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Revista de Enfermagem Referência

versão impressa ISSN 0874-0283

Rev. Enf. Ref. vol.serIV no.20 Coimbra mar. 2019

https://doi.org/10.12707/RIV18043 

ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO (ORIGINAL)

RESEARCH PAPER (ORIGINAL)

 

Efeitos de um programa de estimulação cognitiva em idosos institucionalizados

Effects of a cognitive stimulation program on institutionalized older people

Efectos de un programa de estimulación cognitiva en ancianos institucionalizados

 

Vítor Parola*
https://orcid.org/0000-0002-0050-5004

Adriana Coelho**
https://orcid.org/0000-0002-6381-7128

Hugo Neves***
https://orcid.org/0000-0002-6843-6228

Maria Almeida****
https://orcid.org/0000-0002-4454-8743

Isabel Gil*****
https://orcid.org/0000-0002-5387-8285

Ana Mouro******
https://orcid.org/0000-0002-9867-5051

João Apóstolo*******
https://orcid.org/0000-0002-3050-4264

 

* MSc., Doutorando em Ciências de Enfermagem no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar. Assistente convidado, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem, 3046-851, Coimbra, Portugal [vitorparola@esenfc.pt]. Contribuição no artigo: desenho do estudo; planeamento da metodologia; recolha, tratamento e análise de dados; escrita do artigo. Morada para correspondência: Avenida Bissaya Barreto, Apartado 7001, 3046-851, Coimbra, Portugal.

** MSc., Doutoranda em Ciências de Enfermagem no Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar. Professora Adjunta Convidada, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem, 3046-851, Coimbra, Portugal [adriananevescoelho@esenfc.pt]. Contribuição no artigo: planeamento da metodologia; desenho do estudo; tratamento e análise de dados; revisão do artigo.

*** MSc., Professor Adjunto Convidado, Escola Superior de Saúde - Politécnico de Leiria, 2411-901, Leiria, Portugal [hugoneves@gmail.com]. Contribuição no artigo: planeamento da metodologia; desenho do estudo; tratamento e análise de dados; revisão do artigo.

**** Ph.D., Professora Coordenadora, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, 3046-851, Coimbra, Portugal [mlurdes@esenfc.pt]. Contribuição no artigo: acompanhamento metodológico; revisão do artigo.

***** MSc., Professora Adjunta, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, 3046-851, Coimbra, Portugal [igil@esenfc.pt]. Contribuição no artigo: acompanhamento metodológico; revisão do artigo.

****** Lic., Fisioterapeuta, Lar de Santo António, 7430-030, Aldeia da Mata, Portugal [fisio@lardesantoantonio.com]. Contribuição no artigo: planeamento da metodologia; recolha de dados; revisão do artigo.

******* Agregação, Professor Coordenador, Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem, 3046-851, Coimbra [apostolo@esenfc.pt]. Contribuição no artigo: planeamento da metodologia; desenho do estudo; acompanhamento metodológico; tratamento e análise de dados; revisão do artigo.

 

RESUMO

Enquadramento: A evidência sugere que a estimulação cognitiva nos idosos tem resultados positivos na cognição e na sintomatologia depressiva.

Objetivo: Avaliar a eficácia de um programa de estimulação cognitiva na cognição e sintomatologia depressiva em idosos institucionalizados.

Metodologia: Estudo experimental numa amostra de 100 idosos. A versão portuguesa da Mini-Mental State Examination e da Geriatric Depression Scale-15 foram aplicadas a cada um dos grupos no pré-teste e no pós-teste. O grupo experimental foi submetido a 14 sessões de estimulação cognitiva.

Resultados: O programa de estimulação cognitiva melhorou a cognição (p < 0,01), não existindo diferenças estatisticamente significativas na sintomatologia depressiva quando se comparam ambos os grupos (p > 0,05). Do ponto de vista clínico, no grupo experimental verificou-se uma redução da sintomatologia depressiva (p < 0,05), sendo que o mesmo não sucede no grupo de controlo (p > 0,05).

Conclusão: O programa de estimulação cognitiva melhorou significativamente a cognição, explicando 9,8% da variabilidade identificada. Os resultados obtidos são encorajadores, demonstrando que o programa produz benefícios para idosos institucionalizados, contribuindo, assim, para a manutenção da sua saúde mental.

