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Revista de Enfermagem Referência
versão impressa ISSN 0874-0283
Rev. Enf. Ref. vol.serIV no.20 Coimbra mar. 2019
https://doi.org/10.12707/RIV18092
ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO (ORIGINAL)
RESEARCH PAPER (ORIGINAL)
Registos vacinais de enfermagem: importância para vigilância da saúde das populações
Vaccination nursing records: importance for monitoring the health of populations
Registros de vacunación de enfermería: importancia para el control de la salud de la población
João Manuel Graça Frade*
https://orcid.org/0000-0002-4947-1052
Carolina Miguel Graça Henriques**
https://orcid.org/0000-0002-0904-8057
Fátima Frade***
https://orcid.org/0000-0002-6190-5298
* Ph.D., Professor Adjunto, Escola Superior Saúde, Instituto Politécnico de Leiria, 2411-901, Leiria, Portugal [joao.frade@ipleiria.pt]. Contribuição no artigo: pesquisa e escrita do artigo. Morada para correspondência: Campus 2 - Morro do Lena -Alto do Vieiro, Apartado 4137, 2411-901, Leiria, Portugal.
** Ph.D., Pos-Doc, Professora Adjunta, Escola Superior Saúde, Instituto Politécnico de Leiria, 2411-901, Leiria, Portugal [carolina.henriques@ipleiria.pt]. Contribuição no artigo: pesquisa e escrita do artigo.
*** Ph.D., Professor Adjunto, Escola Superior de Saúde, Universidade Atlântica, 2730-036, Oeiras, Portugal [ffrade@uatlantica.pt]. Contribuição no artigo: pesquisa e escrita do artigo.
RESUMO
Enquadramento: Os registos vacinais de enfermagem são uma fonte de informação relevante para uma adequada vigilância epidemiológica da aplicação do Programa Nacional de Vacinação.
Objetivos: Avaliar a fiabilidade e precisão dos registos vacinais de enfermagem relativos à estratégia vacina antissarampo, parotidite e rubéola (VASPR).
Metodologia: Foram consultados os registos oficiais de vacinação de 411 indivíduos, nascidos entre 1970 e 2004. Através destes registos estudou-se a história vacinal, de doença e de reações adversas à vacinação.
Resultados: Existe informação vacinal coincidente registada na ficha individual de vacinação e no boletim individual de saúde em 96,22%. Os esquemas vacinais seguidos estiveram associados a gerações de nascimento às quais os indivíduos pertencem (r = 0,720; p = 0,020). O estado vacinal não esteve associado nem à história de doença nem à história de reações adversas à vacinação (p > 0,05).
Conclusão: Os registos vacinais de enfermagem são fiáveis e precisos, permitem a monitorização e vigilância da saúde das populações e garantem o sucesso da aplicação do Programa Nacional de Vacinação em Portugal.
Palavras-chave: vacinação; enfermagem; indicadores básicos de saúde; saúde pública
ABSTRACT
Background: Vaccination nursing records are a source of relevant information for adequate epidemiological surveillance of the implementation of the National Vaccination Program.
Objectives: To evaluate the reliability and accuracy of vaccination nursing records related to the measles-mumps-rubella vaccination strategy (MMR).
Methodology: The official vaccination records of 411 individuals, born between 1970 and 2004, were examined. We studied their vaccination, disease, and vaccination adverse reactions history.
Results: There is a coincidence of vaccination information recorded in the Individual Vaccination Record and the Individual Health card in 96.22%. The followed vaccination schedules were associated with the birth generations to which individuals belong (r = 0.720; p = 0.020). Vaccination status was not associated with either the history of disease or the history of adverse reactions to vaccination (p > 0.05).
Conclusion: Vaccination nursing records are reliable and accurate, allow the monitoring and surveillance of the health of populations, and ensure the success of the implementation of the National Vaccination Program in Portugal.
Keywords: vaccination; nursing; health status indicators; public health
RESUMEN
Marco contextual: Los registros de vacunación de enfermería son una fuente de información pertinente para realizar un control epidemiológico adecuado de la aplicación del Programa Nacional de Vacunación.
Objetivos: Evaluar la fiabilidad y la precisión de los registros de vacunación de enfermería relativos a la estrategia de vacunación contra el sarampión, la parotiditis y la rubeola (VASPR).
