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Revista de Enfermagem Referência

versão impressa ISSN 0874-0283

Rev. Enf. Ref. vol.serIV no.22 Coimbra set. 2019

https://doi.org/10.12707/RIV19010 

ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO (ORIGINAL)

RESEARCH PAPER (ORIGINAL)

 

Os preditores à mudança de profissão de Enfermagem

Predictors for changing to a non-Nursing profession

Los predictores de los cambios a la profesión de Enfermería

 

Ana Filipa da Silva Poeira*
https://orcid.org/0000-0002-9924-7526

Ricardo Nuno Ferreira Paes Mamede**
https://orcid.org/0000-0001-9738-7480

Maria Manuela Ferreira Pereira da Silva Martins***
https://orcid.org/0000-0003-1527-9940

 

* Ph.D., Professora Adjunta Convidada, Escola Superior de Saúde do Instituto Politécnico de Setúbal. Investigadora Integrada, NURSE’IN Unidade de Investigação em Enfermagem do Sul e Ilhas, 2914-503, Setúbal, Portugal [ana.poeira@ess.ips.pt]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica, recolha de dados, tratamento e avaliação estatística, análise de dados e discussão, escrita do artigo. Morada para correspondência: ESS/IPS Estefanilha, 2914-503, Setúbal, Portugal.

** Ph.D., Professor Auxiliar e Subdiretor do Departamento de Economia Política, ISCTE - Instituto Universitário de Lisboa, Departamento de Economia. Investigador Integrado, DINÂMIA’CET-IUL - Centro de Estudos sobre a Mudança Socioeconómica e o Território (ECSH) [Governação, Economia e Cidadania], 1649-026, Lisboa, Portugal [ricardo.mamede@iscte-iul.pt]. Contribuição no artigo: análise de dados e discussão, escrita do artigo.

*** Ph.D., Professora Coordenadora, Escola Superior de Enfermagem do Porto. Investigadora, Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde, Grupo de Investigação NursID: Inovação e Desenvolvimento em Enfermagem, 4200-072, Porto, Portugal [mmartins@esenf.pt]. Contribuição no artigo: análise de dados e discussão, escrita do artigo.

 

RESUMO

Enquadramento: A predisposição dos enfermeiros para mudar de profissão enquadra-se na rotatividade em enfermagem. Compreender os motivos que levam os enfermeiros a querer mudar de organização ou até mesmo abandonar a profissão é fundamental, visto que essa movimentação traz consigo implicações negativas no grupo de trabalho e na organização.

Objetivo: Determinar a propensão para o abandono da profissão de enfermagem.

Metodologia: Estudo descritivo, correlacional, transversal e quantitativo. A amostra, do tipo não-probabilístico, é constituída por 463 enfermeiros acedidos mediante a técnica de snowball.

Resultados: São os enfermeiros com idades inferiores a 40 anos e a desempenhar funções no setor público que apresentam maior vontade de abandonar a profissão de enfermagem. Verifica-se também que quanto maior for a satisfação com a profissão e maior a autonomia e reconhecimento profissional, menor será a probabilidade de os enfermeiros mudarem de profissão.

Conclusão: É fundamental que as organizações de saúde se preocupem com a retenção dos seus enfermeiros, adotando estratégias de recursos humanos que valorizem os mesmos e com modelos organizacionais voltados para a motivação e satisfação.

Palavras-chave: recursos humanos; reorganização de recursos humanos; satisfação no emprego; enfermagem

 

ABSTRACT

Background: Nurses’ predisposition to change their profession lies within the scope of nurse turnover. Understanding the reasons why nurses want to switch to another organization or even leave the profession is important because this movement has a negative impact on the workgroup and the organization.

Objective: To determine the propensity to leave the nursing profession.

Methodology: Descriptive, correlational, cross-sectional, and quantitative study. The non-probability sample of 463 nurses was recruited through the snowball method.

