SciELO - Scientific Electronic Library Online

 
vol.serV número3Deteção precoce do cancro infantojuvenil nos cuidados de saúde primários: possibilidades e limitaçõesEstudo preliminar da Escala do Medo do Parto antes da Gravidez numa amostra de estudantes universitários índice de autoresíndice de assuntosPesquisa de artigos
Home Pagelista alfabética de periódicos  

Serviços Personalizados

Journal

Artigo

Indicadores

Links relacionados

  • Não possue artigos similaresSimilares em SciELO

Compartilhar


Revista de Enfermagem Referência

versão impressa ISSN 0874-0283versão On-line ISSN 2182-2883

Rev. Enf. Ref. vol.serV no.3 Coimbra jul. 2020

https://doi.org/10.12707/RV20023 

ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO (ORIGINAL)

RESEARCH PAPER (ORIGINAL)

 

Efetividade de um programa de formação na gestão emocional dos enfermeiros perante a morte do doente

Effectiveness of a training program for nurses’ emotional management of patient death

Eficacia de un programa de formación en la gestión emocional de los enfermeros ante la muerte de un paciente

 

Nelson Jacinto Pais* 1
https://orcid.org/0000-0001-5437-4006

Cristina Raquel Batista Costeira 1
https://orcid.org/0000-0002-4648-355X

Armando Manuel Marques Silva 2
https://orcid.org/0000-0001-5562-584X

Isabel Maria Pinheiro Borges Moreira 2
https://orcid.org/0000-0002-6371-003X

 

1 Instituto Português de Oncologia de Coimbra, Coimbra, Portugal

2 Unidade de Investigação em Ciências da Saúde (UICISA: E), Escola Superior de Enfermagem de Coimbra (ESEnfC), Coimbra, Portugal

 

RESUMO

Enquadramento: A morte é uma realidade frequente, em contexto hospitalar, exigindo aos enfermeiros a apropriação de estratégias eficazes de gestão das emoções.

Objetivos: Avaliar a efetividade de um programa de formação (PF) na gestão emocional em enfermeiros perante a morte do doente.

Metodologia: Estudo pré-experimental de grupo único com avaliação pré e pós intervenção, realizado numa amostra de 20 enfermeiros de serviços de internamentos de oncologia. O instrumento de colheita de dados foi o questionário. Este integrava Escala de Avaliação do Perfil de Atitudes acerca da Morte (EAPAM), Escala de Coping com a Morte (ECM) e Escala de Avaliação de Implementação de Programas (EAIP), aplicado em três momentos distintos.

Resultados: O PF levou a mudanças das atitudes nas dimensões: medo e neutralidade (EAPAM) e verificaram-se diferenças significativas no coping com a própria morte e com a morte dos outros (ECM), revelando uma capacitação nesta área. O PF foi classificado como muito bom (EAIP).

Conclusão: A implementação do programa evidencia ser uma estratégia interventiva de empoderamento nestes enfermeiros, na autogestão emocional perante a morte.

Palavras-chave: enfermeiros; morte; programa de formação; ajuste emocional; educação

 

ABSTRACT

Background: Death is a common reality in hospital settings, requiring nurses to adopt effective strategies for managing their emotions.

Objectives: To assess the effectiveness of a training program for nurses’ emotional management of patient death.

Methodology: A one-group pretest-posttest pre-experimental study was conducted in a sample of 20 nurses working in oncology inpatient units. Data were collected using a questionnaire consisting of the Portuguese versions of the Revised Death Attitude Profile (Escala de Avaliação do Perfil de Atitudes acerca da Morte - EAPAM) and the Coping with Death Scale (ECM), and the Program Implementation Assessment Scale (EAIP), applied at three different periods.

Results: The training program changed nurses’ attitudes in the dimensions of fear of death and neutral-acceptance (EAPAM). Significant differences were found in coping with one’s own death and the death of others (ECM), revealing improved skills in this area. The training program was rated as very good (EAIP).

Conclusion: The implementation of the training program proves to be an effective strategy for improving nurses’ emotional management of death.

Keywords: nurses; death; training program; emotional adjustment; education

 

RESUMEN

Marco contextual: La muerte es una realidad frecuente en un entorno hospitalario y requiere que los enfermeros se apropien de estrategias eficaces de gestión emocional.

Objetivos: Evaluar la efectividad de un programa de formación (PF) en la gestión emocional de los enfermeros ante la muerte de un paciente.