Metodología: Se consultaron los registros oficiales de vacunación de 411 individuos nacidos entre 1970 y 2004. A través de estos registros, se estudió el historial de vacunación, de enfermedad y de reacciones adversas a la vacunación.
Resultados: Existe información de vacunación coincidente registrada en la cartilla de vacunación individual y en el boletín individual de salud al 96,22%. Los esquemas de vacunación seguidos se asociaron con generaciones de nacimiento a las cuales pertenecen los individuos (r = 0,720; p = 0,020). El estado de vacunación no se asoció ni con el historial de enfermedad ni con el historial de reacciones adversas a la vacunación (p > 0,05).
Conclusión: Los registros de vacunación de enfermería son fiables y precisos, permiten el seguimiento y el control de la salud de las poblaciones y garantizan el éxito de la aplicación del Programa Nacional de Vacunación en Portugal.
Palabras clave: vacunación; enfermería; indicadores de salud; salud pública
Introdução
Na área do Programa Nacional de Vacinação (PNV), para além das competências técnicas relacionadas com a administração das vacinas e todas as restantes intervenções associadas ao ato de vacinar, os enfermeiros desempenham importantes funções na produção de indicadores de vigilância epidemiológica que se mostram relevantes para o sucesso da aplicação desse mesmo programa em Portugal. Esses indicadores podem ser extraídos da informação vacinal registada no Boletim Individual de Saúde (BIS) e na Ficha Individual de Vacinação (FIV), que neste momento se encontram informatizados no Sistema de Informação Nacional dos Cuidados de Saúde Primários (SINUS) em Portugal. Por outas palavras, a importância das intervenções de enfermagem nesta área da prática clínica não se esgotam no cuidado individual aos indivíduos que se vacinam, mas têm um propósito maior, que se constitui na produção de indicadores que permitem a monitorização e vigilância da saúde das populações, ao mesmo tempo que contribuem para a avaliação do sucesso das estratégias utilizadas para modificar o curso dos processos de saúde/doença.
Neste estudo, tem-se como objetivo demonstrar como são fiáveis e precisos os registos clínicos de enfermagem relativamente à amostra estudada, permitindo traduzir a prática de enfermagem em Portugal no domínio da vacinação. Demonstrou-se também que estes registos constituem uma boa fonte de dados para a realização de vigilância epidemiológica da aplicação do PNV, nomeadamente no que diz respeito aos dados de cobertura vacinal, qualidade da informação vacinal registada no BIS e na FIV e ao estudo da sua possível relação com a história de doença e/ou reações de adversas à vacinação, utilizando como exemplo, a aplicação da estratégia vacinal da vacina combinada contra o sarampo, papeira e rubéola (VASPR), pela ocorrência de casos de sarampo recentes em Portugal.
Enquadramento
Entende-se por intervenção de enfermagem, a ação autónoma do enfermeiro (Loureiro, 2004; Witt, 2013), tendo por base os seus conhecimentos científicos e competências, realizadas com o fim de beneficiar o utente, as famílias e a comunidade, assentes num processo de enfermagem que traduza resultados dessa mesma intervenção. Na área da vacinação podemos dividir o cuidado de enfermagem em três momentos distintos: pré-vacinação, vacinação e pós-vacinação. No momento da pós-vacinação os enfermeiros devem fazer registos das vacinas que administraram, sendo que esses registos devem conter os elementos relativos ao nome e a formulação da vacina administrada, a dose e o número da dose da vacina aplicada, o lote e a data da inoculação, tal como as reações adversas a vacinações anteriores, sendo que estes registos devem ser efetuados em pelo menos dois documentos a FIV e o BIS (Direção-Geral da Saúde, 2017; Frade, Frade, Henriques, Silva, & Gonçalves, 2017; Loureiro, 2004; Witt, 2013; Subtil, 2011).
A avaliação da qualidade da informação vacinal associada a uma determinada estratégia vacinal carece do conhecimento das normas, das orientações e das diretrizes que estão associados à aplicação dessa mesma estratégia (Direção-Geral da Saúde, 2017; Frade et al., 2017). Na presente pesquisa é estudada a qualidade da informação vacinal relativa à estratégia vacinal VASPR, pelo que importa conhecer a evolução da aplicação desta estratégia em território nacional.