Results: The nurses who were under the age of 40 and worked in the public sector were more willing to leave the nursing profession. The greater the satisfaction with the profession and the greater the professional autonomy and recognition, the lower the nurses’ probability to change to another profession.

Conclusions: Health organizations should concentrate on retaining their nurses by adopting human resource strategies that value them and organizational models focused on motivation and satisfaction.

Keywords: human resources; personnel turnover; job satisfaction; nursing

 

RESUMEN

Marco contextual: La predisposición de los enfermeros a cambiar de profesión forma parte de la rotatividad en enfermería. Comprender las razones que llevan a los enfermeros a querer cambiar su organización o incluso a abandonar la profesión es esencial, ya que este movimiento conlleva implicaciones negativas en el grupo de trabajo y en la organización.

Objetivo: Determinar la propensión a abandonar la profesión de enfermería.

Metodología: Estudio descriptivo, correlacional, transversal y cuantitativo. La muestra no probabilística consistió en 463 enfermeros a los que se accedió a través de la técnica de la bola de nieve.

Resultados: Los enfermeros menores de 40 años que trabajan en el sector público son los que están más dispuestos a dejar la profesión de enfermería. También se encontró que cuanto mayor es la satisfacción con la profesión y mayor es la autonomía y el reconocimiento profesional, menos probable es que los enfermeros cambien de profesión.

Conclusión: Es esencial que las organizaciones de salud se preocupen por mantener a sus enfermeros, para lo cual deben adoptar estrategias de recursos humanos que los valoren, así como implementar modelos organizativos enfocados en la motivación y la satisfacción.

Palabras clave: recursos humanos; reorganización del personal; satisfacción en el trabajo; enfermería

 

Introdução

Em 1860, Florence Nightingale edificou o que se designa por enfermagem moderna, iniciando o percurso da mesma com a construção de uma identidade própria enquanto grupo socioprofissional (Neumaier, Corrêa, Soares, & Könzgen, 2015). A profissão de enfermagem centra a sua existência no cuidar e dá resposta de uma forma intrépida e científica às necessidades dos utentes em todas as necessidades humanas básicas.

Perante a complexidade do cuidar em enfermagem, implicando uma visão holística do ser humano, existem várias teorias e modelos que orientam o conhecimento quer na prática, quer no ensino, e igualmente na gestão. Contudo, Portugal e os diversos sectores do Estado, viram-se, nos últimos anos, confrontados com uma economia paralisada e com défices orçamentais cada vez maiores (Mamede, 2015). Estas alterações tiveram impacto nas organizações de saúde, determinando, consequentemente, novos desafios para o enfermeiro gestor.

Segundo dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (Organization for Economic Cooperation and Development - OCDE) em 2014, a despesa da saúde portuguesa representava 10,2% do produto interno bruto, quando a média da União Europeia (UE) era de 8,7% (OCDE, 2015). Apesar do valor com a despesa ter diminuído em comparação com os últimos anos, a verdade é que continua muito acima da média europeia.

Face ao défice público, a classe profissional dos enfermeiros, a desempenhar funções no Serviço Nacional de Saúde (SNS), viu-se confrontada com medidas de corte, como por exemplo: o congelamento de carreiras desde agosto de 2005; as restrições salariais; o aumento do horário de trabalho; a redução de subsídio de turnos, de dias de férias e dos feriados. Ainda dentro do setor público na área da saúde, os enfermeiros têm sido a classe profissional que ainda não obteve descongelamento de carreira. Estas medidas, trouxeram consigo insatisfação no seio da classe profissional.

