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Revista de Enfermagem Referência

versão impressa ISSN 0874-0283versão On-line ISSN 2182-2883

Rev. Enf. Ref. vol.serV no.5 Coimbra mar. 2021  Epub 02-Jun-2021

https://doi.org/10.12707/rv20088 

Artigo de Investigação (Original)

Influência da consulta pré-operatória de enfermagem na satisfação das necessidades informativas do doente

The influence of the preoperative nursing consultation on meeting patients’ information needs

Influencia de la consulta de enfermería preoperatoria en la satisfacción de las necesidades de información del paciente

Leonardo Filipe Tomé Fernandes Breda1 
http://orcid.org/0000-0002-3605-6327

Maria da Nazaré Ribeiro Cerejo2 
http://orcid.org/0000-0001-7144-4571

1 Hospital Misericórdia da Mealhada, Mealhada, Portugal

2 Unidade de Investigação em Ciências da Saúde (UICISA: E), Escola Superior de Enfermagem de Coimbra (ESEnfC), Coimbra, Portugal


Resumo

Enquadramento:

Em perioperatório, a informação permite ao doente desenvolver respostas adequadas às diferentes situações que vivencia.

Objetivos:

Avaliar, no pós-operatório, a satisfação do doente com a informação recebida; analisar a influência da consulta pré-operatória de enfermagem na satisfação das necessidades informativas do doente.

Metodologia:

Estudo descritivo, correlacional, quase-experimental. Os dados foram colhidos no pós-operatório, através de um questionário a dois grupos de doentes, experimental e controlo. O primeiro grupo foi alvo de consulta pré-operatória de enfermagem e o segundo recebeu a informação habitualmente dispensada no hospital.

Resultados:

Os resultados permitiram identificar o nível de satisfação dos doentes com a informação recebida no pré-operatório. Indicam que a consulta pré-operatória de enfermagem privilegia a proximidade e a construção de uma relação terapêutica fundamental na satisfação das necessidades informativas do doente.

Conclusão:

A consulta pré-operatória de enfermagem é uma atividade autónoma que promove a satisfação das necessidades informativas do doente.

Palavras-chave: consulta de enfermagem; satisfação do doente; informação; enfermagem

Abstract

Background:

In the perioperative period, information allows patients to develop appropriate responses to the different situations they experience.

Objectives: To assess, postoperatively, patients’ level of satisfaction with the information received; to analyze the influence of the preoperative nursing consultation on meeting patients’ information needs.

Methodology:

Descriptive-correlational, quasi-experimental study. Data were collected postoperatively using a questionnaire applied to two groups of patients (experimental and control). The first group received a preoperative nursing consultation, and the second group received the information usually provided at the hospital.

Results:

The results allowed to identify the patients’ level of satisfaction with the preoperative information received. They point out that the preoperative nursing consultation focuses on developing a close therapeutic relationship that is essential for meeting patients’ information needs.

Conclusion:

The preoperative nursing consultation is an autonomous activity that contributes to meeting patients’ information needs.

Keywords: office nursing; patient satisfaction; information; nursing

Resumen

Marco contextual:

En el período perioperatorio, la información permite al paciente desarrollar respuestas apropiadas a las diferentes situaciones que experimenta.

Objetivos:

Evaluar, en el período posoperatorio, la satisfacción del paciente con la información recibida; analizar la influencia de la consulta de enfermería preoperatoria en la satisfacción de las necesidades de información del paciente.

Metodología:

Estudio descriptivo, correlacional, cuasi-experimental. Los datos se recopilaron en el período posoperatorio mediante un cuestionario dirigido a dos grupos de pacientes, el experimental y el de control. El primer grupo fue sometido a una consulta de enfermería preoperatoria y el segundo grupo recibió la información que se suele proporcionar en el hospital.

Resultados:

Los resultados permitieron determinar el grado de satisfacción de los pacientes con la información recibida en el período preoperatorio. Indican que la consulta de enfermería preoperatoria favorece la proximidad y la construcción de una relación terapéutica fundamental para satisfacer las necesidades de información del paciente.

Conclusión:

La consulta de enfermería preoperatoria es una actividad autónoma que promueve la satisfacción de las necesidades informativas del paciente.

