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Revista de Enfermagem Referência
versão impressa ISSN 0874-0283
Rev. Enf. Ref. vol.serIV no.18 Coimbra set. 2018
https://doi.org/10.12707/RIV18021
ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO
RESEARCH PAPER
Prevenção da dor na punção venosa em crianças: estudo comparativo entre anestésicos tópicos
Prevention of venipuncture pain in children: a comparative study of topical anesthetics
Prevención del dolor en la punción venosa en niños: estudio comparativo entre anestésicos tópicos
Luís Manuel da Cunha Batalha*
http://orcid.org/0000-0002-5328-1470
Maria Matilde Marques Correia**
* Ph.D., Docente, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem, 3046-851, Coimbra, Portugal [batalha@esenfc.pt]. Contribuição no artigo: Revisão da literatura, conceção do desenho metodológico do estudo e dos instrumentos de colheita de dados, análise e interpretação dos dados, elaboração e redação do manuscrito, revisão de versões e aprovação final. Morada para correspondência: Avenida Bissaya Barreto - Ap. 7001, 3046-851, Coimbra, Portugal.
** MSc., Enfermeira Especialista, Centro Hospitalar e Universitário de Coimbra, EPE, 3000-076, Coimbra, Portugal [matildecorreia@gmail.com]. Contribuição no artigo: Conceção dos instrumentos de colheita de dados, colheita de dados, revisão crítica do conteúdo e aprovação final.
RESUMO
Enquadramento: O anestésico tópico ideal para prevenir a dor por punção deveria possuir alta eficácia, efeito rápido, bom perfil de segurança, fácil aplicação, baixo custo e boa aceitação.
Objetivo: Comparar a efetividade de 5 anestésicos tópicos em crianças que necessitam de uma punção venosa.
Metodologia: Estudo randomizado controlado envolvendo 350 crianças (6 - 17 anos) com alocação randomizada em 5 grupos. A dor foi avaliada através da Escala Visual Analógica (0 a 10 cm). As diferenças entre os grupos foram analisadas pelos testes do Qui-quadrado e Kruskal-Wallis e, nos grupos, pelo teste Wilcoxon.
Resultados: Todos os anestésicos revelaram eficácia na prevenção da dor (intensidade média de dor = 1,1) e sem diferenças entre os grupos (p > 0,05). A facilidade de punção, visibilidade e/ou palpação da veia, o sucesso na punção e a cooperação da criança foi boa e semelhante entre os grupos (p > 0,05).
Conclusão: As diferenças significativas entre os anestésicos tópicos apenas existiram nos procedimentos requeridos na sua aplicação e custos, pelo que se deve repensar o uso do cloreto de etilo.
Palavras-chave: criança; dor; anestésicos; enfermagem
ABSTRACT
Background: The ideal topical anesthetic to prevent venipuncture pain should have high efficacy, a quick effect, a good safety profile, be easy to apply, low cost, and well accepted.
Objective: To compare the effectiveness of 5 topical anesthetics in children who require venipuncture.
Methodology: A randomized controlled study was conducted involving 350 children (6 - 17 years) who were randomly allocated to 5 groups. Pain was assessed using the Visual Analog Scale (0 to 10 cm). Between-group differences were analyzed using the Chi-square test and the Kruskal-Wallis test and within-group differences were analyzed using the Wilcoxon test.
Results: All anesthetics were effective in preventing pain (mean pain intensity =1.1) and no between-group differences were found (p > 0.05). Ease of venous access, vein visibility and/or palpability, successful cannulation, and the childs cooperation were good and similar between groups (p > 0.05).
Conclusion: The differences between topical anesthetics were only significant in the procedures required for their application and the costs, for which reason the use of ethyl chloride should be reconsidered.
Keywords: child; pain; anesthetics; nursing
RESUMEN
Marco contextual: El anestésico tópico ideal para prevenir el dolor por punción debería poseer alta eficacia, efecto rápido, buen perfil de seguridad, fácil aplicación, bajo coste y buena aceptación.
Objetivo: Comparar la efectividad de 5 anestésicos tópicos en niños que necesitan una punción venosa.
