Introdução
Nos últimos anos, a população adulta da Europa sofreu um aumento progressivo da prevalência de dor crónica (acima de 30%), para cujo controlo ainda não existe perspetiva temporal (Antunes, 2019).
Em Portugal, e sobretudo na população com doenças reumáticas e músculo-esqueléticas (DRM) a dor crónica apresenta uma elevada prevalência. Associado a estas doenças, para além da dor, multiplicam-se também quadros de ansiedade, depressão e sofrimento (Antunes, 2019; Direção-Geral da Saúde, 2018; Harth & Nielson, 2019). A identificação precoce deste sofrimento e o estabelecimento de uma relação terapêutica significativa, assumem particular relevo na abordagem à pessoa cujo sofrimento é ampliado com a crescente consciência da sua fragilidade e finitude (Branco et al., 2016; Harth & Nielson, 2019; Kraus, 2014). Este sofrimento, também designado de existencial ou inevitável, reforça o caráter absolutamente subjetivo da experiência de dor, com domínio sobre a dimensão psicofísica, social e espiritual (noética; Kraus, 2014).
Reconhecendo este sofrimento refratário à terapêutica farmacológica, mas sensível ao cuidado humanizado, e alinhada à proposta logoterapêutica, a filosofia do cuidado para o sentido apresenta a Competência para o Cuidado Incondicional Proativo (CoCIP).
Especialmente em contextos trágicos, como é a vivência de sofrimento, é essencial dar resposta à questão do propósito (significado ontológico) da experiência, para adequar a intervenção no sentido da integração do sofrimento num quotidiano significativo. Esta abordagem valoriza os sistemas de crenças e valores, fortemente associados à consciência de si e à motivação (Kraus, 2014). Nesta perspetiva, o objetivo do presente estudo consiste em validar o Meaning in Suffering Test (MIST) para a população portuguesa e determinar as suas características psicométricas.
Enquadramento
O grave impacto socioeconómico associado à elevada prevalência das DRM na população portuguesa relaciona-se com a dor, o sofrimento, a deformação, a incapacidade funcional, a dependência de terceiros, a perda de qualidade de vida e mortalidade precoce.
A principal fonte de deterioração da qualidade de vida dos doentes com DRM é a dor crónica (90%), seguindo-se a ansiedade (63%) e a depressão (47,5%; Branco et al., 2015). Outro estudo conclui que 69% dos utilizadores dos cuidados de saúde primários com dor crónica classificam a ansiedade e depressão decorrente desta, como causa predominante de diminuição da sua qualidade de vida (Antunes, 2019). Como consequência, tem-se verificado um crescente consumo de ansiolíticos e antidepressivos (Direção-Geral da Saúde, 2018).
Embora nos últimos anos o impacto negativo das DRM possa ter sido mitigado e controlado pelo progresso no diagnóstico e na instituição precoce de terapêutica, a eficácia desta terapêutica continua a ser um desafio para a saúde pública (Branco et al., 2015). Assim, para cuidar da pessoa em sofrimento inevitável, isto é, refratário à terapêutica farmacológica associado à DRM, o profissional de saúde carece de competências especiais e recursos especializados (Geenen et al., 2018).
Para responder a este desafio, no paradigma da humanização dos cuidados, propôs-se a CoCIP, tais como recursos especializados, entre os quais consta a versão portuguesa do Meaning in Suffering Test (MIST-P) de Starck (1985; Kraus et al., 2014).
As experiências de intenso sofrimento e dor envolvem um elevado risco de cair no sem sentido e na apatia. O sofrimento ocupa toda a alma e toda a consciência do ser homem, levando-o muitas vezes a adotar a estratégia de fuga, por não encontrar, no seu interior, o espaço para se perguntar pelo sentido da sua vida e o propósito da experiência que está a viver.
Atribuir um sentido à vida, especialmente no sofrimento, amplia os autolimites e promove a autotranscendência, a qual é altamente terapêutica (Frankl,1999; Kraus, 2014; Starck, 2008). Não é o sofrimento em si que destrói o ser humano, mas o sofrimento sem sentido. A descoberta de sentido durante o sofrimento é então a via mais profunda de consecução de sentido na vida, uma vez que se realiza pelo valor da atitude de gratidão, de compromisso e persistência, que transforma o tempo de espera em esperança. Ainda que quadros clínicos como a depressão e o sofrimento tenham causas distintas, ambos podem originar desespero ou vazio existencial, que é um estado emocional que Frankl (1999) esquematiza na equação D=S1-S2, em que D significa desespero, S1 sofrimento e S2 sentido de vida.
