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Revista de Enfermagem Referência
versão impressa ISSN 0874-0283
Rev. Enf. Ref. vol.serIV no.23 Coimbra dez. 2019
https://doi.org/10.12707/RIV19057
ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO (ORIGINAL)
RESEARCH PAPER (ORIGINAL)
Terapêuticas de enfermagem na pessoa com deglutição comprometida após acidente vascular cerebral
Nursing therapies in the person with post-stroke dysphagia
Terapias de enfermería para la persona con problemas de deglución después de un accidente cerebrovascular
Isabel de Jesus Oliveira*
https://orcid.org/0000-0001-6627-3907
Germano Rodrigues Couto**
https://orcid.org/0000-0002-5423-7375
Liliana Andreia Neves da Mota***
https://orcid.org/0000-0003-3357-7984
* Pós-Graduação, Professora Adjunta, Escola Superior de Saúde Norte da Cruz Vermelha Portuguesa, 3720-126, Oliveira de Azeméis, Portugal [ijoliveira12@gmail.com]. Contribuição no artigo: pesquisa bibliográfica; recolha de dados; tratamento e avaliação estatística; análise de dados; discussão dos resultados; redação do artigo. Morada para correspondência: Rua da Cruz Vermelha, Cidacos - Apartado 1002, 3720-126, Oliveira de Azeméis, Portugal.
** Ph.D., Professor Associado, Universidade Fernando Pessoa, 4249-004, Porto, Portugal [grcouto@gmail.com]. Contribuição no artigo: análise de dados; discussão dos resultados; revisão global do artigo.
*** Ph.D., Professora Adjunta, Escola Superior de Saúde Norte da Cruz Vermelha Portuguesa, 3720-126, Oliveira de Azeméis, Portugal [saxoenfermeira@gmail.com]. Contribuição no artigo: análise de dados; discussão dos resultados; revisão global do artigo.
RESUMO
Enquadramento: A disfagia é uma das complicações do acidente vascular cerebral, com sérias repercussões na capacidade da pessoa para a reconstrução da autonomia e graves complicações respiratórias, nutricionais e psicológicas.
Objetivo: Identificar os focos/diagnósticos e intervenções, documentados pelos enfermeiros, em resposta às necessidades de cuidados à pessoa com deglutição comprometida após acidente vascular cerebral.
Metodologia: Estudo exploratório, descritivo e retrospetivo, realizado num serviço de internamento num centro de reabilitação, com recurso a análise estatística descritiva da documentação de enfermagem entre janeiro e maio de 2019.
Resultados: Os diagnósticos mais frequentemente documentados são no domínio do autocuidado (53,9%) e as intervenções documentadas em maior número são da ação do tipo observar (49,2%). Os registos no domínio da deglutição, quer nos diagnósticos, quer nas intervenções, são escassos.
Conclusão: Nas terapêuticas de enfermagem na pessoa com deglutição comprometida após AVC existem intervenções dirigidas a este foco, independentemente dos diagnósticos documentados. Os resultados sugerem que, apesar de se constituir como foco de atenção na prática dos enfermeiros, existirá alguma limitação na sua documentação.
Palavras-chave: acidente vascular cerebral; deglutição; cuidados de enfermagem; sistemas de informação
ABSTRACT
Background: Dysphagia is one of the complications of stroke, with a severe impact on the person’s capacity to recover autonomy, and severe respiratory, nutritional, and psychological complications.
Objective: To identify the foci/diagnoses and interventions, documented by nurses, in response to the care needs of the person with post-stroke dysphagia.
Methodology: An exploratory, descriptive, and retrospective study was conducted in an inpatient service of a rehabilitation center, using descriptive statistical analysis in nursing documentation between January and May 2019.
Results: The diagnoses most frequently documented are related to self-care (53.9%), and the most documented interventions are of the observing type (49.2%). Documentation of swallowing-related diagnoses and interventions is scarce.