Metodología: Estudio aleatorio controlado que involucró a 350 niños (de 6 a 17 años) a los cuales se los distribuyó de forma aleatoria en 5 grupos. El dolor se evaluó a través de la Escala Visual Analógica (de 0 a 10 cm). Las diferencias entre los grupos se analizaron por las pruebas de Chi cuadrado y Kruskal-Wallis y, en los grupos, por la prueba Wilcoxon.
Resultados: Todos los anestésicos revelaron eficacia en la prevención del dolor (intensidad media del dolor = 1,1) y sin diferencias entre los grupos (p > 0,05). La facilidad de punción, visibilidad y/o palpación de la vena, el éxito en la punción y la cooperación del niño fueron buenas y similares entre los grupos (p > 0,05).
Conclusión: Solo existieron diferencias significativas entre los anestésicos tópicos en los procedimientos requeridos en su aplicación y costes, por lo que se debe repensar el uso del cloruro de etilo.
Palabras clave: niño; dolor; anestésicos; enfermería
Introdução
A punção venosa (PV) é uma tarefa rotineira dos enfermeiros, realizada com frequência em crianças e com potencial para gerar dor, ansiedade, medo e stress, se não forem tomadas medidas preventivas (Bice, Gunther, & Wyatt, 2014; Waterhouse, Liu, & Wang, 2013; Zempsky, 2008). A punção com uso de agulha continua a ser um procedimento de enfermagem temido pelas crianças (Dalvandi, Ranjbar, Hatamizadeh, Rahgoi, & Bernstein, 2017), razão pela qual mais de 10% dos adultos referem medo de agulhas (Schechter et al., 2007).
Existe uma ampla variedade de opções farmacológicas e não farmacológicas eficazes na prevenção da dor provocada por punção com agulha. Em crianças, a distração e a hipnose, quando criteriosamente selecionadas e executadas previnem eficazmente esta dor (Uman et al., 2013), bem como a sacarose em recém-nascidos (Stevens, Yamada, Ohlsson, Haliburton, & Shorkey, 2016). Quanto à intervenção farmacológica, são várias as opções de aplicação tópica ou inalatória (Zempsky, 2008). No entanto, o tempo requerido para a analgesia é uma importante barreira ao seu uso, o que tem impulsionado o desenvolvimento de novos anestésicos tópicos e o ressurgimento de outros antes usados, como o cloreto de etilo. Este anestésico caiu em desuso com o aparecimento de novos fármacos relativamente mais seguros quanto aos seus possíveis efeitos colaterais, mas a controvérsia permanece quanto ao uso do cloreto de etilo na prática clínica (Bond et al., 2016; Fossum, Love, & April, 2016; Hogan, Smart, Shah, & Taddio, 2014; Zempsky, 2008).
Com este estudo procurou-se comparar a efetividade de cinco anestésicos tópicos para prevenção da dor por PV em crianças num departamento de ambulatório pediátrico de um hospital. Entenda-se por efetividade a eficácia analgésica, a segurança (não aparecimento de efeitos colaterais), a utilidade clínica (facilidade na punção, boa visibilidade e/ou palpação da veia a puncionar, número de tentativas para sucesso na punção e cooperação da criança) e custos.
Enquadramento
O anestésico ideal para prevenir a dor da PV deveria possuir uma alta eficácia, efeito rápido e duradouro, seguro, de fácil aplicação, de baixo custo e com boa aceitação por parte da criança, pais e profissionais de saúde (Zempsky, 2008).
