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Revista de Enfermagem Referência
versão impressa ISSN 0874-0283versão On-line ISSN 2182-2883
Rev. Enf. Ref. vol.serV no.1 Coimbra jan. 2020
https://doi.org/10.12707/RIV19062
ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO (ORIGINAL)
RESEARCH PAPER (ORIGINAL)
Tradução e adaptação do Ambulatory Surgery Center Survey on Patient Safety Culture para a cultura portuguesa
Translation and adaptation of the Ambulatory Surgery Center Survey on Patient Safety Culture into the Portuguese context
Traducción y adaptación de la Ambulatory Surgery Center Survey on Patient Safety
Joana Raquel Luís Pinto*1
https://orcid.org/0000-0003-1095-0088
Luís Leitão Sarnadas2
https://orcid.org/0000-0002-7022-7062
1 Hospital da Luz de Coimbra, Coimbra, Portugal
2 Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem. Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, Coimbra, Portugal
RESUMO
Enquadramento: Com o número crescente de cirurgias de ambulatório realizadas em Portugal, torna-se essencial avaliar a cultura de segurança do doente neste contexto. A adaptação e validação do questionário Ambulatory Surgery Center Survey on Patient Safety Culture é um estudo que ainda não foi realizado no contexto português.
Objetivos: Traduzir, adaptar e validar o questionário Ambulatory Surgery Center Survey on Patient Safety Culture para português, avaliando as suas propriedades psicométricas.
Metodologia: A tradução e adaptação desenvolveu-se em 6 etapas, seguindo diretrizes internacionais. O instrumento foi aplicado a uma amostra não probabilística acidental de 221 participantes, numa unidade de cirurgia de ambulatório privada da região centro de Portugal. Realizou-se a análise da consistência interna através do alfa de Cronbach e análise fatorial exploratória e confirmatória.
Resultados: A consistência interna foi de 0,934. Optou-se por usar a solução fatorial original do questionário.
Conclusão: A versão traduzida apresentou boa qualidade na avaliação psicométrica, podendo ser considerado um instrumento válido, fiável e útil para a avaliação da cultura de segurança do doente em cirurgia de ambulatório em Portugal.
Palavras-chave: segurança do paciente; assistência ambulatorial; estudos de validação
ABSTRACT
Background: As the number of ambulatory surgeries performed in Portugal increases, it becomes essential to evaluate the patient safety culture within this context. The adaptation and validation of the Ambulatory Surgery Center Survey on Patient Safety Culture is a study that still has not been carried out for the Portuguese context.
Objectives: To translate, adapt, and validate the Ambulatory Surgery Center Survey on Patient Safety Culture into European Portuguese, and to evaluate its psychometric properties.
Methodology: The translation and adaptation were developed in 6 stages and followed international guidelines. The instrument was applied to a randomized, non-probabilistic sample of 221 participants in a private ambulatory surgery unit in central Portugal. The analysis of the internal consistency using Cronbach’s alpha and exploratory, confirmatory factor analysis were performed.
Results: The internal consistency obtained a value of 0.934. The original factor solution original of the questionnaire was used.
Conclusion: The translated version presented a good quality in the psychometric evaluation and can be considered a valid, reliable, and useful instrument for the evaluation of the patient safety culture in ambulatory surgery units in Portugal.
Keywords: patient safety; ambulatory care; validation studies
RESUMEN
Marco contextual: Con el creciente número de intervenciones quirúrgicas ambulatorias realizadas en Portugal, se hace esencial evaluar la cultura de seguridad del paciente en este contexto. La adaptación y validación del cuestionario Ambulatory Surgery Center Survey on Patient Safety Culture es un estudio que aún no se ha realizado en el contexto portugués.
Objetivos: Traducir, adaptar y validar el cuestionario Ambulatory Surgery Center Survey on Patient Safety Culture para portugués y evaluar sus propiedades psicométricas.
