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Revista de Enfermagem Referência
versão impressa ISSN 0874-0283
Rev. Enf. Ref. vol.serIV no.23 Coimbra dez. 2019
https://doi.org/10.12707/RIV19072
ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO (ORIGINAL)
RESEARCH PAPER (ORIGINAL)
Religião/espiritualidade e apoio social na melhoria da qualidade de vida da pessoa com cancro avançado
Religion/spirituality and social support in improving the quality of life of patients with advanced cancer
Religión/espiritualidad y apoyo social para mejorar la calidad de vida de las personas con cáncer avanzado
Leonel dos Santos Silva*
https://orcid.org/0000-0002-8359-5622
Izabela Rodrigues Poiares**
https://orcid.org/0000-0003-4928-6161
Celina Angélica Mattos Machado***
https://orcid.org/0000-0002-7241-7169
Bruna Eloise Lenhani****
https://orcid.org/0000-0002-6009-3400
Paulo Ricardo Bittencourt Guimarães*****
https://orcid.org/0000-0002-9852-6777
Luciana Puchalski Kalinke******
http://orcid.org/0000-0003-4868-8193
* MSc., Enfermeiro, Complexo Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná, 80210-170, Curitiba, Brasil [leoneldss@gmail.com]. Contribuição no artigo: redação do artigo; pesquisa bibliográfica; colheita de dados; análise dos dados; discussão. Morada para correspondência: Rua General Carneiro, 181 - Alto da Glória, 80210-170, Curitiba, Brasil.
** Lic., Enfermeira, Universidade Federal do Paraná, 80210-170, Curitiba, Brasil [izabelapoiares@gmail.com]. Contribuição no artigo: redação do artigo; pesquisa bibliográfica; formatação; participou substancialmente na discussão.
*** MSc., Enfermeira. Doutoranda, Universidade Federal do Paraná, 80210-170, Curitiba, Brasil [celina.ufpr@gmail.com]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica; análise e interpretação dos dados; participou substancialmente na discussão.
**** MSc., Enfermeira. Doutoranda, Universidade Federal do Paraná, 80210-170, Curitiba, Brasil [bru_lenhani@hotmail.com]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica; análise e interpretação dos dados; participou substancialmente na discussão.
***** Ph.D., Professor, Universidade Federal do Paraná, 80210-170, Curitiba, Brasil [guimaraes.prb@gmail.com]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica; análise e interpretação dos dados; participou substancialmente na discussão.
****** Ph.D., Professora, Universidade Federal do Paraná, 80210-170, Curitiba, Brasil [lucianakalinke@yahoo.com.br]. Contribuição no artigo: concepção e desenho da pesquisa; redação do artigo; análise e interpretação dos dados; revisão crítica do manuscrito.
RESUMO
Enquadramento: O constructo religiosidade/espiritualidade e apoio social sugere melhoria na qualidade de vida nos doentes com cancro avançado em terapêutica paliativa ou cuidado paliativo.
Objetivo: Verificar se as pessoas com cancro avançado que estão a receber terapêutica paliativa e/ou cuidado paliativo, utilizam a religiosidade/espiritualidade e apoio social para o enfrentamento da doença, e comparar o seu uso na melhoria da qualidade de vida.
Metodologia: Estudo observacional, transversal e analítico, realizado num hospital no sul do Brasil, de janeiro a julho de 2018. Dados recolhidos através de um questionário sociodemográfico/clínico e do Quality of Life Questionnaire-Core 15-Palliative. O teste não paramétrico de Mann Whitney foi utilizado para análise comparativa.
Resultados: Participaram 107 doentes na terapêutica paliativa e 19 no cuidado paliativo. O uso da religiosidade/espiritualidade e apoio social foi unanimemente utilizado. A presença de um familiar como cuidador principal teve significância (p = 0,014), predizendo melhor qualidade de vida.
Conclusão: Cabe ao enfermeiro promover o cuidado humano e viabilizar o uso do constructo religioso/espiritual e social, em especial a presença do cuidador familiar, para melhorar a qualidade de vida da pessoa com cancro avançado.
Palavras-chave: qualidade de vida; neoplasias; cuidados paliativos; espiritualidade; religião; apoio social
ABSTRACT
Background: The religion/spirituality and social support may improve the quality of life of patients with advanced cancer receiving palliative therapy or palliative care.
Objective: To determine if patients with advanced cancer receiving palliative therapy and/or palliative care use religion/spirituality and social support to cope with the disease, and assess if these aspects improve their quality of life.