Palabras clave: enfermería de consulta; satisfacción del paciente; información; enfermería

Introdução

A prática de enfermagem não se limita apenas a procedimentos técnicos. Compreende, também, um conjunto de ações e cuidados amplos que permitem estabelecer uma relação que favoreça um ambiente propício à manifestação das preocupações e medos do doente (Gomes, 2015). A consulta pré-operatória de enfermagem (CPOE) permite construir uma relação que facilite a comunicação centrada no doente. O enfermeiro conhece a história do doente, através de uma entrevista e, posteriormente, adequa intervenções às necessidades identificadas (Pettersson et al., 2018).

Com frequência, os doentes no período de acolhimento, verbalizam informações díspares a respeito da preparação pré-operatória, podendo assim comprometer todo o procedimento anestésico e/ou cirúrgico. Manifestam, também, medo relativo ao pós-operatório imediato e incertezas ligadas ao momento da alta clínica e à recuperação pós-cirúrgica no domicílio. Concomitantemente, o curto período de permanência no internamento limita o contacto dos enfermeiros com os doentes, no que diz respeito à transmissão de informações sobre o pós-operatório. Assim, é frequente os doentes sentirem dúvidas e dificuldades no autocuidado após a alta, acabando por contactar ou recorrer de novo ao hospital.

O estudo foi realizado num hospital privado, em Portugal, onde o doente, no pré-operatório, tem uma consulta com o cirurgião e com o anestesista, sendo que toda a informação referente à preparação pré-operatória é transmitida posteriormente por uma colaboradora do secretariado clínico via telefone. Resulta, assim, que o primeiro contacto com o enfermeiro ocorre somente no dia do acolhimento, isto é, no pré-operatório imediato. Com base na problemática enunciada, realizou-se um estudo descritivo, correlacional, quase-experimental em que se pretende: avaliar, no pós-operatório, a satisfação do doente com a informação recebida; analisar a influência da consulta pré-operatória de enfermagem na satisfação das necessidades informativas do doente.

Enquadramento

A enfermagem, para além de ser uma disciplina do conhecimento, é também uma profissão autorregulada, com o objetivo de satisfazer as necessidades de saúde da pessoa em todas as etapas do seu ciclo vital (Nunes, 2017). Para o desenvolvimento das atividades em enfermagem perioperatória é essencial mobilizar diversos conhecimentos teóricos e práticos através de um processo bem delineado (Association of periOperative Registered Nurses, 2018). Essas atividades têm também que acompanhar teorias e modelos que satisfaçam as necessidades do doente. Meleis (2012) afirma que os enfermeiros na sua prática são confrontados com pessoas que estão a vivenciar processos de transição que envolvem alterações de saúde, nas relações, expetativas e capacidades dos papéis. Assim, esta transição exige que o ser humano obtenha conhecimentos novos e mude os seus comportamentos. Também Orem considera na sua teoria o autocuidado como uma prática de atividades que privilegia a melhoria e o amadurecimento das pessoas que a iniciam e a desenvolvem, tendo por base espaços de tempo específicos (Queirós et al., 2014).

No período perioperatório, a informação permite ao doente desenvolver respostas adequadas às diferentes situações que vivenciam e possibilita uma participação efetiva na tomada de decisão (Gonçalves et al., 2017). De acordo com Bayraktar et al. (2018) é importante conciliar a vertente escrita (folhetos) com a verbal para aumentar a qualidade dos cuidados de enfermagem, promover o autocuidado, melhorar a satisfação do doente e diminuir os riscos de readmissão hospitalar. Melgo (2015) aponta que o doente reage de uma maneira muito própria perante a cirurgia, pelo que é fundamental a prestação de cuidados individualizados. Assim, a consulta de enfermagem é definida como uma ferramenta que permite atender à individualidade do doente para melhorar a sua capacidade de autocuidado (Portaria nº306-A/2011 de 20 de dezembro). Os autores Pettersson et al. (2018) defendem que a CPOE permite focar a comunicação centrada no doente e concluíram que, colocar uma pergunta aberta logo no início da consulta, possibilita aos doentes narrar as suas perspetivas, medos e experiências. Também os autores Lau e Chamberlain (2017) defendem a implementação pré-operatória de uma avaliação multidisciplinar, através de consultas, que permite aos diferentes profissionais de saúde identificar fatores de risco, informar o doente sobre todo o processo cirúrgico e satisfazer as suas necessidades, com o objetivo de minimizar as morbilidades, o tempo de internamento e aumentar a satisfação do doente e qualidade de vida.