Conclusion: There are interventions directed at this focus in nursing care to the person with post-stroke dysphagia, regardless of the documented diagnoses. The results suggest that, although they constitute a focus of attention in nursing practice, their documentation is limited.
Keywords: stroke; swallowing; nursing care; information systems
RESUMEN
Marco contextual: La disfagia es una de las complicaciones del accidente cerebrovascular, con graves repercusiones en la capacidad de la persona para reconstruir su autonomía, así como graves complicaciones respiratorias, nutricionales y psicológicas.
Objetivo: Identificar el enfoque/diagnóstico y las intervenciones documentadas por los enfermeros en respuesta a las necesidades de atención de la persona con problemas de deglución después de un accidente cerebrovascular.
Metodología: Se realizó un estudio exploratorio, descriptivo y retrospectivo en un servicio de hospitalización en un centro de rehabilitación, para el cual se utilizó un análisis estadístico descriptivo de la documentación de enfermería entre enero y mayo de 2019.
Resultados: Los diagnósticos documentados con más frecuencia se dan en el campo del autocuidado (53,9%), y las intervenciones más documentadas son de tipo observatorio (49,2%). Los registros en el campo de la deglución, tanto en el diagnóstico como en las intervenciones, son escasos.
Conclusión: En las terapias de enfermería para pacientes con problemas de deglución después de sufrir un ACV, existen intervenciones dirigidas a este foco, independientemente de los diagnósticos documentados. Los resultados sugieren que, a pesar de ser un foco de atención en la práctica de los enfermeros, habrá algunas limitaciones en su documentación.
Palabras clave: accidente cerebrovascular; deglución; atención de enfermería; sistemas de información
Introdução
O acidente vascular cerebral (AVC) é uma das principais causas de morte e morbilidade em Portugal, sendo que em 2016 representou cerca de 23.400 episódios de internamento (Direção-Geral da Saúde, 2017) e, destes clientes, mais de metade terá experienciado alguma dificuldade em deglutir durante o processo de doença, considerando a elevada incidência da disfagia após o AVC (Takizawa, Gemmell, Kenworthy, & Speyer, 2016). De instalação súbita, tem um impacte negativo na capacidade para o autocuidado, enquanto atividade executada pela pessoa que implica “manter-se operacional e lidar com as necessidades individuais básicas e íntimas e as atividades de vida diária” (Conselho Internacional de Enfermeiros, 2016, p. 42), o que resulta frequentemente em algum grau de dependência, estando associado a múltiplas complicações (Krishnamurthi et al., 2015).
A disfagia é uma das complicações do AVC, com elevada incidência nas primeiras semanas (até 65%) e com sérias repercussões na capacidade da pessoa para a reconstrução da autonomia, podendo conduzir a graves complicações respiratórias, nutricionais e psicológicas, traduzindo-se em pior qualidade de vida (Cohen et al., 2016). Apesar de reconhecida a sobrecarga para a pessoa, cuidadores, profissionais de saúde e serviços de saúde, este não é um foco de atenção dos profissionais de saúde (Dziewas et al., 2017). Na senda da procura contínua da melhoria da qualidade dos cuidados de enfermagem importa analisar criticamente as práticas de cuidados, confrontando-as com a melhor evidência disponível e a forma como estas são documentadas.
Neste sentido, considera-se pertinente identificar os focos/diagnósticos e intervenções, documentados pelos enfermeiros, em resposta às necessidades de cuidados à pessoa com deglutição comprometida após acidente vascular cerebral.
Estes resultados serão preponderantes para a compreensão da relevância dada na documentação dos cuidados de enfermagem à pessoa com AVC, tendo em especial atenção os focos relacionados com o compromisso da deglutição, considerando que a “melhoria contínua da assistência aos clientes depende do desenvolvimento de uma análise crítico-reflexiva dos cuidados implementados, confrontando-os com a melhor evidência, de forma a construir uma prática diária que melhor responda às reais necessidades dos clientes” (Mota, Bastos, & Brito, 2018, p. 20).