A esta insatisfação, acresce ainda uma carga horária e laboral aumentada. Cargas de trabalho elevadas levam a insatisfação, desmotivação e burnout dos enfermeiros, colocando em causa a qualidade dos cuidados de enfermagem (Ordem dos Enfermeiros [OE], 2014). Em 2013, Portugal, entre os 28 países da UE, era dos países com um rácio de enfermeiro por habitante mais baixo (6,1 enfermeiros por mil habitantes), estando apenas à frente da Eslováquia, da Polónia, da Espanha, da Letónia e da Grécia (OCDE, 2015). Segundo dados do Sindicato dos Enfermeiros Portugueses (SEP), no final de 2016 haviam mais de 67.000 dias de folga em dívida aos enfermeiros portugueses a desempenhar funções no sector público (SEP, 2016).

Frequentemente, a vontade de abandonar a profissão de enfermagem, precursora da rotatividade, encontra aqui as suas origens.

Portugal apresenta uma população envelhecida. Segundo dados da OCDE (2017), 20,3% da população portuguesa apresenta idade superior a 65 anos, em contraste com 18,9% da UE; dados aliados a uma taxa de natalidade, no nosso país, de 1,3% (significativamente inferior quando comparada com 1,6% da UE). Quanto mais envelhecida a população, maior é a necessidade de cuidados de saúde e, inevitavelmente, de recursos humanos.

Compreender a propensão para o abandono da profissão de enfermagem permite direcionar práticas de gestão de recursos humanos de forma a intervir na tomada efetiva da decisão, isto, porque o abandono da profissão contribui para taxas elevadas de rotatividade externa (Hayes et al., 2012). A questão da rotatividade externa é fundamental, uma vez que a saída dos colaboradores da organização tem implicações na produtividade, no conhecimento, no capital intelectual e na saúde organizacional (Bilhim, 2005). Estas perdas aliam-se, por sua vez, a custos elevados (Duffield et al., 2011). Especificamente na área de enfermagem, altas taxas de rotatividade comprometem a qualidade dos cuidados prestados e, consequentemente, a prestação de cuidados seguros na resposta às necessidades dos utentes (Al-Hussain & Aleem, 2014; Duffield et al., 2011; Poeira, 2017). Justifica-se, assim a relevância da temática. Contudo, muitos dos estudos existentes sobre rotatividade não diferenciam a mesma da intenção de abandono da profissão, pelo que o presente estudo tem como objetivo principal determinar a propensão para o abandono da profissão de enfermagem.

 

Enquadramento

A rotatividade em enfermagem, fenómeno onde se encontra inserida a mudança de profissão, continua a revelar-se um assunto complexo e com sérias implicações para as organizações de saúde, sendo, em parte, por esse motivo que a realização de estudos sobre o tema em causa assumem uma importância primordial.

A rotatividade em enfermagem distingue-se em dois tipos: 1) a rotatividade interna, que envolve as mudanças dos enfermeiros entre serviços da mesma organização (International Council of Nurses, 2002); e 2) a rotatividade externa, processo pelo qual os enfermeiros abandonam a organização ou até mesmo a profissão (Hayes et al., 2012).

São vários os modelos teóricos que têm sido desenvolvidos para explicar o fenómeno em causa, nomeadamente na área de enfermagem. Segundo os diferentes autores que estudam a problemática, existem diversas variáveis que podem influenciar o comportamento de rotatividade externa e que se agrupam em: fatores organizacionais; carga de trabalho, stress e burnout; estilo de liderança; empoderamento; caraterísticas individuais; progressão na carreira, salário e benefícios (Hayes et al., 2012). Os estudos que se têm vindo a debruçar sobre o impacto destes diversos fatores na rotatividade em enfermagem, têm como principal finalidade encontrar soluções para a redução das taxas de rotatividade.

As elevadas taxas de rotatividade em enfermagem têm implicações em campos fundamentais da gestão de recursos humanos de uma organização ou serviço, nomeadamente: 1) influenciam negativamente a produtividade (North & Hughes, 2006); 2) levam a possíveis perdas económicas (Duffield et al., 2011); 3) contribuem para o reflexo negativo na qualidade dos cuidados prestados (Al-Hussain & Aleem, 2014); 4) aumentam a probabilidade na ocorrência de erros (Castilho, 2014); 5) concorrem para um impacto negativo na coesão da equipa (Lu, While, & Barriball, 2005); 6) sustentam um clima de stress até o novo elemento se encontrar integrado (Lu et al., 2005); e 7) subsidiam a diminuição do consenso e o aumento do conflito (Santos et al., 2007).