Metodología: Estudio preexperimental de un solo grupo con evaluación previa y posterior a la intervención, realizado en una muestra de 20 enfermeros de pacientes oncológicos hospitalizados. El instrumento de recogida de datos fue el cuestionario. Este incluyó la Escala de Evaluación del Perfil de Actitudes ante la Muerte (Escala de Avaliação do Perfil de Atitudes acerca da Morte - EAPAM), la Escala de Coping con la Muerte (ECM) y la Escala de Evaluación de la Implementación de Programas (EAIP), aplicado en tres momentos diferentes.

Resultados: El PF provocó cambios de actitud en las dimensiones: miedo y neutralidad (EAPAM) y hubo diferencias significativas en el afrontamiento (coping) de la muerte propia y de la de los demás (ECM), lo que reveló una capacitación en esta área. El PF fue clasificado como muy bueno (EAIP).

Conclusión: La implementación del programa resulta ser una estrategia de intervención de empoderamiento en estos enfermeros en la autogestión emocional ante la muerte.

Palabras clave: enfermeros; muerte; programas de capacitación; ajuste emocional; educación

 

Introdução

A morte tem sido rejeitada e negada do quotidiano familiar e social deixando de ser encarada como um processo natural inerente à condição humana, sendo remetida para os hospitais em substituição do domicílio (Silva, Lage, & Macedo, 2018).

Os profissionais de saúde, em especial os enfermeiros, pela sua proximidade com a pessoa em fim de vida, vivenciam emoções negativas que exigem um ajustamento eficaz, no entanto, sabe-se que nem todos os enfermeiros lidam adequadamente com a morte (Becker, Wright, & Schmit, 2017).

A gestão emocional é considerada um alicerce do desempenho profissional e pessoal, pois as emoções são responsáveis pela adaptação às exigências ambientais, influenciam os processos cognitivos como a perceção, pensamento, tomada de decisão, linguagem, crenças, motivação, aprendizagem, memória, comportamentos, atitudes e intenções (Limonero, Reverte, Gómez-Romero, & Gil-Moncayo, 2018). Estas, condicionam de tal forma a vida das pessoas que o seu percurso diário só é facilitado se adquirirem estratégias de coping eficazes. As aptidões de coping mostram que as pessoas com mais recursos podem sofrer menos efeitos adversos em contextos de stress (Folkman, 1984).

Estudos desenvolvidos recentemente salientam que a formação através de programas de capacitação emocional, a partilha de informação e de experiências entre pares são estratégias eficazes de gestão emocional (Carvalho, Lunardi, Silva, Vasques, & Amestoy, 2017; Gómez-Díaz, Delgado-Gómez, & Gómez-Sánchez, 2017; Sulzbacher, Reck, Stumm, & Hildebrandt, 2017).

Os enfermeiros, quando consultados, referem que possuem reduzida formação que os ajude a gerir as emoções perante a morte dos doentes (Gómez-Díaz et al., 2017), e que a gestão ineficaz das emoções interfere na qualidade dos cuidados prestados (Becker et al., 2017).

Assim, foi implementado um programa de formação com o objetivo de avaliar a sua efetividade na gestão emocional dos enfermeiros perante a morte.

 

Enquadramento

As representações sociais da morte, devido à dificuldade de aceitação e entendimento que o ser humano tem sobre a mesma, levam a que o conceito seja pautado no abstracionismo, na mitologia, no simbolismo, na religião e acima de tudo na subjetividade (Pais, 2019). No passado, a relação com a morte era de naturalidade e proximidade, mais recentemente a morte é experimentada de forma reprimida e distante, e considerada maldita, interdita e repelida (Ariès, 2011). A morte é cada vez mais frequente em ambiente hospitalar e em unidades de cuidados continuados, levando a que os enfermeiros, que não possuem estratégias de gestão emocional, desvalorizem, minimizem ou não diagnostiquem o sofrimento do doente e família (Limonero et al., 2018), prestando cuidados rotineiros e tecnicistas (Silva et al., 2018).

