Introdução
Em consequência do aumento da esperança média de vida e da melhoria dos cuidados de saúde, muitas vezes, o primeiro contacto do estudante de enfermagem (EE) com a morte e os cuidados em fim de vida ocorre em ensino clínico (EC). Este momento particularmente stressante pode expor as fragilidades e vulnerabilidades dos estudantes pela sua dificuldade na gestão de sentimentos e emoções, podendo até colocar em causa o desenvolvimento das competências profissionais (Edo-Gual et al., 2017). Lima et al. (2017) salientam que os EE quando lidam com a morte em EC, apresentam sentimentos de angústia, medo e dificuldade em lidar com este acontecimento. Estes podem sentir que não se encontram preparados para cuidarem de pessoas em fim de vida e para o confronto com a morte, podendo sentir ansiedade e medo. Preparar os EE para essa situação pode ajudá-los a fornecer os melhores cuidados às pessoas em fim de vida. No entanto, para adaptar os planos curriculares a esta realidade é importante conhecer as respostas implícitas ou atitudes dos estudantes do curso de licenciatura em enfermagem (CLE) perante a morte e os cuidados em fim de vida, uma vez que esta é uma área de desenvolvimento de competências que desperta sentimentos e emoções, por vezes, difíceis de gerir (Edo-Gual et al., 2017).
Neste sentido, foi definido como objetivo geral do estudo: avaliar as atitudes dos EE perante a morte e os cuidados em fim de vida. E, decorrentemente, definiram-se como objetivos específicos: determinar as atitudes perante a morte e os cuidados em fim de vida dos estudantes; entender se a frequência do EC influencia essas atitudes; e determinar as diferenças nas atitudes face aos cuidados em fim de vida nos estudantes que já vivenciaram a morte de uma pessoa durante o EC.
Enquadramento
Os momentos finais da vida da pessoa deixaram de ser passados em casa, e passaram para as instituições hospitalares, sendo que 63,5% dos óbitos ocorrem neste contexto, sob os cuidados dos profissionais de saúde, nomeadamente dos enfermeiros (Instituto Nacional de Estatística, 2017). Contudo, as pessoas não têm uma disposição inata para cuidar de alguém em fim de vida, sendo que as atitudes em relação à morte e aos cuidados em fim de vida são comportamentos psicológicos aprendidos por meio de experiências sociais e culturais (Frommelt, 1991). Considerando que as atitudes podem ser entendidas um sistema de crenças e conhecimentos que todos obtiveram ou aprenderam ao longo da vida, as atitudes dos futuros enfermeiros em relação à morte e aos cuidados em fim de vida podem ter uma influência importante na qualidade dos cuidados que prestam (Wang, 2019). Cada vez mais os futuros profissionais têm de estar preparados para reconhecer a necessidade e adequação dos cuidados para as pessoas em fim de vida. Para isso, é importante que durante a licenciatura se desenvolvam competências “na avaliação e gestão da dor, respeito pelos valores culturais, a autodeterminação e o direito a uma morte digna”, para que seja promovida a qualidade dos cuidados (Cardoso et al., 2017, p. 55).
Considerando a morte como um acontecimento inevitável da vida, em algum momento o EE terá de lidar com ela, seja de alguém próximo ou familiar, ou em contexto clínico de formação. Segundo Lima et al. (2017), os EE sentem-se impotentes relativamente ao processo de morrer, uma vez que consideram um dever manter a pessoa viva, sendo que a morte lhes transmite uma sensação de falha e fracasso. Para além dos sentimentos vividos, a falta de experiência dos estudantes perante os cuidados à pessoa em fim de vida e as estratégias para lidar com a morte são apontadas como as causas para a dificuldade em estabelecer uma relação de ajuda, uma vez que se torna desafiante a gestão de sentimentos e emoções (Ferguson & Cosby, 2017). No entanto, de acordo com Lima et al. (2017), os EE manifestam que existe uma dificuldade dos docentes e dos enfermeiros tutores em abordar com profundidade a temática. Este aspeto conduz a que os estudantes apresentem desconforto, inquietação e apreensão quando são abordados pela família, referindo dificuldade em estabelecer uma comunicação terapêutica, responder adequadamente às questões colocadas e lidar com as emoções da pessoa em fim de vida e da família (Ward, 2017).
