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Revista de Enfermagem Referência

versão impressa ISSN 0874-0283

Rev. Enf. Ref. vol.serIV no.22 Coimbra set. 2019

https://doi.org/10.12707/RIV19018 

ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO (ORIGINAL)

RESEARCH PAPER (ORIGINAL)

 

Riscos psicossociais dos enfermeiros que prestam assistência ao doente crítico

Psychosocial risks of nurses who provide care to critically ill patients

Riesgos psicosociales de los enfermeros que prestan asistencia al paciente crítico

 

Hugo Alexandre Neves Fortes Guimarães Meira*
https://orcid.org/0000-0003-3265-2399

Sílvia Patrícia Fernandes Coelho**
https://orcid.org/0000-0001-8445-5237

 

* RN., Enfermeiro Generalista, Hospital de São João, 4200-319, Porto, Portugal [hugmeira@gmail.com]. Contribuição no artigo: colaboração na pesquisa bibliográfica e do instrumento a utilizar na recolha de dados, colaboração no pedido de autorização ao autor que traduziu e validou para português de Portugal o instrumento utilizado, colaboração na elaboração do protocolo de investigação para o pedido ao conselho de ética e de administração da instituição, colaboração na análise dos dados estatísticos, colaboração na redação e revisão do artigo. Morada para correspondência: Rua Costa Junior, nº 41 - 3ºB, 4150-010, Porto, Portugal.

** Ph.D., Professora Auxiliar, Universidade Católica Portuguesa, Instituto de Ciências da Saúde do Porto - CIIS, 4169-005, Porto, Portugal [sfcoelho@porto.ucp.pt]. Contribuição no artigo: colaboração na pesquisa bibliográfica e do instrumento a utilizar na recolha de dados, colaboração no pedido de autorização ao autor que traduziu e validou para português de Portugal o instrumento utilizado, colaboração na elaboração do protocolo de investigação para o pedido ao conselho de ética e de administração da instituição, colaboração na análise dos dados estatísticos, colaboração na redação e revisão do artigo.

 

RESUMO

Enquadramento: Os riscos psicossociais são um problema crescente de saúde pública que, nos contextos de prestação de cuidados ao doente crítico, podem afetar a qualidade dos cuidados prestados pelos profissionais.

Objetivo: Identificar os riscos psicossociais a que estão sujeitos os enfermeiros portugueses que prestam assistência ao doente crítico.

Metodologia: Estudo quantitativo e transversal, com uma amostragem não probabilística de enfermeiros (n = 61) que executam funções na emergência pré-hospitalar (n = 6), serviços de urgência (n = 20) e unidades de cuidados intensivos (n = 35), a norte de Portugal. Foi aplicado o questionário COPSOQ II entre julho e dezembro de 2018. Realizou-se uma análise descritiva e exploratória dos dados, com recurso ao SPSS®.

Resultados: Verificou-se um risco moderado a elevado em 20 das 29 dimensões avaliadas pelo questionário, realçando-se diferenças significativas entre os enfermeiros da urgência e dos cuidados intensivos, nomeadamente na qualidade da liderança, satisfação no trabalho e comportamentos ofensivos.

Conclusão: As dimensões relacionadas com os domínios da gestão, emergiram como principal foco de risco psicossocial.

Palavras-chave: riscos ocupacionais; enfermeiras e enfermeiros; cuidados críticos

 

ABSTRACT

Background: Psychosocial risks are a growing public health problem which, within the context of the care delivery to critically-ill patients, can affect the quality of care provided by health professionals.

Objective: To identify the psychosocial risks of Portuguese nurses who provide care to critically ill patients.

Methodology: Quantitative and cross-sectional study, with a non-probabilistic sample of nurses (n = 61) who work in pre-hospital emergency care (n = 6), emergency rooms (n = 20), and intensive care units (n = 35), in northern Portugal. The COPSOQ II questionnaire was applied between July and December 2018. A descriptive and exploratory analysis of the data was carried out, using the SPSS® software.