Metodología: La traducción y adaptación se desarrolló en 6 etapas, siguiendo las directrices internacionales. El instrumento se aplicó a una muestra no probabilística accidental de 221 participantes en una unidad de cirugía ambulatoria privada en el centro de Portugal. Se realizó el análisis de la consistencia interna a través del alfa de Cronbach y el análisis factorial exploratorio y confirmatorio.
Resultados: La consistencia interna fue de 0,934. Se optó por utilizar la solución factorial original del cuestionario.
Conclusión: La versión traducida presentó buena calidad en la evaluación psicométrica y puede considerarse un instrumento válido, fiable y útil para la evaluación de la cultura de seguridad del paciente en la intervención quirúrgica ambulatoria en Portugal.
Palabras clave: seguridad del paciente; atención ambulatoria; estudios de validación
Introdução
A segurança do doente (SD) é um importante indicador da qualidade dos cuidados de saúde e promover uma cultura de segurança tornou-se um dos pilares na obtenção e melhoria da mesma. A cirurgia de ambulatório (CA) apresenta-se como o regime cirúrgico do futuro, sendo cada vez mais cirurgias eletivas realizadas nesta modalidade. Neste sentido, é imperativo assegurar a segurança dos doentes que são submetidos a cirurgias neste regime, sendo necessário haver instrumentos que avaliem a mesma.
É fundamental identificar práticas conducentes a erros e eventos adversos, apostando numa práxis preventiva e promotora de segurança, contemplando toda a equipa multidisciplinar envolvida na prestação de cuidados diretos aos doentes cirúrgicos. Na perspetiva de caminhar para cuidados de saúde assentes na Cultura de Segurança do Doente (CSD), a Agency for Healthcare Research and Quality (AHRQ) desenvolveu em 2014 um questionário intitulado Ambulatory Surgery Center Survey on Patient Safety Culture (Smith, Sorra, Franklin, Rockville, & Behm, 2015). Este questionário de acesso livre e de autopreenchimento foi concebido para ser aplicado especificamente a toda a equipa que trabalha em locais onde se realiza cirurgia em regime de ambulatório e pretende avaliar várias dimensões da CSD, como a comunicação relacionada com informação do doente, abertura comunicacional, equipa, pressão e ritmo de trabalho, trabalho em equipa, capacitação do pessoal no que diz respeito ao conhecimento das tarefas a executar, aprendizagem organizacional com vista à melhoria contínua, resposta ao erro e apoio que os administradores/superiores hierárquicos dão para a SD, no âmbito da CA.
Até ao momento, em Portugal, não existia nenhum instrumento que avaliasse a CSD em CA. Constituiu, assim, o principal objetivo desta investigação proceder à adaptação e validação linguística, cultural e conceptual do questionário desenvolvido pela AHRQ Ambulatory Surgery Center Survey on Patient Safety Culture para português, incluíndo a sua tradução, adaptação e avaliação de propriedades psicométricas em termos da sua validade e fiabilidade na prática clínica.
Fica a convicção de que a disponibilização deste questionário da AHRQ que avalia a CSD em CA em português (europeu), ajudará na melhoria dos cuidados de saúde perioperatórios prestados neste regime no nosso país.
Enquadramento
A CA pode conceptualizar-se como um modelo organizativo centrado no utente, que perspetiva o incremento da qualidade dos cuidados prestados aos doentes cirúrgicos através de uma maior personalização e humanização de cuidados. Este conceito foi pensado há cerca de quatro décadas e desde então tem revelado um sucesso exponencial nos países desenvolvidos (Comissão Nacional para o Desenvolvimento da Cirurgia de Ambulatório [CNADCA], 2008; Davidson, 2014).
De acordo com a International Association for Ambulatory Surgery, citada pela CNADCA (2008), a CA consiste na realização de uma intervenção cirúrgica programada, que habitualmente decorreria em regime de internamento e cuja alta ocorre algumas horas após o procedimento. Se, no pós-operatório imediato, o doente tiver necessidade de ficar a primeira noite no hospital, passa a designar-se por cirurgia ambulatória com pernoita hospitalar, sendo que a alta deverá ocorrer até 24 horas após a intervenção cirúrgica.