Methodology: Observational, cross-sectional, and analytical study conducted in a hospital in southern Brazil from January to July 2018. A sociodemographic/clinical questionnaire and the European Organization for Research and Treatment of Cancer Quality of Life Questionnaire-Core 15 Palliative Care were used. The nonparametric Mann-Whitney test was used for comparative analysis.
Results: A total of 107 patients receiving palliative therapy and 19 patients receiving palliative care participated in this study. Religion/spirituality and social support were unanimously used. The presence of a family member as the main caregiver was significant (p = 0.014), predicting a better quality of life.
Conclusion: Nurses are responsible for promoting humanized care and the use of religion/spirituality and social support, namely the presence of family caregivers, with a view to improving the quality of life of patients with advanced cancer.
Keywords: quality of life; neoplasms; palliative care; spirituality; religion; social support
RESUMEN
Marco contextual: El constructo religiosidad/espiritualidad y apoyo social sugiere una mejora en la calidad de vida de los pacientes con cáncer avanzado en la terapia paliativa o en los cuidados paliativos.
Objetivo: Verificar si las personas con cáncer avanzado que reciben terapia paliativa y/o cuidados paliativos utilizan la religiosidad/espiritualidad y el apoyo social para afrontar la enfermedad, y comparar su uso para mejorar su calidad de vida.
Metodología: Estudio observacional, transversal y analítico, realizado en un hospital del sur de Brasil, de enero a julio de 2018. Los datos se recogieron mediante un cuestionario sociodemográfico/clínico y el Quality of Life Questionnaire-Core 15-Palliative. Para el análisis comparativo se utilizó la prueba no paramétrica de Mann Whitney.
Resultados: Participaron 107 pacientes en la terapia paliativa y 19 en los cuidados paliativos. El uso de la religiosidad/espiritualidad y el apoyo social se utilizó de forma unánime. La presencia de un miembro de la familia como cuidador principal fue significativa (p = 0,014), y predice una mejor calidad de vida.
Conclusión: Es responsabilidad del enfermero promover el cuidado humano y permitir el uso del constructo religioso/espiritual y social, especialmente de la presencia del cuidador familiar, para mejorar la calidad de vida de las personas con cáncer avanzado.
Palabras clave: calidad de vida; neoplasias; cuidados paliativos; espiritualidad; religión; apoyo social
Introdução
O cancro avançado pode ser entendido como um conjunto de doenças que podem evoluir de maneira progressiva, incurável, com recidiva local ou metastática (Gilbertson-White, Aouizerat, Jahan, & Miaskowski, 2011). Existem duas modalidades de tratamento que podem ser recomendadas: a terapêutica paliativa (TP) ou o cuidado paliativo (CP).
A terapêutica paliativa pode ser definida como medidas sistémicas ativas para alívio dos sintomas da doença e controlo dos efeitos colaterais, com o intuito de melhorar a qualidade de vida (QV) do doente fora de possibilidades de cura, por exemplo: quimioterapia, radioterapia, terapia direcionada, terapia hormonal, imunoterapia, cirurgia (Silva, Lenhani, Tomim, Guimarães, & Kalinke, 2019).
O cuidado paliativo pode ser isolado ou concomitante à TP. Consiste numa forma de cuidar cujo objetivo é a melhoria dos sintomas, e do sofrimento, tanto dos doentes como dos seus familiares. Também visa a deteção e tratamento precoce dos sintomas físicos, assim como de outros problemas de ordem psicossocial e espiritual que visem a melhoria da QV (THE WHOQOL Group, 1998).
O conceito de QV é amplo, multidimensional e subjetivo. Segundo a WHO, “Qualidade de Vida é a percepção do indivíduo de sua posição na vida, no contexto da cultura e sistemas de valores nos quais vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações” (WHO, 1997, p. 1), conceito este que permeia o presente estudo.
A religiosidade/espiritualidade e o apoio social são consideradas formas de enfrentamento da doença pelo paciente. Estas, são utilizadas em situações de sofrimento e possuem um papel protetor importante contra sintomas psíquicos causados pela enfermidade (Jaramillo, Monteiro, & Borges, 2019).
No sentido de verificar se os doentes com cancro avançado utilizam a religiosidade/espiritualidade e o apoio social para enfrentar a doença, emergiram os objetivos deste estudo: verificar se as pessoas com cancro avançado que estão a receber TP e/ou CP, utilizam a religiosidade/espiritualidade e o apoio social para o enfrentamento da doença, e comparar o seu uso a melhoria da qualidade de vida.