Estudos recentes têm advertido para a importância de programas de formação na área da gestão emocional para capacitação dos enfermeiros (Gómez-Díaz et al., 2017), assim como a importância da criação de espaços físicos nas instituições, para partilha de ideias e sentimentos sobre a morte, esclarecimento de dúvidas, partilha e reflexão sobre questões relacionadas com o processo de morrer, espaços que funcionem de apoio mútuo (Carvalho et al., 2017; Sulzbacher et al., 2017). A literatura sugere como temas a explorar nas sessões dos programas formativos, estratégias eficazes de luto (Tranter, Josland, & Turner, 2016), preparação para a morte (Santos Souza et al., 2017) e investir no desenvolvimento da inteligência emocional e processos de expressividade de emoções (Gómez-Díaz et al., 2017).

A formação em educação/gestão emocional é uma estratégia eficaz para os enfermeiros, pois se estes não possuírem ou não desenvolverem competências de gestão emocional, as consequências das vivências dolorosas relacionadas com a morte do doente produzirão danos, modificando o seu bem-estar e interferindo negativamente com a sua vida pessoal e profissional.

 

Hipótese de investigação

O programa de formação contribui de forma positiva para a gestão emocional dos enfermeiros.

 

Metodologia

Trata-se de um estudo de natureza quantitativa, de nível IV, pré-experimental com grupo único e avaliação pré e pós intervenção (Campbell & Stanley, 2005).

A população alvo foi constituída por enfermeiros que trabalhavam em unidades de internamento de oncologia da região centro. A escolha desta população residiu no facto de os enfermeiros que cuidam de doentes do foro oncológico serem confrontados com uma elevada taxa de mortalidade, o que implica uma maior gestão emocional por parte destes, quando confrontados com essa vivência (Finley & Sheppard, 2017).

O tipo de amostragem foi por conveniência, tendo em conta a voluntariedade para participar no programa, após publicitação da investigação na instituição de saúde.

A amostra foi composta por 20 enfermeiras com idades compreendidas entre os 26 e os 58 anos, a idade média foi de 42,65 +/- 9,11 com mediana de 43,50 anos e 70% são casadas ou vivem em união de facto. Todas professam a religião católica. As enfermeiras trabalham em serviços cirúrgicos (n = 11) e serviços médicos (n = 9). Possuem contrato individual de trabalho (CIT; n = 7) ou contrato de trabalho em funções públicas (CTFP; n = 13). Todas são detentoras do título de licenciatura, cinco têm o título de mestre. Seis enfermeiras têm o título de especialista, embora apenas duas exerçam essa função, uma desenvolvia funções de chefia, sete de enfermeiro e 10 de enfermeiro graduado. Nesta amostra, 12 enfermeiras possuem formação em cuidados paliativos, enquanto oito nunca tiveram formação. Quando inquiridas sobre a sua perceção perante a autogestão da morte, três responderam não lidar eficazmente com a morte (Tabela 1).

Para responder ao objetivo traçado, construiu-se um programa de formação de seis horas, composto por quatro sessões, com hora e meia cada, com frequência de uma vez por semana. O primeiro programa aconteceu em fevereiro de 2018 e o segundo em março de 2018. Todas as sessões formativas foram realizadas às segundas-feiras das 14:30h-16h, sempre no mesmo espaço físico. O número de participantes por grupo foi previamente definido entre um mínimo de seis e um máximo de 12 elementos. O primeiro programa formativo foi constituído por 12 enfermeiros e o segundo por oito. Foram excluídos todos os enfermeiros que não pertencessem a serviços de internamento e com assiduidade inferior a 100% das horas de formação.

A construção do programa formativo baseou-se nos pressupostos da andragogia e da inteligência emocional, com recurso a ferramentas de coaching para o desenvolvimento do auto e heteroconhecimento. Os temas abordados foram os definidos de acordo com o recomendado nos estudos de Tranter et al. (2016), Santos Souza et al. (2017) e Gómez-Díaz et al. (2017).

O programa formativo foi desenvolvido por uma formadora com formação pós-graduada na área da psico-antrolopogia da saúde e educação, tendo trabalhado com o investigador principal as estratégias a implementar.

O instrumento de colheita de dados utilizado foi o questionário que foi aplicado em três momentos distintos. Antes da 1ª sessão de formação (1º momento), no fim das quatro sessões (2º momento) e follow-up de 2 meses (3º momento). Integrava uma parte de caracterização sociodemográfica e profissional e as Escalas de Avaliação do perfil de Atitudes acerca da morte (EAPAM), de Coping com a morte (ECM) e de Avaliação de Implementação de Programa (EAIP).