Results: There was a moderate to high risk in 20 of the 29 dimensions evaluated by the questionnaire, and significant differences among the nurses of the emergency rooms and intensive care stand out, particularly in leadership quality, job satisfaction, and offensive behavior.

Conclusion: The dimensions related to the area of management emerged as the main focus of psychosocial risks.

Keywords: occupational risks; nurses; critical care

 

RESUMEN

Marco contextual: Los riesgos psicosociales son un problema de salud pública cada vez mayor que, en entornos de prestación de cuidados al paciente crítico, pueden afectar a la calidad de la atención prestada por profesionales.

Objetivo: Identificar los riesgos psicosociales a los que están sujetos los enfermeros portugueses que prestan asistencia al paciente crítico.

Metodología: Estudio cuantitativo y transversal, con una muestra no probabilística de enfermeros (n = 61) que ejercen sus funciones en la sala de urgencias prehospitalaria (n = 6), servicios de urgencias (n = 20) y unidades de cuidados intensivos (n = 35), en el norte de Portugal. El cuestionario COPSOQ II se aplicó entre julio y diciembre de 2018. Se realizó un análisis de datos descriptivo y exploratorio mediante el SPSS®.

Resultados: Se encontró un riesgo de moderado a alto en 20 de las 29 dimensiones evaluadas por el cuestionario, lo que resalta las diferencias significativas entre los enfermeros de urgencias y de cuidados intensivos, principalmente en la calidad del liderazgo, la satisfacción en el trabajo y las conductas ofensivas.

Conclusión: Las dimensiones relacionadas con los dominios de gestión aparecieron como el foco principal del riesgo psicosocial.

Palabras clave: riesgos laborales; enfermeros; cuidados críticos

 

Introdução

Os riscos psicossociais são definidos pela Organização Internacional do Trabalho, como as interações entre o conteúdo, a organização e a gestão do trabalho com outras condições organizacionais e ambientais (World Health Organization [WHO], 1984). Quando as exigências tendem a ultrapassar as capacidades individuais dos trabalhadores, estes riscos assumem uma dimensão que não só tem potencial de os afetar em termos de saúde física ou psicológica, como podem influenciar os resultados das organizações (European Agency for Safety and Health at Work [EU-OSHA], 2013b). Nos contextos da urgência e emergência, os enfermeiros estão expostos a situações extremas, em termos quantitativos, cognitivos e emocionais, que carecem de ser reconhecidos e controlados de modo a não comprometer a qualidade dos cuidados (Dempsey & Assi, 2018; Ilic, Arandjelovic, Jovanovic, & Nešic, 2017; Abdul Rahman, Abdul-Mumin, & Naing, 2017). Pela relevância do tema e a escassa literatura científica encontrada em Portugal, este estudo tem como objetivo identificar os riscos psicossociais a que estão sujeitos os enfermeiros portugueses que prestam assistência ao doente crítico, nomeadamente ao nível da emergência pré-hospitalar, serviços de urgência e unidades de cuidados intensivos.

 

Enquadramento

Nos últimos anos, os riscos psicossociais têm sido assumidos como um importante foco de atenção em todas as áreas, mas, na saúde, o relevo é especial, pela sua relação com a qualidade dos cuidados que são prestados aos doentes.

O Registered Nurse Forecasting (RN4CAST), apresentando-se como o maior estudo internacional sobre recursos e cuidados de enfermagem, tem dado os seus contributos nesta área, pela associação de indicadores de qualidade e a segurança com os ambientes de trabalho dos enfermeiros. Este estudo, não só tem demonstrado a associação entre níveis de exaustão profissional com a pressão dos modelos de gestão (Jesus, Pinto, Fronteira, & Mendes, 2014), como tem evidenciado as características dos ambientes de prática desfavoráveis (Jesus, Roque, & Amaral, 2015), a influência das condições organizacionais nos ni´veis de engagement profissional (Pinto, Jesus, Mendes, & Fronteira, 2015) e até mesmo a relação da carga de trabalho com o risco de morte dos doentes (Aiken et al., 2014).