Palavras-chave: cognição; enfermagem; ensaio clínico controlado aleatório; envelhecimento; idoso

 

ABSTRACT

Background: The evidence suggests that cognitive stimulation in the elderly has positive results in cognition and depressive symptomatology.

Objective: To evaluate the effectiveness of a cognitive stimulation program in cognition and depressive symptomatology in institutionalized older people.

Methodology: Experimental study in a sample of 100 elderly individuals. The Portuguese versions of the Mini-Mental State Examination and the Geriatric Depression Scale-15 were applied to each one of the groups in the pre-test and post-test. The experimental group was submitted to 14 sessions of cognitive stimulation.

Results: The cognitive stimulation program improved cognition (p < 0.01), with no occurrence of statistically significant differences in the depressive symptomatology when comparing both groups (p > 0.05). From a clinical point of view, there was a reduction in depressive symptomatology (p < 0.05) in the experimental group, while the same is not true in the control group (p > 0.05).

Conclusion: The cognitive stimulation program significantly improved cognition, explaining 9.8% of identified variability. The results are encouraging, demonstrating that the program benefits institutionalized older people, thus contributing to the maintenance of their mental health.

Keywords: cognition; nursing; randomized controlled trial; aging; aged

 

RESUMEN

Marco contextual: La evidencia sugiere que la estimulación cognitiva en los ancianos tiene resultados positivos en la cognición y la sintomatología depresiva.

Objetivo: Evaluar la eficacia de un programa de estimulación cognitiva en la cognición y sintomatología depresiva en ancianos institucionalizados.

Metodología: Estudio experimental en una muestra de 100 ancianos. La versión portuguesa de la Mini-Mental State Examination y de la Geriatric Depression Scale-15 se aplicó a cada uno de los grupos en el pretest y en el postest. El grupo experimental se sometió a 14 sesiones de estimulación cognitiva.

Resultados: El programa de estimulación cognitiva mejoró la cognición (p < 0,01), y no se observaron diferencias estadísticamente significativas en la sintomatología depresiva al comparar ambos grupos (p > 0,05). Desde el punto de vista clínico, en el grupo experimental se verificó una reducción de la sintomatología depresiva (p < 0,05), pero no sucedió lo mismo en el grupo de control (p > 0,05).

Conclusión: El programa de estimulación cognitiva mejoró significativamente la cognición, lo que explica el 9,8% de la variabilidad identificada. Los resultados obtenidos son esperanzadores, pues demuestran que el programa aporta beneficios a los ancianos institucionalizados, y contribuye a mantener su salud mental.

Palabras clave: cognición; enfermería; ensayo clínico controlado aleatorio; envejecimiento; anciano

 

Introdução

O envelhecimento demográfico é um fenómeno mundial especialmente visível no contexto português. Portugal possui uma estrutura etária cada vez mais envelhecida, prevendo-se que em 2080 sejam perto de 2,8 milhões as pessoas com 65 ou mais anos (Instituto Nacional de Estatística, 2017), sendo um dos países da União Europeia com maior percentagem de idosos.

O envelhecimento populacional tem conduzido a um aumento na prevalência de doenças degenerativas crónicas, particularmente de perturbações neurocognitivas (PNCs). Estima-se que em 2015, 46,8 milhões de pessoas em todo o mundo apresentavam PNCs major e que este número aumente exponencialmente estimando-se 131,5 milhões em 2050 (Prince, Comas-Herrera, Knapp, Guerchet, & Karagiannidou, 2016).

Em 2004, eram cerca de 56.535 os idosos que se encontravam institucionalizados em Portugal, representando 3,2% das pessoas idosas. Posteriormente, em 2011, este número aumentou para 91.202, representando 4,5% das pessoas idosas (Instituto Nacional de Estatística, 2017).

Assim, no nosso contexto específico, observou-se, quer através da implementação de outros projetos em curso, quer pela carência manifestada pelas instituições em geral e pelos idosos em particular, a necessidade de criar um programa que retardasse os efeitos de PNCs.