A satisfação consiste numa perceção pessoal resultante de boas práticas (Ribeiro, 2003). Desse modo, a Lei de Bases da Saúde (Lei n.o 95/2019 de 4 de setembro) refere que é necessário avaliar a satisfação dos doentes e dos profissionais. Em contexto de cuidados de enfermagem, os autores Marques et al. (2018) defendem que é importante os enfermeiros focalizarem-se nos domínios profissional, confiança e educativo com o objetivo de aumentar a satisfação do doente.

Questão de Investigação/ Hipótese

Qual a influência da consulta pré-operatória de enfermagem na satisfação das necessidades informativas do doente?

A satisfação das necessidades informativas dos doentes é diferente consoante receberam ou não consulta pré-operatória de enfermagem.

Metodologia

Foi desenvolvido um estudo descritivo, correlacional, quase-experimental. Ao grupo experimental (GE) foi realizada a CPOE, seguindo um guião pré-estabelecido e os doentes que o constituíram receberam um folheto informativo sobre a preparação para a cirurgia e o percurso hospitalar. Os doentes do grupo de controlo (GC) seguiram os procedimentos pré-operatórios implementados na instituição onde se realizou o estudo. A avaliação do processo em ambos os grupos foi realizada no pós-operatório, imediatamente antes da alta clínica, pela aplicação de um questionário que permitiu perceber a satisfação dos sujeitos relativamente às informações transmitidas.

Definiu-se uma amostra não probabilística acidental em que os critérios de inclusão foram: idade igual ou superior a 18 anos; capacidade para ler, interpretar e dar respostas por escrito; ter acuidade auditiva, visual e sem alterações mentais; doentes previstos para cirurgia programada. A CPOE foi a variável independente em estudo e a variável dependente a satisfação das necessidades informativas do doente. Além disso, definiram-se também algumas variáveis atributo para caraterizar os sujeitos. Cada CPOE teve a duração de 20 minutos e foi iniciada por uma questão aberta que permite ao doente desenvolver o seu discurso e ao enfermeiro identificar as necessidades informativas. Para a colheita de dados foi utilizado um questionário, composto por duas partes. A primeira avaliava alguns dados sociodemográficos, familiares e clínicos; e a segunda possibilitou a avaliação da satisfação dos doentes relativamente às informações obtidas no pré-operatório, através da escala Satisfação dos doentes com a informação transmitida no pré-operatório no hospital, não validada para a população portuguesa e adaptada de Ribeiro (2003). Esta escala, do tipo Likert, é constituída por 22 questões e está subdividida em duas partes: a primeira, comporta 12 questões, permite determinar a frequência com que a informação foi transmitida no pré-operatório, a segunda avalia a satisfação com a informação transmitida no pré-operatório e é constituída por 10 questões, uma das quais que se subdivide em quatro alíneas. Cada questão da escala tem quatro hipóteses de resposta, pontuadas de 0 a 3. O score da primeira parte varia entre o mínimo de 0 e 36 pontos e da segunda parte entre 0 e 39 pontos. A determinação do α de Cronbach desta escala adaptada permitiu obter um resultado de 0,943.

A colheita de dados decorreu entre agosto e outubro de 2019. As CPOE foram realizadas no dia em que os doentes efetuavam os exames complementares de diagnóstico. O instrumento de colheita de dados foi aplicado a ambos os grupos em estudo no período pós-operatório, imediatamente antes da alta clínica. Escolheu-se este momento de avaliação para que os doentes pudessem refletir se as informações transmitidas no pré-operatório tinham correspondido às realidades vivenciadas ao longo do internamento. Os dados colhidos foram tratados informaticamente com recurso ao IBM SPSS Statistics, versão 25.0. Foram utilizadas técnicas de estatística descritiva e inferencial, aplicando-se o teste de Kolmogorov-Smirnov e verificou-se que a amostra não apresentava distribuição normal, pelo que foi utilizado o teste não paramétrico, U de Mann-Whitney. Foram considerados como estatisticamente significativos os resultados em que o nível de significância foi inferior a 0,05.