A definição de CA pode ser mais explícita e, segundo a Direção-Geral da Saúde (DGS) e Direção de Serviços de Planeamento (2001, p. 7):
Cirurgia de Ambulatório é a intervenção cirúrgica programada, realizada sob anestesia geral, loco-regional ou local que, embora habitualmente efetuada em regime de internamento, pode ser realizada em instalações próprias, com segurança e de acordo com as atuais leges artis, em regime de admissão e alta do doente no mesmo dia.
A CA tem um caráter inovador relativamente à cirurgia eletiva em regime de internamento, estando suportada por um paradigma organizacional que é centrado na pessoa que irá ser submetida à intervenção cirúrgica. Todo o processo cirúrgico é realizado por circuitos diferentes do convencional, sendo possível encontrar mais-valias relativamente à eficiência e à qualidade e obter resultados mais positivos no campo da humanização dos cuidados e satisfação da pessoa submetida a cirurgia, família, instituição hospitalar e sociedade (CNADCA, 2008; Associação dos Enfermeiros de Sala de Operações Portugueses [AESOP], 2012).
Em Portugal, em 2006, pouco mais de um quarto do total das cirurgias programadas eram realizadas em ambulatório. Numa década, a percentagem de cirurgias efetuadas nesta modalidade cirúrgica duplicou. No início de 2017, a Administração Central do Sistema de Saúde (ACSS) anunciou que entre janeiro e novembro de 2016, mais de 60% das cirurgias programadas no Serviço Nacional de Saúde (SNS) foram realizadas em regime de ambulatório. A meta de 60% da CA no total das intervenções cirúrgicas programadas estava traçada no Orçamento do Estado de 2016 (ACSS, 2017).
Com o recente desenvolvimento da CA em Portugal associado aos incentivos governamentais e institucionais criados, o nosso país tende a criar uma prática de CA semelhante à existente noutros países onde esta é mais desenvolvida, usufruindo de todas as suas vantagens clínicas, organizacionais, sociais e económicas.
A cultura de segurança de uma organização de saúde pode ser genericamente definida como produto dos valores individuais e do grupo, das suas atitudes, perceções, competências e comportamentos que determinam o seu empenho e compromisso para a prosperidade organizacional e a sua gestão segura. Um estilo de comunicação baseado na confiança mútua, perceções partilhadas sobre a importância da segurança e a confiança na eficácia de medidas preventivas são características de organizações com uma cultura de segurança positiva (Smith et al., 2015). Este conceito abrange assim toda a estrutura organizacional, desde a liderança administrativa até aos prestadores de cuidados. Inclui também competências não técnicas como o trabalho em equipa, comunicação e reporte de eventos adversos. Defeitos nestes aspetos podem lesar os doentes tanto como os erros técnicos (Attree & Newhold, 2009; Fan et al., 2016).
As medidas de promoção de segurança atualmente adotadas são baseadas nas políticas de gestão de risco das chamadas organizações de alta fiabilidade (OAF). Estas, são organizações com registos longos sem acidentes, mas que realizam a sua atividade em condições em que estes seriam expectáveis, dada a complexidade e risco em que é desenvolvida (Fragata, 2011). As OAF são capazes de se reinventar a si mesmas, têm aptidão para aprender e para lidar com o inesperado. Esta componente cognitiva refere-se à capacidade de estar alerta para a possibilidade de eventos adversos e ter, ao mesmo tempo, a capacidade de os detetar, compreender e recuperar dos mesmos, antes que estes tragam consequências negativas. Nas OAF há variabilidade nas atividades que desempenham, havendo também estabilidade nos processos cognitivos que dão sentido a essas atividades esta estabilidade está intimamente ligada a uma cultura informada e, consequentemente, segura (Reason, 2000; Fragata, 2011). Como traço comum a estas organizações pode ser apontada a ênfase na abertura comunicacional, no compromisso com a segurança e na criação de um ambiente no qual os near-misses possam ser analisados, sem haver uma culpabilização direta (Wilson, Whyte, Gangadharan, & Kent, 2017).