Neste âmbito, diversos estudos têm-se focado no desenvolvimento, implementação e avaliação do impacto da estimulação cognitiva (EC) na cognição e na sintomatologia depressiva de idosos institucionalizados, uma vez que pode fomentar o bem-estar na população idosa. Os sintomas depressivos em idosos estão associados a um declínio cognitivo e funcional, o que representa um fator de risco para as PNCs (Bunce, Batterham, Mackinnon, & Christensen, 2012). Este ponto de vista é reforçado por Rosness, Barca, e Engedal (2010) ao mencionarem que os idosos com depressão têm maior risco de desenvolverem distúrbios cognitivos e PNCs. Segundo Frade, Barbosa, Cardoso, & Nunes (2015), a prevenção da depressão no idoso deverá passar pela criação de atividades que promovam o designado envelhecimento ativo, como a atividade mental e a socialização do idoso. Por esse motivo, é de elevada relevância o papel do enfermeiro no diagnóstico precoce, bem como na implementação de intervenções terapêuticas que permitam prevenir ou minimizar a evolução destas condições clínicas.

Neste sentido, o programa de estimulação cognitiva – Fazer a Diferença (PEC-FD) constitui uma intervenção para a promoção do envelhecimento saudável e, representa uma possibilidade de compensar os défices cognitivos e a sintomatologia depressiva, permitindo que a pessoa idosa se mantenha ativa, independente e autónoma pelo maior tempo possível (Apóstolo, Cardoso, Rosa, & Paúl, 2014; European Innovation Partnership on Active and Healthy Ageing, 2016). Por este motivo, o objetivo deste estudo é avaliar a eficácia de um programa de estimulação cognitiva na cognição e sintomatologia depressiva em idosos institucionalizados

 

Enquadramento

O PEC-FD encontra-se em conformidade com a Estratégia Nacional para o Envelhecimento Ativo e Saudável 2017-2025, e com o Plano Nacional de Saúde - Revisão e Extensão a 2020, da Direção-Geral da Saúde (2017). Paralelamente, encontra-se de acordo com o definido pela European Innovation Partnership on Active and Healthy Ageing (EIP-AHA), já que se trata de uma abordagem preventiva e altamente benéfica para as pessoas idosas com um custo financeiro reduzido (Pilar I), capacitando-as a permanecerem socialmente ativas, independentes e autónomas por um maior período de tempo (Pilar III; European Innovation Partnership on Active and Healthy Ageing, 2016).

A EC é uma intervenção, geralmente num ambiente social, que oferece uma sequência de atividades agradáveis que abarcam domínios cognitivos como atenção, linguagem, raciocínio, aprendizagem, memória, processamento visuo-espacial e funções executivas.

Estas atividades, ao exigirem pensamento lógico, atenção e concentração, promovem o aumento da densidade sináptica cerebral, sendo esta rede de transmissão responsável pela dinâmica e plasticidade cerebral. Assim, nos idosos com declínio cognitivo, a EC representa-se como uma promissora intervenção para a redução dos sintomas, apresentando benefícios ao nível da interação dos participantes e nas suas relações comunicacionais (Apóstolo, Cardoso et al., 2014; Middelstadt, Folkerts, Blawath, & Kalbe, 2016; Spector, Woods, & Orrell, 2008).

Adicionalmente, a intervenção com EC tem um bom rácio de custo-benefício, já que, no caso das PNCs, os benefícios na cognição são comparáveis aos obtidos através da medicação (Spector et al., 2008).

Numa revisão sistemática com meta-análise, onde foram incluídos 15 estudos randomizados controlados, verificou-se que a EC pode ser associada a melhorias na qualidade de vida e na comunicação dos idosos. Contudo, não houve evidência da sua eficácia relativamente à sintomatologia depressiva (Woods, Aguirre, Spector, & Orrell, 2012). Numa outra revisão sistemática (Jean, Bergeron, Thivierge, & Simard, 2010), através do estudo da eficácia de 15 programas de estimulação cognitiva em indivíduos com declínio cognitivo ligeiro, observaram-se melhorias substanciais após a intervenção, a nível da memória, qualidade de vida e humor.