Ao longo dos anos, o meio laboral evoluiu pela necessidade de organizações mais dinâmicas e adaptáveis a um ambiente em constante mutação. A alteração do valor e do significado que o trabalho tem para os indivíduos e grupos sociais, as novas formas de organização, as alterações socioeconómicas, e até mesmo a alteração dos espaços, do conteúdo ou da natureza do trabalho, não só justificam o alargamento da visibilidade do tema, como conduziram ao aumento do esforço dos trabalhadores (EU-OSHA, 2013a). Esta combinação de fatores tem contribuído para a potenciação dos riscos psicossociais no local de trabalho, os quais crescem proporcionalmente com os níveis de stress (EU-OSHA, 2013b).

O stress ocupacional, reconhecido como a resposta que as pessoas podem ter quando expostas a exigências e pressões do trabalho que não são compatíveis com as suas capacidades, apesar de ser o risco psicossocial de maior relevo e cuja experiência durante longos períodos pode conduzir a problemas graves na saúde física e psicológica dos trabalhadores, não é o único risco reconhecido. A ele se juntam o burnout, a violência, o assédio e o bullying/mobbing, como os principais desafios para a saúde ocupacional (EU-OSHA, 2011).

A Agência Europeia para a Segurança e Saúde no Trabalho reconhece diversas condições organizacionais como potenciadoras destes problemas, mas admite que as mesmas não devem ser confundidas com metodologias que potenciem ambientes saudáveis, estimulantes e promotores de desenvolvimento de capacidades (EU-OSHA, 2013b). Desta forma, um trabalho excessivamente exigente, o tempo insuficiente para a conclusão de tarefas, a falta de clareza acerca das funções a desenvolver ou a desadequação entre as exigências e as competências individuais, constituem alguns exemplos que têm sido apontados como fatores de risco psicossocial (EU-OSHA, 2013b). Estes riscos, para além de culminarem em compromissos físicos e/ou psicológicos do trabalhador, afetam ainda a sua produtividade e conduzem a custos estimados para as empresas e para a sociedade que chegam aos milhares de milhões de euros (EU-OSHA, 2013b, 2018). Nos contextos da emergência, as exigências quantitativas, cognitivas e emocionais da responsabilidade aumentada, do cuidado contínuo e ininterrupto, da necessidade de satisfação das necessidades imediatas, da exposição frequente ao sofrimento humano, ao luto e à morte, têm-se apresentado como fatores importantes na valorização dos riscos psicossociais dos profissionais (Ilic et al., 2017; Abdul Rahman et al., 2017).

Deste modo, pelo potencial de afetar a qualidade dos cuidados, assim como pela falta de estudos que comparem e relacionem os riscos psicossociais nos diferentes ambientes de prestação de cuidados ao doente crítico no nosso país, surgiu a necessidade deste estudo, procurando-se identificar os riscos psicossociais a que estão sujeitos os enfermeiros portugueses que prestam assistência ao doente crítico.

 

Questões de Investigação

A que riscos psicossociais os enfermeiros portugueses estão expostos no contexto de assistência ao doente crítico?

 