Enquadramento
A disfagia é definida como uma dificuldade em deglutir, resultante de um atraso na duração do fluxo de bolus, penetração/aspiração das vias aéreas e/ou a existência de resíduos pós-deglutórios na cavidade faríngea (Cohen et al., 2016). Na pessoa com AVC, a disfagia aumenta a probabilidade de morte, de incapacidade, de infeção respiratória, de desidratação, de desnutrição, de tempo de internamento hospitalar e a diminuição da qualidade de vida (Wirth et al., 2016). No entanto, apesar das consequências da disfagia serem devastadoras, estas não lhe são frequentemente atribuídas (Wirth et al., 2016). Em concreto, a pneumonia, que é uma das mais importantes complicações modificáveis do AVC, beneficiaria significativamente da implementação de estratégias de prevenção, essencialmente na redução do risco de aspiração (Cohen et al., 2016). São vários os fatores que contribuem para dificuldade de reconhecimento da disfagia como uma condição clínica per se, nomeadamente a heterogeneidade na nomenclatura, diagnóstico, avaliação e abordagem terapêutica à pessoa com disfagia, a falta de evidência de elevada qualidade, a ausência de orientações clínicas específicas e o facto de a sua etiologia ser multifatorial (Dziewas et al., 2017).
Neste contexto, os enfermeiros poderão desempenhar um papel crucial, considerando que são os enfermeiros os que maior contacto têm com a pessoa, encontrando-se numa posição privilegiada para a identificação precoce de complicações e intervenção atempada, traduzindo-se em ganhos em saúde para a pessoa com AVC (Hines, Kynoch, & Munday, 2016).
Daqui resulta um desafio acrescido para a pessoa, cuidador e para os profissionais de saúde na resposta à situação de saúde/doença. As alterações de saúde/doença criam um processo de mudança e a pessoa tende a ser mais vulnerável aos riscos que podem, por sua vez, afetar ainda mais a sua saúde, permitindo assim, de facto, ser interpretado como uma transição com relevância para a enfermagem (Meleis, Swayer, Im, Hilfinger, & Schumacher, 2000). O enfermeiro tem um papel preponderante como facilitador durante este processo de transição saúde/doença considerando que é quem mais contacto tem com quem vivencia processos de transição, seja antes, durante ou depois das mesmas.
Reconhecidas as dificuldades existentes na abordagem terapêutica à pessoa com deglutição comprometida, importa compreender quais as práticas dos enfermeiros, para que, a partir daqui, seja possível sistematizar a abordagem terapêutica à pessoa com deglutição comprometida, suportada na melhor evidência disponível e no contexto da melhoria contínua da qualidade dos cuidados de enfermagem. Os Padrões de Qualidade dos Cuidados de Enfermagem (PQCE), que enformam o exercício profissional dos enfermeiros, aludem explicitamente para a necessidade da existência de um “sistema de registos que incorpore sistematicamente, entre outros dados, as necessidades de cuidados de enfermagem do cliente, as intervenções de enfermagem e os resultados sensíveis às intervenções de enfermagem obtidos pelo cliente” (Ordem dos Enfermeiros, 2012, p. 18). O Resumo Mínimo de Dados de Enfermagem (RMDE), definido com uma orientação clara para os Enunciados Descritivos dos PQCE, elucida quais os achados clínicos e indicadores considerados mais relevantes para a produção obrigatória, regular e sistemática de dados de enfermagem (Ordem dos Enfermeiros, 2007). No core de focos identificados no RMDE e considerados como mais relevantes podemos encontrar o foco aspiração, o autocuidado, a queda e a úlcera de pressão (Ordem dos Enfermeiros, 2007). Este core de focos, traduzidos no conjunto dos diagnósticos, intervenções e resultados de enfermagem, são capazes de refletir o contributo único dos cuidados de enfermagem para os ganhos em saúde da população. Fundamenta-se, assim, a importância da identificação das terapêuticas de enfermagem na pessoa com deglutição comprometida após o AVC.