Como se pode verificar, a literatura científica revela que a EC deve ser uma componente essencial do cuidado ao idoso, já que permite obter ganhos em saúde (Apóstolo, Cardoso, et al., 2014).

Não obstante, os estudos existentes apresentam algumas limitações como o reduzido tamanho das amostras e o facto de, na sua maioria, serem implementados na população idosa que vive na comunidade, o que justifica a necessidade de realizar um estudo sobre o impacto da EC na cognição, e na sintomatologia depressiva de idosos institucionalizados.

 

Hipóteses

Hipótese 1 – Os idosos institucionalizados que são submetidos ao PEC-FD apresentam uma melhoria do estado cognitivo superior aqueles que não são sujeitos ao referido programa.

Hipótese 2 – Os idosos institucionalizados que são submetidos PEC-FD apresentam uma melhoria da sintomatologia depressiva superior aqueles que não são sujeitos ao referido programa.

 

Metodologia

Desenho do estudo - Estudo experimental (randomized controlled trial), com pré e pós-teste e grupo de controlo (GC).

Grupo experimental (GE) t1 x GE t2 ; GC t1 x GC t2

População alvo - Para garantir que a amostra fosse representativa da população portuguesa, foram avaliados idosos de cinco estruturas residenciais para pessoas idosas, localizadas na região centro de Portugal e Alentejo. A amostra foi constituída por idosos de ambos os sexos, com 65 ou mais anos, residentes nestas instituições e que cumpriam os seguintes critérios de inclusão, de acordo com os referidos pelos autores da intervenção (Apóstolo & Cardoso, 2014): idosos institucionalizados com uma pontuação de 10 ou superior na escala Mini Mental State Examination (MMSE), de modo a excluir um comprometimento cognitivo intenso; pontuação no Índice de Barthel superior a 20, de modo a excluir idosos com níveis elevados de dependência; capacidade para participar em atividades de grupo durante 45-60 minutos; ausência de défices sensoriais importantes e ausência de agitação que impossibilite a participação nas atividades de grupo durante o tempo proposto para cada sessão.

Randomização - Realizado nos cinco contextos em que o estudo foi implementado. Após aplicação dos critérios de inclusão foram selecionados 100 sujeitos. O rácio de alocação no GE ou GC foi 1:1. Para proceder à randomização (True Random Number Generator) recorreu-se ao Website random.org. O processo de randomização dos sujeitos pode ser observado no diagrama da Figura 1.

A análise de potência estatística foi baseada numa taxa de erro de tipo I de 0,05, uma potência de 0,80, um tamanho de efeito de 0,35 - cálculo realizado tendo em conta estudos prévios (Apóstolo & Cardoso, 2014; Apóstolo, Cardoso, et al., 2014) - e análise de variância (análises de variância [ANOVA]) com fatores de medidas repetidas. Esta análise do poder estatístico determinou um tamanho mínimo para a amostra de 44 pessoas. O tamanho da amostra foi calculado por um investigador independente através do programa de computador G * Power 3.

Instrumentos

Após obtenção do consentimento informado, livre e esclarecido, foram aplicados instrumentos de avaliação da cognição e da sintomatologia depressiva, no pré-teste – t1 e no pós-teste – t2.

Cognição: Aplicado a MMSE – versão portuguesa – (Morgado, Rocha, Maruta, Guerreiro, & Martins, 2009). A MMSE é um dos instrumentos mais utilizados no rastreio de declínio cognitivo em estudos epidemiológicos, assim como na avaliação global das funções cognitivas (Morgado et al., 2009).

Sintomatologia depressiva: Aplicada a Geriatric Depression Scale (GDS-15) – versão portuguesa – (Apóstolo, Loureiro, et al., 2014). Esta escala, de hetero-avaliação, apresenta duas alternativas de resposta, relativamente a como o idoso se sentiu durante as últimas duas semanas. A GDS-15 mostrou ser bem aceite pelos idosos não necessitando, habitualmente, de explicações adicionais.

Para evitar viés de deteção, os instrumentos MMSE e GDS-15 foram aplicadas por uma equipa de investigadores assistentes diferentes, previamente treinados na aplicação destes instrumentos. Como tal, a intervenção foi implementada e avaliada por diferentes investigadores assistentes (membros da equipa multidisciplinar).

