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Revista de Enfermagem Referência
versão impressa ISSN 0874-0283
Rev. Enf. Ref. vol.serIV no.18 Coimbra set. 2018
https://doi.org/10.12707/RIV18007
ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO
RESEARCH PAPER
Fatores de risco e proteção para o desenvolvimento de doenças crónicas em profissionais de enfermagem
Risk and protective factors for the development of chronic diseases in nurses
Factores de riesgo y protección para el desarrollo de enfermedades crónicas en profesionales de enfermería
Luciane Peter Grillo*
https://orcid.org/0000-0003-3096-5578
Nadine Rodrigues de Albuquerque**
Nathalia Corrêa Vieira***
Tatiana Mezadri****
https://orcid.org/0000-0001-7889-7936
Leo Lynce Valle de Lacerda*****
https://orcid.org/0000-0003-3662-4678
* Ph.D., Nutricionista, Universidade do Vale do Itajaí, 88302-202, Brasil [grillo@univali.br]. Contribuição no artigo: efetuou pesquisa bibliográfica, recolha de dados e elaboração prévia do artigo. Morada para correspondência: Rua Adolfo Sacani, 36 apto, 502, 89253-075, Jaraguá do Sul, Brasil.
** Bacharelato, Estudante de Nutrição, Universidade do Vale do Itajaí, 88302-202, Brasil [nah.nadinealbuquerque@hotmail.com]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica, recolha de dados e participação na elaboração prévia do artigo.
*** Bacharelato, Estudante de Nutrição, Universidade do Vale do Itajaí, 88302-202, Brasil [nathcvieiraa@gmail.com]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica, recolha de dados e participação na elaboração prévia do artigo.
**** Ph.D., Nutricionista, Universidade do Vale do Itajaí, 88302-202, Brasil [mezadri@univali.br]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica, análise de dados e discussão.
***** Ph.D., Oceanógrafo, Universidade do Vale do Itajaí, 88302-202, Brasil [leolynce@univali.br]. Contribuição no artigo: tratamento e avaliação estatística.
RESUMO
Enquadramento: Os profissionais de enfermagem, por terem longas jornadas de trabalho e exercerem as suas atividades em turnos, estão sujeitos a desenvolver doenças crónicas.
Objetivo: Identificar os fatores de risco e proteção para o desenvolvimento das doenças crónicas em profissionais de enfermagem, segundo os turnos de trabalho.
Metodologia: Aplicou-se um questionário composto por questões sociodemográficas e relativas a fatores de risco e proteção para as doenças crónicas não transmissíveis, em profissionais de enfermagem de um hospital universitário.
Resultados: Participaram no estudo 75 profissionais, com predominância do sexo feminino (86,7%) e estado civil casado/união de facto (56%), sendo que o índice de massa corporal dos profissionais do turno da noite era significativamente superior ao dos profissionais do turno diurno (p = 0,045). Em relação aos fatores de risco para doenças crónicas, verificou-se prevalência significativamente superior no turno da noite para a variável tabagismo (p = 0,034).
Conclusão: Os resultados poderão subsidiar o desenvolvimento de estratégias para a adesão de hábitos saudáveis, propiciando melhores condições de vida e trabalho aos enfermeiros.
Palavras-chave: promoção da saúde; doença crónica; enfermagem; fatores de risco; trabalho noturno
ABSTRACT
Background: Nurses are at risk of developing chronic diseases because of their long work hours and shift work.
Objective: To identify the risk and protective factors for the development of chronic diseases in nurses based on their work shifts.
Methodology: A questionnaire composed of sociodemographic questions and questions on risk and protective factors for the development of chronic noncommunicable diseases was applied to nurses working at a university hospital.
Results: The sample was composed of 75 professionals, mostly women (87%), married/cohabiting (56%). The night shift nurses body mass index was significantly higher than that of day shift nurses (p = 0.045). With regard to the risk factors for chronic diseases, a significantly higher prevalence of smokers was found in the night shift (p = 0.034).
Conclusion: The results can contribute to the development of strategies for improving the adherence to healthy habits and promoting better living and working conditions for nurses.