O abandono da profissão revela muitas vezes a ausência de realização profissional, que por sua vez causa insatisfação e até mesmo burnout. Num estudo realizado na Suécia, com uma amostra de 1417 enfermeiros recém-licenciados, constata-se que os níveis de burnout estão relacionados com a intenção de abandonar a profissão, pois a análise longitudinal revelou que esses níveis aumentam nos primeiros anos de atividade profissional e, consequentemente, aumenta a prevalência de abandono da profissão de enfermagem (Rudman, Gustavsson, & Hultell, 2014).

O desenvolvimento de medidas de gestão de recursos humanos capazes de contrariar o comportamento de mudança de profissão irá favorecer a realização e a satisfação profissional, bem como favorecer a permanência dos profissionais na organização.

 

Questão de investigação

Quais os fatores preditores da propensão para o abandono da profissão de enfermagem?

 

Metodologia

A partir da revisão da literatura foi elaborado um inquérito por questionário, que incluiu variáveis: a) sociodemográficas e profissionais; b) de rotatividade externa; c) de propensão a rotatividade futura; d) de valorização do contexto de trabalho. O mesmo, foi sujeito a revisão e apreciação por peritos na área e efetuado o pré-teste junto dos indivíduos pertencentes ao público-alvo, cujo preenchimento foi de carácter individual e confidencial. Obtiveram-se 108 respostas, com as quais se efetuaram ensaios à adequação do questionário ao público-alvo, nomeadamente a análise de consistência interna através do cálculo do coeficiente alfa de Cronbach. A escala de valorização das características do contexto de trabalho obteve o valor total de alfa de Cronbach de 0,857, revelando uma boa consistência interna. A adequabilidade da análise fatorial da escala em causa foi testada através do teste de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO = 0,743) e do teste de esfericidade de Bartlett, que mostra um valor de 922,129, p = 0,000, sendo coesa com as conceções teóricas subjacentes.

O estudo em causa foi aprovado cientificamente pelo Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar - Universidade do Porto, em 2012, local onde foi discutido o instrumento de recolha de dados, bem como o formulário de consentimento informado.

Realizou-se um estudo descritivo, correlacional, transversal e quantitativo. A colheita de dados, sustentada num questionário, foi efetuada entre abril e maio de 2014. Foi aplicado um questionário online com recurso à ferramenta Google Forms, enviado por correio eletrónico para a lista de contactos de enfermeiros da investigadora principal e solicitado o reencaminhamento do mesmo aos contactos de cada um dos recetores. A amostra, do tipo não-probabilístico por conveniência, é constituída por 463 enfermeiros acedidos com recurso à técnica de Snowball. Os critérios de inclusão foram ser enfermeiro e aceitar voluntariamente a participação no estudo. O critério de exclusão foi ser enfermeiro ativo na OE, mas no momento do preenchimento do questionário encontrar-se a desempenhar outra profissão que não enfermagem.

O tratamento estatístico foi efetuado com recurso ao software IBM SPSS Statistics, versão 20.0. Para além das estatísticas descritivas de caracterização dos participantes, usaram-se técnicas de análise univariada para verificação da existência de diferenças na propensão para a mudança de profissão, em função de algumas variáveis socioprofissionais (tipo de organização; relação laboral; idade; e sexo); e multivariada (modelo de regressão logística) para identificar os fatores preditores da propensão para o abandono da profissão de enfermagem que, neste estudo, constitui a variável dependente (VD).