Intervenção implementada

O PEC-FD, versão portuguesa de Making a Difference: An Evidence-based Group Programme to Offer Cognitive Stimulation Therapy to People with Dementia foi usado como intervenção, encontrando-se traduzido e adaptado ao contexto cultural português por Apóstolo e Cardoso (2014).

A intervenção com o PEC-FD foi constituída por duas sessões por semana, durante sete semanas, no ano de 2016. Cada sessão do programa teve uma duração entre 45 a 60 minutos. No GC não se realizou qualquer intervenção para além das previamente desenvolvidas pelas Instituições.

Análise estatística

Segundo o Teorema do Limite Central, assume-se que para amostras de uma dimensão superior a 30, como é o caso do presente estudo, justifica-se a utilização de métodos paramétricos. Como tal, no presente estudo optou-se pela realização de testes estatísticos paramétricos.

No teste da hipótese utilizaram-se assim testes paramétricos, nomeadamente Teste t de Student e análise de variância de medidas repetidas (ANOVA). Decidiu-se realizar a análise de intenção de tratar, intention-to-treat (ITT) analysis, porque alguns dos sujeitos não completaram a avaliação pós-intervenção. Deste modo, os resultados apresentados serão feitos tendo em conta a totalidade da amostra (n = 100, que inclui os casos ITT) e a amostra seguindo o protocolo que exclui os casos ITT (n = 94), o que permite também perceber se os mesmos têm uma influência significativa nos resultados.

No tratamento estatístico dos dados foi utilizado o programa IBM SPSS Statistics, versão 20.0. Um valor de p = 0,05 foi considerado para indicar significância estatística.

Procedimentos éticos

O presente estudo foi aprovado pelas instituições e pela Comissão de Ética da Unidade de Investigação em Ciências da Saúde - Enfermagem da Escola Superior de Enfermagem de Coimbra (P12-11/2010). Em cada fase do estudo foram cumpridos os princípios éticos subjacentes, tendo-se desenvolvido todos os procedimentos no respeito pelo anonimato, confidencialidade e consentimento livre e esclarecido dos participantes.

 

Resultados

Caracterização sociodemográfica e clínica dos idosos

A amostra é constituída por 100 pessoas, cujas idades variam entre 65 e os 100 anos (M = 84,45; DP = 7,497). Na amostra predominam sujeitos do sexo feminino (75%). Relativamente às habilitações literárias, a maioria dos inquiridos (60%) estudou entre 3 a 6 anos. Os grupos GE e GC não diferiram significativamente em relação ao sexo, educação, idade, cognição e sintomatologia depressiva. As características iniciais da amostra e as comparações entre os grupos relativos aos dados sociodemográficos e clínicos dos sujeitos são apresentadas na Tabela 1.

A avaliação inicial (pré-teste), relativamente ao estado cognitivo e sintomatologia depressiva dos idosos (n = 100), permitiu verificar que 55,1% do GE e 47,1% do GC foram classificados como tendo compromisso cognitivo; e 61,2% do GE e 51,0% do GC foram classificados como tendo perturbação depressiva.

No que concerne aos dados relativos à avaliação do efeito da intervenção PEC-FD desenvolvida com os idosos do GE, comparativamente ao GC, estes encontram-se apresentados na Tabela 2, para a amostra onde foram incluídos os casos ITT (n = 100).

Na Tabela 3 são apresentados os dados relativos à amostra seguindo o protocolo, aquando da exclusão dos casos ITT (n = 94).

Os resultados observados revelam uma evolução positiva (X = 2,04) no estado cognitivo, com a aplicação do PEC-FD aos idosos do GE. O mesmo não se verifica no GC, onde existe uma ligeira perda. Com recurso ao teste t de Student para amostras emparelhadas, verificou-se que a evolução no GE é estatisticamente significativa (t = 4,40; IC 95%, 1,13 - 2,95; p < 0,001), sendo que o mesmo não sucede no GC. Quando se compara esta diferença entre os grupos, o resultado da análise de variância de medidas repetidas indica que a mesma é estatisticamente significativa (p < 0,01). Como tal, o GE, comparado como GC, alcançou uma melhora na cognição (X = +2,04 vs. -0,19; F = 10,62; p < 0,01; eta quadrado parcial (?²p) = 0,098; potência = 0,897). Este resultado mostra que a estimulação cognitiva é eficaz na melhoria da cognição, o que explica 9,8% da variabilidade.

