livre, esclarecida e voluntária, participar no estudo, e em dois doentes internados na UCP que cumpriam os critérios de inclusão e de exclusão descritos na Tabela 1.

As sessões com os participantes enfermeiros foram implementadas numa sala privada da UCP. As sessões com os participantes doentes foram implementadas no quarto de cada um dos doentes. Todas as sessões foram implementadas pela investigadora principal, com uma duração de 13 minutos.

Após o teste de campo, foi administrado aos participantes um questionário desenvolvido e previamente utilizado por Apóstolo (2007), num estudo de natureza semelhante, sobre os seguintes tópicos: qualidade da gravação, voz, som, e música de fundo; clareza das instruções relativas à respiração e ao relaxamento; tempo do relaxamento; capacidade relaxante; facilidade no acompanhamento das imagens mentais; e ainda o tempo dado para a criação e visualização de cada imagem. As respostas foram baseadas numa escala do tipo Likert de 5 pontos, variando entre concordo muitíssimo e discordo muitíssimo.

Além disso, aos participantes doentes, foi ainda administrado uma Escala Visual Analógica de Conforto (EVA), bem como recolhidos dados qualitativos relevantes.

Com base nos dados obtidos, procedeu-se à realização da 3ª versão do guião de IG.

Conferência de consensos

Por último, a estratégia de conferência de consensos foi aplicada, na qual as diferentes versões do roteiro GI, os resultados quantitativos e qualitativos dos testes de campo, e todos os comentários e sugestões foram submetidos a um painel de especialistas para análise e discussão. Foram confrontadas as diferentes versões obtidas até à data, tendo sido debatidas as alterações significativas e potenciais forças e limitações do programa, concluindo assim este processo.

Ao longo das diferentes fases, e no que respeita aos princípios éticos e legais, é de realçar a existência de autorização para realização da investigação pela Comissão de Ética do Hospital Arcebispo João Crisóstomo de Cantanhede (08/02/2017), tendo-se desenvolvido todos os procedimentos no respeito pelo anonimato, confidencialidade e consentimento livre e esclarecido dos participantes.

 

Resultados

De seguida, serão apresentados os resultados obtidos em cada fase metodológica, salientando os diferentes contributos obtidos para a análise e reformulação do programa.

Da análise da informação proveniente das Fases I (Identificação da evidência existente) e II (Identificação e desenvolvimento da teoria), resultou a primeira versão do programa de IG. O programa de intervenção contemplará, então, duas sessões de IG que, devido à instabilidade e fragilidade clínica, serão implementadas na mesma semana.

O conteúdo do guião encontra-se estruturado em três secções principais: (1) Indicações gerais que incluem o nome da técnica e instruções sobre a atitude e postura a adotar; (2) Exercícios respiratórios e de relaxamento muscular no sentido de eliminar alguma tensão existente. Assim, sugere-se a realização de inspirações e expirações lentas e profundas, acompanhadas do relaxamento da cabeça, face, pálpebras, lábios, dorso, abdómen, pernas e pés. Seguindo essas indicações, os participantes entram num estado de relaxamento mais profundo, sendo aconselhada a adoção de uma posição confortável e libertação da sua mente de pensamentos negativos; (3) Visualização de um conjunto sequenciado de imagens mentais. Com o objetivo de conduzir as pessoas a conceber imagens mentais tranquilizantes e confortantes, os pressupostos que orientaram a construção do guião fundamentaram-se, sobretudo, na imaginação positiva. Assim, as imagens mentais incluem um lugar (real ou imaginário) especial para a pessoa doente, tranquilo e confortável, potenciador de segurança e de liberdade. Os doentes são convidados a elaborar um conjunto sequenciado de imagens mentais, sendo evocados cenários naturais nos quais se podem mover, concentrando-se, particularmente, no conteúdo sensorial destes cenários através da visão, audição, olfato e tato. Com efeito, os resultados do estudo fenomenológico realizado na Fase II (Coelho et al., 2016) sugerem que a inexistência de um espaço verde fora da UCP, destinado aos pacientes, pode criar uma sensação de desconforto ao privá-los da sua liberdade.