As opções disponíveis são muitas, o que comprova que nenhum possui todas as características ideais. Zempsky (2008) descreve vários anestésicos tópicos que podem ser utilizados para prevenção da dor da PV. A lidocaína em spray a 10% tem uma ação anestésica com início ao fim de 1 a 3 minutos e mantém-se durante 10 a 15 minutos. O cloridrato de lidocaína em gel a 2% proporciona uma anestesia com início ao fim de 5 minutos e durante aproximadamente 20 a 30 minutos. O creme EMLA® é composto por partes iguais de lidocaína e prilocaína a 2,5%/2,5%, sendo dos primeiros anestésicos tópicos comercialmente disponíveis para uso em pele intacta. Permite obter uma anestesia local eficaz ao fim de 60 a 90 minutos e requer penso protetor. A lidocaína creme a 4% proporciona uma analgesia venosa ao fim de 30 minutos, mas requer igualmente a utilização de penso protetor. Entre outras opções disponíveis, o cloreto de etilo é de baixo custo, fácil aplicação e com ação imediata, o que lhe confere vantagens para uso em ambulatório (Soueid & Richard, 2007). Este fármaco começou a ser utilizado em 1955 como anestésico (Davies & Molloy, 2006), decaindo o seu uso com a disponibilidade de outros anestésicos relativamente mais seguros. A sua ação faz-se por arrefecimento rápido da pele, retardando o início e a condução dos influxos nervosos sensoriais cutâneos (Zempsky, 2008). Os sprays são compostos de líquidos frios voláteis aplicados em pele íntegra, no local e imediatamente antes da punção. A sua rápida evaporação produz um efeito anestésico de curta duração (inferior a 1 minuto). A sua utilização é segura (Farion, Splinter, Newhook, Gaboury, & Splinter, 2008; Fossum et al., 2016; Griffith, Jordan, Herd, Reed, & Dalziel, 2016) e os seus efeitos colaterais incluem reações alérgicas raras e pequenas alterações temporárias da pele. A aplicação, quando excede os 10 segundos (tempo mínimo para provocar branqueamento da pele), provoca um arrefecimento cutâneo local com potencial dano das células (Farion et al., 2008), mas possíveis riscos de lesão são evitados com aplicações de duração não superior a 30 segundos (Davies & Molloy, 2006). Casos raros podem estar associados a dermatite alérgica de contacto e a uma pulverização prolongada a hipopigmentação e cicatrização atrófica, especialmente em pessoas com má circulação. A maioria dos sprays frios contém produtos químicos irritantes para os olhos, pelo que deve ser acautelada a exposição ocular.
A evidência sobre a eficácia analgésica do cloreto de etilo é inconsistente (Farion et al., 2008; Griffith et al., 2016; Waterhouse et al., 2013). Contribui para isso a utilização de múltiplos e diferentes procedimentos metodológicos que impedem uma comparação. Os estudos fazem uso de protocolos distintos na aplicação do cloreto de etilo (tempo de aplicação e distância à pele), de avaliação da dor com diferentes escalas e momentos de avaliação, tipos de comparações com múltiplas variáveis e produtos e dimensões de amostras muito distintas.
Uma recente revisão sistemática desenvolvida com o objetivo de comparar o uso do cloreto de etilo spray com um spray placebo ou nenhuma intervenção, envolvendo 1070 crianças e adultos, revelou moderada qualidade na evidência de que o uso do cloreto de etilo em spray imediatamente antes da PV diminuía a dor em cerca de 1,25 cm na Escala Visual Analógica (EVA), não aumentava a dificuldade no sucesso da punção e não causava efeitos adversos sérios, apesar de estar associado a algum desconforto durante a aplicação (Griffith et al., 2016).
Num estudo randomizado controlado, que envolveu 80 crianças entre os 6 e os 12 anos, com o objetivo de comparar a eficácia do cloreto de etilo em spray com um placebo em spray, verificaram-se diferenças estatisticamente significativas na redução da dor na escala EVA com a utilização do cloreto de etilo (5,6 ± 3,19 vs 3,6 ± 2,75), a punção foi bem-sucedida na primeira tentativa e havia uma maior satisfação por parte da criança, pais e enfermeiros (Farion et al., 2008).
Num estudo experimental com desenho cruzado, realizado com 77 crianças dos 5 aos 13 anos submetidas a três PV separadas entre si por 2 horas, o objetivo foi comparar a eficácia do cloreto de etilo spray com a tetracaína em creme. Na primeira e segunda PV foi comparada a eficácia do cloreto de etilo com a tetracaína. Na terceira PV foi usado o método anestésico escolhido pela criança (cloreto de etilo ou tetracaína). A dor foi avaliada com a Escala de Faces Wong-Baker, tendo os resultados revelado igual eficácia para ambos os anestésicos, mas com vantagem para o cloreto de etilo (1ª PV: 0,84 vs 0,97; 2ª PV: 1,05 vs 1,13; 3ª PV: 0,48 vs 0,91) e uma maior preferência da criança pelo uso do cloreto de etilo (56%; Davies & Molloy, 2006).