O sentido no sofrimento é assim uma variável de natureza existencial, espiritual ou noética que, quando procede de valores firmes (divinos), confere a capacidade de transformar o tempo de espera em esperança e produzir a paciência. O efeito terapêutico, ou seja, o ganho em saúde da promoção do sentido no sofrimento, será a resiliência na adversidade ou crise (Kraus, 2014).
Ainda que o sofrimento em si não tenha sentido, conseguir identificar o para quê de uma situação de limite pode trazer à consciência significados de vida nunca antes valorizados, e indicar estratégias para viver melhor o presente e olhar com esperança o futuro (Kraus et al., 2014; Starck, 2008).
Baseando-se na sua própria experiência de sobrevivente a campos de concentração nazis, no livro O homem em busca de sentido, Viktor Frankl, o pai da logoterapia, apresenta estratégias que levam em conta a autotranscendência em contextos de sofrimento ou de crise (Frankl, 1999).
Foram os estudos de Frankl e seus colaboradores, que elevaram conceitos no âmbito da dimensão noética como o sentido de vida, sentido no sofrimento, autotranscendência, entre outros, à condição de variáveis empíricas e desenvolveram a ciência em matéria de cuidados mais humanizados e culturalmente sensíveis.
Estudos sobre o constructo sentido de vida em pessoas com DRM têm demonstrado correlação positiva com a autoeficácia para o controlo da dor, com a descoberta de sentido durante o sofrimento e com a autotranscendência; e correlação negativa com os índices de sofrimento, ansiedade, depressão e de atividade da doença (Kraus, 2014). Destes estudos emergiu uma filosofia do cuidado para o sentido que estabelece a CoCIP, como medida terapêutica não farmacológica, de acompanhamento na descoberta de sentido durante o sofrimento inevitável, bem como facilitação na integração.
Este cuidado é incondicional, porque a motivação do profissional de saúde assenta na atitude dialógica e não nas circunstâncias. Como refere a fenomenologia de Husserl, é a Imago Dei, selada no genótipo espiritual do ser humano, que lhe confere dignidade, incondicional. É proativo, porque a atitude dialógica capacita para a antecipação de cuidados psicoespirituais, por vezes inconscientes, mas altamente condicionantes (Kraus et al., 2014).
Na implementação da CoCIP, o Meaning in Suffering Test (MIST) constitui-se como um recurso especializado na abordagem da espiritualidade e orientação para a descoberta do sentido no sofrimento associado à dor da pessoa com DRM (Kraus et al., 2014).
Metodologia
Para dar resposta a esta questão definiram-se como objetivos validar o MIST para a população portuguesa e determinar as suas caraterísticas psicométricas.
Os dados foram recolhidos entre janeiro de 2010 e novembro de 2011 por amostragem acidental, na sua maioria, a partir de utentes da consulta externa de reumatologia e do hospital de dia de reumatologia de um Hospital do Centro Hospitalar de Lisboa Norte. A amostra ficou constituída por 187 participantes, com idades entre os 19 e os 76 anos (49,9 ±12,1), com predomínio de representatividade do sexo feminino (116; 62,0%). Esta amostra foi posteriormente subdividida em quatro grupos, em função da DRM: grupo com artrite reumatoide (gAR), grupo com espondilite anquilosante (gEA), grupo com fibromialgia (gFM) e grupo com artrite psoriática (gAP).
Para a recolha de dados recorreu-se a um questionário sociodemográfico, clínico e ao MIST, de Starck (1985). O MIST é um dos instrumentos facilitadores do desenvolvimento da CoCIP, integrado no Diretório dos Testes de Logoterapia, tem como fundamento a Teoria do Sentido de médio alcance e mede a extensão ou frequência do sentido encontrado no sofrimento inevitável (Starck, 2008). O MIST é constituído por uma parte (A) quantitativa constituída pela escala unidimensional composta por 20 questões de resposta em escala Likert com sete pontos, variando entre nunca (1) e constantemente (7); e uma parte (B) qualitativa, composta por 17 questões de resposta aberta. A Parte B está mais indicada para orientar as intervenções e não para avaliar a frequência ou extensão do sentido no sofrimento, pelo que foi utilizada no presente estudo.