Atendendo a que vários autores consideram importante a sugestão de um caminho que proporcione uma ligação do indivíduo ao seu eu interno, ou simplesmente para a pessoa caminhar no cenário, esta indicação foi incluída no guião (Payne, 2003; Samuels, 2003).

Assim, após os exercícios respiratórios e de relaxamento muscular, é sugerido ao doente que “imagine um lugar perfeito onde gostasse de estar neste momento”, “um lugar onde se sente confortável . . . um lugar que lhe transmite bem-estar, segurança e liberdade” para que possa escolher o lugar mais ajustado às suas preferências, são dadas as seguintes possibilidades: “Pode ser uma clareira na floresta . . . uma planície . . . um prado na montanha . . . ou um jardim cheio de flores”. Posteriormente, sugere-se que seja prestada atenção ao conteúdo sensorial do meio, com indicações como: “Pare agora um momento para escutar . . . o que consegue ouvir? Talvez possa ouvir o ligeiro chilrear dos pássaros . . . ou o restolhar das folhas das árvores”.

De seguida, é sugerido à pessoa que se mova deste lugar e que realize uma caminhada, durante a qual se sugere que imagine um encontro com alguém especial “Que pessoa gostaria de ver? Imagine . . . Sente-se calmamente com essa pessoa . . . Essa pessoa pode ouvi-lo (a) e ajudá-lo (a) a sentir-se melhor . . . O que gostaria de lhe dizer? Sinta-se livre para partilhar com essa pessoa o que quiser”.

Após ter vivido este encontro imaginário, o doente é convidado a ausentar-se do referido lugar e a trazer consigo o que sentiu de bom, abandonando o estado de relaxamento.

Por último, é sugerido ao doente que encare a UCP como um espaço onde existem profissionais que o podem ajudar a sentir-se confortável.

A Fase III (Modelagem) foi constituída por três subfases: preliminar, teste de campo e conferência de consensos.

Na subfase preliminar, os peritos consideraram a intervenção pertinente e viável, bem como consideraram a debilidade dos participantes como possível principal limitação à implementação da mesma. Por este motivo consideraram pertinente a realização de duas sessões de IG numa mesma semana.

Todos os peritos manifestaram opiniões muito ou muitíssimo concordantes relativamente a todas as questões, exceto relativamente à adaptação das instruções relativas à respiração e ao relaxamento da pessoa com doença avançada, sendo estes os aspetos onde é manifestado menor grau de concordância (Tabela 2).

Das sugestões dos peritos ressalta a necessidade de simplificar os exercícios respiratórios e de relaxamento, devido à “dificuldade por parte dos doentes em, devido à sua fragilidade e debilidade física, executarem as instruções relativas à respiração e relaxamento” (Perito n.º 2, janeiro, 2017), e pela “dificuldade que estes doentes têm em controlar a respiração” (Perito n.º 4, janeiro, 2017). Assim, estas instruções foram simplificadas, e instruções como “respire lenta e profundamente” foram substituídas por “inspire e expire calmamente”, “demore o tempo que precisar”, já que a palavra lentamente implica controlo sobre o ritmo da respiração.

Das sugestões dos peritos ressalta ainda que “A maioria das pessoas pode já ter perdido a funcionalidade e a capacidade de caminhar. Nesses casos, a referência à indicação “prepare-se para fazer uma caminhada”, sem o reforço da sensação de leveza do corpo e da imaginação de um corpo flutuante, pode ser indutora do confronto com a realidade da incapacidade e saída do estado de imaginação”, pelo que a referência “prepare-se para fazer uma caminhada”; “poderia ser reforçada com a imaginação de um corpo leve e flutuante.” (Perito n.º 5, janeiro, 2017). Atendendo a esta sugestão, previamente à instrução “imagine que vai fazer uma caminhada” foi sugerido ao doente que imaginasse “o seu corpo leve e a flutuar”.