A EAPAM adaptada e traduzida por Loureiro (2010), da versão revista da Revised Death Attitude Profile (DAP-R) por Wong, Reker, e Gesser (1994), é composta por cinco dimensões: medo, aceitação neutral/neutralidade, aceitação como aproximação, aceitação como escape e evitamento, tendo sido aplicada nos três momentos de colheita de dados.

A ECM de Camarneiro e Gomes (2015), que avalia dois fatores (coping com a própria morte e coping com a morte dos outros), também foi aplicada nos três momentos de colheita de dados.

A EAIP de Jardim e Pereira (2006), que permite avaliar sete dimensões: Apreciação global do programa, Objetivos, Conteúdos, Atividades, Participação, Recursos e Desenvolvimento, foi aplicada no 2º momento de colheita de dados.

As escalas selecionadas foram consideradas as mais adequadas para avaliar a efetividade do programa de formação em gestão emocional perante a morte do doente. Para todas as escalas foi estudada a sua consistência interna, apresentando valores de alfa de Cronbach, compreendidos entre 8 = 0,6-0,9.

Os dados sociodemográficos e profissionais foram recolhidos no primeiro momento de colheita de dados (Tabela 1). A opção por recolher os dados em três momentos distintos prendeu-se com a necessidade de identificar as atitudes e as características de coping dos enfermeiros perante a morte, para se poder avaliar a efetividade do programa de formação na gestão das emoções e aferir as mudanças produzidas ao longo do tempo. A qualidade do programa de formação foi avaliada após a conclusão do programa formativo (2º momento).

Para a consecução do estudo, foi solicitada autorização ao Conselho de Administração, Comissão de Ética (TI 04/17), Gabinete Coordenador de Investigação e de Formação da Instituição de Saúde onde o mesmo se desenvolveu, tendo tido parecer favorável. Foi solicitada aos autores das três escalas, autorização para a sua utilização. A garantia do anonimato e da confidencialidade foi assegurada ao não ser solicitado qualquer dado que permitisse a identificação dos participantes. Antes da implementação do programa de formação foi entregue o termo de consentimento informado a cada participante, a quem foi explicado em que consistia o estudo e o que era esperado da sua participação, assim como os benefícios e os riscos do mesmo. Desta forma, assegurou-se que a participação dos enfermeiros assentou no respeito pelo direito à autodeterminação.

O tratamento de dados foi realizado através do programa de tratamento estatístico IBM SPSS Statistics, na versão 24.0.

 

Resultados

No tratamento de dados estatísticos recorreu-se à estatística não paramétrica, devido ao tamanho reduzido de amostra (n = 20) e pela não verificação de normalidade das variáveis pelo teste de normalidade de Kolmogorov-Smirnov.

Para examinar a significância da associação (contingência) entre a formação em cuidados paliativos e a gestão emocional foi aplicado o teste Exato de Fisher. Os dados evidenciam diferença estatisticamente significativa, as três enfermeiras que apresentaram maiores dificuldades em gerir as suas emoções perante a morte não possuíam qualquer formação em cuidados paliativos (p = 0,04; Tabela 2).

As enfermeiras que referiram não lidar bem com a morte tinham contrato CIT, que correspondem às enfermeiras mais jovens (32,57 ± 3,78 anos de idade) e com menos anos de experiência profissional (9,96 ± 1,22 anos; Tabela 3).

Na avaliação das atitudes perante a morte através da EAPAM foi utilizado o teste de Friedman para verificar se existia diferença entre os três momentos analisados, por dimensão. Verificou-se que existiam diferenças estatisticamente significativas para as dimensões medo e neutralidade. Em seguida, aplicou-se o teste de Wilcoxon, a que foi aplicado o fator de correção de Bonferroni, em que se compararam os momentos entre si e se verificou em que momentos existiram diferenças estatisticamente significativas.

Assim, para a dimensão medo, verificaram-se diferenças estatisticamente significativas, entre os resultados obtidos no 1º momento de recolha de dados e os obtidos no 2º, e entre o 1º e o follow-up.

Para a dimensão neutralidade, apenas se encontraram diferenças estatisticamente significativas entre o 1º momento e o follow-up (Tabela 4).

No que diz respeito ao estudo do coping com a morte, obtido através da aplicação da ECM (Tabela 5), registaram-se diferenças estatisticamente significativas para os dois fatores da escala: coping com a morte dos outros e coping com a própria morte, quando comparados os fatores nos três momentos, pelo teste de Friedman.