Keywords: health promotion; chronic disease; nursing; risk factors; night work
RESUMEN
Marco contextual: Los profesionales de enfermería, debido a que tienen largas jornadas de trabajo y ejercen sus actividades por turnos, están expuestos a desarrollar enfermedades crónicas.
Objetivo: Identificar los factores de riesgo y protección para el desarrollo de enfermedades crónicas en profesionales de enfermería, según los turnos de trabajo.
Metodología: Se aplicó un cuestionario compuesto por cuestiones sociodemográficas y relativas a los factores de riesgo y protección de las enfermedades crónicas no transmisibles en los profesionales de enfermería de un hospital universitario.
Resultados: En el estudio participaron 75 profesionales, con predominio del sexo femenino (86,7%) y estado civil casado/pareja de hecho (56%). El índice de masa corporal de los profesionales del turno de noche era significativamente superior al de los profesionales del turno de día (p = 0,045). En relación a los factores de riesgo de las enfermedades crónicas se verificó prevalencia significativamente superior en el turno de noche para la variable tabaquismo (p = 0,034).
Conclusión: Los resultados pueden servir para desarrollar estrategias de adhesión de hábitos saludables, lo que favorece las condiciones de vida y trabajo de los enfermeros.
Palabras clave: promoción de la salud; enfermedad crónica; enfermería; factores de riesgo; trabajo nocturno
Introdução
As doenças crónicas não transmissíveis são um dos grandes desafios à saúde pública do século XXI que os países enfrentam, incluindo os de baixos e médios rendimentos, gerando impactos económicos e sociais negativos (World Health Organization [WHO], 2014). Este grupo de doenças, que engloba as cardiovasculares, cancro, diabetes e doenças respiratórias crónicas, é a principal causa global de morte, responsável por 70% dos casos no mundo e 73% no Brasil, correspondendo a 928.000 casos (WHO, 2017). Estas doenças apresentam fatores de risco modificáveis, como o tabagismo, a alimentação não saudável, o sedentarismo e o consumo excessivo de álcool, que por sua vez podem levar ao excesso de peso e à obesidade, pressão arterial e colesterol elevados e, finalmente, à doença.
O trabalho por turnos tornou-se mais frequente com a Revolução Industrial e com a descoberta da luz artificial, permitindo o prolongar das atividades, inclusivamente para o período noturno. Com a globalização da economia e jornadas laborais ininterruptas de 24 horas, o trabalho por turnos tornou-se fundamental. Existem diferentes classes trabalhadoras que exercem as suas atividades profissionais num esquema de turnos. De entre essas, destacam-se os trabalhadores da área da saúde, como os profissionais de enfermagem. No Brasil, estes profissionais, em especial os que trabalham em instituições hospitalares, exercem longas jornadas de trabalho, estão expostos a condições de trabalho precárias o que “tem acarretado inúmeras consequências, como os acidentes e as doenças relacionadas ao serviço. Este fato deve-se a uma gama de fatores, entre os quais destacamos condições de insalubridade do ambiente de serviço, sobrecarga e esgotamento profissional” (Rodrigues & Araújo, 2016, p. 19).
O presente estudo justifica-se pelo elevado número de profissionais de saúde que trabalha em diversos turnos de longos períodos de tempo, estando sujeitos a desenvolver determinadas patologias, tais como as doenças crónicas não transmissíveis. O trabalho por turnos implica a modificação e adaptação do ritmo biológico diário humano, pelo simples facto de trocar a hora de repouso da noite pelo dia. Isto faz com que o organismo sofra uma modificação, causando disfunções do sono, alimentação inadequada e fatores de risco para doenças crónicas não transmissíveis (Coelho, Pinto, Mota, & Crispim, 2014; Malta et al., 2015). A escolha do tema foi motivada pelo reconhecimento de que estes profissionais têm como função cuidar da saúde das pessoas e, muitas vezes, negligenciam a sua própria saúde. Assim, o objetivo deste estudo foi identificar a prevalência dos fatores de risco e proteção para o desenvolvimento das doenças crónicas de enfermeiros, de acordo com os turnos de trabalho, num hospital no município de Itajaí, no sul do Brasil.
