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Revista de Enfermagem Referência

versão impressa ISSN 0874-0283versão On-line ISSN 2182-2883

Rev. Enf. Ref. vol.serV no.5 Coimbra mar. 2021  Epub 17-Maio-2021

https://doi.org/10.12707/rv21ed5 

EDITORIAL

Cultura organizacional de segurança na pandemia pela COVID-19

Cintia Silva Fassarella1 
http://orcid.org/0000-0002-2946-7312

1Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Universidade do Grande Rio - Prof° José de Souza Herdy, Brasil.


Um dos objetivos essenciais de uma instituição de saúde é a prestação de cuidados seguros e de qualidade, embora, mesmo durante fortes crises como, por exemplo, desastres naturais ou pandemias, os fluxos assistenciais possam ser fragilizados (Denning et al., 2020). O final de dezembro de 2019 e o ano de 2020 ficaram marcados na história mundial pela pandemia COVID-19, alterando o modo de viver dos indivíduos pelo confinamento domiciliar, na tentativa de minimizar a transmissibilidade e conter a propagação do coronavírus SARS-CoV-2, os seus efeitos e impactos. Por outro lado, temos os profissionais considerados essenciais, especialmente, os da saúde que estão na linha de frente no cumprimento da sua responsabilidade social e profissional no combate à pandemia pela COVID-19 e na prestação de cuidados seguros e de qualidade.

Estes profissionais, mesmo com medos, incertezas, receios e riscos inerentes à contaminação cruzada durante a atividade laboral não recuaram nos seus compromissos e deveres no que respeita ao combate ao coronavírus SARS-CoV-2, cuidando e fazendo o melhor que sabem, independentemente dos riscos, desafios e faltas de recursos materiais e equipamentos de proteção individual (Ribeiro et al., 2020).

Adicionalmente, têm-se os efeitos e impactos sobre os doentes e profissionais de saúde. A pandemia pela COVID-19 também impôs um enorme desafio às organizações de saúde, como a divisão drástica no modo como os cuidados de saúde são prestados; o elevado custo de equipamentos, recursos materiais e de proteção; a ausência de protocolos e criação emergencial de fluxos assistenciais para casos suspeitos e confirmados de coronavírus SARS- CoV-2; o aumento exponencial e inesgotável de carga de trabalho; a realocação e novas contratações de profissionais; o cancelamento de serviços de rotina clínicos e cirúrgicos, além da interrupção de tratamentos e acompanhamento de saúde dentre outros. É verdade que estas condições desafiadoras nas organizações de saúde podem interferir na prestação de cuidados e na manutenção da qualidade, e como tal, na cultura organizacional de segurança. Uma maneira de obter dados sobre o impacto do novo normal sobre a cultura de segurança no ambiente de saúde é por meio de investigações que possam gerar relatórios institucionais focados.

Recentemente, uma investigação inédita realizada durante a pandemia pela COVID-19 no Reino Unido reforçou que a cultura de segurança positiva está associada à melhoria da segurança do doente e, por sua vez, aos resultados do doente. Este estudo, ao comparar os dados de 2017 e 2020, revelou que capacitação e suporte da gestão para readaptação foram associados a pontuações mais elevadas da cultura de segurança, ao contrário, do que foi encontrado para reportar notificações de incidentes, domínio importantíssimo para a cultura organizacional, pois mostra a vulnerabilidade da organização, promove a aprendizagem organizacional e levanta a preocupação do dia-a-dia dos profissionais de saúde.

Ainda houve diferença na avaliação da cultura de segurança de 2017 para 2020 entre os grupos de profissionais, sobretudo, mais positiva em 2020 para o grupo dos médicos do que para dos enfermeiros (Denning et al., 2020). Estes resultados encontrados no estudo podem expressar para a enfermagem, profissão que presta cuidado 24 horas ininterruptas e corresponde ao maior número no que respeita à saúde, uma compreensão maior do risco de segurança e da mudança de paradigma sobre a natureza do trabalho. A enfermagem precisa de pressionar fortemente para a criação de condições de trabalho digno, em que se possam prestar cuidados seguros.

O ano da pandemia pela COVID-19 marcou os profissionais de enfermagem, pela comemoração dos 200 anos de Florence Nightingale, onde estavam programadas inúmeras atividades e a campanha global Nursing Now pela valorização e empoderamento da Enfermagem pelo mundo, na qual foi repentinamente interrompida pela pandemia pela COVID-19. O movimento foi apoiado pelo Conselho Internacional de Enfermeiros (ICN) e Organização Mundial da Saúde (OMS; Ribeiro et al., 2020).

Pouco se sabe até o momento, o verdadeiro impacto da pandemia pela COVID-19 sobre a cultura de segurança. A cultura de segurança de uma organização é entendida como o produto de valores individuais e de grupo, atitudes, capacidades de perceção, e modelos de comportamento que estabelecem o compromisso com a gestão da saúde e segurança de uma organização e o seu estilo e proficiência (Advisory Committee on the Safety of Nuclear Installations, 1993).

Com o crescimento de estudos sobre cultura de segurança, tem-se incorporado na definição alguns atributos através da implementação de sistemas de gestão de segurança robustos, no qual todos os profissionais aceitam a responsabilidade da sua própria segurança, dos seus pares, doentes, e familiares; priorizar da segurança relativamente aos objetivos financeiros e operacionais; estimular e recompensar a identificação, a comunicação e a resolução de questões de segurança; incentivar capacitação e a aprendizagem organizacional; fornecer recursos, estrutura e sistemas de segurança mais eficazes (Direção-Geral da Saúde, 2011).