Em seguida, utilizou-se o teste de Wilcoxon, a que foi aplicado o fator de correção de Bonferroni, para verificar em que momentos existiu diferença estatisticamente significativa. Verificou-se que para o fator do coping com a morte dos outros, os resultados evidenciaram diferenças estatisticamente significativas quando comparados o 2º momento e o follow-up, sugerindo efeitos a médio prazo.

No fator coping com a própria morte verificaram-se diferenças estatisticamente significativas quando comparados os resultados obtidos antes da frequência do programa de formação (1º momento) com os obtidos nos momentos seguintes (2º e 3º; Tabela 5).

Na avaliação do programa de formação desenvolvido, utilizou-se a EAIP. Em todos os itens, os resultados mostram uma pontuação = 4, sendo que o valor de escala se situa no intervalo compreendido entre [1,5], considerando-se os resultados médios muito bons.

O item com menor cotação média foi o relativo à “duração do programa” (X = 4,10 ± 0,55).

Os itens com maior cotação foram: “A adequação das estratégias à consecução dos objetivos foi”; “As atividades realizadas nas sessões presenciais, em geral foram”; “A adequação dos exercícios para desenvolver as competências foi” e “A motivação dos participantes foi”, que apresentavam valores médios de 5.

A avaliação máxima do programa de formação foi de 150 pontos e a mínima de 30 pontos, os valores médios obtidos foram 144,70 ± 5,75, o que corresponde a uma avaliação qualitativa de muito bom (4,8 pontos).

Salienta-se que o valor atribuído pelos participantes às suas competências no final do programa de formação foi superior ao atribuído antes da sua frequência (X final = 4,45 ± 0,51 face a X inicial 3,65 ± 0,88).

Também foi referido que os estímulos dados para continuar a aprofundar as competências desenvolvidas foram, em média 4,95 ± 0,22 (sendo o valor máximo de 5).

 

Discussão

Os resultados do estudo apontam que as variáveis idade e experiência profissional interferiram na capacidade dos enfermeiros em gerir as emoções perante a morte dos doentes, sendo que quanto menor é a idade e a experiência, menor é a sua capacidade para gerir as emoções, resultados corroborados pelos estudos de Zheng, Lee, e Bloomer (2016) e de Martins, Chaves, e Campos (2014).

A formação em cuidados paliativos ao fornecer aos enfermeiros ferramentas para lidar com o sofrimento ajuda-os a gerir as emoções perante a morte, pois as enfermeiras que referiram lidar menos bem com a morte são as que referiram não terem formação em cuidados paliativos, o que merece reflexão por parte das instituições de saúde e de ensino. É necessário que as instituições de saúde ofereçam aos seus profissionais, particularmente aos que estão em processos de integração, programas de formação em cuidados paliativos que permitam aos enfermeiros prestarem os melhores cuidados à pessoa em fim de vida e simultaneamente, lhes permita experienciar menos emoções negativas durante e após a trajetória do processo de cuidar da pessoa em fim de vida.

Os resultados encontrados atestam a efetividade do programa de formação na área da gestão emocional perante a morte, pois houve alterações nas dimensões medo e neutralidade e no coping com a morte dos outros e com a própria morte.

A dimensão medo diminuiu após a frequência no curso de formação. Reconhecendo-se que o medo da morte interfere na qualidade dos cuidados, pode-se dizer que o programa de formação ao contribuir para a minimização/gestão do medo perante a morte pode contribuir para a melhoria dos cuidados de enfermagem à pessoa em fim de vida (Becker et al., 2017). Outro dado positivo do programa foi a integração da morte como uma parte integrante da vida (neutralidade), o que é atestado pelo aumento dos valores nesta dimensão e que significa que a morte passou a ser entendida como um acontecimento natural (Loureiro, 2010).

Os enfermeiros, após frequentarem o processo formativo apresentaram resultados de melhoria no coping com a morte dos outros, o que segundo Camarneiro e Gomes (2015) significa apropriação de melhores competências para comunicar com e/ou ajudar os familiares e doentes terminais.

Os resultados positivos obtidos com o programa expressam-se também, no aumento do coping com a própria morte, pois como se observou ocorreram diferenças estatisticamente significativas, antes e depois da formação. O facto de o programa de formação incidir no processo de expressividade de emoções perante a própria morte, pode ter conduzido a níveis de introspeção mais profundos sobre a morte e o morrer. O trabalho interno realizado pelos enfermeiros durante o curso pode ter facilitado o empoderamento dos mesmos para trabalharem a sua própria morte e sentirem menor necessidade de expressarem emoções.