A vacina contra o sarampo (VAS) foi implementada em Portugal em 1973, a partir dessa altura e decorrente de diferentes alterações do PNV relativas a essa estratégia, é possível identificar em Portugal três gerações vacinais distintas e os respetivos esquemas vacinais associados (Direção-Geral da Saúde, 2017; Frade et al., 2017). A primeira geração nasceu antes de 1977, teve apenas oportunidade de receber uma dose de vacina contra o sarampo e seguiu o esquema VAS I. A segunda geração nasceu entre 1977-1984, teve oportunidade de receber duas doses de vacina e seguiu o esquema VAS I e VAS(II) PR I. A terceira geração nasceu depois de 1984, teve oportunidade de receber também duas doses de vacina, sendo que a primeira já poderia ser através da formulação VASPR, esta geração seguiu o esquema VASPR I e VASPR II. O esquema único VASPR I podemos encontrá-lo na geração nascida entre 1877-1985, nos indivíduos que já se vacinaram depois da idade recomendada pela Direção-Geral da Saúde (DGS) e na geração nascida depois de 1984, quando não completaram a vacinação com a VASPR II (Frade et al., 2017). O conhecimento dos esquemas vacinais, seguidos da taxa de cobertura vacinal, das datas de administração das vacinas e das formulações de vacinas recebidas, tem grande valor epidemiológico para a determinação do perfil imunológico e também para o estabelecimento de possíveis relações entre a história de doença e as reações adversas à vacinação (George et al., 2017; Gonçalves, Frade, Nascimento, Mesquita, & Nunes, 2016; Gonçalves, Frade, Nunes, Mesquita, & Nascimento, 2015).
No que diz respeito à ocorrência de doença, desde 2004 que não são registados casos de doença endémica em Portugal, embora a partir de 2011 e seguintes anos tenham ocorrido vários casos de sarampo, em diversos países da Europa. Nos últimos 2 anos, Portugal também registou surtos importantes, embora os casos tenham sido considerados importados (European Centre for Disease Prevention and Control, 2011; European Centre for Disease Prevention and Control, 2017; European Centre for Disease Prevention and Control, 2019).
A ocorrência dos recentes casos de doença em Portugal poderá estar relacionada com a diminuição do perfil imunitário da população portuguesa, o que poderá colocar em causa o fenómeno da imunidade de grupo e o possível aparecimento de doença (Gonçalves et al., 2015). Relativamente às reações adversas à vacinação elas são mínimas e pouco incidentes, sendo a vacina utilizada muito segura e eficaz (Cutts, Lessler, & Metcal, 2013).
Questões de investigação
Os registos vacinais de enfermagem que permitem realizar vigilância epidemiológica da aplicação do PNV, nomeadamente a estratégia vacinal VASPR, são fiáveis e válidos?
As vacinas foram administradas de acordo com as orientações da Direção-Geral de Saúde à época, no sentido de obter elevadas taxas de cobertura vacinal?
Os registos vacinais correspondem às formulações de vacinas disponíveis à época?
A informação registada no BIS e idêntica à informação registada na FIV?
Os relatos de história de doença e reações adversas à vacina estão de acordo com a informação vacinal registada no BIS e na FIV?
Metodologia
Foi realizado um estudo transversal a 411 utentes nascidos entre 1970 e 2004, pertencentes ao Agrupamento de Centros de Saúde do Pinhal Litoral (ACES Pinhal Litoral) e à Unidade Local de Saúde (ULS) da Guarda, Portugal. Estudou-se a história vacinal VASPR, de sarampo e a de reação adversas à vacinação VASPR. Os dados relativos a este estudo primeiramente foram obtidos nas consultas de enfermagem através de um pequeno questionário, aplicado pelo enfermeiro com recurso à entrevista estruturada, onde os utentes foram questionados sobre antecedentes da sua história de clínica e possível existência de reações adversas à vacinação. Posteriormente, foi feita recolha de dados através da consulta da FIV dos ficheiros de vacinação e dos dados relativos a estratégia vacinal VASPR. A colheita de dados ocorreu entre 2012 e 2014, numa amostra de conveniência. Desta forma, o questionário foi aplicado através de entrevista a 411 utentes, realizada pelo enfermeiro que integrava a consulta de enfermagem, onde o utente se dirigia. Só foram incluídos no estudo os indivíduos com história vacinal registada no BIS e ou na FIV, inscritos nas respetivas unidades de saúde. No momento da entrevista os indivíduos que não apresentaram o BIS foram convidados a enviar-nos uma cópia por correio em envelopes pré-pagos.