Enquadramento
O cancro avançado afeta profundamente o bem-estar físico, psíquico, social e espiritual da pessoa e família, que muitas vezes constitui um desafio para a equipa de saúde. Muitos doentes adotam os constructos da religião e espiritualidade para nortear as decisões de continuidade do tratamento, lidar com o stress, manter o bem-estar espiritual e promover a esperança em relação à melhor QV (Peteet & Balboni, 2013).
A religiosidade e a espiritualidade podem ou não estar relacionadas e são duas expressões distintas. A religiosidade é uma expressão parcial da espiritualidade, composta por um sistema de dogmas e doutrinas, compartilhada por um determinado grupo que possui características específicas sociais, doutrinárias, de comportamentos e valores. A espiritualidade é ampla, relaciona-se com o transcendente, com a busca pelo significado e propósito da vida, está além do que se possa compreender e pode ou não estender-se para práticas religiosas. A espiritualidade é individual, universal, dinâmica, multidimensional e integradora (Damiano et. al, 2016).
A religiosidade/espiritualidade contribuem para a perceção de controlo e independência face aos efeitos da doença, para a adesão ao tratamento, para a redução do stress e da ansiedade e na busca por um significado no enfrentamento do problema. Enquanto a doença assusta, a espiritualidade renova (Jaramillo et al., 2019). Desta forma, a assistência ao doente oncológico deve acontecer de maneira holística, abrangendo outros aspetos além dos físicos, como os psicossociais, espirituais e emocionais do indivíduo.
Outra estratégia para enfrentar a doença e impedir ou reduzir efeitos stressantes a longo prazo é o apoio social, que se refere a interações interpessoais que incluem apoio emocional, companheirismo e aconselhamento. O apoio social está relacionado a uma melhor QV e a redução da ansiedade e depressão em doentes com cancro avançado (Bradley, Lloyd-Williams, & Dowrick, 2018).
Por outro lado, o isolamento social associa-se à diminuição do bem-estar, aumento da depressão, aumento da intensidade da dor, mortalidade e ao declínio cognitivo. A limitação nas relações sociais pode advir do estigma que a doença e a morte representam. Ainda, a dor, fadiga e outros sintomas podem impedir o envolvimento social e, assim, a reduzir a funcionalidade física, o que aumenta a restrição social (Bradley et al., 2018).
Questão de Investigação
Os doentes com cancro avançado em terapêutica paliativa e/o cuidado paliativo utilizam a religiosidade/espiritualidade e o apoio social como estratégia de enfrentamento, para melhorar a sua qualidade de vida?
Metodologia
Trata-se de um estudo observacional, transversal e analítico, realizado num hospital universitário do sul do Brasil, no período de janeiro a julho de 2018. A amostra, não probabilística, foi constituída por doentes internados ou em atendimento ambulatorial que estavam em TP e/ou CP.
Os critérios de inclusão foram: doentes com idade acima de 18 anos; diagnóstico de cancro avançado (estádio IV), comprovado com histologia de qualquer topografia, com prévio comunicado; e registo em prontuário sobre a TP e/ou CP, com Performance Status classificada pelo investigador no momento da colheita de dados de acordo com o Eastern Cooperative Oncology Group (ECOG) em 0, 1, 2 ou 3, caracterizado como: 0 (totalmente ativo); 1 (restrito de atividade física extenuante e capaz de realizar trabalho de natureza leve ou sedentária); 2 (capacidade de autocuidado sem condições de atividades laborativas, permanece 50% do tempo fora do leito) e 3 (limitada capacidade de autocuidado, permanece 50% do tempo em repouso no leito ou cadeira; Oken et al., 1982). Os critérios de exclusão aplicados foram: doentes impossibilitados de manter comunicação verbal.
Inicialmente foi aplicado um questionário desenvolvido pelos autores com variáveis relativas às características: sociodemográficas (sexo, idade, estado civil, número de filhos, escolaridade, ocupação e renda familiar); clínicas (comorbidades, performance status, tipo de cancro, acompanhamento pela equipa de CP); espiritualidade/religiosidade (crença religiosa, prática religiosa, religião, uso da espiritualidade/religiosidade/apoio da comunidade religiosa); e apoio social recebido (apoio da família e amigos e profissionais, participação em grupos de apoio).