Enquadramento
Compreender a dinâmica do processo saúde-doença tem sido o objetivo de diversos estudos na área da saúde no trabalho, estudando-se as relações entre o trabalhador e o ambiente de trabalho. O sistema de saúde despertou tardiamente para as questões do volume de trabalho, obrigações e riscos a que os trabalhadores estão expostos (Araújo, 2015).
Os enfermeiros são submetidos a jornadas de trabalho extensas, má qualidade de sono, falta de descanso, turnos aos fins-de-semana e horas extra, pondo em causa o período de recuperação das funções físico-motoras e cognitivas, tais como a alteração da relação velocidade/precisão nos procedimentos de rotina e a queda nas funções de memória e atenção (Machado et al., 2018). Estas alterações são nocivas para a saúde, pois os desajustamentos contínuos nos ciclos circadianos levam ao aparecimento de alterações gastrointestinais, psicológicas, como stress e alterações metabólicas, como a obesidade e futuras doenças crónicas. Para além disso, atinge a vida em grupo e familiar dos profissionais, dificultando a sua participação em atividades sociais (Peplonska et al., 2014; Fernandes, Ribeiro, Borges, de Galiza, & Joventino, 2017).
A predominância do sexo feminino nas funções de enfermagem traz como consequência para este grupo a adição do trabalho doméstico à jornada de trabalho, gerando dificuldades na conciliação da vida pessoal com as atividades profissionais, o que pode aprofundar ainda mais os desequilíbrios físicos, alimentares e psicossociais. Destes, destacam-se os que estão associados ao turno noturno de trabalho, como a obesidade (Siqueira et al., 2015), um dos fatores de risco para doenças crónicas não transmissíveis.
Na atualidade, as doenças crónicas não transmissíveis são as principais causas de incapacidade e morte “na população mundial, além de serem responsáveis por altos encargos econômicos sobre indivíduos, sociedades e sistemas de saúde” (Malta et al., 2015, p. 374). Por estes motivos, a Secretaria de Vigilância em Saúde, sob a tutela do Ministério da Saúde do Brasil, implementou, em 2006, o Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crónicas por Inquérito Telefónico (VIGITEL), que é realizado anualmente para monitorizar os fatores de risco e proteção das doenças crónicas em todas as capitais brasileiras. O VIGITEL selecionou indicadores importantes para a determinação da carga total de doença estimada pela Organização Mundial de Saúde para a região das Américas (WHO, 2014). Entre os fatores de risco foram incluídos o hábito de fumar, o excesso de peso, o consumo de refrigerantes, doces e alimentos com gordura saturada, a substituição de refeições por lanches, ver TV e usar tablet por mais de 3h e o consumo de bebidas alcoólicas, além da referência ao diagnóstico médico de hipertensão arterial, diabetes, dislipidemias e avaliação do estado de saúde como mau. Entre os fatores de proteção foram incluídos a prática de atividade física, o consumo de frutas, hortaliças e de feijão e a realização de exames para deteção precoce de tipos comuns de cancros em mulheres (mamografia e citologia oncótica para cancro do colo do útero; Ministério da Saúde, 2017).
Questão de investigação
Existe diferença entre os turnos de trabalho no que se refere aos fatores de risco e proteção para o desenvolvimento de doenças crónicas em profissionais de enfermagem?
Metodologia
Este estudo é do tipo quantitativo, transversal, descritivo e analítico.
A investigação foi realizada num hospital localizado no município de Itajaí, no estado de Santa Catarina, no sul do Brasil. O município tem uma população de 183.373 habitantes.