Num estudo realizado com 129 crianças dos 9 aos 18 anos, em que se comparou a eficácia do cloreto de etilo em spray com um spray placebo e nenhuma intervenção, verificaram-se resultados semelhantes em todos os grupos. A dor referida pela criança na EVA revelou, em média, valores de 3,4, 3,3 e 3,1 cm, respetivamente (Costello, Ramundo, Christopher, & Powell, 2006).
O cloreto de etilo apresenta vantagens comparativamente com outros anestésicos tópicos quanto à sua rapidez de ação, ao ser facilmente aplicado, não requerer tempo de espera e ser barato. No entanto, permanecem dúvidas quanto à sua eficácia analgésica e utilidade clínica, pela inconsistência dos resultados (Dalvandi et al., 2017; Griffith et al., 2016; Waterhouse et al., 2013).
Questão de investigação
Qual a efetividade comparativa no uso de cinco anestésicos tópicos para prevenção da dor por PV em crianças num departamento de ambulatório de um hospital pediátrico?
Metodologia
Estudo randomizado controlado envolvendo 350 crianças (162 do sexo masculino e 188 do sexo feminino) com idades compreendidas entre os 6 e os 17 anos e uma mediana de 11 anos. Estas crianças recorreram a um departamento de ambulatório de um hospital pediátrico, acompanhadas pelos pais e com necessidade de realizar uma PV. Excluíram-se as crianças com historial de pele atópica ou uma outra qualquer fragilidade da barreira cutânea, com incapacidade de avaliarem a intensidade da dor com a EVA ou de responderem à pergunta do formulário sobre o seu medo.
Esta investigação foi aprovada pelo Conselho de Administração e Comissão de Ética do Hospital onde se realizou o estudo e seguiu as recomendações da Declaração de Helsínquia da Associação Médica Mundial. A participação foi precedida pelo registo de consentimento livre e esclarecido dos responsáveis legais da criança.
Participaram na colheita dos dados 15 enfermeiros a exercerem funções no serviço, após explicitação e esclarecimento de dúvidas sobre o protocolo do estudo. Todos tiveram treino de aplicação dos anestésicos tópicos e de avaliação da intensidade da dor com a escala EVA (Reed & Van Nostran, 2014).
A alocação dos participantes foi randomizada em cinco grupos com a utilização do programa GraphPad Software Inc. Para cálculo do tamanho da amostra foi considerada uma diferença clinicamente relevante de 1,5 cm na EVA, assumindo um poder do teste a 80% para detetar diferenças a um nível de significância de 5% e supondo um desvio-padrão de 3 cm (Farion et al., 2008). Por grupo seriam necessárias pelo menos 68 observações, pelo que se optou por alargar o tamanho da amostra para 70 observações por grupo.
A intervenção consistiu na aplicação de cinco anestésicos tópicos usados no departamento de ambulatório para prevenir a dor da PV na colheita de sangue através de agulha tipo butterfly de tamanho 23G no dorso da mão ou fossa antecubital. A aplicação dos anestésicos seguiu as recomendações em uso no departamento do hospital com a seguinte distribuição pelos grupos: Grupo 1 (lidocaína em spray a 10%) - aplicação de três pulverizações no local a puncionar a uma distância aproximada de 5 cm, seguida de limpeza da zona circundante com compressa deixando-se atuar durante 5 minutos; Grupo 2 (cloridrato de lidocaína em gel a 2%) - aplicação de camada espessa seguida de ligeira massagem para delimitação da zona, deixando-se atuar durante cinco minutos; Grupo 3 (creme EMLA® constituído por lidocaína e prilocaína a 2,5%/2,5%) - aplicação de uma camada espessa de creme coberta com película aderente, deixando-se atuar durante 60 minutos; Grupo 4 (cloreto de etilo em spray) - pulverização da área a puncionar a uma distância de cerca de 10 cm durante cerca de 5 segundos ou até formação de uma fina coloração branca da pele (a que ocorrer primeiro), seguido de limpeza do resíduo com uma compressa e execução imediata da punção; e Grupo 5 (lidocaína creme a 4%) - aplicação de camada espessa de creme coberta com película aderente, deixando-se atuar durante 30 minutos.