Os dados provenientes da história vacinal e das entrevistas foram lançados numa base de dados, onde foram tratados com recurso ao programa IBM SPSS Statistics, versão 23.0 (SPSS Inc. Chicago, Illinois).
As principais variáveis independentes estudadas foram o esquema vacinal e ano de nascimento. Os intervalos de confiança foram definidos a 95%. O grau de associação das diferentes variáveis foi medido através das medidas Phi e V de Cramer. Foi ainda utilizado o teste de independência de qui quadrado.
No que diz respeito às questões éticas, o estudo foi aprovado pela Coordenação da Unidade de Saúde Publica do ACES Pinhal Litoral, e pela Comissão de Ética da ULS da Guarda. Todos os indivíduos incluídos no estudo assinaram o consentimento informado e esclarecido. Na análise dos dados mantiveram-se as regras da confidencialidade e do anonimato dos sujeitos estudados, sem qualquer possibilidade de identificação.
Resultados
No que diz respeito à coincidente informação vacinal registada na FIV e no BIS, pode verificar-se que, dos 411 indivíduos incluídos na amostra obteve-se a FIV de 318 indivíduos (73,77%) e o BIS de 252 indivíduos (63,13%). Em 159 indivíduos (38,68%) obtiveram-se os dois documentos e pôde confrontar-se a informação registada num e noutro documento, no que diz respeito à formulação de vacina registada e data da vacinação. Em apenas seis indivíduos, a informação dos dois documentos não coincidiu (3,77%), o que se deveu, em cinco indivíduos, à falta de registo na FIV e em um indivíduo apenas, à não coincidente data de registo da vacina (Tabela 1).
Analisando o estado vacinal (0 VAS; 1 VAS; 2 VAS) da amostra (Tabela 2) verificou-se que a taxa de cobertura vacinal aumenta das gerações mais velhas para as gerações mais novas. A geração nascida antes de 1984 é a geração que apresenta maior proporção de indivíduos com zero doses de vacina (51/58; 87,93%) e a geração nascida depois de 1984 é que a apresenta maior número de indivíduos com duas doses de vacina (237/282;84,04%). A taxa de cobertura vacinal foi de 0% na geração nascidas antes 1977, para as duas doses de vacina e superior a 90% na geração nascida depois de 1985 para essas mesmas duas doses de vacina.
A Tabela 3 mostra-nos que entre os 353 indivíduos com registo de terem feito a vacina contra o sarampo, 84 (23,80%) vacinaram-se pela primeira vez com a vacina VAS, e 269 (76,20%) com a vacina VASPR. As formulações de vacina com estes indivíduos iniciaram a vacinação e os respetivos esquemas vacinais estão significativamente associados às coortes de nascimento a que pertencem (r = 0,720; p = 0,020).
Nos 84 indivíduos que iniciaram a vacinação com a formulação VAS, 10 indivíduos (11,90%) nasceram depois de 1984, estes indivíduos não deveriam ter recebido a formulação VAS, pois à data da vacinação a formulação VASPR já estava disponível. No grupo dos 269 indivíduos que iniciaram a vacinação com a VASPR, 32 (11,90%) nasceram antes dessa data, logo não deveriam ter sido vacinados com VASPR, mas sim com VAS, porque à data da vacinação a formulação VASPR ainda não estava disponível. Os restantes 237 indivíduos (88,10%) iniciaram a vacinação com VASPR e já nasceram depois 1984.
Os esquemas vacinais iniciados com VASPR I, nos indivíduos nascidos antes de 1984, podem corresponder a vacinações realizadas depois da idade recomendada e os esquemas vacinais iniciados com VAS I, em indivíduos nascidos depois de 1984, podem corresponder a vacinações realizadas antes da idade recomendada.