Questão de Investigação
Quais os focos/diagnósticos e intervenções de enfermagem mais frequentemente documentados pelos enfermeiros, na pessoa com deglutição comprometida após o AVC?
Metodologia
O estudo desenvolveu-se num serviço de internamento de um centro de reabilitação de Portugal. Nesta instituição, a documentação efetuada pelos enfermeiros é realizada no aplicativo informático SClínico®, com recurso à linguagem classificada, Classificação Internacional para a Prática de Enfermagem® (CIPE), na sua versão beta 2, tendo já sido integrados termos das versões mais recentes (Conselho Internacional de Enfermeiros, 2016).
Este estudo teve um caráter exploratório, descritivo e retrospetivo. Foi realizada uma análise à documentação de enfermagem registada no SClínico® pelos enfermeiros. Os dados recolhidos reportam-se aos registos efetuados no sistema de informação em uso durante o período compreendido entre janeiro e maio de 2019. Como critérios de inclusão consideraram-se para análise os registos de pessoas admitidas com diagnóstico clínico de AVC e que consentiram o acesso aos seus processos clínicos informatizados, tendo-se obtido registos dos processos clínicos de 16 clientes. Para a análise dos dados foram considerados os princípios conceptuais da CIPE®, no que se refere aos focos da prática de enfermagem e respetivos juízos para a construção diagnóstica, assim como as intervenções de enfermagem com integridade referencial, isto é, “as ações de enfermagem e as áreas de atuação consideradas para a construção das intervenções, que correspondem diretamente aos diagnósticos de enfermagem identificados na produção de ganhos em saúde sensíveis aos cuidados de enfermagem” (Mota et al., 2018, p. 22). Foram também considerados na análise os dados recolhidos, processados e documentados pelos enfermeiros na avaliação inicial.
Os dados foram exportados do sistema de informação eletrónico para uma base de dados e dada a sua natureza foram sujeitos a estatística descritiva com recurso ao IBM SPSS® Software, versão 25.0.
O estudo foi autorizado pela Comissão de Ética para a Saúde da instituição, assim como pelo Conselho de Administração. Para o acesso aos dados registados no sistema de informação foi obtido consentimento de todos os participantes ou seus representantes legais. Na exportação dos dados do sistema de informação para o software de tratamento estatístico, todos os dados foram anonimizados, não sendo possível qualquer identificação dos participantes envolvidos (clientes e enfermeiros).
Resultados
Foram analisados retrospetivamente os registos documentais de 16 clientes admitidos no serviço com diagnóstico de acidente vascular cerebral e produzidos durante o período compreendido entre 3 de janeiro e 31 de maio de 2019. A média de dias de internamento no momento da análise dos processos de enfermagem foi de 35 dias. Da análise dos dados documentados na avaliação inicial foram identificados sete clientes com deglutição comprometida no momento da admissão no serviço.
O foco de enfermagem mais frequentemente identificado foi o autocuidado (53,9%) de entre 197 no total (Tabela 1).
Analisado o foco autocuidado, os autocuidados beber e higiene foram identificados em todos os clientes (16), seguidos dos autocuidados alimentar-se e transferir-se (15), vestir-se (14), posicionar-se (11), levantar-se (9), andar com auxiliar de marcha (5), andar (3) e mover-se em cadeira de rodas (2). Os juízos mais frequentemente utilizados para a construção diagnóstica foram a dependência e o compromisso, com uma frequência de 116 e 42, respetivamente, e correspondendo a 50% e a 18,1% dos diagnósticos formulados.
Atendendo ao objetivo deste estudo – identificar quais os diagnósticos de enfermagem e as intervenções que os enfermeiros documentam na pessoa com deglutição comprometida após AVC – o único diagnóstico identificado foi risco de aspiração. Relativamente a intervenções documentadas com integridade referencial para este diagnóstico, a única intervenção identificada foi do tipo observar: Avaliar risco de aspiração.