Na subfase teste de campo, consistente com a apreciação feita anteriormente pelos peritos (subfase preliminar), tanto enfermeiros como os doentes internados na UCP consideraram que a implementação deste tipo de intervenções na UCP constituía uma mais-valia para doentes ao ser potencialmente promotora de conforto, e para enfermeiros, ao constituir uma intervenção de conforto. Os enfermeiros concordaram ainda com a implementação de duas sessões numa mesma semana.

Relativamente ao questionário aplicado, todos os participantes manifestaram opiniões muito ou muitíssimo concordantes relativamente a todas as questões, exceto relativamente ao tempo dedicado a cada imagem, sendo este o aspeto onde é manifestado menor grau de concordância já que apenas um participante (enfermeiro) se manifestou muito concordante (Tabela 3).

Foi ainda sugerido por todos os participantes que o guião não fosse áudio-gravado, para que as instruções e tempo que medeia cada indicação pudessem ser personalizadas e ajustadas a cada doente, bem como, pela possibilidade de repetir instruções caso houvesse necessidade, sem necessidade de retroceder na áudio-gravação.

Além disso, os enfermeiros participantes sugeriram que o mar poderia ser usado como uma imagem mental reconfortante, dado que, de acordo com sua experiência, alguns pacientes têm solicitado autorização para ir ver o mar, autorização que nem sempre pode ser concedida dada a debilidade clínica do paciente. De referir a preocupação dos peritos (subfase anterior) relativamente à fobia à água: “A referência aos sons poderia incluir o som da água de um ribeiro ao longe (o ser ribeiro e ao longe garante a proteção para a fobia da água/desconforto por medo de afogamento)” (Perito n.º 5, janeiro, 2017).

No que respeita à duração do programa, ainda que esta inicialmente tenha sido considerada como potencialmente excessiva por um dos peritos (subfase preliminar), constatou-se que, de acordo com os participantes desta subfase, esta opinião não prevalecia.

Relativamente à EVA administrada aos participantes doentes, ambos melhoraram o seu nível de conforto (EVA pré intervenção 3 e 4; EVA pós-intervenção 7 e 8, respetivamente), dos comentários qualitativos recolhidos, salientamos: “Esta foi a primeira vez em muito tempo, em que por alguns minutos, consegui deixar de pensar na morte” (participante n.º 2, fevereiro, 2017), “que bem me fez falar com a minha mãe . . . até sinto menos dores” (participante n.º 1, fevereiro, 2017). Tanto os dados quantitativos como os qualitativos revelam o potencial da intervenção. Ambos os doentes manifestaram interesse em repetir a sessão.

Durante a subfase conferência de consensos, que constituiu a fase final do processo de construção e validação do programa de IG, foram analisadas divergências e convergências encontradas ao longo das diferentes fases e subfases, destacando-se um aspeto que foi alvo de reflexão ponderada pelo grupo de investigação: as imagens mentais sugeridas relativas à água, praia e mar.

Ainda que inicialmente tenha sido considerada a não utilização da imagem mental relativa ao mar pela possível fobia à água e desconforto por medo de afogamento, constatou-se que de acordo com os enfermeiros participantes na subfase teste de campo, esta opinião não prevalecia, tendo-se verificado uma opinião contrária, já que os enfermeiros identificaram como potencial fragilidade do guião a indução de imagens mentais que não contemplavam ambientes potenciais de proporcionar um elevado nível de conforto para alguns doentes. Note-se que o estudo qualitativo (Fase II) mostrou que a falta de contacto com a natureza (árvores, flores, campo) levou a uma experiência de desconforto entre os pacientes internados na UCP.

Com base nestes resultados, procedeu-se à realização da 3ª versão do guião de IG que além de contemplar as alterações previamente descritas, no que concerne à terceira secção do guião (indução de um conjunto sequenciado de imagens mentais), cada participante selecionará, previamente à primeira sessão, qual o ambiente que lhe proporciona maior conforto (campo vs mar). Ambas as sessões serão acompanhadas de música relaxante, concordante com o ambiente selecionado.