Segundo Edo-Gual et al. (2017), há uma relação entre os sentimentos que os estudantes manifestam perante a morte em EC e as experiências pessoais ou em EC prévias, referindo que os EE que apresentaram atitudes mais positivas noutros contactos manifestam menos sentimentos de medo ou de ansiedade durante a prestação de cuidados à pessoa em fim de vida. Os estudos verificaram que os EE relatam que a morte e os cuidados à pessoa em fim de vida são temas pouco abordados no CLE (Cardoso et al., 2017). Oliveira et al. (2016) propõem que esta temática seja lecionada através de estratégias pedagógicas que propiciem momentos de prática reflexiva em seminários, criando espaços de escuta ativa e de partilha para as diferentes experiências dos estudantes. Henoch et al. (2017) propõem que este tema seja abordado teoricamente através de uma componente letiva que inclua conteúdos programáticos de cuidados paliativos com a duração de, pelo menos, 5 semanas. Quando são implementadas estas medidas pedagógicas, que promovem a inclusão destes conteúdos nos planos de estudo, verifica-se a promoção do conhecimento e das competências dos estudantes sobre esta temática e a diminuição da ansiedade no momento da prestação de cuidados à pessoa em fim de vida (Henoch et al., 2017).
Verificou-se que foram utilizados como instrumentos de medida em estudos que abordam esta temática: a Escala de Avaliação do Perfil de Atitudes acerca da Morte (EAPAM) e a Escala de Atitudes Face aos Cuidados à Pessoa em Fim de Vida (FATCOD). A EAPAM é o instrumento de medida que avalia o perfil das atitudes em relação à morte (Wong et al., 1994; Loureiro, 2010). Este instrumento avalia as atitudes perante a morte, nomeadamente de medo, evitamento, neutralidade, aproximação e escape (Wong et al., 1994). Segundo Iranmanesh et al. (2008), é possível demonstrar, através dos instrumentos de medida referidos, que os estudantes que apresentam atitudes menos positivas relativamente aos cuidados à pessoa em fim de vida, evidenciam uma pontuação menos elevada no item de medo da morte.
Neste mesmo estudo, os EE entendem a morte como escape ao sofrimento e consequentemente, apresentam atitudes menos positivas nos cuidados de enfermagem à pessoa em fim de vida e suas famílias, diferenciando-se dos estudantes que apresentam níveis mais elevados de medo da morte e aceitação, que apresentam atitudes mais positivas nos cuidados à pessoa em fim de vida. No entanto, os estudantes com experiências anteriores de morte, seja de alguém próximo ou em contexto clínico, demonstram menos atitudes positivas relativamente aos cuidados à pessoa em fim de vida (Iranmanesh et al., 2008).
A FATCOD está indicada para a medida das atitudes dos estudantes em relação aos cuidados à pessoa em fim de vida (Frommelt, 1991; Iranmanesh et al., 2008). Segundo Iranmanesh et al. (2008), os estudantes que obtiveram formação prévia sobre os cuidados à pessoa em fim de vida apresentaram, de acordo com os itens da FATCOD, atitudes mais positivas do que os estudantes que não tiveram o acesso à formação. Segundo Edo-Gual et al. (2017), é também possível constatar, com recurso a este instrumento, que os estudantes com horas teóricas de cuidados paliativos e cuidados à pessoa em fim de vida, obtêm pontuações mais elevadas no âmbito dos itens que pontuam atitudes mais positivas relativamente aos estudantes sem a formação, uma vez que apresentam menos medo da morte. Isto contribui para uma menor dificuldade na execução dos cuidados à pessoa em fim de vida e sua família, assim como, na gestão dos sentimentos vivenciados (Edo-Gual et al., 2017).
Questão de investigação
Quais as atitudes dos estudantes de enfermagem perante a morte e os cuidados em fim de vida?
Metodologia
Este estudo teve um desenho descritivo misto, no entanto, para este artigo será apresentada a análise quantitativa dos dados obtidos visando avaliar as atitudes perante a morte e cuidados em fim de vida dos estudantes do CLE.
Realizou-se uma amostragem não probabilística de conveniência, tendo sido convidados a participar no estudo os estudantes do 1º ciclo de estudos do CLE de uma instituição do ensino superior de saúde da região centro de Portugal.
Definiram-se como critérios de inclusão: ser estudante do CLE, ter idade superior a 18 anos, e aceitar voluntariamente preencher o instrumento de recolha de dados enviado por e-mail.