Esta variável foi avaliada através de uma escala com cinco pontos. Foi solicitado aos participantes que pontuassem de 1 (nunca) a 5 (sempre), a resposta à questão “Alguma vez sentiu vontade de abandonar a profissão de enfermagem?”.

Previamente à realização da análise de regressão, a VD foi convertida numa variável dicotómica “Elevada propensão para o abandono da profissão”; “Baixa propensão para o abandono da profissão”.

Como variáveis independentes (VI), foram selecionados oito fatores de valorização do contexto de trabalho, decorrentes da realização de uma análise de componentes principais. Para além dos fatores de valorização do contexto, existem outros fatores que poderão influenciar a propensão para o abandono da profissão. A literatura mostra-nos que algumas variáveis sociodemográficas, bem como variáveis de satisfação profissional e organizacional poderão ter um poder preditivo do comportamento. Por esse motivo, foram também usadas no modelo as seguintes variáveis: “sexo”, “idade”, “habilitações literárias”, “antiguidade profissional”, “local de trabalho”, “categoria profissional”, “duplo emprego”, “satisfação com enfermagem” e “satisfação com a organização”.

Foram analisados os indicadores de multicolinearidade, através do procedimento de regressão linear e averiguada a medida de tolerância e o “Variance Inflation Factor” (VIF). Conforme se pode observar na Tabela 1, o problema da multicolinearidade não existe neste estudo, uma vez que os valores da tolerância e da VIF para todas as variáveis do modelo, registam valores maiores que 0,1 e menores que 10, respetivamente, significando um baixo incremento da variância devido à existência de relação entre as variáveis do modelo.

Face aos diferentes tipos de variáveis independentes, optou-se pela utilização do método “sequential logistic regression”, com a definição de três blocos para a entrada das variáveis e utilizando o método enter: o primeiro bloco, com as variáveis de valorização do contexto de trabalho; o segundo bloco, com as variáveis sociodemográficas e profissionais; e, por último, o terceiro bloco, com as variáveis de satisfação.

 

Resultados

Caracterização breve da amostra

A amostra é constituída por 463 enfermeiros, sendo 336 (72,6%) do sexo feminino e 123 (26,6%) do sexo masculino, sendo que quatro não responderam (0,8%). As idades estão compreendidas entre os 24 e 57 anos, sendo a média de 36,6 (± 8,763). A classe dos 30 aos 39 anos é a que regista uma maior concentração de participantes (44,9%, n = 208). A maioria dos inquiridos desempenha funções no distrito de Lisboa (39,1%, n = 181), seguindo-se os distritos de Coimbra (14,7%, n = 68) e do Porto (9,9%, n = 46). De referir que, nos restantes distritos, a proporção de participantes variou entre 0,4% e 6,3%; 4,3% (n = 20) dos enfermeiros encontravam-se emigrados.

Os resultados da análise descritiva da variável “Propensão para a mudança de profissão de enfermagem” encontram-se na Tabela 2. Podemos observar que a média da pontuação obtida é de 2,5 (± 1,026) pontos, e que a maior proporção de participantes (n = 202; 43,7%) assinalaram a opção “algumas vezes” como resposta à questão sobre a sua vontade de mudar de profissão. As respostas “nunca” (22,3%, n = 103) e “raramente” (20,6%, n = 95) tiveram também percentagens de resposta elevadas, porém, é de realçar que 264 participantes (57,2%), correspondendo a mais de metade da amostra, em algum momento da sua vida, já sentiu vontade de abandonar a profissão de enfermagem.

 

 

Análise da “Propensão para o abandono da profissão de enfermagem” em função das variáveis: “sexo”; “idade”; “tipo de organização”; e “relação laboral”

De forma a verificar a existência de eventuais diferenças entre grupos na “propensão para a mudança de profissão”, em função das variáveis sexo, idade, tipo de organização e relação laboral, foram efetuados os testes de Mann Whitney (sexo) e Kruskal Wallis (idade, tipo de organização e relação laboral) após a verificação da não adesão da distribuição da VD à normalidade (teste de Kolmogorov-Smirnov, p < 0,05).