Do total dos 411 indivíduos incluídos na amostra em apenas 73 se obtiveram respostas positivas de história de sarampo, sendo a proporção de relatos positivos maior na geração nascida entre 1977-1985 (47/73; 64,38%). Os relatos de ocorrência de doença foram também maiores na idade pré-escolar e idade escolar (55/73; 75,34%). De notar que dos 73 indivíduos com relatos positivos de doença, 43 (63,01%) correspondiam a indivíduos com registos de toma de uma ou duas doses de vacina.
Não foram encontradas diferenças estatisticamente significativas entre os relatos de ocorrência de casos de doença e o estado vacinal (p = 0,984). Assim como não houve associação estatisticamente significativa entre a incidência de sarampo e o estado vacinal (Phi = 0,044; p > 0,05; Tabela 4).
Os relatos de reações adversas à vacinação foram muito baixos, apenas 12 indivíduos relataram história positiva de reações adversas à vacinação, sendo que a geração que mais relatos apresentou foi a geração nascida entre 1977-1984 (seis indivíduos, 50%) e que fez apenas uma dose de vacina; Tabela 5).
Discussão
Os registos vacinais são um importante meio de prova e de documentação da história vacinal de cada indivíduo e são um importante meio de monitorização da aplicação do PNV pela sua importância na obtenção/produção de indicadores epidemiológicos que servem para a avaliação da política de vacinação de um país (Gonçalves, Frade, et al., 2016; Gonçalves et al., 2015). Na amostra estudada foi possível confrontar a informação vacinal registada no BIS e na FIV em 159 indivíduos (159/411; 38,7%). Em apenas 6 indivíduos (6/159; 3,8%), a informação vacinal registada nestes dois documentos não coincidiu, devendo-se à falta de registos de doses de vacina na FIV, mas que se encontrava no BIS, e a um erro de registo de uma data de vacinação, o que nos leva a crer que a informação vacinal da amostra é bastante fiável.
Neste estudo, as gerações mais novas foram as que apresentaram maior número de doses de vacina recebidas e são também aquelas que apresentaram taxas de cobertura vacinal superiores a 90%. Esta evolução da taxa de cobertura vacinal foi semelhante à registada na região de onde a amostra provém e também à registada em Portugal Continental (Cutts et al., 2013; Direção-Geral da Saúde, 2017).
As gerações de maior idade vacinaram-se primeiramente com a vacina VAS, e as de menor idade já com a vacina VASPR, uma vez que esta última só ficou disponível em Portugal a partir de ano de 1987 (Frade et al., 2017; Direção-Geral da Saúde, 2017). Apesar disso encontraram-se 10 indivíduos (10/247; 4,05%) que, embora já tivessem nascido depois de 1985 (ano de nascimento depois do qual já era possível ser vacinado com VASPR), ainda iniciaram a vacinação com a VAS. Este facto pode dever-se a três ordens de razões: (1) estes indivíduos já tinham completado os 15 meses de idade, à data de administração da vacina (junho de 1986) e ainda não existia a VASPR e por isso, ainda foram vacinados com VAS; (2) foram vacinados antes dos 15 meses de idade e por ainda não existir VASPR disponível, foram vacinados com a VAS; (3) foram vacinadas com VAS, mesmo já existindo VASPR, por razões que desconhecemos. Consultada a idade em que estes indivíduos realizaram a 1ª dose de vacina contra o sarampo verificou-se que existem três indivíduos (3/411; 0,7%) que foram vacinados antes dos 12 meses de idade e existem 47 (47/411; 11,4%) que fizeram a 1ª dose de vacina entre 12 aos 14 meses de idade (embora tenha sido dentro dos 12 meses de idade, foi antes da idade recomendada dos 15 meses), o que parece validar o facto de alguns indivíduos terem ainda tomado a VAS em vez da VASPR, tendo mesmo nascido depois de 1984. Por outro lado, existem 32 indivíduos que nasceram antes de 1984 inclusive, altura em que ainda não existia a VASPR (Direção-Geral da Saúde, 2017) e, por isso, deveriam ter iniciado a vacinação com VAS, porém já o fizeram com a nova formulação de vacina VASPR, que só aparece em 1987 (Direção-Geral da Saúde, 2017). Esta situação deveu-se provavelmente ao facto da vacina ter sido administrada já depois da idade recomendada pela DGS (15 meses de idade). Este ato vacinal representa um esforço adicional de atualização e de elevação da taxa de cobertura vacinal, para este grupo de indivíduos, pois a vacinação já foi feita depois da idade recomendada. Esta situação parece confirmar-se pela consulta da idade da realização da 1º dose de vacina, onde se verificou que existiam precisamente 32 indivíduos (32/411; 7,8%) que se vacinaram pela 1ª vez contra o sarampo, com a vacina VASPR I, já depois de terem completado os 2 anos de idade (Frade et al., 2017).