Metodologia

Foi desenvolvido um estudo quantitativo e transversal através do qual se procurou conhecer e relacionar os riscos psicossociais que afetam os enfermeiros que prestam cuidados aos doentes críticos, em diferentes ambientes de prática, nomeadamente no que se refere à emergência pré-hospitalar (EPH), serviços de urgência (SU) e unidades de cuidados intensivos (UCI). Através de uma amostragem não probabilística, foi obtido o consentimento pela comissão de ética de um hospital central da zona norte de Portugal para aplicar o instrumento aos enfermeiros que trabalham nestes contextos. O estudo foi ainda replicado a serviços de duas outras instituições da mesma área geográfica (SU, UCI e EPH), pelo interesse demonstrado por parte das chefias, coordenadores e diretores, tendo obtido autorização para a sua realização por parte dos mesmos. A colheita de dados decorreu entre 1 de julho a 31 de dezembro de 2018 e obteve uma taxa de participação de 40%. A amostra final foi constituída por 61 enfermeiros: SU (n = 20), UCI (n = 35), EPH (n = 6). Não foi efetuado o cálculo de representatividade da população uma vez que se pretendia uma adesão de 100%. Contudo, tal não aconteceu, mesmo tendo sido definido um período alargado para a colheita de dados, sendo um dos motivos referidos pelos gestores dos serviços, as férias e as ausências por atestados e licenças. O instrumento de colheita de dados selecionado foi o Questionário Psicossocial de Copenhaga (COPSOQ II - Versão Média), não só por ser um instrumento que reúne consenso internacional quanto a` sua validade, credibilidade e consenso na avaliação das mais importantes dimensões psicossociais relacionadas com o contexto laboral (Pejtersen, Kristensen, Borg, & Bjorner, 2010), mas também por estar traduzido e validado para a população portuguesa (Silva et al., 2014).

O questionário é apresentado em três versões, a curta, a média e a longa, tendo sido selecionada a versão média por ser aquela que é preferencialmente utilizada em estudos internacionais, possibilitando a comparação dos dados (Silva et al., 2014). A versão média é constituída por 29 dimensões e 76 perguntas e pode ser usada para as fases de avaliação, planificação e inspeção, do processo de gestão de risco (Silva et al., 2014). Todos os itens são avaliados tendo em conta uma escala tipo Likert de 5 pontos (1 - Nunca/quase nunca, 2 - Raramente, 3 - Às vezes, 4 - Frequentemente e 5 -Sempre ou 1 - Nada/quase nada, 2- Um pouco, 3 - Moderadamente, 4 - Muito e 5 -Extremamente). O instrumento foi acompanhado de um grupo de questões sociodemográficas, no sentido de caracterizar os participantes quanto ao género, idade, graduação (especialista ou generalista), tipo de contrato (contrato de trabalho em função pública ou contrato individual de trabalho), serviço em que exercem funções, tempo de exercício no serviço, horas de trabalho por semana, tipo de horário (fixo, rotativo com noites e rotativo sem noites) e acumulação de funções noutras instituições. Realizou-se uma análise descritiva e exploratória dos dados, com recurso ao sistema informático IBM SPSS Statistics, versão 25.0.

Tendo em conta as responsabilidades éticas foi obtido o consentimento, via correio eletrónico, do autor que validou a versão portuguesa do COPSOQ II, assim como da unidade hospitalar e dos responsáveis dos serviços. Foi igualmente obtido o consentimento informado de cada um dos participantes, antes da entrega do questionário. O instrumento foi entregue em formato de papel, dentro de um envelope fechado e com um código numérico atribuído, aleatoriamente, pelo investigador principal, a cada participante que aceitou integrar o estudo, perfazendo 150 questionários. Foi estabelecido um limite temporal para a entrega/devolução do instrumento e na data definida foram contabilizados 61 questionários. Importa realçar que foi solicitado o preenchimento dos questionários fora do horário laboral, de modo a não comportar custos para as organizações, assim como foi assegurado o anonimato quanto à identificação dos participantes e das instituições em que exercem funções. Foi ainda garantido o sigilo da informação, de modo a não relacionar os resultados com alguma instituição em particular, sendo um dos critérios definidos pela comissão de ética que aceitou a realização do estudo.