Tradução e adaptação do MIST para português europeu
Para proceder à tradução e adaptação transcultural do MIST para português europeu, foi solicitada a autorização da autora e respeitadas as recomendações internacionais, resultando a Escala de Sentido no Sofrimento (MIST - P), conforme descrito na Figura 1.
Para avaliar a validade de conteúdo utilizaram-se procedimentos quantitativos e qualitativos. Para tal recorreu-se a especialistas com experiência clínica, investigadores da área da dor e da construção de instrumentos de medida. Os mesmos fizeram a análise qualitativa do instrumento tendo sido igualmente calculada a percentagem de concordância (99%).
O projeto mereceu parecer favorável da Comissão de Ética Para a Saúde do Centro Hospitalar Lisboa Norte (CHLN) (Refª 12/2009) e autorização do Conselho de Administração (Refª DIRCLN-04.JAN.2010-0001) para a realização do estudo. Foram cumpridas todas as guidelines constantes da declaração de Helsínquia e todos os participantes assinaram o consentimento informado livre e esclarecido.
Os dados reunidos foram processados no programa de análise estatística IBM SPSS Statistics, versão 17. A análise descritiva foi efetuada com recurso a frequências absolutas e relativas, medidas de tendência central (médias aritméticas e medianas) e medidas de dispersão e variabilidade (desvio-padrão e o coeficiente de variação). Para avaliar as propriedades psicométricas foram calculadas as medidas descritivas de resumo, as correlações de Pearson para cada item com o total (excluindo-se o próprio item) e o alfa de Cronbach utilizado como medida de fidelidade interna.
Para avaliar a validade foi realizada a análise fatorial exploratória através do método de componentes principais, com recurso à rotação ortogonal de tipo varimax. Para a retenção dos fatores teve-se em consideração valores próprios (eigenvalue) acima de 1 e o gráfico de declive scree plot. Como critério de saturação dos itens, considerou-se valores iguais ou superiores a 0,20 (Marôco, 2014).
Resultados
Apesar de 49,7% da amostra indicar outras comorbilidades como a ansiedade (118; 63%) e a depressão (89; 47,5%), 90% referiu ser a dor reumática a que mais afeta a sua qualidade de vida e 99% toma medicação para controlar essa dor.
Características psicométricas do MIST-P
O estudo psicométrico iniciou-se com a determinação das estatísticas de cada um dos itens, procedendo-se posteriormente à análise de consistência interna. Pela análise dos dados da Tabela 1 verifica-se que as correlações obtidas entre cada item com a sua nota global, quando o próprio item é excluído, são positivas, fracas a moderadas (0,377 e 0,639). Todos os valores da correlação se encontram bastante acima de 0,20 respeitando os critérios definidos (Dancey & Reidy, citado por Filho & Júnior, 2009).
Foram eliminados oito itens (4; 5; 7; 10; 12; 15; 18 e 20) porque apresentavam valores de correlação de Pearson corrigido abaixo do valor considerado aceitável (r < 0,20) e porque a sua eliminação melhorava o valor alfa de Cronbach do total da escala. A consistência interna pode ser considerada boa, pois todos os itens exibem um alfa de Cronbach acima de 0,800, variando entre 0,809 e 0,830, sendo o seu valor para o total da escala de 0,833.
Nota. MIST-P = Versão portuguesa do Meaning in Suffering Test; DP = desvio-padrão. Alfa de Cronbach do Total = 0,833.
Relativamente à estabilidade temporal verificou-se que a mesma é estável pois os valores da correlação de Pearson entre os dados da 1ª e 2ª aplicação (3 semanas de intervalo) são positivos e bons (0,777 a 0,844; Pestana & Gageiro, 2014). Procedeu-se ao estudo da validade de constructo pelo cálculo de uma análise fatorial exploratória (AFE) segundo a análise por componentes principais (Hair et al., 1998). Para analisar os itens da AFE recorreu-se à R-mode fator analysis, sendo a escolha do número de fatores efetuada pela técnica do critério do autovalor ou critério de Kaiser e pela técnica que explica a percentagem da variância considerada adequada pelo pesquisador, indicando o agrupamento dos itens em dois e não três fatores, conforme o estudo original.