Todos os profissionais de enfermagem do referido hospital foram convidados a participar no estudo. Estes indivíduos trabalhavam em regime de turnos rotativos, com uma jornada de 6 horas por turno, com 18 horas de descanso ou 12 horas de trabalho e 36 horas de descanso. Os turnos eram subdivididos em três: das 7h às 13h, das 13h às 19h e das 19h às 7h. Para este trabalho, os profissionais foram divididos em dois grupos: diurno (exerciam as suas atividades somente das 7h às 19h) e noturno (exerciam as suas atividades somente das 19h às 7h). Os critérios de inclusão utilizados foram ser profissional de enfermagem e trabalhar no mínimo há 6 meses nesta instituição, sendo excluídos os enfermeiros ausentes por motivo de férias ou atestado.
Os dados foram recolhidos no segundo semestre de 2017 mediante a aplicação de um questionário estruturado fechado, de escolha múltipla, por dois profissionais da área da saúde capacitados, supervisionados e previamente treinados para tal fim. O questionário foi composto por dados sociodemográficos (idade, sexo e estado civil) e por fatores de risco e proteção para doenças crónicas, avaliados pelo VIGITEL (Ministério da Saúde, 2017). Os fatores de risco são: tabagismo; excesso de peso e obesidade; consumo de alimentos não saudáveis (carnes com gordura sem a remoção da gordura visível do alimento, leite gordo, bebidas artificiais, doces regularmente, substituição da comida do almoço e jantar por lanches); ver televisão e utilizar tablet/computador/telemóvel por mais de 3 horas; consumo de bebidas alcoólicas de forma abusiva; autoavaliação do estado de saúde como mau e diagnóstico médico de hipertensão arterial, diabetes e dislipidemia. Os fatores de proteção avaliados foram: padrões alimentares saudáveis (frutas, hortaliças e feijão); prática de atividades físicas; realização do exame de citologia oncótica para cancro do colo do útero recomendado nos últimos 3 anos em mulheres dos 25 aos 64 anos e percentagem de mulheres de 50 a 69 anos que realizaram o exame de mamografia recomendado nos últimos 2 anos.
Os dados foram recolhidos e analisados com o software Microsoft Excel. Para a análise de dados agruparam-se os grupos com excesso de peso e obesidade, definindo-o como excesso de peso. Foi utilizada estatística descritiva, foram calculados os números absolutos, as frequências relativas e o inferencial utilizando o Teste Exato de Fisher e o Teste t de Student, das variáveis estudadas. Avaliaram-se as ligações entre as características sociodemográficas, antropométricas, fatores de risco e proteção com os turnos de trabalho.
O presente estudo está em conformidade com a resolução do Conselho Nacional de Saúde 466/12 para pesquisas com seres humanos e foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade do Vale do Itajaí sob protocolo 2.179.239. Os participantes assinaram um termo de consentimento livre e esclarecido, onde constavam todas as etapas do estudo, e os investigadores declararam a garantia da confidencialidade dos dados. A partir dos resultados obtidos foram elaborados cartões individuais com a avaliação antropométrica e materiais educativos com orientações de como evitar os principais fatores de risco e aumentar os de proteção para as doenças crónicas.
Resultados
Participaram no estudo 75 profissionais, totalizando 74% dos trabalhadores de enfermagem do referido hospital, sendo que 31 (41%) faziam o turno diurno e 44 (59%) o noturno. Observou-se a predominância do sexo feminino (n = 65; 86,7%) e estado civil união de facto (n = 42; 56%), no entanto não se encontrou diferença estatística entre os turnos de trabalho com o sexo e o estado civil (Tabela 1).
Em relação às variáveis antropométricas, não se observou diferença entre os turnos nas variáveis idade, peso e altura, porém ambos os grupos apresentaram média de índice de massa corporal classificado como excesso de peso, sendo que os valores dos trabalhadores do turno da noite foram significativamente superiores aos do turno diurno (p = 0,045; Tabela 2).
Encontrou-se a presença de fatores de risco para doenças crónicas em ambos os grupos, porém verificou-se que o número de enfermeiros tabagistas no turno noturno foi significativamente superior ao diurno (p = 0,034; Tabela 3).
Não se encontrou diferença estatisticamente significativa entre os turnos de trabalho em relação aos fatores de proteção para doenças crónicas não transmissíveis (Tabela 4).