Para avaliação da qualidade de vida foi aplicado o Quality of Life Questionnaire Care 15 Palliative Ca (QLQ-C15-PAL), validado para português - Brasil (Nunes, 2014). Trata-se de um instrumento abreviado, composto por 15 questões que avaliam aspetos físicos, emocionais e a QV global nos últimos 7 dias dos doentes com cancro avançado com pontuação que varia de 0 a 100, em que uma pontuação mais alta representa melhor QV (Groenvold et al., 2006).
Os dados (sociodemográficos, clínicos, uso de religiosidade/espiritualidade e apoio social) foram armazenados em plataformas eletrónicas e foram, posteriormente, analisados no programa Microsoft Excel® 2016, com estatística descritiva expressa em frequência simples e absoluta (%). Para análise do QLQ-C15-PAL foi estabelecido o score bruto (EB), que consiste no somatório de cada item que compõe a escala dividido pelo número de respostas (Groenvold et al., 2006). Quanto à comparação entre QV geral e as variáveis apoio social e uso da religiosidade/espiritualidade, utilizou-se o teste não paramétrico de Mann Whitney, com nível de significância de 5% para resultados com p-valor abaixo de 0,05, sendo considerados significantes (p < 0,05), uma vez que os dados não seguiram normalidade na sua distribuição. Para análise utilizou-se o software Statistica 7.0.
No planeamento deste estudo solicitou-se autorização à Comissão de Ética e Pesquisa da instituição em que se desenvolveu a investigação (Parecer n° 2.461.307), e para utilização do instrumento de QV solicitou-se autorização ao seu autor. Relativamente aos participantes, estes foram informados sobre as razões, os riscos e benefícios, finalidade e objetivos. Foi fornecido um documento para que manifestassem a vontade livre e esclarecida de participar, com a salvaguarda da desistência em qualquer momento. Foi assegurada a confidencialidade das informações, o respeito pela vida privada e o anonimato na participação, estabelecidos na resolução n° 466/2012 do Ministério da Saúde/Brasil.
Resultados
Participaram no estudo 126 doentes que estavam a receber tratamento ambulatorial e/ou internados, classificados conforme a intenção terapêutica descrita em prontuário, sendo que 107 se encontravam a receber TP e 19 se encontravam a receber CP exclusivo (Tabela 1).
Em relação ao Performance Status avaliado pelo ECOG, na TP, 81 doentes (75,7%) estavam classificados como ECOG 0 e 1, já no CP estavam classificados 17 (89,5%) como ECOG 2 e 3 (Tabela 2).
O uso da religiosidade/espiritualidade no enfrentamento da doença foi identificado nos dois grupos, na TP em 101 doentes (96,2%) e no CP em 17 doentes (89,5%). O suporte de visitas e/ou orações da comunidade religiosa também foi evidenciado como ferramenta de apoio para enfrentar a doença por ambos os grupos, 66 doentes (62,3%) a receber TP e 12 (63,2%) a receber CP. Relativamente ao apoio social recebido, 96 doentes em acompanhamento na TP (89,7%) e 17 em acompanhamento na CP (89,5%) têm algum membro da família que participa como cuidador principal, consecutivamente (Tabela 3).
Na comparação entre os grupos, o estudo evidenciou diferenças significativas no grupo a receber TP, para aqueles que tiveram um familiar cuidador principal (Tabela 4), sugerindo que para os doentes, a presença de um cuidador principal familiar, proporcionou uma QV melhor (p = 0,014). As demais análises não mostraram significância estatística.
Discussão
A diversidade de aspetos multidimensionais torna complexo o cuidado e o tratamento de doentes com cancro avançado e dos seus familiares, desde as características sociodemográficas às várias dimensões do ser humano, como funções emocionais, físicas, biológicas, sociais, psicológicas, culturais e espirituais, resultam em alterações significativas nos diversos domínios da QV (West et al., 2015).
Conhecer as características sociodemográficas tais como o sexo, idade, atividades de vida diária, número de filhos e escolaridade é relevante e pode auxiliar no direcionamento da assistência de enfermagem voltada para os aspetos multidimensionais do constructo QV, o que vai ao encontro do estudo realizado nos Estados Unidos da América, com 185 doentes, que concluiu que as características sociodemográficas estão diretamente relacionadas com a perceção de QV. O referido estudo identificou ainda que o sexo feminino apresentou menores scores nos domínios físico, psicológico e social (West et al., 2015). Conhecer o indivíduo na sua integralidade apoiará o enfermeiro ao avaliar, planear e prescrever medidas individualizadas que tenham como objetivo a melhoria da QV.