No que diz respeito à sintomatologia depressiva, os resultados observados revelam uma evolução positiva (X = 0,86) no GE, existindo também no GC uma ligeira melhoria (X = 0,57). Com recurso ao teste t de Student para amostras emparelhadas, verificou-se que a evolução no GE é estatisticamente significativa (t = -1,90; IC 95%, -1,76-0,05; p < 0,05), sendo que o mesmo não sucede no GC. A este respeito importa referir que embora a evolução no GE de t1 a t2 seja estatisticamente significativa dentro do grupo, tal como foi referido anteriormente, quando se comparam os grupos a mesma não é estatisticamente significativa (p > 0,05; eta quadrado parcial (?²p) = 0,003; potência = 0,078).

Os resultados observados, excluindo os casos ITT, revelam uma evolução positiva no estado cognitivo (X = 2,27) no GE, o mesmo não se verifica no GC, onde existe uma ligeira perda. Verificou-se ainda que a evolução no GE continua a ser estatisticamente significativa (t = 4,61; IC 95%, 1,28-3,27; p < 0,001), continuando a não ser estatisticamente significativa no GC. Quando se compara esta diferença entre os grupos, a mesma indica novamente significância estatística (p < 0,01). Como tal, o GE, comparado como GC, alcançou uma melhora na cognição (X = +2,27 vs. -0,20; F = 11,64; p < 0,01; quadrado parcial (?²p) = 0,112; potência = 0,922). Este resultado mostra que a estimulação cognitiva é eficaz na melhoria da cognição, o que explica 11,2% da variabilidade.

Relativamente à sintomatologia depressiva, observa-se uma evolução positiva (X = 0,95) ligeiramente superior quando se compara com casos onde se incluíram os casos ITT. O mesmo sucede no GC, onde existe uma ligeira melhoria. Verificou-se novamente que a evolução é estatisticamente significativa no GE (t = -1,90; IC 95%, -1,97-0,06; p < 0,05), sendo que o mesmo não sucede no GC. Os resultados indicam novamente que, quando se comparam as diferenças encontradas entre os grupos, a mesma não é estatisticamente significativa (p > 0,05; eta quadrado parcial (?²p) = 0,004; potência = 0,093).

Após apresentados os resultados que permitem afirmar que em média os idosos do GE apresentam uma melhora no estado cognitivo de aproximadamente 2 pontos, no instrumento de avaliação do estado cognitivo - MMSE -, e onde se verifica que os idosos do GE apresentam em média uma melhora na sintomatologia depressiva de sensivelmente 1 ponto, e que os idosos do GC apresentam em média uma melhora na sintomatologia depressiva de um pouco mais de 0,5 pontos, importa averiguar o número de casos que evoluíram de forma positiva, negativa, ou não apresentaram qualquer evolução permitindo uma análise clínica dos resultados.

Assim, no que concerne à avaliação clínica dos resultados a nível da cognição, no GE, 27 (55,1%) idosos melhoraram, 6 (12,3%) pioraram e 16 (32,6%) mantiveram o seu estado, enquanto no GC, 20 (39,2%) idosos melhoram, 21 (41,2%) pioraram e 10 (19,6%) mantiveram o seu estado. Analisando os dados, onde são excluídos os casos ITT, no GE, 27 (61,4%) idosos melhoraram, 6 (13,6%) pioraram e 11 (25%) mantiveram o seu estado, enquanto no GC, 20 (40,0%) idosos melhoram, 21 (42,0%) pioraram e 9 (18,0%) mantiveram o seu estado.