Os dados apresentados na Tabela 3 revelam que não existem diferenças estatisticamente significativas entre os sexos relativamente à propensão para a mudança de profissão (U = 19273,0; p = 0,242).

Relativamente à idade, variável que foi recodificada em classes etárias, utilizou-se o teste não-paramétrico Kruskal-Wallis. Observa-se que existem diferenças estatisticamente significativas entre os grupos (H = 19,201; p = 0,000), sendo a classe etária dos enfermeiros com idades compreendidas entre os 30 e 39 anos a que apresenta maior propensão para a mudança de profissão, seguida da classe dos enfermeiros com idades inferiores a 29 anos (Tabela 4).

Para a variável “relação laboral” (Tabela 5), verifica-se que as diferenças observadas entre os grupos, na propensão para mudar de profissão, não são estatisticamente significativas (H = 4,246; p = 0,374).

Relativamente à variável “tipo de organização”, pode observar-se na Tabela 6, a existência de diferenças estatisticamente significativas entre as distribuições dos diferentes grupos (H = 15,459; p = 0,014). São os enfermeiros a desempenhar funções em hospital público a apresentar maior propensão para a mudança de profissão, seguidos, com valores muito próximos, pelos enfermeiros a desempenhar funções em centro de saúde.

Regressão logística – preditores da propensão para a mudança de profissão

Inicialmente avaliou-se a adequação do modelo através dos testes Omnibus e Hosmer e Lemeshow. Os resultados apresentados na Tabela 7 mostram um bom ajustamento do modelo aos dados observados (teste de Omnibus: Qui-quadrado(17) = 88,892 p = 0,000), prevendo os dados de forma adequada (Teste de Hosmer e Lemeshow: Qui-quadrado(8) = 6,530; p = 0,588).

Os valores de sumarização do modelo, especificamente o Coeficiente R2 de Nagelkerke (0,361), permitem concluir que este modelo, com todas as suas variáveis preditoras, tem um importante poder explicativo sobre a baixa propensão de um enfermeiro para a mudança de profissão, explicando 36,1% da variância.

Na Tabela 8, podem observar-se os efeitos das variáveis preditoras, constatando-se que a maioria não tem efeito significativo sobre a propensão para a mudança de profissão (Estatísticas de Wald: p > 0,05).

Porém, ainda na Tabela 8, é possível constatar que a variável “autonomia e reconhecimento profissional” e a variável “satisfação com enfermagem” apresentam efeito significativo sobre a baixa propensão para a mudança de profissão (p < 0,05). Estas variáveis, através da leitura dos odds ratio (OR), são passíveis de hierarquização em função do seu efeito sobre a predisposição a mudar de profissão, sendo que a mais importante para a baixa propensão para mudar de profissão é a “satisfação com enfermagem” (Tabela 8), seguida pela “autonomia e reconhecimento profissional” (Tabela 8).

Analisando os rácios de probabilidade, o modelo mostra-nos que uma maior satisfação profissional (OR = 6,914), maior autonomia e reconhecimento profissional (OR = 3,161), diminuem a propensão para a mudança de profissão. Os enfermeiros profissionalmente satisfeitos têm uma probabilidade sete vezes maior de não mudar de profissão, sendo que nos enfermeiros com maior autonomia e reconhecimento profissional, esta probabilidade é três vezes superior.

 

Discussão

São os enfermeiros com idades inferiores a 40 anos e a desempenhar funções no sector público (hospital público e centro de saúde) aqueles que apresentam maior vontade de mudar de profissão. Considerando as especificidades e condições contratuais dos enfermeiros no sector público, os motivos podem passar pela ausência de progressão de carreira e fatores remuneratórios. No recente relatório da OCDE sobre o perfil de saúde do país é referido que os salários superiores oferecidos pelo setor privado incentivam os médicos e os enfermeiros a sair do sector público ou até mesmo a emigrarem (OCDE, 2017).