O programa de formação em gestão emocional perante a morte foi avaliado com muito bom pelos participantes, e caracterizado como estratégia capaz de melhorar as competências emocionais, motivando os enfermeiros a continuar a aprofundar as suas competências. Estes resultados vão ao encontro aos encontrados por Gómez-Díaz et al. (2017), no que diz respeito à importância dos programas de formação para a capacitação dos enfermeiros em gestão emocional, uma vez que a ineficaz gestão emocional perante a morte trará consequências já acauteladas por vários autores (Göris et al., 2017; Carvalho et al., 2017; Gómez-Diaz et al., 2017), quer na qualidade dos cuidados prestados, quer na qualidade de vida pessoal do enfermeiro.

Importa referir algumas das limitações deste estudo, que decorrem do desenho de investigação, como a não existência de uma amostragem probabilística e controle completo. A existência de uma amostra reduzida (n = 20) é também uma limitação ao estudo, pelo que se sugere que, em aplicações futuras do programa de formação, este se deva dirigir a uma amostra maior, com existência de grupo controlo e uso de amostragem probabilística.

 

Conclusão

O programa de formação sobre a gestão emocional revelou que é efetivo no sentido em que as atitudes de medo e de neutralidade perante a morte foram dimensões em que os enfermeiros apresentaram mudanças, aceitando a morte como uma parte integrante da vida. Os enfermeiros ao apropriarem-se de estratégias que os ajudam a gerir as emoções perante o sofrimento revelaram coping com a morte dos outros e a própria morte, empoderaram-se na gestão das suas emoções perante a morte.

Os enfermeiros com mais idade, com mais experiência profissional e com formação em cuidados paliativos foram os que apresentaram resultados de maior controlo na sua gestão emocional perante a morte.

O programa de formação contribuiu de forma positiva para a gestão emocional dos enfermeiros, constituindo-se como estratégia facilitadora do autoconhecimento e autogestão emocional. A realização de projetos institucionais de partilha de emoções e experiências, assim como o desenvolvimento de processos formativos nas áreas da inteligência emocional, cuidados paliativos e estratégias de coping perante a morte através de ferramentas de coaching e observância de pressupostos da andragogia, demonstraram ser estratégias que ajudaram os enfermeiros a trabalhar as suas emoções perante a morte e o morrer, melhorando as suas performances no cuidado ao doente a morrer.

Face aos resultados obtidos, recomenda-se a aplicação do programa utilizando um desenho experimental com grupo de controlo, dirigido a enfermeiros e estudantes de enfermagem, com estabelecimento de parcerias entre escolas e instituições de saúde.

 

Referências bibliográficas

Ariès, P. (2011). Sobre a história da morte no Ocidente. Rio de Janeiro, Brasil: Editorial Teorema.         [ Links ]

Becker, C., Wright, G., & Schmit, K. (2017). Perceptions of dying well and distressing death by acute care nurses. Applied Nursing Research, 33, 149-154. doi:10.1016/j.apnr.2016.11.006        [ Links ]

Camarneiro, A., & Gomes, S. (2015). Tradução e validação da Escala de Coping com a Morte: Um estudo com enfermeiros. Revista de Enfermagem Referência, 4(7), 113-122. doi:10.12707/RIV14084        [ Links ]

Campbell, D., & Stanley, J. (2005). Diseños experimentales y cuasi experimentales en la investigación social. Buenos Aires, Argentina: Amorrortu.         [ Links ]

Carvalho, K., Lunardi, V. L., Silva, P. A., Vasques, T. C., & Amestoy, S. C. (2017). Educational process in palliative care and the thought reform. Investigación y Educación en Enfermería, 35(1), 17-25. doi:10.17533/udea.iee.v35n1a03        [ Links ]

Finley, B., & Sheppard, K. (2017). Compassion fatigue: Exploring early-career oncology nurses’ experiences. Clinical Journal of Oncology Nursing, 21(3), E61-E66. doi:10.1188/17.CJON.E61-E66.