 

Resultados

A caracterização sociodemográfica e profissional dos participantes foi realizada com base numa análise descritiva das variáveis, tal como se apresenta na Tabela 1. A amostra foi assim constituída maioritariamente por participantes do género feminino (77,0%), pertencentes ao intervalo de idades compreendido entre os 31-40 anos (44,3%). Quanto à variável graduação, 59% são enfermeiros generalistas e no que se refere ao tipo de contrato, verifica-se que 75,4% se encontram no regime de contrato individual de trabalho. Relativamente ao serviço onde exercem funções, 57,4% trabalham em UCI, seguido de 32,8% que trabalham em SU. Foi ainda verificado que 57,4% dos profissionais acumulam funções com outros serviços, 91,8% trabalha em regime de turnos que incluem noites, 50,8% está no serviço de referência há 10 anos e 91,8% está integrado no regime de 35 horas de trabalho semanais.

No que se refere às características psicométricas do COPSOQ II, são apresentados na Tabela 2 os indicadores da consistência interna (a de Cronbach) para as 29 dimensões que compõem a versão média do COPSOQ II, bem como os valores médios e desvio-padrão obtidos em cada dimensão. De acordo com análise da tabela podemos verificar que na maioria, as dimensões do COPSOQ II apresentam bons indicadores de consistência interna (a), com exceção das Exigências quantitativas, Exigências cognitivas e Confiança vertical. O reduzido número de participantes poderá ser justificativo desses resultados.

Procedeu-se a uma análise descritiva de todas as dimensões avaliadas na versão média portuguesa do COPSOQ II, verificando os níveis de exposição aos riscos psicossociais numa amostra de enfermeiros portugueses que trabalham na EPH, SU e UCI e níveis de saúde, stress e satisfação no trabalho. A Figura 1 apresenta os resultados gerais nas dimensões do COPSOQ II, através da divisão das pontuações em tercis, tal como é utilizado pelos autores (Silva et al., 2014). Estes tercis são interpretados através do impacto para a saúde que a exposição a determinada dimensão representa, num modelo tricolor, em que o vermelho representa risco para a saúde, amarelo risco intermédio e verde situação favorável. Da análise da Figura 1, é possível verificar que são diversas as dimensões que compreendem um risco estabelecido em mais de 50% da população estudada, realçando-se as exigências cognitivas (97%), exigências emocionais (88%), apoio social de superiores (69%) e conflito trabalho-família (61%). As Possibilidades de desenvolvimento, a Transparência do papel laboral, a Comunidade social no trabalho, o Significado do trabalho e os Comportamentos ofensivos, foram as dimensões que auferiram uma menor exposição ao risco psicossocial.

Para comparar as dimensões do COPSOQ II recorreu-se ao teste não paramétrico de Mann-Whitney para duas amostras independentes, após a não verificação dos pressupostos relativos à normalidade da distribuição dos resultados. Na Tabela 3 são apresentadas as diferenças das dimensões do COPSOQ II em função da Graduação e pode verificar-se que existem diferenças estatisticamente significativas nas dimensões Apoio social de superiores (Generalista Med = 2,33; Especialista Med = 1,67; U = 299,00, p = 0,024), Qualidade da liderança (Generalista Med = 3,00; Especialista Med = 2,25; U = 264,00, p = 0,006), Justiça e respeito (Generalista Med = 3,00; Especialista Med = 2,67; U = 291,00, p = 0,017) e Satisfação no trabalho (Generalista Med = 3,25; Especialista Med = 2,50; U = 312,50, p = 0,043), sendo os valores medianos inferiores no grupo de enfermeiros especialistas. Para as restantes dimensões do COPSOQ II não se observaram diferenças estatisticamente significativas.

Na Tabela 4 são apresentados os resultados das diferenças no COPSOQ II em função do serviço onde se trabalha. Por forma a obter um número equivalente nos grupos a comparar, não foram incluídos os enfermeiros que trabalham no pré-hospitalar dado o seu número reduzido (n = 6). Pela análise da tabela podemos verificar que existem diferenças estatisticamente significativas nas dimensões Qualidade da liderança (SU Med = 2,13; UCI Med = 3,00; U = 224,00, p =,027) e Satisfação no trabalho (SU Med = 2,50; UCI Med = 3,25; U = 164,00, p = 0,001), sendo os valores medianos inferiores no grupo de enfermeiros que trabalha no serviço de urgência. Na dimensão comportamentos ofensivos verificamos igualmente a existência de diferenças estatisticamente significativas entre os enfermeiros que trabalham no serviço de urgência (Med = 2,00) e os enfermeiros que trabalham em unidades de cuidados intensivos (Med = 1,00, U = 134,00, p = 0,001), mas neste caso os valores medianos são superiores nos enfermeiros que trabalham no serviço de urgência. Para as restantes dimensões do COPSOQ II não se observaram diferenças estatisticamente significativas.