Relativamente à sintomatologia depressiva, no GE 27 (55,1%) idosos melhoraram, 12 (24,5%) pioraram e 10 (20,4%) mantiveram o seu estado, enquanto no GC, 23 (45,1%) idosos melhoram, 18 (35,1%) pioraram e 10 (19,6%) mantiveram o seu estado. Analisando os dados onde são excluídos os casos ITT, no GE, 27 (61,4%) idosos melhoraram, 12 (27,3%) pioraram e 5 (11,3%) mantiveram o seu estado, enquanto no GC, 23 (46,0%) idosos melhoram, 18 (36,0%) pioraram e 9 (18,0%) mantiveram o seu estado.

 

Discussão

Tendo em conta o objetivo e as hipóteses do estudo, os resultados sugerem que a EC tem eficácia, estatisticamente significativa no estado cognitivo dos idosos, explicando 9,8% e 11,2% da variação, incluindo ou excluindo os casos ITT respetivamente, que se considera uma melhoria respeitável, com boa relevância clínica. A análise da evolução dos casos permite verificar que os idosos sujeitos ao PEC-FD apresentam uma melhoria do seu estado cognitivo, com 55,1% (incluindo ITT) e 61,4% (excluindo ITT) a evoluir positivamente, comparativamente ao GC em que esta evolução ocorreu somente em 39,2% e 40,0% respetivamente. Pode-se também verificar um número elevado de evoluções negativas que existe no GC (41,2%) incluindo ITT e 42,0% seguindo o protocolo, ou seja, excluindo ITT - quando se compara com o grupo submetido ao PEC-FD - 12,3% e 13,6%, respetivamente.

Os resultados obtidos são comparáveis a outros estudos, nomeadamente aos de Spector et al. (2003), em que a aplicação do PEC-FD evidenciou melhorias significativas ao nível da cognição, e aos de Spector et al. (2008), onde a aplicação do mesmo programa em idosos com PNCs leve a moderada revelou benefícios significativos na cognição e também na qualidade de vida.

Outros estudos, que utilizaram o mesmo PEC-FD em idosos, realizados em Portugal têm também revelado eficácia. Destaca-se o estudo experimental desenvolvido por Apóstolo, Cardoso, Marta, & Amaral (2011), em que foi aplicado o PEC-FD a idosos a residir na comunidade, tendo evidenciado efeitos positivos na cognição. Num estudo quase-experimental, neste caso realizado com idosos a residir em instituições, verificou-se também o efeito positivo do PEC-FD na cognição (Apóstolo, Cardoso, et al., 2014).

Os resultados do presente estudo não fornecem evidência que permita afirmar sobre o efeito, estatisticamente significativo, do PEC-FD na sintomatologia depressiva, comparando o GE com o GC (p > 0,05). Embora seja de ressalvar que, do ponto de vista clínico, 27 dos idosos do GE, comparativamente a 23 do GC, evoluíram positivamente. Outro aspeto a realçar é que, do pré-teste (t1) para o pós-teste (t2), apenas no GE (incluindo e excluindo os casos ITT) houve uma melhoria estatisticamente significativa (p < 0,05), sendo revelador dos benefícios do PEC-FD na sintomatologia depressiva, contudo, tal como previamente referido, quando se comparam estes resultados com o GC, os mesmos não são estatisticamente significativos.

A evidência científica acerca do tema revela alguma inconsistência sobre o efeito da EC na sintomatologia depressiva. Na investigação realizada por Spector et al. (2003), observou-se a ausência de efeito da EC na sintomatologia depressiva dos idosos, contudo, no estudo desenvolvido por Chariglione e Janczura (2013), numa amostra de 21 idosos, sujeitos a um programa que inclui distintos processos de estimulação cognitiva observou-se uma melhora na sintomatologia depressiva e na cognição em idosos alfabetizados.

Relativamente aos estudos desenvolvidos em Portugal, que utilizaram o mesmo PEC-FD em idosos, verifica-se uma vez mais que os mesmos não são conclusivos em relação ao efeito da EC na sintomatologia depressiva, pois se num dos estudos se verifica que existem diferenças estatisticamente significativas (Apóstolo, Cardoso, Paúl, Rodrigues, & Macedo, 2016), em outros dois estudos essa diferença estatisticamente significativa não existe (Apóstolo, Cardoso, et al., 2014; Apóstolo et al., 2011).