Seguidamente foram analisadas as intervenções planeadas. De um total de 825 intervenções planeadas, pode constatar-se que as intervenções do tipo observar foram as mais frequentemente utilizadas, conforme se pode verificar pela Tabela 2.
Considerando o tipo de ação, analisaram-se ainda as intervenções documentadas com maior frequência. Na ação do tipo observar destaca-se a intervenção avaliar, na ação atender, a intervenção assistir e na ação informar, a intervenção instruir constitui a maioria das intervenções planeadas (Tabela 3).
No que respeita especificamente às intervenções potencialmente relacionadas com deglutição comprometida, foram identificadas as intervenções presentes na Tabela 4.
Discussão
No período em análise observaram-se os registos documentais de 16 clientes admitidos num serviço de internamento de um centro de reabilitação com diagnóstico de AVC. Dos resultados salienta-se, no âmbito da avaliação inicial, a existência de sete clientes com registo de deglutição comprometida à data da admissão, sendo que de tal não resultaram diagnósticos de enfermagem relacionados quer com a deglutição comprometida, quer com o risco de aspiração. Seria expectável que a informação contida na avaliação inicial providenciasse dados que estivessem refletidos na planificação dos cuidados. Não existe integridade referencial entre os dados documentados na avaliação da condição da pessoa e os focos identificados pelos enfermeiros. Aliás, Abreu, Barroso, Segadães, e Teixeira (2015) salientam esta questão ao referir que a história clínica proporciona toda a informação sobre o cliente no momento do internamento e fornece fundamento para que a equipa de enfermagem planeie melhor e mais uniformemente os cuidados de enfermagem durante o internamento. De facto, os diagnósticos de enfermagem mais frequentemente identificados foram os da dependência no autocuidado. Isto ressalta a relevância dada pelos enfermeiros ao autocuidado, enquanto o core dos cuidados de enfermagem no domínio das intervenções autónomas, indo ao encontro das prioridades e referenciais para a prática, definidos pela Ordem dos Enfermeiros (2007; 2012). No RMDE, no core de focos considerados mais relevantes, o tipo de autocuidados identificados são o alimentar-se, a higiene pessoal, o transferir-se, o uso de sanitário, vestir e andar (Ordem dos Enfermeiros, 2007), indo ao encontro dos tipos de autocuidados mais identificados neste contexto de prática clínica à pessoa após AVC. Também o foco aspiração se encontra referenciado no RMDE como relevante para a prática de enfermagem (Ordem dos enfermeiros, 2007), capaz de refletir ganhos em saúde sensíveis aos cuidados de enfermagem, no entanto, e apesar do compromisso da deglutição estar identificada na avaliação inicial de sete clientes, apenas um diagnóstico foi formulado com este foco.
Da análise da totalidade das 825 intervenções por tipo de ação, verificou-se que 49,2% são do tipo observar, sendo que este tipo de intervenção produz informação útil para a avaliação da condição clínica da pessoa e para a continuidade dos cuidados, contudo não produz diretamente ganhos sensíveis aos cuidados de enfermagem. Estas intervenções revelam “a ênfase de uma intencionalidade orientada para prevenção de complicações e para deteção precoce de agravamento da situação clínica” (Machado, 2013, p. 198). Mota et al. (2018) referem que estas intervenções evidenciam igualmente a utilidade dos dados para outros profissionais da equipa de saúde, nomeadamente os médicos, levando à sua valorização pelos enfermeiros nos processos de recolha, processamento e documentação. Estes resultados vão ao encontro dos resultados encontrados por estes autores na análise às intervenções implementadas por enfermeiros num contexto de consulta externa, verificando que 57,07% das intervenções implementadas eram do tipo observar. Também, Padilha (2013) na análise das intervenções de enfermagem documentadas em contexto de internamento verificou que 41,01% das intervenções são do tipo observar. Estes resultados salientam a notoriedade das atividades de vigilância na ação dos enfermeiros (Machado, 2013).