Folkman, S. (1984). Personal control and stress and coping processes: A theoretical analysis. Journal of Personality and Social Psychology, 46(4), 839-852. doi:10.1037//0022-3514.46.4.839.         [ Links ]

Gómez-Díaz, M., Delgado-Gómez, M., & Gómez-Sánchez, R. (2017). Education, emotions and health: Emotional education in Nursing. Procedia: Social and Behavioral Sciences, 237, 492-498. doi:10.1016/j.sbspro.2017.02.095        [ Links ]

Göris, S., Tasci, S., Özkan, B., Ceyhan, O., Kartin, P. T., Çeliksoy, A. … Eser, B. (2017). Effect of terminal patient care training on the nurses’ attitudes toward death in an oncology hospital in Turkey. Journal of Cancer Education, 32(1), 65-71. doi:10.1007/s13187-015-0929-6

Jardim, J., & Pereira, A. (2006). Competências pessoais e sociais: Guia prático para a mudança positiva. Porto, Portugal: Edições ASA.         [ Links ]

Limonero, J., Reverte, M., Gómez-Romero, M., & Gil-Moncayo, M. (2018). The role of emotions in palliative care. Palliative Medicine and Hospice Care, 4(1), 7-9. doi:10.17140/PMHCOJ-4-127        [ Links ]

Loureiro, L. (2010). Tradução e adaptação da versão revista da Escala de Avaliação do Perfil de Atitudes acerca da Morte (EAPAM). Revista de Enfermagem Referência, 3(1), 102-108. doi:10.12707/RII1012        [ Links ]

Martins, M., Chaves, C., & Campos, S. (2014). Coping strategies of nurses in terminal ill. Procedia: Social and Behavioral Sciences, 113, 171-180. doi:10.1016/j.sbspro.2014.01.024        [ Links ]

Pais, N. (2019). Impacto de um programa de formação na gestão emocional dos enfermeiros perante a morte (Dissertação de mestrado). Escola Superior de Enfermagem de Coimbra, Portugal.         [ Links ]        [ Links ]

Silva, R., Lage, I., & Macedo, E. (2018). Nurses’ experiences about death and dying in intensive care: A phenomenological reflection. Revista Portuguesa de Enfermagem de Saúde Mental, 20, 34-42. doi:10.19131/rpesm.0224

Sulzbacher, M., Reck, A., Stumm, E., & Hildebrandt, L. (2009). Nurses in Intensive Care Unit living and facing death and dying situations. Scientia Medica, 19(1), 11-16. Recuperado de http://revistaseletronicas.pucrs.br/ojs/index.php/scientiamedica/article/view/3873/7817        [ Links ]

Tranter, S., Josland, E., & Turner, K. (2016). Nurses’ bereavement needs and attitudes towards patient death: A qualitative descriptive study of nurses in a dialysis unit. Journal of Renal Care, 42(2), 101-106. doi:10.1111/jorc.12147

Wong , P., Reker , G., & Gesser, G. (1994). Death Attitude Profile Revised: A Multidimensional Measure of Attitudes Toward Death. In R. A. Neimeyer (Eds.), Death Anxiety Handbook: Research, Instrumentation, and Application (pp. 121-148). Washington, USA: Taylor & Francis.         [ Links ]

Zheng, R., Lee, S., & Bloomer, M. (2016). How new graduate nurses experience patient death: A systematic review and qualitative meta-synthesis. International Journal of Nursing Studies, 53, 320-330. doi:10.1016/j.ijnurstu.2015.09.013        [ Links ]

 

Contribuição de autores

Conceptualização: Pais, N. J., Costeira, C. R., Moreira, I. M.

Tratamento de dados: Costeira, C. R., Silva, A. M.,

Metodologia: Pais, N. J., Costeira, C. R., Moreira, I. M.

Administração de projeto: Pais, N. J., Moreira, I. M.

Supervisão: Moreira, I. M.

Redação - preparação do rascunho original: Pais, N. J., Costeira, C. R., Moreira, I. M

Redação - revisão e edição: Pais, N. J., Costeira, C. R., Silva, A. M., Moreira, I. M.

 

Autor de correspondência:

* Nelson Jacinto Pais

E-mail: paisnelson@hotmail.com

 

Como citar este artigo: Pais, N. J., Costeira, C. R., Silva, A. M., & Moreira, I. M. (2020). Efetividade de um programa de formação na gestão emocional dos enfermeiros perante a morte do doente. Revista de Enfermagem Referência, 5(3), e20023. doi:10.12707/RV20023

 

Recebido: 17.02.20

Aceite: 25.05.20

Creative Commons License Todo o conteúdo deste periódico, exceto onde está identificado, está licenciado sob uma Licença Creative Commons