Dos 282 indivíduos que receberam duas doses de vacina, 49 (49/282, 17,4%) iniciaram a vacinação com a VAS e completaram-na com VASPR I, os restantes 233 iniciaram com VASPR I e terminaram-na com a respetiva VASPR II. Os primeiros 49, seguiram esquema VAS/VASPR I, porque nasceram para além dos 15 meses antes introdução da VASPR em Portugal, ou seja, antes de julho de 1985 e por isso iniciaram a vacinação com VAS (Direção-Geral da Saúde, 2017) porque ainda não existia VASPR e em 1990, por terem menos de 13 anos de idade (nasceram depois de 1977), fizeram VASPR I, quando foi introduzida a 2ª dose de VASPR que deveria ser administrada entre os 10-13 anos de idade (Frade et al., 2017).
Entre os 233 indivíduos (233/411; 56,7%) que iniciaram a vacinação com VASPR I e terminaram-na com a respetiva VASPR II, existem seis indivíduos (6/233; 2,6%) que nasceram antes de 1984 inclusive, o que significa que ainda deveriam ter iniciado a vacina monovalente (VAS), mas já o fizeram com a trivalente (VASPR), muito provavelmente porque já foram vacinados depois dos 15 meses de idade. Consultadas a idade da toma da 1º dose de vacina verificou-se que pelo menos oito indivíduos, nascidos depois de 1984 já tomaram a 1ª dose de vacina depois dos 24 meses (Direção-Geral da Saúde, 2017; Frade et al., 2017). Este facto parece justificar-se por aqueles seis indivíduos já terem sido possivelmente vacinados com VASPR e não com VAS.
Esta análise parece demonstrar-nos que a informação vacinal registada na amostra corresponde ao que seria a política de vacinação para Portugal na altura em que os indivíduos se vacinaram, e nos casos em que o esquema vacinal não era exatamente aquele que era preconizado. Isto poderá representar um aproveitamento de oportunidade de vacinação por parte dos enfermeiros para atualizar a vacinação destes indivíduos. Neste sentido, considerou-se que as intervenções de enfermagem, no que diz respeito ao registo da informação vacinal correspondente para esta amostra, parecem ser bastante precisas e válidas, na medida em que corresponde exatamente às vacinas administradas e às respetivas datas de administração das mesmas.
Existem autores que apontam para a existência de casos de doença em indivíduos vacinados, o que não é expectável, no entanto, a incidência de doença, de acordo com os mesmos, é muito menor nos indivíduos vacinados (Gonçalves et al., 2015; Gonçalves, Nunes, et al., 2016). Estes dados podem dever-se ao facto de os indivíduos terem sido vacinados posteriormente ao episódio de doença. O que poderá ter acontecido em campanhas de vacinação, onde não era tido em conta o historial de doença do indivíduo (Gonçalves, Nunes, et al., 2016), ou, ao possível efeito de viés de memória. Certamente quando estes indivíduos foram inquiridos sobre a existência de história de doença, a doença já teria ocorrido há bastante tempo, o que pode ter criado respostas menos objetivas, quer relativamente à idade indicada para a sua ocorrência, quer no respeitante à existência da própria doença.
No que diz respeito à idade da ocorrência do sarampo, ela foi mais incidente na idade pré-escolar e escolar, o que está de acordo com a World Health Organization (WHO), onde está documentado que a doença tem maior incidência nas idades compreendidas entre os 5 e os 9 anos de idade (World Health Organization, 2018). Analisando a incidência de doença por geração de nascimento, verificou-se que o sarampo teve maior incidência nas coortes nascidas entre 1976-1985. Estes indivíduos teriam na altura entre 3 anos a pouco mais de 10 anos de idade, quando em Portugal ocorreu uma epidemia de sarampo, em 1987, para além dos pequenos surtos que todos os anos foram ocorrendo no país (European Centre for Disease Prevention and Control, 2017).