No presente estudo observou-se uma maior percentagem de doentes do sexo feminino com cancro dentre os que estavam em TP e CP, assim como baixa escolaridade e o status profissional inativo foram evidenciados. Questões relacionadas com o baixo nível de escolaridade podem influenciar no diagnóstico tardio e na descoberta em estágio avançado (III e IV; Ribeiro, Eluf Neto, Luizaga, Lombardo, & Leite, 2015).
Fator de significância clínica, tanto na modalidade da terapêutica, quanto na QV, é a capacidade funcional, que neste estudo foi mensurada por meio do ECOG. Os valores 0 e 1 foram predominantes na TP, o que diverge do CP, em que os doentes apresentaram incapacidade laborativa e limitação de autocuidado (ECOG 2 e 3).
Na prática clínica, pessoas com doença avançada e status de desempenho ECOG = 2 tem indicação frequente de quimioterapia paliativa para melhoria dos sintomas e QV. Em contrapartida, um estudo retrospetivo de caso-controlo, com doentes inseridos na TP e no CP, mostrou a necessidade de precaução na prescrição de quimioterapia paliativa em doentes com EGOG maior ou igual a 2, por não evidenciar benefícios na sobrevida global e QV (Caires-Lima et al., 2018).
No que concerne à religiosidade/espiritualidade e apoio social, ambos os grupos TP e CP, relataram o uso destas estratégias no curso da doença, por exemplo, o apoio de visitas e/ou orações da comunidade religiosa e a presença de um cuidador principal familiar.
Resultados de uma meta-análise evidenciaram a associação entre intervenções espirituais com melhores resultados de saúde em doentes com cancro, assim como melhor bem-estar espiritual e QV, além de reduzir o grau de depressão, ansiedade e desesperança (Xing, Guo, Bai, Qian, & Chen, 2018).
A religiosidade/espiritualidade no quesito saúde-doença pode contribuir para a adesão ao tratamento, busca da QV e do bem-estar emocional e espiritual, que se pode refletir no domínio físico por meio de sensações como tranquilidade e paz. A religiosidade/espiritualidade pode atuar na forma como as pessoas enfrentam situações adversas, promovendo resiliência e auxiliando no enfrentamento individual da doença.
No processo de cuidar de doentes e familiares que vivenciam o processo paliativo, reconhecer as dimensões e as necessidades religiosas/espirituais dos indivíduos é uma forma de prestar uma assistência holística. Assim, cabe ao enfermeiro respeitar a autonomia, prover e facilitar de forma laica que a assistência espiritual seja prestada pelos representantes e líderes espirituais imbuídos para tais atividades, conforme orientação do doente, família e do cuidador.
No presente estudo, a participação de membros da família como cuidador principal foi destacada pelos doentes inseridos na TP e no CP, assim como apresentou significância positiva com a QV na TP. É comum que os doentes com cancro recebam assistência direta dos seus familiares, a doença avançada afeta a QV de ambos, cuidador e ente cuidado, assim como o esgotamento do familiar cuidador principal pode refletir-se diretamente nos cuidados ao doente. Faz-se necessário que o profissional também esteja atento à QV do cuidador, uma vez que este pode apresentar alterações em várias dimensões do bem-estar, incluindo física, psicológica e suporte social, assim como estas alterações podem interferir também na QV do doente (Warapornmongkholkul, Howteerakul, Suwannapong, & Soparattanapaisarn, 2018).
O apoio social no enfrentamento do cancro avançado é, predominantemente, promovido pelos familiares, amigos e profissionais de saúde, sem evidência da participação em grupos de apoio, tanto na TP como no CP. A família contribui em diversos aspetos no cuidado ao doente, promove suporte emocional, mantém uma referência de estabilidade em relação a mudanças, responde por custos económicos e sociais, divide as decisões acerca das terapêuticas propostas e auxilia no cuidado (Arrais, 2018).
O apoio social é correlacionado com melhor QV global e funcional e menores índices de sintomas depressivos, resultados de um estudo realizado em Minas Gerais, com 115 doentes com diagnóstico de cancro, da atenção primária elegíveis para CP. Ademais, o estudo demonstrou que menores índices de QV e maior sintomatologia física se encontram relacionados com piores níveis de apoio social (Azevedo, Dias, Pessalacia, Lourdes, & Pavone, 2017).