Na Tabela 5 são apresentados os resultados das diferenças no COPSOQ II em função da acumulação de funções noutras instituições. Pela análise da tabela podemos verificar que existem diferenças estatisticamente significativas na dimensão Confiança vertical (Sim Med = 3,00; Não Med = 3,67; U = 272,00, p = 0,006), sendo os valores medianos inferiores no grupo de enfermeiros que acumula funções. Para as restantes dimensões do COPSOQ II não se observaram diferenças estatisticamente significativas.

Na Tabela 6 são apresentados os resultados das diferenças no COPSOQ II em função do tempo de serviço. Por forma a obter um número equivalente nos grupos a comparar, reagrupou-se o tempo de serviço em até 10 anos e mais de 10 anos. Pela análise da tabela pode verificar-se que existem diferenças estatisticamente significativas na dimensão conflito trabalho-família (até 10 anos Med = 4,00; mais de 10 anos Med = 3,33; U = 307,50, p = 0,022) sendo os valores medianos superiores no grupo de enfermeiros que trabalha há menos tempo. Para as restantes dimensões do COPSOQ II não se observaram diferenças estatisticamente significativas.

 

Discussão

Da análise dos resultados foi possível inferir que, nesta população, existem níveis elevados de exposição a situações de risco no local de trabalho, nomeadamente no que se refere às dimensões relativas às Exigências cognitivas (97%), Exigências emocionais (88%), Apoio social de superiores (69%) e Conflito trabalho-família (61%). Tendo em consideração os valores de referência para a população portuguesa, decorrentes do processo de validação da escala (Silva et al., 2014), é possível verificar que estas dimensões apresentam um score superior quando comparadas com estudo de Silva et al. (2014). Neste último, são assumidos como valores de referência para as Exigências cognitivas (aproximadamente 70%), Exigências emocionais (aproximadamente 50%), Apoio social de superiores (aproximadamente 27%) e Conflito trabalho-família (aproximadamente 22%), sendo que às duas primeiras dimensões correspondem os dois maiores scores de risco do referido estudo (Silva et al., 2014). Neste caso, as discrepâncias entre os resultados e os valores de referência para a população portuguesa, podem ser justificados pelo aumento das exigências profissionais nos contextos de prestação de cuidados ao doente crítico. Tal como sugerem Ilic et al. (2017) e Abdul Rahman et al. (2017), as condicionantes relacionadas com a responsabilidade aumentada, o cuidado contínuo e ininterrupto, a necessidade satisfação das necessidades imediatas, a exposição frequente ao sofrimento humano, ao luto e à morte, são fatores importantes a ter em consideração na valorização dos riscos psicossociais e adquirem um relevo especial nos contexto de trabalho em que foi desenvolvido este estudo, justificando os resultados (Ilic et al., 2017; Abdul Rahman et al., 2017).