Discussão
Em relação ao perfil sociodemográfico dos trabalhadores de enfermagem houve predominância do sexo feminino. Esta prevalência demonstra uma tendência da profissão e deve-se a fatores socio-históricos no exercício das atividades que envolvem o ato de cuidar. Resultados semelhantes foram encontrados noutros estudos realizados no Brasil (Lima et al., 2013; Porto et al., 2013; Machado et al., 2018; Magalhães et al., 2014; Silva, Schmidt, Noal, Signor, & Gomez, 2016; Siqueira et al., 2015). Quanto ao estado civil, o mais prevalente foi a união de facto/casamento, resultado similar a outro estudo que relata esta condição como mecanismo de proteção de doenças físicas e psíquicas (Machado, Rodrigues, Oliveira, Laudano, & Nascimento Sobrinho, 2014). Por outro lado, os estudos também mostram maior prevalência de solteiros, alegando que esta característica garante maior disponibilidade para o trabalho, sem compromissos com tarefas domésticas, companheiros e filhos (Magalhães et al., 2014; Porto et al., 2013).
“O ganho de peso de trabalhadores noturnos pode ser consequência da falta ou redução da atividade física, especialmente no dia posterior ao plantão noturno, em função do sono e desgaste físico e mental” (Siqueira et al., 2015, p. 1932). O presente estudo evidenciou que os profissionais que exercem as suas atividades no período noturno apresentam valor superior e significativo na variável índice de massa corporal, porém não mostram diferença significativa entre os turnos e a atividade física. Num estudo que avaliava o índice de massa corporal de 90 enfermeiros de ambos os sexos, trabalhadores nos turnos diurno e noturno, os autores observaram um índice de massa corporal significativamente elevado nos trabalhadores do turno noturno (Silveira, Urbanetto, Silva, Magnago, & Poli-de-Figueiredo, 2013), resultado semelhante ao do presente estudo.
O trabalho noturno, devido às mudanças de horários, altera a cronobiologia dos indivíduos. Quando se tem uma rotina diurna, vários processos biológicos, como o ciclo vigília/sono, o consumo alimentar, o metabolismo e a secreção das hormonas leptina e grelina apresentam variações circadianas. Esses ritmos geram a adaptação temporal do organismo, favorecendo a atividade diurna e o repouso noturno. Para explicar o maior índice de massa corporal dos trabalhadores, em turnos noturnos, comparados com trabalhadores diurnos, o mesmo autor propôs uma teoria que aborda a exposição à luz durante a noite que pode contribuir para uma redução e/ou atraso na secreção de leptina, sendo capaz de aumentar o apetite e o consumo alimentar e consequentemente o aumento nos níveis de grelina, levando ao ganho de peso (Antunes, Levandovski, Dantas, Caumo, & Hidalgo, 2010).
Numa revisão da literatura que engloba o período de 2002 a 2014, abordando a influência do trabalho por turnos no perfil nutricional e padrão de sono dos profissionais de enfermagem, os autores encontraram elevada prevalência de excesso de peso, provavelmente por exposição a diversos fatores de risco, entre eles, pior qualidade do sono e hábitos alimentares modificados de forma negativa, com o objetivo de uma adaptação à rotina de trabalho (Coelho et al., 2014). Num estudo que identificava os fatores de risco para doenças cardiovasculares em profissionais de enfermagem de um hospital público em Fortaleza, nordeste do Brasil, os investigadores encontraram 90,9% (n = 150) dos indivíduos com excesso de peso (Magalhães et al., 2014).
Com base na amostra estudada, percebem-se os fatores que podem representar riscos consideráveis para o desenvolvimento de doenças crónicas não transmissíveis em profissionais de enfermagem, pois além de maior índice de massa corporal, o turno da noite apresentou prevalência significativa em relação ao tabagismo, que é um importante fator de risco para o desenvolvimento de uma série de doenças crónicas, tais como as cardiovasculares (Baumgartel, Onofrei, Lacerda, Grillo, & Mezadri, 2016). Corroborando os dados do presente estudo, Pimenta, Kac, Souza, Ferreira, e Silqueira (2012), associando o trabalho noturno ao alto risco cardiovascular, encontraram maior percentagem de tabagismo nos funcionários públicos de uma universidade em Minas Gerais, sudeste do Brasil, no turno da noite (17,3%) quando comparado ao turno de dia (9,2%), portanto, o trabalho noturno, potencialmente, aumenta a vulnerabilidade à ocorrência das doenças cardiovasculares. Num outro estudo, 11% dos enfermeiros eram tabagistas (n = 18; Magalhães et al., 2014).