Atendendo à sugestão realizada pelos participantes do estudo piloto, a intervenção não consistirá na audição de um guião áudio-gravado, mas sim na personalização da intervenção a cada participante. A velocidade e ritmo de cada indicação, e consequente duração de cada sessão, serão, portanto, ajustadas a cada doente. A intervenção será implementada pela investigadora principal (enfermeira).

 

Discussão

O aumento da esperança média de vida e o incremento das doenças crónicas requerem o desenvolvimento de intervenções complexas que culminem no conforto das pessoas doentes. Partindo da ausência de guiões de IG adaptados ao contexto dos CP, o guião de IG desenvolvido e validado emerge como um potencial contributo para a prática clínica e para ganhos em conforto nas pessoas hospitalizadas em UCP.

O processo realizado para o desenvolvimento e validação do guião de IG é recomendado pelo Medical Research Council (Craig et al., 2008) como forma de salvaguardar os investigadores de se defrontarem com limitações relacionadas com a aceitabilidade, conformidade, aplicabilidade da intervenção, permanência dos participantes e resultados aquém do esperado, as quais podem debilitar a avaliação da eficácia de uma intervenção.

O desenvolvimento deste programa, suportado em evidências previamente existentes, no desenvolvimento de novas evidências, na apreciação de peritos com formação na área e experiência reconhecida na implementação de intervenções terapêuticas, bem como o teste de campo realizado com doentes internados em UCP; indo além da vertente teórica e oferecendo às próprias pessoas doentes a oportunidade de expressarem a sua opinião, permitiu o desenvolvimento de um programa ajustado, adaptado e adequado às necessidades de conforto dos doentes internados em UCP.

A opinião consensual de peritos, enfermeiros e doentes internados na UCP, acerca da relevância da intervenção, a avaliação quantitativa e qualitativa realizada durante a fase de teste de campo e os resultados obtidos, fornecem a indicação da provável eficácia da intervenção a nível do conforto.

Estes dados são congruentes com resultados evidenciados na literatura que revelam o potencial de eficácia da IG no conforto, muito embora tenham sido obtidos em outras áreas clínicas.

Não obstante, e ainda que a implementação das orientações para o desenvolvimento de intervenções complexas proposto pelo Medical Research Council represente uma boa prática na investigação clínica, este processo não garante a eficácia da intervenção, pelo que, e tal como propõe o Medical Research Council (Craig et al., 2008), é agora necessário realizar a avaliação do programa de intervenção a uma escala maior de forma a avaliar os seus reais contributos ao nível do conforto nos doentes internados em UCP.

 

Conclusão

Com base nas diretrizes do Medical Research Council resultou um programa adaptado às necessidades de conforto dos doentes internados em UCP, composto por duas sessões de imaginação guiada a serem implementadas numa mesma semana.

Cada sessão foi constituída por um processo de relaxamento e indução de imagens mentais, acompanhado por música.

A validade do programa encontra-se suportada na opinião consensual de peritos, enfermeiros e doentes internados na UCP, acerca da relevância da intervenção, e na positiva avaliação, quantitativa e qualitativa, realizada durante a fase de teste de campo.

Este programa apresenta implicações para a prática e para a investigação, através da sua transferibilidade e possível utilização na prática clínica.

 

Referências bibliográficas

Apóstolo, J. L. (2007). O imaginário conduzido no conforto de doentes em contexto psiquiátrico (Tese de doutoramento). Universidade do Porto, Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar, Portugal.         [ Links ]

Apóstolo, J. L. (2010). O conforto pelas imagens mentais na depressão, ansiedade e stress. Coimbra, Portugal: Imprensa da Universidade de Coimbra/ Escola Superior de Enfermagem de Coimbra.         [ Links ]

Apóstolo, J. L., & Kolcaba, K. (2009). The effects of guided imagery on comfort, depression, anxiety, and stress of psychiatric inpatients with depressive disorders. Archives of Psychiatric Nursing, 23(6), 403-411. doi:10.1016/j.apnu.2008.12.003        [ Links ]

Coelho, A., Parola, V., Cardoso, D., Escobar-Bravo, M., & Apóstolo, J. (2017). Use of non-pharmacological interventions for comforting patients in palliative care: A scoping review. JBI Database of Systematic Reviews and Implementation Reports, 15(7), 1867-1904. doi:10.11124/JBISRIR-2016-003204        [ Links ]