Embora os resultados relativos à sintomatologia depressiva não sejam conclusivos, os mesmos devem ser alvo de criteriosa análise e ponderação, uma vez que, por exemplo em idosos com PNCs, pontuações inferiores na sintomatologia depressiva traduz-se numa probabilidade superior de melhora na cognição e qualidade de vida (Middelstadt et al., 2016). Assim, estes resultados não devem ser menosprezados, porque um resultado pode ser estatisticamente não significativo, mas ser clinicamente relevante (Loureiro & Gameiro, 2011).

Limitações: A perda de seis elementos da amostra, sobretudo no grupo experimental, originou que a análise dos resultados fosse realizada por duas vezes, uma excluindo os casos onde faltavam dados para uma correta análise, outra onde foi realizada a análise incluindo esses casos tendo sido realizado o procedimento ITT. Isto significa que todos os idosos que foram incluídos no estudo, e alocados aleatoriamente, foram incluídos na análise. Os seus dados foram analisados nos grupos nos quais foram randomizados, sendo que a inclusão ocorre independentemente dos desvios que ocorreram após a randomização (perdas durante o PEC-FD, incumprimento do numero de sessões do PEC-FD, recusa). A análise ITT preserva o equilíbrio prognóstico gerado pela alocação de tratamento aleatório original. A realização deste procedimento aporta uma estimativa mais confiável da verdadeira eficácia do PEC-FD, replicando o que acontece no mundo real. Quando as análises ITT e por protocolo chegam às mesmas conclusões, o que se verificou no presente estudo, a confiança nos resultados do estudo aumenta.

Finalmente, outras variáveis como o estado funcional e a qualidade de vida poderiam ter sido alvo de inclusão, pelo que se deve procurar incluir as mesmas em futuros estudos.

 

Conclusão

Os resultados do presente estudo corroboram os resultados verificados em estudos de âmbito nacional e internacional, onde se verifica que o PEC-FD tem efeito na melhoria da saúde cognitiva dos idosos. O PEC-FD promove, deste modo, a manutenção do estado cognitivo dos idosos, atrasando a instalação do quadro demencial.

Embora não se tenha comprovado que a EC tem um efeito positivo, estatisticamente significativo, na sintomatologia depressiva, quer nos casos incluindo ITT, quer segundo o protocolo, 55,1% e 61,4%, respetivamente, os idosos submetidos ao PEC-FD evoluíram positivamente, revelando assim a importância de se realizarem novos estudos nesta área. O presente estudo corroborou resultados observados previamente na literatura científica, revelando, por outro lado, a possibilidade dos idosos se beneficiarem nas áreas cognitiva e emocional, por meio de PEC. Não obstante às limitações expostas, os resultados do presente estudo podem contribuir para o desenvolvimento de novas linhas de investigação neste âmbito, possibilitando que o conhecimento emergente tenha impacto direto na prática clínica.

As melhorias ou a estabilização das funções cognitivas e da sintomatologia depressiva podem ser consideradas ganhos significativos em saúde. Como tal, a principal implicação para a prática deste estudo é que a EC deve, cada vez mais, ser alvo de consideração para inclusão nos planos de intervenção dos enfermeiros a pessoas idosas, de forma a contribuir para a preservação da sua capacidade cognitiva e emocional. No que concerne às instituições onde o mesmo é implementado, as implicações centram-se no facto de ser um programa estruturado, com um protocolo acessível e fácil de aplicar, tem um bom rácio de custo-benefício, incluindo assim incentivos à mudança e melhoria da prática clinica por parte das instituições. Relativamente aos profissionais de saúde a sua implementação favoreceu uma relação de proximidade entre o profissional e o idoso, resultando num conhecimento mais profundo do idoso.

Em síntese, os resultados obtidos são encorajadores, sugerindo que a intervenção terapêutica de enfermagem, pela estimulação cognitiva, poderá constituir um elemento facilitador dos processos de transição da pessoa idosa com deterioração cognitiva e depressão, melhorando o padrão de resposta da mesma.

 

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Agradecimentos

Os autores agradecem o apoio da Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem (UICISA: E), da Escola Superior de Enfermagem de Coimbra (ESEnfC).

 

Recebido para publicação em: 22.06.18

Aceite para publicação em: 10.10.18

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