O instrumento de recolha de dados utilizado foi um questionário estruturado em três partes e construído num Google Docs. Na sua primeira parte, integrou o questionário de caracterização sociodemográfica (idade, género e ano de curso). Relativamente à segunda e terceira parte, foram constituídas respetivamente pela EAPAM (Wong et al., 1994; Loureiro, 2010) e pela FATCOD (Frommelt, 1991; Serra, 2012). Estes instrumentos foram criados originalmente em língua inglesa, mas já se encontram validados para a população portuguesa (Loureiro, 2010; Serra, 2012).
O Death Attitude Profile - Revised (DAP-R), foi traduzido e adaptado em 2010 e passou a designar-se por Escala de Avaliação do Perfil de Atitudes acerca da Morte (EAPAM) na versão portuguesa (Wong et al., 1994; Loureiro, 2010). Este instrumento permite avaliar o perfil de atitudes dos estudantes perante a morte. É constituído por 32 itens de carácter multidisciplinar que se agrupam em cinco dimensões distintas que correspondem a diferentes atitudes perante a morte: medo, evitamento, neutralidade, aproximação e escape. Está operacionalizado numa escala do tipo likert de sete respostas (discordo fortemente, discordo moderadamente, discordo, não concordo nem discordo, concordo, concordo moderadamente, concordo fortemente) e é de autopreenchimento pelos participantes (Loureiro, 2010). Os resultados de cada dimensão resultam do somatório dos scores de cada item que constituem essa dimensão e divididos pelo número total de itens dessa dimensão. Um score mais elevado numa determinada dimensão indica uma tendência para uma identificação maior com a mesma. O score total do EAPAM pode variar entre 32 e 224.
A Frommelt Attitude Toward Care of the Dying Instrument (FATCOD) foi traduzida e validada para a população portuguesa em 2012, e foi denominada de Escala de Atitudes face aos Cuidados ao Doente em Fim de Vida (Frommelt, 1991; Serra, 2012). A utilização deste instrumento teve como finalidade medir as atitudes dos estudantes face à prestação de cuidados à pessoa em fim de vida. Este é constituído por 30 itens, com uma escala do tipo likert de cinco respostas (discordo fortemente, discordo, nem concordo nem discordo, concordo e concordo fortemente). Destes 30 itens, 15 deles referem-se a aspetos positivos do cuidado e os restantes referem-se a aspetos negativos. Note-se que existe uma distinção entre itens focados nas atitudes face ao doente (2/3 da escala) e itens focados nas atitudes face à família (restante 1/3 da escala; Serra, 2012). Para análise dos resultados foi necessário proceder à recodificação dos itens relativos a atitudes negativas, de modo a reverter o seu score. Na leitura dos resultados percebe-se que scores mais elevados correspondem a atitudes mais positivas perante os cuidados à pessoa em fim de vida. O score total da FATCOD pode variar entre 30 e 150.
Os instrumentos que foram utilizados neste estudo de investigação possuem um diferente valor de coeficiente de alfa de Cronbach (α). A EAPAM apresenta um valor de α = 0,65 sendo este valor considerado modesto, mas aceitável (Loureiro, 2010). Apesar deste valor, o instrumento apresenta valores de consistência interna razoáveis para cada uma das dimensões que abrange. Em contrapartida a FATCOD apresenta um valor de coeficiente α = 0,80, sendo este considerado bom (Serra, 2012; Sousa et al., 2015).
A recolha de dados decorreu de outubro a dezembro de 2019. Nas instruções para o preenchimento do questionário estava explícito que os estudantes que à data da recolha de dados já tivessem realizado EC, deveriam preencher a totalidade do questionário sendo que, os estudantes que nunca o tivessem realizado, deveriam terminar o seu preenchimento após a segunda parte, que correspondia ao preenchimento da EAPAM, uma vez que, como não tinham experiência de ter prestado cuidados à pessoa em fim de vida não conseguiriam dar uma resposta concreta aos itens da FATCOD.
Foi obtida a autorização dos autores para a utilização dos instrumentos de medida. O projeto obteve parecer favorável (Parecer n.º 05/2019) da comissão de ética da instituição participante no estudo e aprovação para a sua realização na instituição pelo conselho de direção.
A explicitação dos procedimentos éticos aos participantes foi feita através da informação prévia contida no questionário enviado e criado um e-mail de contacto dos investigadores para esclarecimento de dúvidas. Os questionários foram enviados por e-mail e preenchidos num formulário online, que não estabelece ligação entre os dados recolhidos e o e-mail do participante. Foram garantidos procedimentos de garantia da privacidade e confidencialidade durante o período de recolha e análise dos dados, uma vez que estes foram guardados num ficheiro informático com acesso por password apenas do conhecimento da equipa de investigação. Após a conclusão do estudo, a base de dados devidamente anonimizada foi entregue à unidade de investigação e desenvolvimento onde o projeto está inscrito para continuidade da investigação.