Ainda assim, apesar das dimensões relativas às Exigências cognitivas, Exigências emocionais, Apoio social de superiores e Conflito trabalho-família terem os scores de risco psicossocial mais elevados, se considerar o somatório dos scores entre o risco efetivo e o intermédio, emergem outras dimensões com potencial igualmente nocivo sobre esta população. Deste modo, para além das Exigências cognitivas (100%), das Exigências emocionais (98%), do Conflito trabalho-família (92%) e do Apoio social de superiores (90%) já identificados, as dimensões relativas à Justiça e respeito (96%), ao Burnout (93%), aos Conflitos laborais (93%), à Previsibilidade (91%), ao Stress (88%), à Qualidade da liderança (85%), às Recompensas (85%), à Satisfação no trabalho (73%), ao compromisso com o local de trabalho (73%), às exigências quantitativas (70%), aos Problemas em dormir (64%) e à Confiança vertical (62%), assumem um realce especial por ter sido obtido em mais de metade das respostas um score compatível com algum grau de risco no local de trabalho, os quais se mantêm superiores quando comparados com os valores de referência para população portuguesa, através dos resultados do Copenhagen Psychosocial Questionnaire COPSOQ: Portugal e países africanos de língua oficial portuguesa (Silva et al., 2014).

Ainda na tentativa de resposta à questão que deu origem a este estudo “A que riscos psicossociais os enfermeiros portugueses estão expostos no contexto de assistência ao doente crítico?”, procedeu-se à exploração dos dados obtidos, emergindo dimensões que se relacionam com os domínios da gestão, nomeadamente o Apoio social de superiores (p = 0,024), a Qualidade da liderança (p = 0,006 e p = 0,027), a Confiança vertical (p = 0,006), a Justiça e respeito (p = 0,017) e a Satisfação no trabalho (p = 0,043 e p = 0,001).

Já em 2010, Malloy e Penprase, através de um estudo que contou com a participação de 122 enfermeiros e que procurou relacionar o estilo de liderança com os riscos psicossociais, mostraram a existência de uma relação estatisticamente significativa entre os riscos psicossociais e o estilo de liderança adotado. Nesse estudo, os riscos eram menores se fosse usada uma liderança que não só tivesse por base a construção de confiança, integridade, motivação, encorajamento e acompanhamento (características de uma liderança transformacional), como recompensasse o atingimento de objetivos (característica de uma liderança transacional; Malloy & Penprase, 2010). Por sua vez, Manning (2016), contando com uma amostra de 446 enfermeiros de três hospitais nos Estados Unidos da América para avaliar a influência do estilo de liderança adotado pelos enfermeiros gestores no envolvimento dos enfermeiros com o trabalho, concluiu que os gestores que apoiam e comunicam através de um estilo de liderança transformacional e transacional conseguem melhores resultados na equipa de enfermagem, podendo mesmo beneficiar os resultados organizacionais (Manning, 2016).

Assim, tendo em consideração os resultados e a sua relação com os estudos de Malloy e Penprase (2010) e Manning (2016), foi observada uma relação entre os riscos psicossociais e as dimensões relacionadas com os domínios da gestão. Neste estudo, a construção da confiança foi relevante pela necessidade de melhorias na transparência e reciprocidade das relações com a gerência (Confiança vertical); a integridade, por sua vez, refletiu-se na necessidade de uma atuação mais congruente com a ética e a moral, quer na resolução dos conflitos, quer na distribuição do trabalho, por parte da chefia (Justiça e respeito); a motivação realçou-se pela necessidade dos enfermeiros verem as suas capacidades reconhecidas pelos superiores (Satisfação no trabalho); o encorajamento e o acompanhamento foram enaltecidos pela necessidade dos enfermeiros receberem mais apoio e feedback acerca do seu trabalho (Apoio social de superiores); e, por último, a recompensa pelo atingimento de objetivos, foi realçada, por exemplo, pela necessidade dos enfermeiros terem acesso a mais oportunidades de desenvolvimento, por parte da gerência (Qualidade da liderança). A pertinência de metodologias de gestão que zelassem por uma liderança transformacional, que valoriza a comunicação e o suporte, e uma liderança transacional, que valoriza a recompensa em prol do atingimento de objetivos, não só são consistentes com os resultados deste estudo, como afastam metodologias de gestão mais permissivas e que apenas intervêm quando os problemas estão instalados. Na realidade encontrada, os enfermeiros têm necessidades de apoio, confiança e reconhecimento, através de metodologias de gestão que se suportem a sua prática em pilares de integridade e justiça. (Malloy & Penprase, 2010; Manning, 2016; Dempsey & Assi, 2018).