Antes da execução da PV colheram-se dados de caracterização demográfica e clínica das crianças, avaliou-se a visibilidade e/ou facilidade na palpação da veia a puncionar e a perceção do medo e da intensidade da dor das crianças. Imediatamente após a punção foi avaliada a facilidade da PV, o número de tentativas até ao sucesso, a cooperação da criança durante todo o procedimento, a intensidade da dor e possíveis efeitos colaterais dos anestésicos.
O formulário de caracterização demográfica e clínica incluía uma questão relacionada com o medo da criança em que a mesma se autoavaliou com medo ou sem medo. A facilidade da PV, visibilidade e/ou palpação da veia e a cooperação da criança durante o procedimento foi avaliado pelos enfermeiros com base em itens dicotomizados em má e boa.
Para a avaliação da intensidade da dor foi utilizada a escala de autoavaliação da intensidade da dor EVA, que mede a dor entre 0 cm (sem dor) e 10 cm (dor máxima; Bailey, Gravel, & Daoust, 2012).
A análise estatística foi realizada com o auxílio do software IBM SPSS Statistics, versão 23. A normalidade das distribuições foi analisada pelo teste Kolmogorov-Smirnov e análise do histograma, tendo-se verificado a não assunção do pressuposto da normalidade da distribuição das variáveis. O estudo descritivo dos dados foi feito para as variáveis categóricas pelas frequências absolutas e relativas percentuais e para as variáveis contínuas pela mediana e amplitude interquartil e, em alguns casos, para facilidade de interpretação pelos limites mínimo e máximo, média e desvio padrão. As diferenças entre os grupos foram analisadas para as variáveis categóricas através da utilização dos testes do Qui-quadrado, e para as variáveis contínuas pela utilização do teste Kruskal-Wallis 1-way ANOVA para amostras independentes (entre os grupos) e do teste de Wilcoxon para amostras emparelhadas (nos grupos, antes e depois da PV). Em todos os testes foram consideradas diferenças estatisticamente significativas sempre que p ? 0,05.
Resultados
Os cinco grupos formados não revelaram diferenças quanto às variáveis sociodemográficas e clínicas, com exceção da idade. A idade mediana mais elevada (13 anos) verificou-se no Grupo 4 e a mais baixa nos grupos 3 e 5 (10 anos; Tabela 1).
A visibilidade/palpação das veias a puncionar, a facilidade na punção e a cooperação da criança foram semelhantes entre os grupos. Contudo, no Grupo 4 (cloreto de etilo) os enfermeiros referiram mais crianças cuja visibilidade/palpação das veias era boa (60; 85,7%). No Grupo 5 (lidocaína creme a 4%) registaram-se mais casos de fácil punção, 63 (90,0%), tendo sido o grupo onde as crianças se revelaram menos cooperantes (57; 81,4%). O número de tentativas para sucesso na punção foi semelhante, primeira tentativa (mediana de 1), tendo-se verificado no Grupo 5 (lidocaína creme a 4%) sucesso em todos os casos 1 (1-1), como se pode observar na Tabela 2.
Todos os anestésicos tópicos revelaram diferenças estatisticamente significativas entre a dor relatada pela criança antes e depois da PV em cada grupo (p < 0,001) e, entre si, nenhum apresentou superioridade estatisticamente significativa na prevenção da dor (NS). A menor diferença média na intensidade de dor, antes e depois da PV, registou-se no Grupo 3 (lidocaína e prilocaína a 2,5%/2,5%; 0,7) e a maior no Grupo 4 (cloreto de etilo; 1,1), conforme apresentado na Tabela 3.
Não foram registados casos de efeitos colaterais dos anestésicos utilizados.