Deve ser enfatizado que o conceito de segurança não é diretamente dependente de uma performance perfeita e sem erros de uma única pessoa. Pelo contrário, reduzir o erro e melhorar a segurança exige uma cultura na qual o erro é reconhecido, da mesma forma que os mecanismos pelos quais estes ocorrem são discutidos abertamente por toda a equipa com o intuito de os reduzir (Wilson et al., 2017).
Hoje em dia, promover uma CS é fundamental para a obtenção e para a melhoria da segurança dos doentes. Esta é indubitavelmente um importante indicador da qualidade dos cuidados de saúde, por isso a sua promoção deve ser uma prioridade para os prestadores dos mesmos (Fan et al., 2016; Zwinjenberg, Hendriks, Hoogervorst-Schilp, & Wagner, 2016).
O objetivo da avaliação da CSD é habilitar as organizações a compreender as características da sua cultura de segurança e proporcionar insights para a transformar.
Em suma, para atingir uma CSD satisfatória é necessária uma liderança efetiva e que todos os trabalhadores compreendam e partilhem os valores, crenças e normas da organização sobre o que é realmente importante e quais as atitudes e comportamento que são expectáveis (Smith et al., 2015). Assim, a AHRQ desenvolveu em 2014 o Ambulatory Surgery Center Survey on Patient Safety Culture. Este questionário foi desenhado especificamente para locais onde se realiza CA e pretende ajudar estas unidades a avaliar em que medida a sua cultura enfatiza a importância da SD, solicitando a opinião de toda a equipa multidisciplinar no que concerne à CSD no seu local de trabalho (Smith et al., 2015).
A aplicabilidade deste questionário é vasta, podendo ser utilizado para sensibilizar a equipa sobre a SD, avaliar o estado atual da CSD, identificar pontos fortes e áreas que necessitam de melhoria relativamente à CSD, examinar as tendências na mudança da CSD ao longo do tempo, avaliar o impacto cultural das iniciativas e intervenções relativas à SD e realizar comparações (benchmarking) dentro das próprias organizações e entre organizações.
Questão de Investigação
O questionário da AHRQ, Ambulatory Surgery Center Survey on Patient Safety Culture, terá validade linguística, cultural e conceptual para a população portuguesa?
Metodologia
O estudo desenvolvido consistiu no processo de validação do questionário da AHRQ supracitado, para português (europeu) com posterior avaliação das suas propriedades psicométricas em termos da sua validade e fiabilidade na prática clínica, através da sua tradução, adaptação cultural e linguística. A tradução e adaptação teve por base as diretrizes internacionais sugeridas por Sousa e Rojjanasrirat (2011), desenvolvendo-se nas seguintes etapas: tradução do questionário para português; elaboração de uma versão síntese; retroversão (back-translation) e elaboração de uma versão preliminar em português; proposta da versão final por painel de especialistas; teste piloto; e avaliação psicométrica da versão preliminar.
Etapa 1 Tradução inicial para português
Para realizar a tradução do questionário Ambulatory Surgery Center Survey on Patient Safety Culture de inglês para português, foram escolhidos dois tradutores independentes, bilíngues, cuja língua materna é o português. Esta abordagem gerou duas versões traduzidas em português que contêm palavras e frases que abrangem tanto a linguagem médica mais técnica e a coloquial, a que é falada, com as suas nuances culturais.
Etapa 2 Versão Síntese
A partir das duas traduções obtidas na etapa 1, foi elaborada uma versão inicial preliminar em português do questionário (Versão I), que foi comparada com a versão original em inglês por um terceiro tradutor bilíngue. Aqui, foram analisadas e discutidas todas e quaisquer ambiguidades e discrepâncias de palavras, frases e significados. Foi necessário que os dois tradutores que participaram na etapa 1 interviessem nesta etapa para alcançar consenso na elaboração da versão inicial preliminar traduzida do instrumento em português (Versão I).
Etapa 3 Retroversão
Nesta etapa foi realizada uma nova tradução da versão inicial preliminar traduzida do instrumento (Versão I) para inglês. Esta tradução foi feita por dois outros tradutores independentes com as mesmas qualificações e características descritas na Etapa 1, tendo sido produzidas duas versões do instrumento em inglês.