Apenas 12 indivíduos (12/411; 2,9%) tiveram relatos positivos de reações adversas à vacinação, o que está de acordo com a literatura, onde está descrito que a vacina é muito segura, sendo a incidência de reações adversas muito baixa (Cutts et al., 2013).
Como principais limitações deste estudo destacamos o facto da amostra não ser probabilística e por isso não ser representativa da população portuguesa e estudar apenas a estratégia vacinal VASPR. O possível efeito viés de memória, que pode resultar da aplicação dos questionários sobre a história de doença e de reações adversas à vacinação, que já poderiam ter acontecido há muito tempo, também é uma limitação, pelo que a extrapolação destes dados para a população geral deve ser feita com cautela. No entanto, a amostra apresenta caraterísticas no que diz respeito à história vacinal muito semelhantes às da região de proveniência da amostra e às de Portugal Continental, não diferindo as taxas de cobertura vacinal da estratégia VASPR, das taxas de cobertura vacinal de outras estratégias vacinais contempladas no PNV português.
Conclusão
Os registos vacinais realizados por enfermeiros em Portugal podem ser considerados de elevada qualidade, precisos, fiáveis e válidos. Esta qualidade deve-se à coincidente informação registada no BIS e na FIV e, também, devido ao facto do registo das diferentes formulações de vacina estarem de acordo com as datas em que elas foram implementadas em Portugal, e com as normas, orientações e diretrizes que lhe deram origem.
A taxa de cobertura vacinal foi aumentando para as duas doses de vacina, seguindo as diferentes orientações da DGS, nas suas diferentes circulares normativas, decorrente das diferentes estratégias vacinais que foram sendo aplicadas em Portugal. À medida que a estratégia vacinal VASPR foi sendo aplicada em Portugal, a taxa de cobertura vacinal aumentou significativamente, tanto para a 1ª como para a 2ª dose, seguindo as diferentes diretrizes que foram sendo introduzidas no PNV português, ao longo do tempo.
Os indivíduos nascidos antes de 1977 realizaram o esquema vacinal VAS I, os nascidos entre 1987-1984 realizaram o esquema VAS I ou VASPRI ou ainda VAS I e VASPR I e os nascidos depois de 1984 realizaram o esquema vacinal VASPR I VASPR II.
De uma forma geral os indivíduos que nasceram antes de 1984 foram vacinados com a formulação de vacina VAS e os indivíduos nascidos depois desta data já foram vacinados com a formulação VASPR. Os indivíduos que não se enquadram nestes esquemas, ou perderam oportunidades de vacinação, ou já se vacinaram depois da idade recomendada.
A incidência de doença reduziu drasticamente, sobretudo nas gerações mais novas, desde de 2004 que não existe nenhum caso de sarampo endémico no país.
A incidência de relatos de reações adversas também foi baixa, o que comprova os elevados níveis de segurança da vacina que é aplicada em Portugal, na estratégia vacinal de luta contra o sarampo. Para além disso, estes resultados espelham o sucesso das intervenções de enfermagem em três momentos: (1) a pré-vacinação que contempla a determinação das estimativas das taxas de cobertura vacinal, a identificação de bolsas de populações particularmente vulneráveis, a convocatória para vacinação, a organização e planeamento de campanhas de vacinação, a educação para a saúde a indivíduos, família, comunidade, e a manutenção das condições físicas e materiais necessárias para o bom uso das vacinas; (2) a vacinação propriamente dita que contempla o acolhimento do utente/avaliação inicial, a identificação das contra indicações à vacina, o desmitificar de falsas contraindicações, a informação de possíveis efeitos secundários e reações adversas, a preparação adequada da vacina e a sua administração correta; (3) o momento da pós vacinação que contempla o registo da informação vacinal no BIS e na FIV (formulação da vacina administrada, dose, número da dose, lote e a data da inoculação ), informação sobre a data da próxima inoculação, atuação em caso de reação anafilática, monitorização de reações adversas e secundárias, avaliação de campanhas de vacinação.
Este estudo demonstra a importância dos registos vacinais de enfermagem na produção de indicadores de monitorização e vigilância epidemiológica de aplicação do PNV, que garantem o sucesso da execução do mesmo, em Portugal.
Referências bibliográficas
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Recebido para publicação em: 17.12.18
Aceite para publicação em: 12.03.19