O Conflito trabalho-família assumiu neste estudo uma dimensão estatisticamente significativa num grupo de enfermeiros que trabalha há menos tempo nos serviços (até 10 anos Med = 4,00; p = 0,022), facto que também é suportado com os resultados do estudo de Dempsey, Reilly, e Buhlman (2014), ao ser demonstrado que estes profissionais estão mais envolvidos no trabalho nos primeiros 6 meses, decrescendo os seus níveis de envolvimento desde esse período, até aos 10 anos no serviço (p = 0,000; Dempsey et al., 2014). Ainda assim, seguindo a linha de pensamento que se refere aos domínios da gestão e da liderança, tendo em conta os resultados, será que os enfermeiros que trabalham há menos tempo num serviço que vise a prestação de cuidados ao doente crítico, estão mais envolvidos com o trabalho ou lidam com maior pressão e insegurança laboral, o que os faz aceitar mais horas e por isso maior prejuízo no seio familiar?

Já no que se refere à dimensão dos comportamentos ofensivos, foi igualmente encontrado suporte na literatura, ao ser demonstrado no estudo de Abdul Rahman et al. (2017) que estes profissionais, não só têm elevada prevalência de ameaças de violência e bullying, como os mais afetados trabalham no SU em detrimento da UCI. Neste estudo o risco de violência foi estatisticamente significativo para os enfermeiros que executam as suas funções no SU (p = 0,001), comparativamente aos da UCI. Maguire, O’Meara, O’Neill, e Brightwell (2018), através de uma revisão sistemática da literatura que contou com uma análise de artigos de 2000 a 2016, reforçaram a questão violência contra os profissionais que trabalham em serviços de emergência, enunciando mesmo que se trata de um risco comum (Maguire et al., 2018).

Ao longo dos anos, os riscos psicossociais têm sido alvo de atenção por parte da comunidade científica e diversos estudos têm vindo a ser desenvolvidos de forma a identificar os fatores que os influenciam. Na literatura, estudos que se assemelhem em termos de população e metodologia são escassos e os disponíveis tentam estabelecer relações causais com os riscos psicossociais. Este estudo, apesar das condicionantes relacionadas com a amostra, procurou explorar e conhecer um contexto nos moldes em que ele se apresenta, não partindo de uma relação causal prévia. Nesse sentido, contribui com conhecimentos valiosos, que não só permitem conhecer o contexto da assistência ao doente crítico, em território português, como alerta para a influencia da gestão nos riscos psicossociais dos enfermeiros.

 

Conclusão

Face aos resultados, é possível inferir que os riscos psicossociais estão presentes no contexto de prestação de cuidados ao doente crítico, em dimensões que se associam às exigências cognitivas, exigências emocionais, apoio social de superiores e conflito trabalho-família. Os enfermeiros do SU, relativamente aos da UCI, apresentaram maior risco psicossocial nas dimensões relacionadas com a qualidade da liderança, satisfação no trabalho e comportamentos ofensivos. As condicionantes relacionadas com as metodologias de gestão adotada, em questões relativas ao apoio dos superiores, distribuição de trabalho, reconhecimento e valorização das competências individuais, emergiram como fatores causais destes resultados.

Como limitações deste estudo é possível apontar a escassez de literatura que permita comparar os resultados de um modo mais efetivo, assim como o reduzido número da amostra, que não possibilita a generalização. Assim, é importante que sejam realizados estudos posteriores que possibilitem a integração de amostras maiores e mais representativas, e que tenham em atenção contextos específicos e mais alargados, de modo a proporcionar mais conhecimentos acerca das realidades e intervir de modo adequado em cada contexto ou serviço mediante as suas especificidades, ao nível da gestão e da equipa.

 

Referências bibliográficas

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Recebido para publicação em: 10.04.19

Aceite para publicação em: 11.06.19

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