Por fim, para aumentar o poder explicativo do significado dos fatores, procuraram-se as soluções pelo meio de rotação de fatores pelo método Varimax (Corrar et al., 2011). Os resultados da AFE comprovam, após sucessivas análises e de acordo com critérios estatísticos e de interpretabilidade segundo a regra de Kaiser (raízes latentes iguais ou superiores a 1; Corrar et al., 2011), uma estrutura fatorial de dois componentes principais (Tabela 2) a que designamos por F1: Sentido e respostas face ao sofrimento e F2: Características subjetivas face ao sofrimento.
Itens | h2 | F1 | F2 | |
1. Acredito ter a ajuda espiritual (não necessariamente religiosa) para ultrapassar o fardo do meu sofrimento. | 0,308 | 0,434 | ||
2. Acredito que o sofrimento leva a pessoa a encontrar novos objetivos, mais compensadores. | 0,554 | 0,741 | ||
3. Acredito que entendo melhor a vida devido ao sofrimento que experimentei. | 0,530 | 0,712 | ||
4. Acredito que toda a gente tem um objetivo na vida, uma razão para estar na terra. | 0,313 | 0,524 | ||
5. Acredito que há sempre esperança no sofrimento. | 0,476 | 0,675 | ||
6. Acredito que o sofrimento pode ensinar lições valiosas sobre a vida. | 0,445 | 0,661 | ||
7. Acredito que a minha experiência de sofrimento me tenha dado a possibilidade de completar a minha missão na vida. | 0,561 | 0,455 | 0,595 | |
8. Acredito que algumas coisas boas ocorreram como resultado do meu sofrimento. | 0,381 | 0,512 | 0,345 | |
9. Acredito que o meu sofrimento faça parte de um grande desígnio embora nem sempre eu o entenda. | 0,583 | 0,734 | ||
10. Acredito que a ninguém é dado mais sofrimento do que aquele que pode suportar. | 0,607 | 0,775 | ||
11. Acredito que o meu sofrimento deu àqueles que eu amo uma oportunidade de se realizarem. | 0,562 | 0,709 | ||
12. Acredito que o sofrimento faz parte da condição humana e acontece a todos mais tarde ou mais cedo. | 0,389 | 0,621 | ||
Nota. MIST-P = Versão portuguesa do Meaning in Suffering Test; F1 = Fator 1 (Sentido e respostas face ao sofrimento); F2 = Fator 2 (Características subjetivas face ao sofrimento); h2 = comunalidades.
Apesar da eliminação dos itens e a redefinição/renomeação dos fatores, que se pode dever a vários fatores incluindo a especificidade da amostra, todo este processo foi validado pela autora da escala.
Os valores Kaiser-Meyer-Olkin (KMO = 0,822) e o do teste de esfericidade de Bartlett (X2 = 635,965; p = 0,000) permitem não apenas afirmar que a análise fatorial exploratória é admissível, mas considerar que se trata de uma boa relação entre fatores e variáveis (Corrar et al., 2011; Pestana & Gageiro, 2014).
Os valores das comunalidades (proporção da variância de cada variável inicial explicada pelos fatores extraídos) variam entre 0,308 e 0,607. A percentagem de variância explicada por fator foi para o F1 de 24,943 e o F2 de 22,631 e a percentagem total de variância explicada é de 47,574.
O scree test à versão MIST-P (Figura 2) permite confirmar a adequação da matriz fatorial aos dados analisados, indicando a inclinação da reta, dois componentes, sendo este o valor a que corresponde um maior afastamento entre os valores próprios (Pestana & Gageiro, 2014).
Foi igualmente determinada a validade discriminante dos itens tendo-se verificado que os itens da escala se correlacionam mais com o fator a que pertence do que com o fator a que não pertence.
Os valores das correlações (Tabela 3) entre os fatores e entre os fatores e o total da MIST-P são moderados a altos e muito significativos, o que permite afirmar que tendem a medir o mesmo constructo, permitindo interpretações unidimensionais.
F1 | F2 | TOTAL | |
F1 | 1 | 0,529** | 0,925 |
F2 | 0,529** | 1 | 0,812** |
TOTAL | 0,925** | 0,812** | 1 |
Nota. MIST-P = Versão portuguesa do Meaning in Suffering Test; F1 = Fator 1 (Sentido e respostas face ao sofrimento); F2 = Fator 2 (Características subjetivas face ao sofrimento). **Correlation is significant at the 0,01 level (2-tailed).
Foi igualmente determinado o alfa de Cronbach de cada um dos fatores da MIST-P, sendo de 0,792 para F1 e 0,731 para F2.
Os dados apresentados na Tabela 4 permitem afirmar que é o subgrupo de participantes com artrite reumatoide (gAR) que apresenta, em média, maior valor não só nos fatores, como no total.
Nota. F1 = Fator 1 (Sentido e respostas face ao sofrimento); F2 = Fator 2 (Características subjetivas face ao sofrimento); DP = Desvio-Padrão; Subgrupos da amostra = gAR com artrite reumatoide; gEA com espondilite anquilosante; gFM com fibromialgia e gAP com artrite psoriática.
Para melhor entendimento, convém salientar que o total da MIST-P mede a extensão ou frequência com que a pessoa encontra sentido no sofrimento inevitável, podendo apresentar um valor entre 12 e 84. A F1 mede a frequência com que a pessoa encontra sentido (significado ontológico) no sofrimento inevitável e consegue dar respostas pessoais valorativas a esse sofrimento, podendo apresentar um valor que oscila entre 8 e 56. A F2 mede a frequência com que a pessoa vivencia esperança e resiliência no sofrimento inevitável, confirmando os seus valores, tendo uma variação entre 4 e 28.
Discussão
Independentemente da intensidade da dor crónica, as diferenças paradoxais encontradas na forma como as pessoas experienciam e lidam com o sofrimento inevitável a ela associado, podem em parte ser explicadas pelos distintos sistemas de crenças e valores. Para este sofrimento, por vezes incompreendido e inconsciente, nem sempre existem recursos terapêuticos eficazes.
O peso do sofrimento associado à dor que acompanha as DRM continua a ser uma das causas mais temidas da ansiedade, depressão e desespero, que afetam severamente a qualidade de vida dos doentes. Deste modo, a abordagem terapêutica do sofrimento, constitui-se hoje, um desafio para a saúde pública (Branco et al., 2016; Harth & Nielson, 2019; Kraus et al., 2014).
Dando resposta a este repto e de forma a explorar, do ponto de vista empírico, as questões do alívio, controlo e integração do sofrimento inevitável associado à dor da pessoa com DRM, elegeu-se o MIST de Starck (1985) como um dos recursos especializados da CoCIP.
Embora as DRM afetem pessoas de ambos os sexos, de todos os grupos etários e apresentem tendência para aumentar com a idade (Antunes, 2019), os resultados do presente estudo corroboram os dados de Branco et al. (2015): são sobretudo as mulheres (116; 62,0%) e a população adulta (X = 49,9 anos; DP = 12,1 anos), quem mais sofre com estas patologias. Esta diferença pode ser justificada pela esperança média de vida, mais elevada nas mulheres, que aliada a fatores biológicos específicos, contribui para o aumento de comorbidades, como as doenças músculo-esqueléticas e as perturbações da saúde mental (Pache et al., 2015).
Analisando o grupo de doentes com DRM sujeitos a medicação biológica e inscritos na plataforma Reuma em 2012, verifica-se que o gAR era o grupo mais numeroso (898; 58,65%), seguindo-se o gEA (404; 26,38%) e por fim o gAP (123; 8,03%; Canhão et al., 2012). Estes dados nacionais aproximam-se da composição da amostra do presente estudo, em que o maior grupo é o gAR (63; 43,75%), seguindo-se o gEA (50; 34,72%) e por último o gAP (31; 21,52%).
A análise fatorial exploratória do MIST aplicada à população portuguesa com dor crónica reumática permitiu considerar legítima a solução de dois fatores retidos e 12 itens, dando origem à Escala de Sentido no Sofrimento (MIST-P). Os fatores Sentido e Respostas Face ao Sofrimento (Fator 1) e Caraterísticas Subjetivas Face ao Sofrimento (Fator 2), descrevem as medidas do constructo Sentido no Sofrimento, constituindo-se como seus indicadores de validade.