Garantiram-se todos os procedimentos éticos. A participação dos doentes foi precedida pela explicação de um conjunto de informações e foi dado a assinar um consentimento informado e esclarecido. Foi realizado o pedido de autorização do uso e adaptação da escala original à autora Ribeiro (2003). Foi igualmente dirigido pedido de autorização ao órgão máximo da instituição hospitalar onde foi efetuado o estudo e pedido de parecer à Comissão de Ética da Escola Superior de Enfermagem de Coimbra. Ambos os pedidos obtiveram parecer positivo.

Resultados

A amostra foi constituída por 90 doentes, 40 do GE e 50 do GC. Dentro das sete especialidades cirúrgicas existentes no contexto onde decorreu o estudo (ortopedia, cirurgia geral, plástica reconstrutiva, urologia, ginecologia, otorrinolaringologia e neurocirurgia) é possível verificar uma predominância de doentes da especialidade de ortopedia (GC = 26,0%; GE = 42,5%). Quanto ao sexo, no GC houve maior número de doentes do sexo feminino (52,0%) e no GE maior número de doentes do sexo masculino (55,0%). A idade dos doentes do GC variou entre os 31 e os 82 anos, sendo a média 58,30, a mediana 57,50 e o desvio-padrão 13,84. No GE situou-se entre os 18 e os 82 anos de idade, com média ٥٩,٩٣, mediana 62,50 e desvio-padrão 17,58. Dentro dos grupos etários definidos, destacou-se o dos adultos (40 aos 64 anos) no GC (52,0%) e o dos idosos (≥ 65 anos) no GE (47,5%). No que concerne aos antecedentes cirúrgicos, a maioria dos doentes já tinha sido submetido a procedimentos cirúrgicos (GC = 80,0%; GE = 77,5%; Tabela 1).

Tabela 1: Principais resultados das variáveis sociodemográficas 

Variável GC; n = 50 GE; n = 40
Especialidade cirúrgica Ortopedia - 26,0% Ortopedia - 42,5%
Sexo Feminino - 52,0% Masculino - 55,0%
Idade Média - 58,30 anos Média - 59,93 anos
Antecedentes cirúrgicos Sim - 80,0% Sim - 77,5%

Nota. GC = Grupo de controlo; GE = Grupo experimental; n = Frequência absoluta.

A análise dos resultados da primeira parte da escala, referente à frequência com que a informação foi transmitida, mostrou que o GC apresentava uma média de 26,82, uma mediana de 28,00, uma moda de 30,00 pontos, com um desvio-padrão de 5,46. O valor mínimo apresentado foi de 10,00 pontos e o máximo de 36,00 pontos. No GE, a média foi 34,25, a mediana 35,00, a moda 36,00 pontos e o desvio-padrão foi 2,17. A pontuação variou entre 27,00 e 36,00 pontos. Na análise dos resultados da segunda parte, dedicada à satisfação com a informação transmitida, foi possível verificar que o GC obteve como média 26,54, mediana 27,50 e moda 33,00, com desvio-padrão 7,75. O valor mínimo apresentado foi de 12,00 pontos e o máximo de 39,00. No GE, a média foi 36,47, a mediana 38,50, a moda 39,00 e o desvio-padrão 3,73. A pontuação variou entre 26,00 e 39,00 pontos (Tabela 2).

Tabela 2: Resultados da aplicação da escala 

1.ª parte da escala 2.ª parte da escala
GC GE GC GE
Média 26,82 34,25 26,54 36,47
Mediana 28,00 35,00 27,50 38,50
Moda 30,00 36,00 33,00 39,00
Desvio-padrão 5,46 2,17 7,75 3,73
Mínimo 10,00 27,00 12,00 26,00
Máximo 36,00 36,00 39,00 39,00

Nota. GC = Grupo de controlo; GE = Grupo experimental.

Pela análise da primeira parte da escala, verificou-se que o GE apresenta uma maior percentagem de respostas sempre, apresentando valores maioritariamente entre os 57,5% e os 100%, enquanto que o GC obteve uma percentagem entre os 6,0% e os 76,0%. Destacam-se as questões sobre a preocupação em manter um ambiente calmo, simpatia e paciência no atendimento, foram as que obtiveram maiores percentagens de respostas sempre (60,0% - 76,0%) no GC. As questões referentes a: informações para lidar com as necessidades; ensinos de acordo com as necessidades; explicação compreensível; importância dada aos problemas do doente destacam-se no GE com respostas sempre acima de 85,0%, enquanto que no GC predominou às vezes (30,0% - 40,0%). A preocupação em envolver a família obteve no GC 30,0% de respostas nunca e no GE 57,5% de respostas sempre.

No que diz respeito à segunda parte da escala, é importante destacar diferenças consideráveis nos níveis de satisfação dos doentes quanto à informação que receberam. Globalmente, 81,5% dos doentes do GE manifestaram-se satisfeitos com a informação transmitida no pré-operatório, enquanto que no GC foram apenas 44,2%. Quanto ao nível de insatisfação, no GE foi de 0,6%, enquanto que o GC se situou nos 19,7% (Figura 1).

Figura 1: Satisfação global com a informação transmitida no pré-operatório 

As questões sobre o pré-operatório (preparação para a cirurgia e o percurso hospitalar) apresentaram valores de satisfação entre os 90,0% e os 92,5% no GE e no GC entre os 60,0% e 70,0%. Quanto à informação fornecida no folheto informativo, o GE apresentou 75,0% de respostas satisfeito enquanto que o GC obteve 74,0% de respostas não se aplica/sem opinião. Sobre os cuidados pós-operatórios imediatos e a ter no domicílio, destacamos que não houve insatisfeitos no GE, apresentando valores acima de 77,5% de satisfação. No GC, verificámos respostas de insatisfação entre os 18,0% e os 32,0% e entre 34,0% e os 50,0% de satisfeito. Quando questionados sobre a quantidade e adequação da informação, a forma como era transmitida, os conhecimentos dos profissionais e o tempo disponibilizado para escutar dúvidas e medos, no GE verificámos entre os 70,0% e os 95,0% de respostas satisfeito e 2,5% de insatisfeito. No GC, estas questões obtiveram maioritariamente valores de respostas nem satisfeito/nem insatisfeito entre os 38,0% e os 42,0% e de respostas insatisfeito entre os 12,0% e os 26,0%.

O teste de Kolmogorov-Smirnov revelou que a amostra não apresenta distribuição normal (p < 0,001). O principal interesse deste estudo consistiu em analisar a relação entre o nível de satisfação das necessidades informativas dos doentes e a CPOE. Para isso, foi aplicado o teste de U de Mann-Whitney, tendo-se verificado uma diferença estatisticamente significativa entre a satisfação das necessidades informativas dos doentes que receberam CPOE (postos médios = 64,51) e os que não receberam (postos médios = 30,29), com um nível de significância inferior a 0,001 (U = 239,5; Z = - 6,232). Face a este resultado, aceita-se a hipótese formulada. A satisfação das necessidades informativas dos doentes é claramente superior no grupo que recebeu a CPOE.

Discussão

Em ambos os grupos, a amostra da população inquirida foi constituída maioritariamente por doentes da especialidade de ortopedia. Relativamente aos antecedentes cirúrgicos, a amostra, nos dois grupos em estudo, foi constituída essencialmente por doentes já submetidos pelo menos a uma intervenção cirúrgica anteriormente. Este resultado está em concordância com os números apontados pelo Serviço Nacional de Saúde (SNS), onde é referido que a quantidade de doentes operados em 2018 é a mais elevada de sempre (SNS, 2019). Corroborando o referido, sendo o GE constituído por maior percentagem de idosos (47,5%), pode justificar o motivo para nesse grupo haver mais doentes do foro ortopédico.

Reportando os resultados obtidos através da primeira parte da escala aplicada, é possível verificar que os doentes do grupo alvo da CPOE receberam mais informação para poder vivenciar o processo cirúrgico. De um modo geral, os resultados revelam que há uma preocupação na atual dinâmica da instituição em estabelecer uma relação de simpatia e cortesia com o doente ao longo do pré-operatório, todavia, não garante uma aproximação suficiente que lhe possibilite demonstrar as suas necessidades e os seus problemas e, por conseguinte, o ajude a vivenciar esta fase de mudança pessoal, familiar e social. A questão relativa ao envolvimento da família também se destacou no GE face ao GC. Corroborando estes factos, o estudo de Gonçalves et al. (2017) revela que os enfermeiros devem adotar uma posição privilegiada em relação à informação ao doente e família, por ser a classe profissional mais presente.