Etapa 4 Versão preliminar em português e Painel de Especialistas
Inicialmente foram comparadas as duas versões resultantes da retroversão em inglês por um comité multidisciplinar com a versão original do questionário, no que se refere ao formato, linguagem e estrutura gramatical das frases, semelhança, significado e relevância. Nesta etapa, as ambiguidades e discrepâncias relativas a significados e coloquialismos ou expressões idiomáticas entre as duas retroversões, entre cada uma das duas retroversões e o instrumento original foram discutidas e resolvidas através de consenso entre os membros do comité para obter uma versão pré-final do instrumento no idioma de tradução (Versão II).
Nesta fase do processo de tradução encontra-se o epicentro de todo o processo, pois foi através desta abordagem metodológica que foi estabelecida a equivalência conceptual, semântica e de conteúdo inicial da Versão II.
O papel do comité foi de avaliar, rever e consolidar as instruções, os itens e o formato de respostas da retroversão do questionário com equivalência conceptual, semântica e de conteúdo, assim como desenvolver a Versão II para testes piloto e psicométricos.
Etapa 5 Teste piloto
Realizou-se um teste piloto entre participantes do estudo cuja língua materna é o português, de forma a avaliar todos os componentes do questionário. Estes participantes foram recrutados da população em estudo, perfazendo um total de 12 indivíduos. A cada um deles foi solicitado que classificasse o questionário, avaliando os diversos componentes em termos de clareza. Todos os participantes que referiram algum dos itens como não sendo clara a sua leitura ou interpretação, foi-lhes solicitado que sugerissem como redigir as instruções para tornar a linguagem mais explícita. Estabeleceu-se que todos os itens que não fossem claros em pelo menos 20% da amostra deveriam ser reavaliados; o acordo mínimo entre os avaliadores da amostra foi de 80%.
De forma a melhorar a equivalência conceitual e de conteúdo dos itens da Versão II, foi requisitado um novo painel de especialistas, constituído por seis elementos, com conhecimentos avançados das áreas de conteúdo do questionário e da população à qual se destina a aplicação do mesmo. Definiu-se igualmente um índice de concordância de 80%. O instrumento foi, posteriormente, preparado para ser respondido em formato de papel e entregue aos participantes.
Etapa 6 Avaliação psicométrica da versão preliminar
Após todas as etapas descritas anteriormente, a versão portuguesa proposta do questionário Ambulatory Surgery Center Survey on Patient Safety Culture, foi submetida a uma avaliação das propriedades psicométricas em contexto clínico. Esta versão foi designada de Questionário para Avaliação da Cultura de Segurança do Doente em Cirurgia de Ambulatório.
Para a colheita de dados utilizou-se uma amostra não probabilística - amostragem acidental e foram utilizados os seguintes critérios de inclusão: tempo de atividade profissional superior a 6 meses e participação livre e consentida no estudo por parte dos profissionais. O tamanho da amostra utilizada foi de 221 participantes e o período da colheita de dados decorreu entre 29 de setembro de 2017 e 20 de dezembro de 2017.
Considerações ético-legais
A Comissão de Ética da Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem (UICISA: E), da Escola Superior de Enfermagem de Coimbra emitiu um parecer favorável relativamente à realização do estudo (Parecer Nº P44-09/2017), assim como a Comissão de Ética da Unidade de Saúde Privada em estudo. A aplicação do questionário só ocorreu nos profissionais que aceitaram participar de livre e espontânea vontade, tendo sido informadas que poderiam desistir a qualquer momento, sem qualquer dano ou prejuízo. Foram explicados a todos os participantes os objetivos do estudo e realizados esclarecimentos adicionais aos participantes que solicitaram. Todos os questionários foram preenchidos pelo participante, tendo sido entregues em envelopes abertos, juntamente com o formulário de consentimento informado e recolhidos em pontos de recolha na instituição onde decorreu o estudo.
Resultados
Em termos de localização geográfica, a instituição onde foram colhidos os dados encontra-se na região centro de Portugal. Trata-se de uma instituição privada de saúde, onde são realizadas cirurgias em regime de ambulatório de múltiplas especialidades.
Em relação à distribuição dos respondentes por grupo profissional, estes são maioritariamente enfermeiros (45%), 27% são cirurgiões e ajudantes, 10% anestesistas, 9% assistentes operacionais e 5% administrativos (os restantes grupos administração/gestão, técnicos e outras funções, têm uma representatividade igual ou inferior a 2%).
Relativamente ao número de horas por semana que os respondentes do questionário trabalham na unidade de CA em estudo, 38% destes realizam até 16 horas de trabalho semanalmente naquela instituição, ao passo que 14% trabalham entre 17 a 31 horas, 21% entre 32 e 40 horas e 26% trabalham mais que 40 horas por semana.
O questionário original não questiona o participante acerca de outras variáveis demográficas, como por exemplo sexo, idade, habilitações literárias e/ou académicas, tempo de serviço. Optou-se por não realizar mais questões demográficas aos participantes além das que o questionário compreende, pois, ainda que fosse possível uma melhor caracterização da amostra do presente estudo, não seria possível realizar comparações relevantes ou acrescentar significado aos resultados e à discussão que se realiza.
Estudo de fidelidade
A fidelidade do Questionário para Avaliação da Cultura de Segurança do Doente em Cirurgia de Ambulatório foi determinada mediante o cálculo do alfa de Cronbach.
Verificou-se que em duas dimensões da escala, Abertura comunicacional e Resposta ao erro, o a é inferior a 0,70, mas ainda assim são superiores a 0,65. As dimensões com melhor consistência interna são referentes ao Apoio que os administradores/superiores hierárquicos dão para a SD (a = 0,80) e a Capacitação do pessoal - conhecimento das tarefas a executar (a = 0,79). Os valores obtidos no presente estudo são consistentes com os do estudo original, sendo que na dimensão 1, Comunicação relacionada com informação do doente, o valor de a do presente estudo é melhor (a = 0,751 versus aoriginal = 0,71), assim como na dimensão referente ao Trabalho em equipa (a = 0,773 versus aoriginal = 0,74). Em termos globais, a escala apresenta boa consistência interna (a = 0,93), o que constitui um importante indicador de precisão e fiabilidade do instrumento de medida utilizado.
A estrutura fatorial utilizada pelos autores tem boa consistência interna, podendo ser utilizada para comparações estatísticas (Tabela 1). Além disso, não se verificando nenhum item com baixa correlação com o total da escala, não há, portanto, indícios de erros major na tradução e adaptação cultural e linguística do questionário realizada no presente estudo. Sendo assim, é possível comparar os resultados obtidos com os do estudo piloto realizado por Sorra, Smith, e Franklin (2015).
Estudo de validade
A validade de conteúdo no presente estudo foi obtida através do julgamento do painel de especialistas durante o processo de tradução e adaptação, conferindo ao questionário equivalência linguística, semântica, cultural e conceptual. Foi, então, verificada a validade de conteúdo do questionário traduzido para português através da participação do painel de especialistas na etapa 4 do processo de tradução e adaptação cultural, que consiste na elaboração da versão preliminar em português e painel de especialistas. Foi obtido consenso entre todos os intervenientes.
Para aferir a validade de constructo foi utilizada a análise fatorial. Em primeiro lugar foi realizada uma análise exploratória, sendo que os fatores comuns retidos foram aqueles que apresentavam um eigenvalue superior a 1, em consonância com o screen-plot e a percentagem de variância retida, uma vez que a utilização de um único critério pode levar à retenção de mais ou menos fatores do que aqueles relevantes (Marôco, 2007). A análise da adequação da amostra foi feita com recurso ao teste de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO) com os critérios de classificação definidos em Marôco (2007) e Pestana e Gageiro (2008). Observou-se um KMO = 0,902 e a fatorabilidade da matriz de correlação foi confirmada pelo teste de esfericidade de Bartlett (?² = 1960,145; p < 0,001). Estes indicadores apontam que as variáveis estão correlacionadas significativamente e revelam que a amostra apresentou adequação para a realização da técnica da análise fatorial.
Foi realizada a análise fatorial exploratória por componentes principais, com método de rotação Varimax, que resultou numa solução de seis fatores que explicam 64,79% da variância da cultura de segurança em CA. Contudo, verificou-se discrepância entre o número de fatores obtido nesta análise (seis fatores) e o número de fatores da escala (oito fatores). Para além do número de fatores diferentes, verificou-se também que os itens foram distribuídos de forma diferente do instrumento original que está validado. Procedeu-se, então, a uma análise forçada a um resultado de oito fatores, tal como preconizado no questionário original, para avaliar como se distribuiriam os itens e qual a validade estatística desta opção. Verificou-se que a percentagem de variância explicada passou de 64,8% (da solução de seis fatores) para 70,9%, com os mesmos resultados em termos do critério KMO e esfericidade de Bartlett. Posto isto, optou-se por usar a solução fatorial original do questionário, uma vez que é a que está validada e porque a consistência interna dos itens por fator é aceitável.
De seguida, são apresentados os componentes/dimensões da CSD que são medidos no questionário (fatores), assim como os itens que os avaliam (Tabela 2). Os itens que são formulados de forma inversa são assinalados com a letra R (reverse).
É necessário ressalvar que existem três componentes do questionário cujas respostas não são integradas no tratamento estatístico acima referido dos dados. Estes três componentes não são dimensões da CSD, no entanto estes constituem áreas de interesse major para a avaliação da CSD na organização: documentação de quase-eventos, avaliação global da segurança do doente e comunicação nas salas operatórias/de procedimentos. Na tabela que se segue (Tabela 3) são apresentadas as referidas áreas de avaliação da CSD.
Discussão
No que diz respeito à avaliação das propriedades psicométricas do questionário aplicado, pela avaliação da consistência interna através do alfa de Cronbach, é possível concluir que este apresenta valores aceitáveis. Através da avaliação da consistência interna do questionário Ambulatory Surgery Center Survey on Patient Safety Culture, na versão em inglês disponibilizada pela AHRQ e na versão traduzida para português (elaborada no presente estudo), verifica-se que o alfa de Cronbach para as duas versões do questionário se situa entre 0,658 e 0,84. Na sua versão original, o a mínimo das dimensões é de 0,69 e o mais alto tem um valor de 0,84; já na versão traduzida para português, o valor mais baixo de a é 0,658 e o valor mais elevado é de 0,800. Para o total do questionário, o alfa de Cronbach obtido no presente estudo foi de 0,934, o que mostra uma muito boa consistência interna do instrumento traduzido; o alfa de Cronbach para a versão original do questionário não foi fornecido pelos autores.
Da análise do benchmarking da consistência interna das oito dimensões do questionário nos dois estudos, pode verificar-se que todas apresentam valores de a iguais ou superiores a 0,65, sendo o coeficiente mais alto observado na dimensão 8 - Apoio que a administração/superiores hierárquicos dão para a SD (a = 0,800). Quer no presente estudo, quer no estudo piloto, a dimensão 2 - Abertura comunicacional, apresenta os valores de a mais baixos do questionário, sendo 0,658 neste estudo e 0,69 no estudo realizado por Sorra et al. (2015).
Além do estudo de fidelidade do questionário, foi também realizado um estudo da sua validade de conteúdo e de constructo, sendo que este estudo mostrou que as dimensões da versão traduzida do questionário espelham os indicadores avaliativos do que se pretendem medir. Nesta análise, todas as funções de enfermagem no bloco operatório foram englobadas na categoria Enfermeiro, uma vez que não faria sentido fragmentar a análise no contexto português. No questionário original estão contempladas as categorias Nurse, Certified Registered Nurse Anesthetist, Nurse Practitioner e Surgical/Scrub Technician. Não foram realizadas mais alterações ao questionário original pelo painel de peritos, sendo que todas as questões foram discutidas até ser obtido um consenso por todos os elementos. Posto isto, é possível assumir que pela avaliação das propriedades psicométricas do instrumento traduzido, este apresenta uma excelente performance.