Coelho, A., Parola, V., Escobar-Bravo, M., & Apóstolo, J. (2016). Comfort experience in palliative care: A phenomenological study. BMC Palliative Care, 15(1), 71-79. doi:10.1186/s12904-016-0145-0        [ Links ]

Comissão Nacional de Cuidados Paliativos. (2016). Plano Estratégico Para O Desenvolvimento Dos Cuidados Paliativos Biénio 2017-2018.         [ Links ]

Craig, P., Dieppe, P., Macintyre, S., Michie, S., Nazareth, I., & Petticrew, M. (2008). Developing and evaluating complex interventions: The new medical research council guidance. BMJ, 337, a1655. doi:10.1136/bmj.a1655        [ Links ]

Hart, J. (2008). Guided imagery. Alternative and Complementary Therapies, 14(6), 295-299. doi:10.1089/act.2008.14604        [ Links ]

Hosseini, M., Tirgari, B., Forouzi, M. A., & Jahani, Y. (2016). Guided imagery effects on chemotherapy induced nausea and vomiting in Iranian breast cancer patients. Complementary Therapies in Clinical Practice, 25, 8-12. doi:10.1016/j.ctcp.2016.07.002        [ Links ]

Kolcaba, K. Y. (1995). Comfort as process and product, merged in holistic-nursing art. Journal of Holistic Nursing, 13(2), 117-131. doi:10.1177/089801019501300203        [ Links ]

Kolcaba, K. Y., & Fox, C. (1999). The effects of guided imagery on comfort of women with early stage breast cancer undergoing radiation therapy. Oncology Nursing Forum, 26(1), 67-72.         [ Links ]

Naparstek, B. (1994). Staying well with guided imagery. New York, NY: Warner Books.         [ Links ]

Olotu, B. S., Brown, C. M., Barner, J. C., & Lawson, K. A. (2014). Factors associated with hospices' provision of complementary and alternative medicine. The American Journal of Hospice & Palliative Care, 31(4), 385-391. doi:10.1177/1049909113489873        [ Links ]

Osaka, I., Kurihara, Y., Tanaka, K., Nishizaki, H., Aoki, S., & Adachi, I. (2009). Attitudes toward and current practice of complementary and alternative medicine in Japanese palliative care units. Journal of Palliative Medicine, 12(3), 239-244. doi:10.1089/jpm.2008.0215        [ Links ]

Payne, R. A. (2003). Técnicas de relaxamento: Um guia prático para profissionais de saúde (2ª ed.). Loures, Portugal: Lusociência.         [ Links ]

Roffe, L., Schmidt, K., & Ernst, E. (2005). A systematic review of guided imagery as an adjuvant cancer therapy. Psycho-Oncology, 14(8), 607-617. doi:10.1002/pon.889        [ Links ]

Samuels, M. (2003). Healing with the mind's eye: Haw toy use guided imagery and visions to heal body, mind and spirit. New Jersey, NJ: John Wiley & Sons.         [ Links ]

Spiva, L., Hart, P. L., Gallagher, E., McVay, F., Garcia, M., Malley, K., … Smith, N. (2015). The effects of guided imagery on patients being weaned from mechanical ventilation. Evidence-Based Complementary and Alternative Medicine, 2015, 802865. doi:10.1155/2015/802865        [ Links ]

Van Kuiken, D. (2004). A meta-analysis of the effect of guided imagery practice on outcomes. Journal of Holistic Nursing, 22(2), 164-179. doi:10.1177/0898010104266066        [ Links ]

World Health Organization. (2002). National cancer control programmes: Policies & managerial guidelines (2ª ed.). Geneva, Switzerland: Autor.         [ Links ]

 

Agradecimentos

Os autores agradecem o apoio da Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem (UICISA: E), da Escola Superior de Enfermagem de Coimbra (ESEnfC).

 

Recebido para publicação em: 02.10.17

Aceite para publicação em: 08.03.18

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons