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Revista de Enfermagem Referência
versão impressa ISSN 0874-0283versão On-line ISSN 2182-2883
Rev. Enf. Ref. vol.serV no.3 Coimbra jul. 2020
https://doi.org/10.12707/RV20025
ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO (ORIGINAL)
RESEARCH PAPER (ORIGINAL)
Construção e validação da Escala de empowerment Individual no contexto da doença crónica
Development and validation of the Individual Empowerment Scale in the context of chronic disease
Construcción y validación de la Escala de Empoderamiento Individual en el contexto de la enfermedad crónica
Elisabete Lamy da Luz* 1,2
https://orcid.org/0000-0002-4841-5251
Fernanda dos Santos Bastos 2
https://orcid.org/0000-0003-3097-7114
Margarida Maria Vieira 3
https://orcid.org/0000-0002-9439-2804
1 Agrupamento de Centros de Saúde de Lisboa Central, Unidade de Cuidados de Saúde Personalizados Lapa, Lisboa, Portugal
2 Escola Superior de Enfermagem do Porto, Porto, Portugal
3 Universidade Católica Portuguesa, Centro de Investigação Interdisciplinar em Saúde, Instituto de Ciências da Saúde, Porto, Portugal
RESUMO
Enquadramento: A avaliação do empowerment poderá ser um indicador determinante para a obtenção de ganhos em saúde.
Objetivos: Construir e validar uma escala de empowerment individual no contexto da pessoa com doença crónica.
Metodologia: O instrumento foi construído e aplicado a uma amostra de conveniência de 271 pessoas com doença crónica, com idades compreendidas entre os 18 e os 65 anos residentes em Lisboa. Para avaliar as propriedades métricas da escala recorreu-se à validação da fiabilidade do instrumento.
Resultados: Obteve-se uma escala de 25 itens com 7 dimensões: Autoperceção; Participação nas decisões em saúde; Mestria; Determinação; Identidade; Autonomia e poder; Relação com os profissionais de saúde. A análise fatorial (componentes principais-Varimax) revelou que os que os 25 itens se organizaram em 7 fatores com uma variância explicada total de 65,28% e alfa de Cronbach total de 0,803.
Conclusão: A criação de uma medida válida e fiável de empowerment no contexto da doença crónica poderá ajudará os profissionais de saúde a explorar o impacto deste resultado na autogestão dos regimes terapêuticos.
Palavras-chave: doença crónica; empoderamento para a saúde; escalas
ABSTRACT
Background: The assessment of empowerment can contribute to obtaining gains in health.
Objectives: To develop and validate a scale for assessing the individual empowerment of chronically ill people.
Methodology: The instrument was developed and applied to a convenience sample of 271 chronically ill people, between 18 and 65 years old, residing in Lisbon. The validation of the reliability of the instrument was carried out to assess the metric properties of the scale.
Results: A 25-item scale was developed with 7 dimensions: Self-perception, Participation in health-related decisions, Mastery, Determination, Identity, Autonomy and power, and Relationship with health professionals. The factor analysis (principal components analysis with Varimax rotation) revealed that the 25 items were organized into seven factors with a total variance explained of 65.28% and a total Cronbach’s alpha of 0.803.
Conclusion: The creation of a valid and reliable measure of the empowerment of chronically ill people may assist health professionals in exploring the impact of this outcome on treatment regimen self-management.
Keywords: chronic disease; empowerment for health; scales
RESUMEN
Marco contextual: La evaluación del empoderamiento puede ser un indicador determinante para obtener beneficios en la salud.
Objetivos: Construir y validar una escala de empoderamiento individual en el contexto de la persona con enfermedad crónica.
Metodología: El instrumento se construyó y se aplicó a una muestra de conveniencia de 271 personas con enfermedad crónica y con edades comprendidas entre los 18 y los 65 años que vivían en Lisboa. Para evaluar las propiedades métricas de la escala, se recurrió a la validación de la fiabilidad del instrumento.
Resultados: Se obtuvo una escala de 25 ítems con 7 dimensiones, Autopercepción; Participación en las decisiones de salud; Dominio; Determinación; Identidad; Autonomía y poder; Relación con los profesionales de la salud. El análisis factorial (componentes principales-Varimax) reveló que los 25 artículos se organizaron en 7 factores, con una varianza explicada total del 65,28% y un alfa de Cronbach total de 0,803.
Conclusión: La creación de una medida válida y fiable de empoderamiento en el contexto de la enfermedad crónica podrá ayudar a los profesionales de la salud a explorar el impacto de este resultado en la autogestión de los regímenes terapéuticos.
Palabras clave: enfermedad crónica; empoderamiento para la salud; escalas
Introdução
O empowerment como resultado no contexto de autogestão do regime terapêutico é um fator que parece ser determinante para a obtenção de ganhos em saúde. Pessoas mais empoderadas são pessoas mais capacitadas para participarem nas decisões e interagirem com os profissionais de saúde. Uma compreensão da condição de saúde e a perceção de se manterem no controlo da sua própria vida promove o autocuidado e uma gestão mais eficaz do regime terapêutico. Potencialmente, apresentam maior nível de mestria e envolvimento e, portanto, uma gestão da sua condição mais eficaz. Um investimento na promoção do empowerment contribui para melhorar indicadores como o número de internamentos e diminuição das complicações ou morbilidades associadas, contribuindo desta forma para a diminuição no consumo dos serviços e cuidados de saúde.
Não se encontrou nenhum instrumento validado para o contexto da doença crónica de forma global, nem para o contexto dos cuidados de saúde primários. Uma ferramenta que permita avaliar o empowerment enquanto resultado é importante para a investigação, mas também para a clínica, pela sua utilidade para avaliação da concretização de objetivos e melhoria na qualidade dos cuidados prestados. Porque pessoas mais empoderadas serão pessoas mais capacitadas na tomada de decisão em relação ao seu regime terapêutico e autocuidado, no contexto da doença crónica.
Assim, sentiu-se a necessidade de construir um instrumento que permitisse avaliar o empowerment, e as suas dimensões, para identificar o seu papel na gestão da doença crónica em contexto de cuidados de saúde primários. Com este estudo pretendeu-se construir e validar uma escala de avaliação do empowerment individual no contexto da doença crónica.
Enquadramento
Em 2012, a Organização Mundial da Saúde (OMS; World Health Organization Regional Office for Europe, 2012) apresentou o relatório com as principais estratégias para a saúde em 2020, sendo que um dos objetivos é o empowerment em saúde do cidadão.
O relatório da OMS refere-se ao empowerment como elemento-chave para melhorar a saúde, a satisfação com os cuidados de saúde, a comunicação entre cliente e profissionais de saúde, aumentar a adesão ao regime terapêutico e uso eficiente dos cuidados de saúde primários (Cerezo, Juvé-Udina, & Delgado-Hito, 2016). O conceito de empowerment é utilizado em múltiplos contextos, como ensino, gestão, etc.. No âmbito da saúde, a expressão teve o seu início na área da promoção da saúde e foi utilizada como estratégia promotora de saúde, sendo que, atualmente é utilizada na gestão da doença crónica. O empowerment é um processo com o objetivo de aumentar a capacidade de pensar criticamente e agir de forma autónoma (Santis, Hervas, Weinman, & Bottarelli, 2018). Por outro lado, pode ser percecionado como uma meta complexa que envolve três conceitos centrais: bem-estar, saúde e qualidade de vida. Neste contexto, o empowerment é um resultado (Santis et al., 2018). Apesar de existir consenso em assumir a complexidade e multidimensionalidade do conceito em estudo, a controvérsia começa nas suas dimensões e na operacionalização do empowerment; ou seja, a construção e aplicação das escalas é realizada geralmente em contextos específicos (Barr et al., 2015; Fumagalli, Radaelli, Emanuele, Bertele, & Masella, 2015; Small, Bower, Chew-Graham, Whaley, & Protheroe, 2013; Wang et al., 2016) implicando uma variedade de instrumentos de avaliação do constructo. Os instrumentos de avaliação disponíveis na literatura sobre escalas de avaliação do empowerment revelaram fragilidades ao nível da fiabilidade e validade na sua aplicação e operacionalização das variáveis em diferentes contextos (Barr et al., 2015; Cerezo et al., 2016 ; McAllister, Dunn, Payne, Davies, & Todd, 2012; Small et al., 2013). Um estudo secundário refere ter identificado 50 escalas de avaliação de empowerment, porém apenas duas apresentavam critérios de evidência de validade e fiabilidade aceitáveis, todas as outras careciam de dados que comprovassem a sua robustez (Herbert, Gannon, & Rennick, 2009). Também Cerezo et al. (2016) identificaram numa revisão da literatura 10 escalas de avaliação de empowerment, porém, de acordo com os autores, só seis escalas apresentam robustez: Anderson, Funnell, Fitzgerald e Marrero (2000); Bulsara, Styles, Ward e Bulsara (2006); Faulkner (2001); McAllister et al. (2012); Small et al. (2013). A nível nacional, Almeida e Ribeiro (2010) publicaram um estudo preliminar de adaptação da Empowerment Scale, porém os resultados revelaram fragilidades na sua aplicabilidade à população portuguesa. A construção de uma escala de avaliação de empowerment pressupõe a identificação do conceito de empowerment, das suas dimensões e do contexto onde foram aplicadas e testadas. Tanto no contexto internacional como nacional, a revisão da literatura permitiu identificar escalas de empowerment, mas específicas para determinadas situações ou doenças, como por exemplo, a diabetes, doença mental: esquizofrenia, doenças raras, doenças cardiovasculares, doenças reumáticas, mas nenhuma global para a doença crónica em geral. Small et al. (2013) apresentou a construção de uma escala com as dimensões para as condições crónicas de saúde, porém com algumas limitações ao nível das propriedades psicométricas. A finalidade da construção da escala de empowerment individual foi permitir a quantificação deste constructo enquanto variável dependente e identificar os fatores preditivos da mesma. O estudo englobou ainda a aplicação conjunta de outras duas escalas: a escala de interferência da doença crónica (Luz, Bastos, Vieira, & Mesquita, 2017) e de caracterização do estilo de gestão do regime terapêutico (Bastos, 2015; Mota, Bastos, & Brito, 2017).
Metodologia
Trata-se de um estudo de investigação metodológico cuja finalidade é a construção de uma escala para avaliar o empowerment enquanto resultado dos cuidados de saúde, num contexto da doença crónica. Considerando o princípio referido, realizou-se uma revisão da literatura identificando as diferentes teorias empoderadoras, bem como as escalas desenvolvidas pelos autores das mesmas. As escalas identificadas não podem ser comparáveis, porque não medem ou avaliam as mesmas dimensões do conceito, cada uma é desenvolvida de acordo com a finalidade que o autor pretende no seu estudo (Barr et al., 2015; Cerezo et al., 2016; McAllister et al., 2012; Köhler, Tingström, Jaarsma, & Nilsson, 2018). Destacam-se quatro escalas que foram selecionadas devido ao facto de três delas terem sido testadas e validadas em pessoas com doença crónica e uma referir-se à avaliação das intervenções de enfermagem que foram percecionadas pelos clientes idosos, em situação de internamento hospitalar, como empoderadoras e não empoderadoras (Tabela 1).
A seleção das dimensões teve como objetivo identificar as necessárias para avaliação do resultado empowerment nas pessoas com doença crónica. As dimensões selecionadas foram as seguintes: Autodeterminação; Autonomia e poder; Sentimentos; Mestria; e Participação nas decisões em saúde.
A seleção das dimensões foi realizada com base na literatura e por consenso entre os investigadores, sendo estes peritos em enfermagem e tendo por área de interesse o empowerment. Foi realizado um pré-teste a 30 pessoas com doença crónica, utilizadores das unidades funcionais do Agrupamento de Centros de Saúde (ACES) onde o estudo decorreu. As 28 questões foram avaliadas quanto à sua compreensão, clareza e aplicabilidade. Foram efetuadas pequenas alterações sintáticas e dois itens deixaram dúvidas quanto à sua compreensão. Contudo, por esta dificuldade ter sido sentida por apenas alguns participantes optou-se por mantê-los na escala e avaliar posteriormente.
As dimensões identificadas foram as seguintes: Autodeterminação; Autonomia e poder; Sentimentos; Mestria; e Participação nas decisões em saúde. Deste processo resultou uma lista de 28 itens que foi organizada num formato que permite apenas uma alternativa de resposta, onde a pessoa tinha de se posicionar numa escala tipo Likert, de quatro pontos, em que cada ponto representa o nível de concordância da pessoa: discordo completamente (1); discordo (2); concordo (3); e concordo completamente (4; Tabela 2).
Amostra
A escala foi aplicada a uma amostra de conveniência de 271 participantes que cumpriam os critérios de elegibilidade e que compareciam nas unidades funcionais do ACES para as consultas de Enfermagem e Medicina Geral e Familiar. O preenchimento do questionário foi realizado durante o contacto presencial na unidade funcional na qual a pessoa estava inscrita e demorou em média 25 minutos, os participantes foram selecionados pelos enfermeiros de acordo com os critérios previamente estabelecidos no estudo. Todos os questionários foram preenchidos pelo investigador que assegurou que as questões foram compreendidas pelas pessoas. O tratamento de dados foi realizado com recurso ao IBM SPSS Statistics, versão 22.0. Foram incluídos na amostra os participantes que corresponderam aos critérios de inclusão do estudo (elegibilidade): terem diagnóstico documentado no seu processo clínico de pelo menos uma das seguintes doenças crónicas: diabetes, hipertensão arterial, insuficiência cardíaca, doença pulmonar obstrutiva crónica, lupus, artrite reumatóide, acidente vascular cerebral, asma; serem adultos, com idade compreendida entre os 18-65 anos; serem residentes na zona metropolitana de Lisboa; não apresentarem problemas cognitivos ou de comunicação; serem independentes nas suas atividades de vida diária.
Aspetos formais e éticos
Foram garantidos todos os pressupostos éticos de participação voluntária no estudo, garantido o anonimato dos dados e parecer favorável da Comissão de Ética em Saúde (Processo 020/CES/INV/2014) da Administração Regional de Saúde de Lisboa e Vale do Tejo, Instituto Público.
Fidelidade
Procedeu-se à realização de análises fatoriais com rotação ortogonal Varimax com normalização de Kaiser. Realizada a análise fatorial, obteve-se um valor de KMO = 0,803 e o teste de esfericidade de Bartlett obteve um valor de 2850,868 (p < 0,001), sendo considerado um bom nível, de acordo com Marôco (2014). Em seguida realizou-se análise fatorial, para o estudo dos componentes principais, seguida de rotação Varimax para conhecer as dimensões subjacentes e independentes entre si. Os resultados desta análise revelaram que os 28 itens se organizaram em oito fatores com uma variância explicada total de 63,88% e um alfa de Cronbach total de 0,802. Para a seleção do número de fatores seguiram-se os critérios recomendados (Marôco, 2014), valores próprios ou específicos (eigenvalues > 1), exclusão de saturações fatoriais inferiores a 0,30 e aplicação do princípio da descontinuidade. Posteriormente, foram avaliados os 28 itens relativamente ao seu conteúdo, observaram-se as comunalidades de todos os outros itens e excluíram-se os itens 26 (”Quando os profissionais de saúde querem envolvê-lo na gestão do regime terapêutico não se sente capaz”) e 27 (“Os profissionais de saúde estão em melhor posição para decidir o que precisa de fazer ou aprender”), e o item 28 (“As pessoas não têm direito a sentirem-se zangadas só porque não gostam de alguma coisa”), por estar pouco claro o seu significado, suscitando dúvidas aos participantes, na sua grande maioria. Os motivos de exclusão são os seguintes: apresentarem valores abaixo dos 0,20, relativamente aos pesos fatoriais das comunalidades; os mesmos não apresentam afinidade estatística com os outros fatores.
Assim sendo, obteve-se uma escala com 25 itens, em que a consistência interna, avaliada pelo alfa de Cronbach foi de 0,803, considerada como boa (Marôco, 2014), que foi submetida de novo à análise fatorial considerando os critérios supracitados.
Os itens organizaram-se em torno de sete fatores com uma variância explicada total de 65,28%. Deste modo, o primeiro fator é constituído por seis itens e explica 21,76% da variância total. O segundo fator é constituído por cinco itens e explica 14,34% da variância; o terceiro fator é constituído por três itens, representando 8,48% da variância explicada; o quarto fator é constituído por dois itens, com uma variância explicada de 6,27%; o quinto fator é constituído por três itens, com uma variância explicada de 5,24%; o sexto fator é constituído por três itens, que explica 4,88% da variância total e, por último, o sétimo fator é constituído por dois itens, com uma variância explicada de 4,31%.
A construção teórica da escala teve por base seis dimensões, pelo que se forçou uma análise nesse sentido, porém o nível de fiabilidade baixava, pelo que se optou pelo modelo fatorial de sete dimensões.
Resultados
Obteve-se uma escala com 25 itens, em que a consistência interna, avaliada pelo alfa de Cronbach foi de 0,803, considerada como boa (Marôco, 2014) que foi submetida de novo à análise fatorial considerando os critérios supracitados.
A análise fatorial resultante revelou algumas dimensões esperadas e outras não esperadas, como a identidade. O constructo Sentimentos, considerado na construção teórica do instrumento, após a análise da matriz dos dados, ficou designado como Autoperceção. Em sintese, denominaram-se os sete fatores como: Autoperceção; Participação nas decisões em saúde; Mestria; Determinação; Identidade; Autonomia; Relação com os profissionais de saúde. Conforme se pode verificar, esta divisão obtida pela análise fatorial propõe um constructo com significado racional (Tabela 3). Todos os fatores apresentaram cargas fatoriais (factorial loadings) elevadas.
Começámos por analisar a escala, no que se refere à sua confiabilidade global, através da correlação de cada item com o total da escala, o seu efeito sobre o valor de alfa e as medidas descritivas de resumo. Obteve-se uma elevada correlação de praticamente todos os itens com o total da escala, o que demonstra o seu bom funcionamento como um todo e que contribui para um moderado valor de alfa (0,845). A correlação entre itens apresenta um valor superior a 0,734. Na Tabela 4 verificam-se correlações entre fraca (0,062) e média-alta (0,582) estatisticamente significativas para um p < 0,05, entre as várias dimensões e entre estas e o total da escala (0,596; p < 0,05; Tabela 4).
Foram comparadas médias de forma emparelhada entre o empowerment global e o empowerment por fatores, verificando-se uma pequena diferença de médias (0,032-0,09) e uma elevada correlação entre ambas (T = 0,977) e estatisticamente significativa (p < 0,001). Assim sendo, a média global de todos os fatores (n = 271) é de 3,2575, desvio-padrão (DP) de 0,46489, valor máximo de 4,00 e mínimo de 0,84 e Kurtosis Std (0,295) = 3,111. A média global de empowerment é de 3,2993, DP = 0,46516, valor máximo de 4,00, valor mínimo de 1 e Kurtosis Std (0,295) = 2,677.
A categorização da escala de empowerment entre os mais empoderados e menos empoderados foi realizada considerando os quartis de distribuição da média de empowerment, tendo sido convencionado que o ponto de corte da escala seria 3,58, ou seja, os inquiridos que pertençam ao 4º quartil são os mais empoderados. Consideram-se assim, como mais empoderados, os 25% dos participantes com valores superiores na escala, relativamente aos restantes 75% (n = 203), que pertencem ao grupo dos menos empoderados. No global, as médias por dimensão mostram um valor mais elevado em dimensões como a Relação com os profissionais de saúde e Participação nas decisões em saúde e menor nas dimensões Mestria e Autonomia e poder (Tabela 5).
A caracterização do nível de empowerment permitiu identificar os sujeitos do estudo com empowerment mais elevado e assim relacionar com outras variáveis para verificar o nível discriminatório do instrumento e fatores que interferem no empowerment. No que diz respeito à relação das variáveis sociodemográficas com o nível de empowerment em relação à faixa etária, os resultados observados no teste ANOVA permitiram identificar diferenças estatisticamente significativas ao nível da Identidade (F(270,2) = 4,82; p = 0,009) e Autonomia e poder (F(270,2) = 7,94; p < 0,001), dimensões que avaliam a escala de empowerment Individual relativamente aos grupos dos 18-50 anos e 61-65 anos. Quanto ao agregado familiar, foram ainda encontrados resultados estatisticamente significativos entre a variável supracitada com o nível de empowerment (F (270,3) = 4,08; p < 0,001) nas dimensões Autoperceção (F (270,3) = 2,57; p = 0,027) e Identidade (F (270,3) = 3,23; p = 0,007). Foram também encontradas diferenças estatisticamente significativas no nível de empowerment (t (269) = 2,10; p = 0,037), Autoperceção (t (269) = 2,30; p = 0,023) e Identidade (t (269) = 2,10; p = 0,038) com resultados mais baixos nos sujeitos do estudo que não têm companheiro relativamente aos que têm companheiro. Foram encontrados resultados estatisticamente significativos entre os diferentes graus de escolaridade, no nível da Mestria (F (270,3) = 3,02; p = 0,030), Autonomia e poder (F (270,3) = 3,90; p = 0,009). O nível de interferência da doença crónica associou-se com o empowerment (X2 (1) = 7,51; p = 0,006). Níveis de interferência mais elevados relacionam-se com menor empowerment (83,6%). A regressão linear múltipla permitiu identificar o impacto da interferência da doença crónica no empowerment, tendo sido encontradas correlações estatisticamente significativas nas três dimensões: Atividades instrumentais (r = -0,374; p < 0,001), Intimidade (r = -0,357; p < 0,001) e Relacionamento e desenvolvimento pessoal (r = -0,298; p < 0,001). Verificou-se que as Atividades instrumentais (B = -0,11; p < 0,001; IC95% = [-0,15; -0,06]) e o Relacionamento e desenvolvimento pessoal (B = -0,11; p < 0,001; IC95% = [-0,20; -0,03]) tiveram um impacto negativo e estatisticamente significativo que pode ser traduzido numa diminuição no nível de empowerment, tão mais elevada quando maior a interferência da doença crónica nos domínios citados. Estas variáveis explicaram 16,1% da variação total do empowerment. O modelo linear ajustou-se bem aos dados (F(270,2) = 25,70; p < 0,001), confirmando a tendência linear dos mesmos. Assim sendo, a escala de interferência da doença crónica permite verificar a relação com o nível de empowerment (Luz et al., 2017) e a escala de empowerment é sensível a esse fator, bem como aos estilos de autogestão do regime terapêutico. Quanto mais complexo for o regime terapêutico, maior será a interferência da doença crónica na vida das pessoas, menor empowerment e preponderância do estilo de gestão formalmente guiado e negligente. O controlo da doença crónica e estabilização da mesma está relacionado com maior nível de empowerment e predomínio do score responsável.
Discussão
Os resultados apresentados neste trabalho refletem a primeira aplicação da escala em pessoas com doença crónica, nos cuidados de saúde primários. Verificou-se que a escala discrimina níveis de empowerment e que esta variável está relacionada com outras variáveis. Apesar da construção da escala ter por objetivo principal a sua utilização na investigação e no processo de avaliação dos cuidados de saúde, a discriminação que permite por níveis de empowerment tem utilidade clínica na identificação do potencial de empowerment individual e de maior vulnerabilidade. Como expectável, o nível de escolaridade é superior nas pessoas mais empoderadas, o que é coerente com o estudo de Barr et al. (2015), apesar de esta não ser uma variável sensível aos cuidados de enfermagem, ela é determinante na intencionalidade da ação do enfermeiro. Clientes com baixo nível educacional tendem a demonstrar menor nível de participação nas decisões em saúde por se sentirem menos competentes na obtenção e interpretação da informação. O suporte social e familiar favorece o nível de empowerment e para os clientes que carecem deste tipo de apoio devem ser encontradas alternativas de suporte, nomeadamente profissional (Bastos, 2015). Este instrumento permite também demonstrar que o nível de empowerment está relacionado com a gravidade da doença crónica; decorre daqui que a promoção de empowerment não é um objetivo para todos os clientes. Bastos (2015) identificou o estilo de gestão do regime terapêutico responsável como o mais favorável ao desenvolvimento de empowerment e com melhores resultados na autogestão do regime. Esta escala permite comprovar essa relação entre as características individuais, que engloba traços identitários e comportamento, e o nível de empowerment (Bastos, 2015; Mota et al., 2017). Relativamente às propriedades psicométricas da escala, a fidelidade de escala foi avaliada pela consistência interna, cujo resultado revelou uma boa consistência interna, valor de alfa de Cronbach de 0,803, com 25 itens. A análise fatorial, seguida de rotação varimax extraiu sete dimensões: Autoperceção; Participação nas decisões em saúde; Mestria; Determinação; Identidade; Autonomia; Relação com os profissionais de saúde. Estas dimensões agrupam-se de forma diferente das escalas encontradas na revisão realizada (Cerezo et al., 2016; Barr et al., 2015; Köhler et al., 2018), o que poderá estar relacionado com o contexto português e a sua aplicação local (região Lisboa). Contudo, não se afastam concetualmente das mesmas. Small et al. (2013) e Barr et al. (2015) referem que o empowerment é um conceito mensurável tal como a qualidade de vida, e igualmente difícil, dada a diversidade de fatores que a influenciam e o carácter pessoal do conceito. As dimensões Identidade e Autonomia e poder apresentam alfas baixos, porém não foram excluídas porque são dimensões determinantes na avaliação do empowerment individual e referidas por alguns autores (Small et al., 2013; Barr et al., 2015), e contribuindo para o valor global de empowerment. Não se aconselha, contudo, a sua utilização individual para avaliação da dimensão. Ou seja, haverá outros instrumentos mais indicados para avaliar individualmente a Identidade, Autonomia e poder, mas quando a intencionalidade é a avaliação global do empowerment, estas dimensões são relevantes. A avaliação da validade baseou-se em hipóteses de associação entre a nova medida e relações com outras variáveis como as variáveis sociodemográficas, interferência da doença crónica e estilos de autogestão do regime terapêutico. De uma forma global, a escala apresentou um alfa de Cronbach de 0,803, o que traduz um bom nível de validade, permitindo identificar diferentes níveis de empowerment. A avaliação dos resultados não pode deixar de ter em conta algumas limitações do estudo, impondo-se prudência na sua interpretação e generalização. Uma das limitações reside no facto de a amostra ser de conveniência.
Conclusão
A avaliação do nível de empowerment nas pessoas com doença crónica permite-nos medir o impacto dos cuidados de saúde na autogestão do regime terapêutico, sendo um indicador da qualidade dos cuidados e serviços de saúde. Nas situações de cronicidade os ganhos em saúde são complexos e difíceis de mensurar, porque o estado de saúde das pessoas tende a manter-se ou mesmo a agravar-se.
A construção da escala foi realizada a partir da revisão da literatura através da identificação de dimensões comuns a escalas de avaliação do empowerment no contexto da doença crónica. Apesar das limitações, foi possível construir uma escala que permite avaliar o empowerment nas pessoas com doença crónica associado à perceção do impacto da doença crónica, autogestão do regime terapêutico e estilo de gestão do mesmo. O resultado final foi uma escala com 25 itens divididos por sete dimensões: Autoperceção; Participação nas decisões em saúde; Mestria; Determinação; Identidade; Autonomia; Relação com os profissionais de saúde. Estas sete dimensões foram obtidas por análise fatorial. No seu conjunto, a escala apresenta boas propriedades psicométricas com valores de alfa superiores a 0,70 no seu global e em cada uma das dimensões, exceto nas dimensões Identidade e Autonomia e poder, que apresentaram valores inferiores. Uma escala válida e fiável que avalia o nível de empowerment no contexto da doença crónica, em cuidados de saúde primários, poderá ajudar os profissionais de saúde a explorar o impacto deste resultado na autogestão do regime terapêutico, nos indicadores de controlo da doença e na qualidade de vida.
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Contribuição de autores
Conceptualização: Luz, E, Bastos, F.
Tratamento de dados: Luz, E, Bastos, F.
Metodologia: Luz, E, Bastos, F.
Redação - preparação do rascunho original: Luz, E, Bastos, F.
Redação - revisão e edição: Luz, E, Bastos, F. Vieira, M.
Autor de correspondência:
* Elisabete Lamy da Luz
E-mail: luzelisabete10@gmail.com
Como citar este artigo: Luz, E. L., Bastos, F. S., & Vieira, M. M. (2020). Construção e validação da Escala de empowerment Individual no contexto da doença crónica. Revista de Enfermagem Referência, 5(3), e20025. doi:10.12707/RV20025
Recebido: 15.02.20
Aceite: 07.07.20