Comparando os três fatores do MIST com os dois fatores da versão portuguesa da escala (MIST-P), reconhece-se que o Fator 1 do MIST-P - Sentido e respostas face ao sofrimento - é a síntese dos Fatores 2 e 3 da escala original e que o Fator 2 - Características subjetivas face ao sofrimento - se refere ao Fator 1 da escala original (MIST). Por sua vez, o item 17 “Acredito que o meu sofrimento deu àqueles que amo uma oportunidade de se realizarem”, integra o Fator 2 na versão portuguesa (MIST-P) e na escala original (MIST) corresponde ao Fator 3.
Verificou-se que o valor de alfa de Cronbach encontrado para o total da escala (0,833) é superior ao alfa de Cronbach do estudo de Kuuppelomäki e Lauri (1998) e ao da escala original (0,810).
Estas diferenças entre a versão portuguesa (MIST-P) e a escala original (MIST) devem-se ao facto de a amostra do estudo ter características diferentes da amostra do estudo da escala original, nomeadamente no que diz respeito à variável dor. Num estudo futuro, a escala deverá ser aplicada com a totalidade dos itens para confirmar a sua estrutura.
A favor da validade de constructo da versão portuguesa da escala (MIST-P) salienta-se o facto da nova estrutura fatorial concordar com os fundamentos que sustentam a atribuição de sentido ou significado ontológico ao sofrimento inevitável, apesar de um item ter sido integrado noutro fator.
A análise fatorial exploratória demonstra a validade da estrutura do MIST-P em duas dimensões: Sentido e respostas face ao sofrimento (F1), constituída por oito itens e Características subjetivas face ao sofrimento (F2), constituída por quatro itens.
Verifica-se que a versão portuguesa do MIST ou Escala de Sentido no Sofrimento (ESS ou MIST-P), revela uma boa consistência interna com um valor de Cronbach de 0,833 (Marôco & Garcia-Marques, 2013; Pestana & Gageiro, 2014), com uma boa estabilidade temporal (Pestana & Gageiro, 2014). Estes resultados confirmam a pertinência de utilizar, em Portugal, esta escala.
Conclusão
Mantendo como eixo central a proposta logoterapêutica, a CoCIP vem dar resposta à abordagem terapêutica não farmacológica, a qual é emergente no acompanhamento da pessoa em sofrimento inevitável, associado à dor crónica, durante a procura de sentido de vida e na integração desse sofrimento numa vida com sentido.
Para implementar esta competência, houve necessidade de adequar recursos especializados, entre os quais o MIST, de Starck (1998).
A versão portuguesa desta escala, designada por Escala de Sentido no Sofrimento (ESS) ou MIST-P permite avaliar, do ponto de vista empírico, a extensão ou frequência com que a pessoa encontra sentido no sofrimento inevitável (existencial, espiritual ou noético), associado à dor crónica da pessoa com DRM. Esta avaliação permitirá ao enfermeiro definir e implementar cuidados espirituais, promotores do bem-estar, da atitude dialógica e da esperança, independentemente da condição clínica da pessoa.
Pode afirmar-se que se trata de um instrumento com boa fiabilidade, bons índices de consistência interna e boa estabilidade temporal.
O presente estudo decorreu no centro hospitalar com maior afluência de doentes com DRM, provenientes de todo o país. Contudo, aponta-se como limitação o facto de ter sido implementado numa única instituição. Considerando a diversidade de contextos e a influência do meio e cultura sobre a experiência de dor e sofrimento, sugere-se que trabalhos futuros com o MIST-P venham a ser multicêntricos.
Conclui-se que a versão portuguesa do MIST, também designada por Escala de Sentido no Sofrimento (ESS), é adequada para ser aplicada à população portuguesa com dor crónica e pode ser usado na investigação e na prática clínica para promover cuidados mais humanizados, nomeadamente, na implementação da CoCIP. Os ganhos em saúde correspondem ao controlo e à integração do sofrimento inevitável numa vida com sentido, pela via da promoção da esperança, apesar da adversidade. Em estudos futuros, sugere-se a aplicação da totalidade dos itens da escala para confirmação da sua estrutura.