Poeira (2017), no seu estudo sobre rotatividade externa em enfermagem, concluiu que o fator “Possibilidade de aumento dos rendimentos” foi um dos mais referidos pelos enfermeiros como principal contributo para a sua mudança de organização, revelando que os enfermeiros procuram salários compatíveis com a alta complexidade e responsabilidade das funções que desempenham.

Segundo a OCDE (2017), o desafio do SNS, no futuro, passa por manter a motivação dos seus trabalhadores e consequentemente reverter as taxas de rotatividade externa.

Com o presente estudo, constata-se que as variáveis “satisfação profissional” e “autonomia e reconhecimento profissional” são primordiais para a classe profissional dos enfermeiros, determinando decisões que irão influenciar a sua prática diária e aquilo que caracteriza a profissão: o cuidar. Mostra-se assim que estas duas variáveis, quando tidas em conta pelas organizações de saúde, influenciam diretamente a probabilidade dos enfermeiros abandonarem a sua profissão. Sintetizando: quanto maior é a satisfação profissional e maior a autonomia e reconhecimento profissional, menor é a probabilidade de os enfermeiros abandonarem a profissão de enfermagem e, consequentemente, menor será a taxa de rotatividade externa.

Comparativamente aos resultados obtidos neste estudo, o estudo de Simon, Müller, e Hasselhorn (2010) conclui que tanto a intenção de abandono da organização como da profissão de enfermagem estão associadas à idade, burnout, compromisso organizacional e satisfação profissional.

A intenção de abandono da profissão é uma problemática complexa e influenciada por múltiplos fatores, sendo necessário desenvolver estratégias que promovam uma carga de trabalho adequada e um ambiente de trabalho seguro, diminuindo os níveis de burnout e estimulando o crescimento pessoal e desenvolvimento profissional (Rudman et al., 2014).

Outra questão primordial é a necessidade de autonomia e reconhecimento profissional.

No estudo de Chin et al. (2019), que teve como objetivo identificar os fatores relacionados com a justiça no local de trabalho e sua relação com a intenção de os enfermeiros abandonarem a profissão, concluiu-se que os fatores relacionados com a autonomia no trabalho e com um sistema justo de avaliação de desempenho são aqueles que mais influenciam a intenção de desistir da profissão.

Os resultados obtidos revelam, por si só, a necessidade de adoção de estratégias de gestão de recursos humanos que permitam manter elevados níveis de motivação e satisfação dos enfermeiros.

Este estudo apresenta enquanto limitação o facto de não ter incluído o compromisso organizacional enquanto variável preditora, pelo que em investigações futuras a mesma deverá ser tida em consideração.

 

Conclusão

Tem-se vindo a verificar que os índices de rotatividade externa em enfermagem no SNS têm vindo a aumentar. Vários fatores têm contribuído para este fenómeno e são descritos na literatura, nomeadamente a remuneração e benefícios, a progressão na carreira, a valorização das competências profissionais, a diminuição da carga horária e laboral, entre outros, pelo que as estratégias de retenção dos enfermeiros deverão considerar os mesmos. O desafio passará pela identificação dos fatores que contribuem decisivamente para a rotatividade, incluindo a emigração e abandono da profissão, pois só assim será possível direcionar medidas que contribuam para a motivação e satisfação profissional e consequente melhoria da qualidade dos cuidados de enfermagem.

De facto, reter os enfermeiros no SNS, minimizando custos e assegurando a qualidade dos cuidados de enfermagem prestados, é primordial.

Encontrar respostas por parte dos gestores de recursos humanos em saúde para estas problemáticas passará, sobretudo, pela valorização dos enfermeiros e com modelos organizacionais voltados para a motivação e satisfação.

 

Referências bibliográficas

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Recebido para publicação: 01.02.19

Aceite para publicação: 01.06.19

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