Discussão
Todos os anestésicos tópicos usados revelaram eficácia analgésica para prevenir a dor da PV na criança. Apesar das diferenças entre a intensidade da dor antes e depois da PV serem estatisticamente significativas, em nenhum dos casos a diferença foi superior ao valor clinicamente aceite de 1,5 cm na escala EVA (Farion et al., 2008; Griffith et al., 2016; Hogan et al., 2014). Após a PV, a intensidade da dor foi sempre inferior a 3 cm, valor considerado como um bom indicador no controlo da dor (Batalha et al., 2014). Entre os anestésicos estudados, o EMLA® (lidocaína e prilocaína a 2,5%/2,5%) foi o que demonstrou, em termos absolutos, a maior eficácia e o cloreto de etilo a menor. Estes resultados comprovam outros estudos (Bond et al., 2016; Dalvandi et al., 2017), apesar de não consensuais (Dalvandi et al., 2017).
Os anestésicos tópicos para prevenção da dor por PV são semelhantes na sua ação farmacológica, que consiste na inibição dos canais de iões de sódio nos neurónios sensoriais (Zempsky, 2008). A exceção é o cloreto de etilo, que atua por arrefecimento cutâneo. Os anestésicos diferem uns dos outros principalmente pela forma como são aplicados e pelo tempo requerido para o início do efeito anestésico completo.
As características sociodemográficas e clínicas são semelhantes entre os grupos, com exceção da idade. Esta diferença, apesar de estatisticamente significativa, não o é clinicamente, pois as características anatomofisiológicas entre uma criança de 10 anos não diferem muito de uma de 13 anos. No entanto, quanto mais pequena é uma criança maior é a sua vulnerabilidade para percecionar a dor com maior intensidade (Zempsky, 2008). Curiosamente, o grupo de crianças que receberam analgesia com o cloreto de etilo tinha uma idade mediana superior às que receberam o EMLA® (lidocaína e prilocaína a 2,5%/2,5%). O não controlo desta variável deixa interrogações que merecem ser estudadas em futuros estudos, não só quanto à eficácia do anestésico em função da idade, mas igualmente quanto a possíveis influências anatomofisiológicas dependentes da idade na perceção da dor perante um estímulo doloroso como a PV. Uma outra variável não controlada foi o local da punção: dorso da mão ou fossa antecubital. Embora se desconheçam estudos que demonstrem diferenças na perceção da dor devido ao local da punção, idealmente esta variável deveria ter sido controlada.
Nos últimos 30 anos, a evolução nos anestésicos tópicos usados para a prevenção da dor por punção tem sido encurtar o tempo necessário para o início do efeito anestésico completo e a diminuição do aparecimento de possíveis efeitos colaterais. Neste estudo não se registou nenhum efeito colateral no uso dos anestésicos, o que contraria receios infundados quanto ao uso do cloreto de etilo (Kelly, 2008; Soueid & Richard, 2007). A metodologia de aplicação do cloreto de etilo para prevenção da dor da PV é muito díspar. A distância varia entre 7 e 25 cm e o tempo de pulverização entre 2 e 10 segundos (Hogan et al., 2014). O ter-se optado por pulverizar a área a puncionar a uma distância de cerca de 10 cm com uma duração de 5 segundos, ou até formação de uma fina coloração branca da pele (a que ocorrer primeiro), foi uma medida conservadora que seguiu o protocolo da maioria dos estudos já realizados (Hogan et al., 2014) e que se revelou segura. O desenvolvimento de um mecanismo que limite o tempo de pulverização para uma utilização segura revelar-se-ia de grande utilidade para o uso deste tipo de anestésicos tópicos.
Existe uma ampla variedade de anestésicos de aplicação tópica que, possuindo eficácia e segurança similar, diferem quanto aos procedimentos de aplicação, tempo requerido para a sua eficácia, facilidade para a punção e custos. Estas variáveis devem ser consideradas na escolha do anestésico ideal para um determinado contexto clínico.