Quanto aos resultados apurados na análise descritiva da segunda parte da escala, bem como no teste estatístico aplicado à hipótese que relaciona o nível de satisfação das necessidades informativas dos doentes e a CPOE, é possível afirmar de forma clara que este tipo de consulta contribuiu para aumentar o nível de satisfação dos doentes relativamente às informações transmitidas. Outros autores defendem que a CPOE é uma ferramenta privilegiada na criação do relacionamento de confiança enfermeiro-doente e permite satisfazer as necessidades emocionais e informativas características destes momentos de ansiedade (Gonçalves et al., 2017; Pettersson et al. 2018). Com o suporte dos resultados dos autores anteriormente mencionados, é razoável referir que este estudo permite corroborar a evidência científica existente. No entanto, devem interpretar-se os resultados com prudência, sem extrapolar para outras realidades, ou contextos, visto que a amostra do estudo era de dimensão reduzida e referente apenas a uma instituição de saúde.

A CPOE foi iniciada com uma entrevista informal, possibilitando ao enfermeiro/investigador avaliar as necessidades e de seguida, planear as intervenções de acordo com a individualidade do doente. Esta prática é defendida no estudo de Pettersson et al. (2018), porque permite incluir os discursos dos doentes no contexto clínico, esclarecer dúvidas e clarificar conhecimentos acerca do processo cirúrgico. Os doentes do GE apresentaram valores mais elevados de satisfação relativamente à quantidade de informação transmitida e à adequação dessa informação às suas necessidades, quando comparados com os do GC. Estes resultados demonstram que a CPOE permitiu ao enfermeiro intervir de acordo com a individualidade do doente, estando em consonância com os resultados apurados por Melgo (2015) que defende a importância de adotar uma prestação que permita identificar as necessidades do doente e planear cuidados individualizados, minimizando o desconforto gerado por todo o processo cirúrgico.

A inconsistência de informações sobre o pré-operatório incorre no risco de comprometer o procedimento anestésico e/ou cirúrgico. Para superar esta dificuldade, foi entregue um folheto informativo aos doentes do GE. Esta intervenção revelou elevada percentagem de satisfação com a informação escrita fornecida. A par disso, os resultados obtidos através das questões sobre as informações transmitidas acerca da preparação para a cirurgia e o percurso a efetuar no hospital foram mais elevados quando comparados com os do GC. A CPOE assume aqui uma posição importante na melhoria dos cuidados e no controlo de vazios existentes na preparação do doente para o procedimento anestésico-cirúrgico. Assim, neste âmbito, os resultados obtidos são corroborados pela literatura, nomeadamente o estudo de Bayraktar et al. (2018), ao demonstrar que conciliar a transmissão verbal e ferramentas não-verbais é eficaz na educação pré-operatória, na gestão das emoções e no aumento da satisfação do doente. Além disso, no folheto constavam informações importantes sobre a prevenção da infeção do local cirúrgico (ILC), de acordo com a Norma 020/2015 da Direção-Geral da Saúde (2015). Sendo o doente um dos pilares para o sucesso cirúrgico, a CPOE revela-se, assim, importante como uma estratégia fundamental para promover a educação pré-operatória, informando-o sobre as medidas que pode adotar no sentido de contribuir para a prevenção da ILC e consequentemente alcançar uma mais rápida e melhor recuperação. Esta prática privilegia os cuidados de enfermagem autónomos e dá visibilidade à qualidade dos mesmos perante os doentes.

Ao longo das consultas verificou-se a existência de medos e dúvidas associados ao pós-operatório imediato e após alta clínica. As respostas às questões relacionadas com esse tema mostraram níveis mais elevados de satisfação no GE, face ao GC, demonstrando assim que os doentes que receberam a CPOE sentiram-se mais confiantes relativamente aos cuidados que devem adotar no internamento e no domicílio, de forma a minimizar desconfortos e potenciar a recuperação. Corroborando estes resultados, Pettersson et al. (2018) concluíram que a CPOE é importante no envolvimento do doente no seu processo de cuidados através da educação pré-operatória e, concomitantemente, na compreensão de toda a informação transmitida, essencial na minimização do risco de complicações pós-operatórias. Também o estudo de Mendes et al. (2018) defende que a prestação de cuidados de enfermagem ao longo do processo cirúrgico, começando na CPOE, influencia a qualidade dos resultados do doente após a recuperação cirúrgica.

Tendo em conta os resultados deste estudo e as evidências científicas, constata-se a importância da enfermagem na compreensão da experiência de transição que o doente cirúrgico vivencia. Esta compreensão exige avaliar as necessidades e a individualidade do doente e do seu meio envolvente, partindo da perspetiva do próprio, para posteriormente planear e implementar intervenções autónomas de enfermagem. Neste âmbito, surge a CPOE como uma aliada do processo de cuidados, ao privilegiar a proximidade e a construção de uma relação terapêutica fundamental na satisfação das necessidades informativas do doente.

No que toca às limitações existentes ao longo da realização do estudo, é possível identificar o tempo estabelecido para a conclusão do trabalho que determinou o período de colheita de dados e, por conseguinte, o tamanho da amostra.

Conclusão

Os doentes apresentam muitas incertezas e dúvidas sobre o processo cirúrgico. Atualmente, o tempo de internamento para intervenção cirúrgica é cada vez mais limitado, pelo que a relação terapêutica enfermeiro-doente fica comprometida. Para colmatar esses défices, a CPOE é encarada como uma atividade autónoma fulcral para a preparação pré-operatória e a recuperação cirúrgica.

De acordo com os resultados obtidos, é possível concluir que os doentes que tiveram a CPOE percecionaram receber mais informação para poder vivenciar o processo cirúrgico e, por conseguinte, sentiram-se mais satisfeitos para vivenciar esta transição. A consulta permitiu ao enfermeiro apostar na educação pré-operatória como ferramenta para avaliar, planear e intervir de acordo com a individualidade e as necessidades informativas do doente, reduzindo o impacto emocional gerado pelas alterações consequentes da cirurgia. Este momento privilegia a transmissão de informações verbais e escritas importantes na prevenção de lacunas aquando da preparação para a cirurgia, bem como na promoção do autocuidado após a mesma. A consulta pré-operatória é eficaz na construção da relação enfermeiro-doente, pois permite ao enfermeiro escutar atentamente os problemas e as dúvidas do doente para posteriormente planear intervenções autónomas.

Para além destes ganhos para o doente, este estudo também permitiu momentos de reflexão entre os enfermeiros de perioperatório para mudarem práticas e comportamentos que privilegiassem uma avaliação inicial detalhada e uma preparação para alta clínica eficaz. A nível dos benefícios para a instituição hospitalar, a CPOE tem potencial para influenciar a redução de custos, pela diminuição de disparidades na preparação pré-operatória que podem comprometer a realização da cirurgia. Além disso, influencia a qualidade dos cuidados, garante um aumento da satisfação por parte dos doentes e, por conseguinte, conduz à fidelização aos serviços prestados.

Neste sentido, sugere-se a realização de um estudo, que permita avaliar a influência de uma consulta pós-operatória de enfermagem e o envolvimento da família/pessoa significativa na recuperação pós-operatória e na promoção do autocuidado. Seria de igual forma importante o incremento de programas de formação interna dirigidos a todos os enfermeiros do perioperatório com o objetivo de adquirirem mais competências na gestão da informação colhida ao doente, inclusive na continuidade de cuidados ao longo das diferentes fases cirúrgicas. Por último, sugere-se a validação da escala Satisfação dos doentes com a informação transmitida no pré-operatório no hospital.

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Recebido: 11 de Junho de 2020; Aceito: 26 de Outubro de 2020

Conceptualização: Breda, L. F.

Análise formal: Breda, L. F., Cerejo, M. N.

Investigação: Breda, L. F.

Metodologia: Breda, L. F.

Recursos: Breda, L. F.

Supervisão: Cerejo, M. N.

Redação - rascunho original: Breda, L. F., Cerejo, M. N.

Redação - análise e edição: Breda, L. F., Cerejo, M. N.

Autor de correspondência Leonardo Filipe Tomé Fernandes Breda E-mail: leobreda12@gmail.com

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