O grupo das carnes é fonte de proteína de alto valor biológico, vitaminas do complexo B e minerais como o ferro, porém, deve acautelar-se o consumo excessivo, pois a carne fornece também quantidades significativas de gorduras saturadas. Segundo o VIGITEL, “um terço (32,0%) da população brasileira adulta estudada declarou ter o hábito de consumir carnes com excesso de gordura” (Ministério da Saúde, 2017, p. 64). No presente estudo verificou-se uma tendência no grupo com atividades noturnas a consumir mais carne com gordura do que no grupo diurno (p = 0,086).
Quando comparada a prevalência dos fatores de risco para doenças crónicas no presente estudo com os dados publicados no último VIGITEL (Ministério da Saúde, 2017), observou-se uma prevalência superior no presente estudo para as variáveis consumo de carne com gordura, bebidas artificiais, leite gordo, substituição de refeições por lanches, consumo abusivo de álcool e doces, ver televisão por mais de 3 horas, uso de tablet/computador/telemóvel por mais de 3 horas, tabagismo, hipertensão arterial, diabetes mellitus, mau estado de saúde e excesso de peso.
Em relação aos fatores de proteção para doenças crónicas não se observaram diferenças significativas entre os turnos de trabalho, porém, quando comparados aos dados do último VIGITEL (Ministério da Saúde, 2017), verificou-se menor prevalência no presente estudo para as variáveis consumo de feijão, prática de atividade física, consumo recomendado de frutas, vegetais e legumes e realização do exame de mamografia. Consideramos como limitações do estudo os resultados regionais e o tamanho da população nos dois grupos estudados, dificultando análises ajustadas por sexo e faixa etária. Não obstante, os dados obtidos mostram a realidade deste grupo populacional que, em parte, corresponde à realidade do país no que concerne aos fatores de risco para o desenvolvimento das doenças crónicas.
Conclusão
Os resultados do presente estudo mostram a predominância do sexo feminino e união de facto/casamento neste grupo profissional. Encontrou-se a presença de fatores de risco para doenças crónicas em ambos os grupos, porém verificou-se um maior índice de massa corporal e prevalência de tabagismo nos profissionais do turno noturno, sugerindo que o trabalho neste período pode afetar mais a saúde destes trabalhadores. Tanto o excesso de peso quanto o tabagismo são precursores das doenças crónicas não transmissíveis: cardiovasculares, cancro, diabetes e doenças respiratórias crónicas.
Embora o trabalho dos profissionais de enfermagem do turno noturno seja indispensável, sugere-se que as instituições proporcionem uma melhor adaptação do trabalho aos profissionais, nomeadamente com momentos de pausa para descanso e promoção de ambientes saudáveis.
Este estudo é relevante, pois além de mostrar a realidade deste grupo profissional, que se dedica aos cuidados da saúde humana, mostra as dificuldades que estes têm no autocuidado. Os resultados poderão contribuir para que se façam intervenções de consciencialização, por meio de programas educativos, que enfatizem a importância de hábitos saudáveis para a promoção da saúde, diminuindo os alarmantes índices de morbilidade e mortalidade ligados às doenças crónicas, que normalmente se instalam silenciosamente, bem como a identificação precoce dos fatores de risco a elas associadas. Estas estratégias propiciarão melhores condições de vida e trabalho aos enfermeiros e, consequentemente, resultarão na prestação de uma assistência mais qualificada.
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Apoio financeiro: PIBIC/CNPq.
Recebido para publicação em: 01.03.18
Aceite para publicação em: 15.06.18