Resultados semelhantes foram encontrados numa revisão sistemática, com um total de 1.668 doentes com cancro avançado em acompanhamento de CP ambulatorial, que evidencia que na presença de intenso desconforto, maiores são as probabilidades e benefícios do apoio social, que se refletem em melhor bem-estar psicológico e físico. Neste sentido, os profissionais devem considerar e promover o bem-estar social (Bradley et al., 2018).
No presente estudo, os doentes inseridos em TP ou CP não participavam em grupos de apoio. Um estudo de coorte realizado com 66 doentes em TP destaca a participação em grupos como estratégias de apoio (educativas e psicoterapêuticas), quando realizada a associação do suporte social com o fator de risco para desesperança (p = 0,007), encontrou-se que quanto menor o uso de suporte social, maior o nível de desesperança (Sorato & Osório, 2015).
Algumas famílias possuem dificuldade em continuar o cuidado do doente, no hospital e/ou no domicílio, devido ao esgotamento, o que salienta a relevância dos programas de grupos de apoio. Estes, são formas de enfrentar a doença e compartilhar experiências, sentimentos, dificuldades, emoções e procurar apoio e informações com outras famílias que vivenciam a mesma realidade, além de ser um ambiente para promoção da saúde e apoio social. Os grupos de apoio avaliam e detetam situações de crise e dificuldades e são fonte de ajuda, ao auxiliar na autonomia e tomada de decisões e ao capacitar as famílias e os doentes para lidarem com situações de stress (Silva, Begnini, Stamm, Mistura, & Cogo, 2019).
O apoio social é uma estratégia utilizada pelos doentes no enfrentamento do cancro avançado e pode ser oferecido pelos familiares, amigos e profissionais que assistem o doente, inclusivamente na composição de grupos como um espaço de convivência e troca de experiências entre aqueles que compartilham situações correlatas.
A equipa oncológica pode atuar no sentido de viabilizar o apoio social por meio de visitas domiciliares ou através de suporte tecnológico, via telefónica ou internet. O enfermeiro pode fortalecer as relações de cuidado com o suporte social a doentes e familiares ao prestar informações adequadas às necessidades vigentes. Estas ações poderão promover melhor QV tanto para os doentes em TP quanto para os em CP.
Dentre as limitações do estudo, aponta-se o facto de ter sido realizado num único serviço, uma vez que os dados não podem ser generalizados. Elenca-se também a inexistência de um cálculo amostral que representasse de maneira confiável o quantitativo de doentes em tratamento, bem como, o reduzido número de participantes inseridos no grupo CP. Em relação às contribuições do estudo, foi possível apontar algumas características e necessidades dos doentes com cancro avançado, e cabe ao enfermeiro avaliar e intervir holisticamente para suprir as necessidades de cuidado de doentes e familiares na intenção paliativa.
Conclusão
Os resultados deste estudo indicam que as pessoas com cancro avançado inseridas na TP ou CP faz uso dos constructos da religiosidade/espiritualidade, e além das crenças e orações, são apoiados pelos líderes e comunidades religiosas. E, unanimemente, contam com o apoio de um cuidador familiar, suporte social de amigos e profissionais de saúde. Tais estratégias fazem-se presentes no enfrentamento da doença, ultrapassam as demandas físicas, funcionais, psicológicas e emocionais, com enfoque na melhor QV.
Ao comparar as médias da QV geral com o uso da religiosidade/espiritualidade e apoio social, percebeu-se que houve diferença significativa (p = 0,014) positiva para os doentes no grupo de TP que tinham um familiar como cuidador principal. As demais comparações não mostraram significância.
Desta forma, cabe aos profissionais de enfermagem promover um cuidado humanizado e integral ao ser humano, a fim de minimizar o sofrimento e proporcionar melhor QV. Os enfermeiros devem estar atentos às necessidades de cuidado da pessoa e do seu cuidador, promover e estimular a presença da família e/ou de outros grupos de apoio social em todo o processo da doença, com o objetivo de melhorar a QV do doente com cancro avançado.
Futuros estudos devem ser conduzidos com a finalidade de elucidar as influências de cuidadores familiares na melhoria da QV da pessoa com cancro avançado, bem como nas estratégias a serem implementadas pelos enfermeiros na promoção do apoio social, religioso e espiritual nesta relação de cuidados.
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Recebido para publicação em: 11.10.19
Aceite para publicação em: 09.12.19