Pelo exposto, a evidência científica, relativamente às propriedades psicométricas do questionário, permite inferir que a tradução e adaptação realizada ao Ambulatory Surgery Center Survey on Patient Safety Culture (Questionário para Avaliação da Cultura de Segurança do Doente em Cirurgia de Ambulatório) é uma ferramenta válida para a avaliação da cultura de segurança dos doentes que são submetidos a cirurgias em regime de ambulatório, em Portugal. A utilização deste questionário em Portugal permitirá realizar o diagnóstico da CSD nas instituições onde se realiza CA, identificar pontos fortes e áreas a melhorar, assim como sensibilizar os profissionais, criar planos de intervenção e realizar benchmarking dos resultados intra e interinstituições.
Como limitações do presente estudo, é possível referir alguma escassez de produção científica nacional e internacional no âmbito da sua temática. Esta escassez refletiu-se na dificuldade em realizar comparações com outras realidades além do estudo piloto realizado para o desenvolvimento inicial do questionário pela AHRQ. Além disso, a colheita de dados foi realizada numa unidade de saúde privada, o que poderá não ser representativo da cultura de segurança das unidades de CA pertencentes ao SNS. Há que considerar também como limitação deste estudo a técnica de amostragem não probabilística, não permitindo extrapolar os resultados para a população. Como limitação, também poderá ser apontada a falta de dados demográficos que melhor caracterizem a amostra; ainda que esses dados não sejam de uma importância major para o processo de tradução e validação, serão certamente úteis para a aplicação futura do questionário de forma a poder tirar partido de todas as suas possibilidades de utilização.
Conclusão
A triagem da CSD em contexto de CA é importante e urgente na nossa realidade, pois o sucesso da CA em Portugal depende muito de uma melhoria qualitativa a nível das organizações.
Este trabalho alerta para a atualidade do tema e urgência da consciencialização das questões relacionadas com a segurança dos doentes. Sugere, ainda, que é necessário a introdução de novas ferramentas válidas e adaptadas ao contexto português para tornar as práticas na saúde mais seguras, apostando ao nível da criação de uma cultura justa, aberta e resiliente.
Com o trabalho desenvolvido obteve-se a primeira versão em português (de Portugal) do questionário Ambulatory Surgery Center Survey on Patient Safety Culture, adaptada e validada para a realidade portuguesa. A versão traduzida apresentou boa qualidade na avaliação psicométrica com excelente consistência interna e validade de conteúdo e de constructo, podendo ser considerado um instrumento válido e fiável para a avaliação da cultura de segurança do doente em CA em Portugal. Apresenta-se como um questionário de autopreenchimento, que proporciona uma avaliação exaustiva. Trata-se de um questionário completo e abrangente, que é aplicável a todos os profissionais que trabalham numa unidade de CA desde o diretor executivo até aos administrativos, podendo os seus resultados ser utilizados para diversos fins: permite realizar o diagnóstico da CSD na instituição, identificar pontos fortes e áreas a melhorar, assim como sensibilizar os profissionais, criar planos de intervenção e realizar benchmarking dos resultados intra e interinstituições.
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Contribuição de autores
Conceptualização: Pinto, J. R., Sarnadas, L. L.
Análise Formal: Pinto, J. R.
Tratamento de dados: Pinto, J. R. Redação - preparação do rascunho original: Pinto, J. R.
Redação - revisão e edição: Pinto, J. R.
* Autor de correspondência:
Joana Raquel Luís Pinto
Email: joanaraqp@esenfc.pt
Como citar este artigo: Pinto, J. R., & Sarnadas, L. L. (2020). Tradução e adaptação do Ambulatory Surgery Center Survey on Patient Safety Culture para a cultura portuguesa. Revista de Enfermagem Referência, 5(1), e19062. doi: 10.12707/RIV19062
Recebido: 08.09.19
Aprovado: 02.01.20