Relativamente às intervenções potencialmente relacionadas com a deglutição, identificam-se algumas intervenções, o que sugere que os enfermeiros, independentemente dos diagnósticos documentados, planeiam intervenções dirigidas a este foco. Num estudo anterior, foram já identificadas incongruências entre os diagnósticos e as intervenções, denotando uma aparente confusão na documentação e na utilização dos conceitos/terminologias, sugerindo a necessidade de melhorar a operacionalização destes conceitos nas equipas de enfermagem, adequando o que os enfermeiros valorizam através da documentação das reais necessidades dos clientes (Abreu et al., 2015). Efetivamente, da totalidade dos diagnósticos identificados, apenas um estava relacionado com o foco deglutição e, quando analisadas as intervenções com a integridade referencial verificou-se apenas uma intervenção, tendo sido identificadas no total 39 intervenções potencialmente relacionadas com este foco. Diversos estudos corroboram a necessidade de melhorar o processo de documentação em enfermagem de modo a que seja possível obter informação válida (Abreu et al., 2015; Machado, 2013; Mota et al., 2018; Padilha, 2013).
Relativamente às outras intervenções, analisadas por tipo de ação, salienta-se o reduzido número de intervenções documentadas do tipo informar e gerir, que correspondem a menos de um quinto das intervenções documentadas, levantando a questão se os enfermeiros não implementam esse tipo de intervenção ou se as implementam mas não as documentam (Abreu et al., 2015). Denota-se uma vez mais que as práticas poderão não estar adequadamente valorizadas na documentação de enfermagem, uma vez que a “existência de sistemas de informação por si só, não assegura a produção de informação válida e útil, a quantidade e qualidade dos dados produzidos são aspetos determinantes para que essa informação seja uma realidade” (Machado, 2013, p. 135).
As principais limitações deste estudo relacionam-se com a dimensão da amostra e de o mesmo ter sido desenvolvido num contexto de prática clínica específico e com foco na deglutição, sendo por isso importante compreender qual a tradução deste fenómeno nos sistemas de informação em uso em outras instituições, assim como será importante compreender se isto corresponde à prática efetiva dos profissionais.
Conclusão
Os diagnósticos mais frequentemente documentados pelos enfermeiros são com foco no autocuidado e as intervenções documentadas em maior número são do tipo observar. Será importante compreender o que faz com que existam intervenções documentadas dirigidas à deglutição comprometida e ao risco de aspiração, independentemente dos diagnósticos documentados. Estes resultados sugerem que, apesar de se constituir como foco da prática, existirá alguma limitação na documentação dessas práticas, reforçando a necessidade já identificada de melhorar os processos de documentação em enfermagem. Importa clarificar se o fenómeno não é valorizado e não estando por isso refletido na documentação, se existem constrangimentos relacionados com a operacionalização da documentação nos sistemas de informação, ou ainda, se existem constrangimentos dos profissionais para a operacionalização da documentação.
Quanto aos aspetos que constituem o cerne do processo documental da prática de enfermagem, os enfermeiros documentam, essencialmente, os aspetos relacionados com a dependência e compromisso no autocuidado. As intervenções documentadas vão no sentido de valorizar as atividades de vigilância, sugerindo um foco na prevenção de complicações, nos processos corporais e na utilidade destes dados para outros profissionais.
A compreensão mais abrangente destes resultados e do seu significado beneficiará dos contributos obtidos a partir da observação das práticas e da perceção dos enfermeiros sobre a informação relevante para o processo de tomada de decisão. A forma como os enfermeiros documentam as suas práticas é preponderante para a obtenção dos dados que evidenciem ganhos sensíveis aos cuidados de enfermagem.
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Recebido para publicação em: 27.08.19
Aceite para publicação em: 24.10.19