A segurança na prestação de cuidados é um dos atributos da qualidade em saúde, na qual se minimizam os riscos e danos aos utentes/usuários dos serviços de saúde. O grande desafio da segurança do doente é que ela seja vista através da perspetiva sistémica que abrange os fatores organizacionais para além dos fatores humanos e tecnológicos, o que demanda pensar que a verdadeira mudança se direciona para a cultura organizacional de segurança nos serviços em saúde. Certamente, talvez seja esta a área na qual mais importa investir para promover genuinamente a segurança do doente (Direção-Geral da Saúde, 2011).

Entretanto, as organizações de saúde são consideradas como minissociedades, pelo facto de terem os seus próprios padrões e modelos de crenças compartilhadas, divididas e suportadas por várias normas operacionais e rituais que podem desempenhar uma influência crucial na eficiência da organização para atingir os objetivos propostos (Schein, 2009).

Diante de uma pandemia global observa-se a necessidade de atingir inúmeros avanços e de investir na saúde e nos profissionais de saúde. Diante deste contexto, foram observados diversos desafios e riscos para os profissionais, os quais deverão ser enfrentados como desgastes físicos, psíquicos e emocionais, infeções associadas aos cuidados de saúde, violência, estigma, doenças e até mesmo a morte. Sabe-se que trabalhar em ambiente stressante pode tornar os profissionais de saúde mais sujeitos a falhas e erros que podem causar danos ao doente. Nesta perspetiva, a OMS reconheceu a magnitude do problema e estabeleceu, para o ano de 2020, no Dia Mundial da Segurança do Doente - 17 de setembro, a temática “Trabalhadores de saúde seguros, doentes seguros” (World Health Organization, 2020).

Diante disto, é verdade que não há segurança do doente sem segurança dos profissionais de saúde e que todos precisam de admitir que o compromisso deve ser transformado numa cultura organizacional de segurança participativa ou construtiva, com envolvimento de todos os profissionais, independente do nível hierárquico. O cerne da organização de saúde está na promoção da cultura de segurança e aprendizagem organizacional, pois durante uma crise, como é o caso da pandemia pela COVID-19, fomentar uma cultura de aprendizagem, não enaltecendo falhas individuais, ser orientado para solucionar questões latentes e incidentes que surjam, além de aprender com situações exitosas, possa ser mais relevante. A liderança precisa de ser motivadora a seguir o modelo de resiliência e promoção da adaptabilidade e flexibilidade aos profissionais que estão na linha de frente na prestação dos cuidados em saúde.

Sabemos que a crise gerada pela pandemia pela COVID-19 será profunda e longa, portanto, torna-se necessário enfrentar a situação com máxima transparência, resiliência e aprendizagem, e com visão para o futuro, pois certamente será uma experiência para toda humanidade. Os principais problemas organizacionais que enfrentamos com a pandemia pela COVID-19 relacionam-se com os fatores humanos e cultura de segurança (Albolino et al., 2020). A segurança do doente e dos profissionais de saúde deve ser posta como prioridade nas organizações de saúde, especialmente em tempos de crise, a qual se deve tornar numa grande oportunidade para avaliar e discutir quais são os pontos fortes e frágeis da cultura organizacional. É relevante pensar em estratégias de melhoria frente a uma crise inesperada, na qual não estávamos organizados para enfrentar. A crise mostrou-nos o quanto ainda precisamos de aprender e preparar para momentos como este que estamos a passar durante a pandemia, principalmente no que diz respeito à área da gestão de risco e ao contingenciamento.

Diante do exposto, torna-se urgente priorizar a mudança para um sistema mais seguro, no treinamento constante dos profissionais, na aplicação de boas práticas baseadas na evidência, na incorporação de tecnologias em saúde e na melhoria das condições de trabalho. Estas medidas devem ser fundamentais para o alcance de melhores resultados para os pacientes, profissionais e organizações de saúde. Por fim, vale então deixar uma reflexão dirigida a todas as organizações e profissionais de saúde: qual é a nossa contribuição para a evolução da maturidade da cultura de segurança nos sistemas de saúde? Qual será o modelo de maturidade de cultura de segurança da organização em que atuo? Patológica, reativa, calculista, proativa ou participativa? O que tenho contribuído na organização de saúde para alcançar uma cultura justa, transparente, aberta e que promova a aprendizagem organizacional sem medo de punição ou de represália? Como profissional de saúde tenho atuado durante as minhas atividades laborais com comportamento de segurança?

Referências bibliográficas

Albolino, S., Dagliana, G., Tanzini, M., Toccafondi, G., Beleffi, E., Ranzani, F., & Flore, E. (2020). Human factors and ergonomics at time of crises: the Italian experience coping with COVID19. International Journal for Quality in Health Care. https://doi. org/10.1093/intqhc/mzaa049 [ Links ]

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Denning, M., Goh, E. T., Scott, A., Martin, G., Markar, S., Flott, K., Mason, S., Przybylowicz, J., Almonte, M., Clarke, J., Beatty, J. W., Chidambaram, S., Yalamanchili, S., Tan, B. Y., Kanneganti, A., Sounderajah, V., Wells, M., Purkayastha, S., & Kinross, J. (2020) What Has Been the Impact of Covid-19 on Safety Culture? A Case Study from a Large Metropolitan Healthcare Trust. Int. J. Environ. Res. Public Health, 17, 7034; https://doi.org/10.3390/ijerph17197034 [ Links ]

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Autor de correspondência Cintia Silva Fassarella Email: cintiafassarella@gmail.com

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