A utilidade clínica do anestésico depende do não comprometimento da visibilidade/palpação das veias a puncionar, da facilidade e sucesso que proporcionam na punção e da cooperação da criança. Neste estudo, os anestésicos revelaram semelhanças quanto à sua utilidade, sendo de realçar que foi com o uso do cloreto de etilo que os enfermeiros referiram mais crianças com melhor visibilidade/palpação das veias, facto que se pode explicar pela execução imediata da PV após aplicação do cloreto de etilo. A não interferência do uso do cloreto de etilo na dificuldade da PV e, consequentemente, no sucesso da punção foram igualmente descritos em outros estudos (Costello et al., 2006; Griffith et al., 2016; Taddio, Soin, Schuh, Koren, & Scolnik, 2005). Nas crianças em que se aplicou a lidocaína creme a 4%, a punção foi considerada pela maioria dos enfermeiros como mais fácil e onde se verificou maior sucesso na punção. Este achado foi igualmente reconhecido, quando se comparou o seu uso com um placebo (Taddio et al., 2005).
Para quem gere uma instituição de saúde o custo/benefício dos fármacos é, entre outras, uma importante variável para a tomada de decisão no seu uso. Tendo em conta os preços praticados para venda ao público, o custo por aplicação do anestésico mais dispendioso, o EMLA® (lidocaína e prilocaína a 2,5%/2,5%) é 2,5 vezes mais caro que o anestésico mais barato, o cloreto de etilo. Se atendermos a que no serviço onde se realizou o estudo se realizam em média 25 colheitas por dia, as estimadas 6375 colheitas que se fazem por ano representam uma poupança direta de 2678 com a utilização do anestésico mais barato, comparativamente ao mais caro.
O EMLA® (lidocaína e prilocaína a 2,5%/2,5%) é o anestésico mais dispendioso e, para além disso, requer um maior tempo de aplicação para que seja eficaz e, tal como a lidocaína creme a 4%, necessita de penso protetor (Zempsky, 2008). Estes custos indiretos devem ser considerados numa análise de custo-benefício, assim como o tempo de ausência dos pais ao trabalho e da criança à escola. A isto, acrescem os custos com os materiais necessários para a aplicação do penso oclusivo e o tempo despendido pelo enfermeiro nesta tarefa.
Reconhecem-se algumas limitações metodológicas no estudo: o facto de se ter usado dois locais para a PV, embora se desconheçam estudos que demonstrem diferenças na perceção da dor devido ao local da punção; o uso de um grupo placebo (intervenção inócua) poderia dar mais informação sobre a eficácia dos anestésicos ou influência de outras variáveis como a sugestão, todavia coloca questões éticas na sua implementação e a falta de uma avaliação duplamente cega é uma limitação importante, mas dada a natureza da intervenção, a sua execução não era possível.
Algumas questões requerem investigação futura, como o estudo da eficácia dos anestésicos em função da idade da criança, local da punção, protocolo de aplicação do cloreto de etilo (diferentes distâncias à pele e tempo de pulverização), influência da sugestão e técnicas não farmacológicas, como a distração, e os possíveis efeitos na ansiedade da criança provocada pelos tempos de espera.
Conclusão
O anestésico tópico ideal para prevenir a dor de uma punção deveria possuir alta eficácia no alívio da dor, efeito rápido e duradouro, um bom perfil de segurança, fácil aplicação, baixo custo e boa aceitação por parte da criança, pais e profissionais de saúde.
Todos os anestésicos tópicos estudados revelaram eficácia na prevenção da dor, ausência de efeitos colaterais, facilidade e sucesso na PV. As diferenças são inerentes aos procedimentos requeridos na sua aplicação, tempos de espera para efeito da analgesia e nos seus custos. Entre todos, o cloreto de etilo não requer tempo de espera entre a aplicação e a PV, não requer penso oclusivo e é consideravelmente mais barato que os demais. Estas características, sem prejuízo para o estudo de outras formas de analgesias farmacológicas e não farmacológicas, apoiam a recomendação para o uso do cloreto de etilo para prevenção da dor da PV em crianças. O seu uso pode ser particularmente útil em serviços de urgência ou departamentos de ambulatórios, onde o tempo de espera é uma barreira à implementação de medidas preventivas da dor provocada por PV.
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Recebido para publicação em: 10.04.18
Aceite para publicação em: 05.07.18