Os dados quantitativos foram analisados com recurso ao programa IBM SPSS Statistics, versão 21.0. Foi realizada uma análise estatística descritiva, através do cálculo das frequências, das medidas de tendência central e das medidas de dispersão dos dados, de acordo com a sua natureza. Posteriormente, foi realizada uma análise exploratória dos dados, que possibilitou o estudo das características da distribuição das variáveis intervalares na amostra.
Resultados
Participaram no estudo 158 estudantes, sendo que 134 (84,8%) eram do género feminino. A idade média dos participantes foi de 22,16 anos (DP = 5,7), variando entre 18 e 45 anos. No que diz respeito ao ano de curso, 43 (27,2%) eram do 1º ano, 46 (29,1%) eram do 2º ano, 30 (19%) eram do 3º ano e 39 (24,7%) eram do 4º ano do CLE (Mdn = 2; IQQ = 2). À data de recolha de dados 79 estudantes (50%) tinham frequentado o EC. Para analisar o perfil de atitudes acerca da morte dos estudantes que frequentam os diferentes anos de curso foi realizada a análise das medidas de estatística descritiva respeitante aos 32 itens da EAPAM (Tabela 1). Verifica-se que o score total médio obtido na escala EAPAM foi de 130,75 pontos, com desvio-padrão de 23,32.
Mínimo | Máximo | Média | Desvio-Padrão | Variância | |
Medo EAPAM | 1,00 | 7,00 | 4,1591 | 1,38223 | 1,911 |
Somatório_Medo EAPAM | 7,00 | 49,00 | 29,1139 | 9,67561 | 93,618 |
Evitamento EAPAM | 1,00 | 7,00 | 3,6924 | 1,26464 | 1,599 |
Somatório_Evitamento EAPAM | 5,00 | 35,00 | 18,4620 | 6,32318 | 39,983 |
Neutralidade EAPAM | 2,40 | 7,00 | 5,4127 | ,80624 | 0,650 |
Somatório_Neutralidade EAPAM | 12,00 | 35,00 | 27,0633 | 4,03122 | 16,251 |
Aproximação EAPAM | 1,00 | 6,70 | 3,7753 | 1,21946 | 1,487 |
Somatório_Aproximação EAPAM | 10,00 | 67,00 | 37,7532 | 12,19465 | 148,709 |
Escape EAPAM | 1,00 | 6,20 | 3,6722 | 1,05353 | 1,110 |
Somatório_Escape EAPAM | 5,00 | 31,00 | 18,3608 | 5,26764 | 27,748 |
Nota . EAPAM = Escala de Avaliação do Perfil de Atitudes acerca da Morte.
Quanto aos 32 itens, analisados individualmente, verificamos que os mais pontuados com médias acima dos 5 pontos, que correspondem a uma atitude de concordância com o item, pertencem à dimensão neutralidade (itens 6, 14 e 24). Já os itens menos pontuados, com média de 1 a 4 pontos, que correspondem a uma atitude de discordância, pertencem às dimensões medo (itens 18 e 20), escape (itens 5, 9 e 29) e evitamento (itens 3, 19 e 26). O perfil de atitudes perante a morte dos EE desta amostra evidencia assim maior proximidade com atitudes de neutralidade, medo e aproximação, e menor frequência de atitudes de evitamento e escape.
Da análise da variável dependente “EAPAM Total” atendendo à variável independente “Já realizaste EC?” verifica-se que a assimetria e a curtose estão dentro dos limites do aceitável (assimetria -0,43 e curtose 0,36 nos participantes que realizaram EC e assimetria -0,247 e curtose, 0,284 nos participantes que não realizaram EC) o que aponta no sentido desta variável seguir uma distribuição aparentemente normal. Esta conclusão é confirmada pelos resultados dos testes de normalidade (Kolmogorov-Smirnov, p = 0,036; Shapiro-Wilk, p = 0,066 nos participantes que realizaram EC e Kolmogorov-Smirnov, p = 0,02; Shapiro-Wilk, p = 0,064 nos participantes que não realizaram EC) e pelos resultados dos testes de homogeneidade de variância (Teste de Levene, Based on Mean, p = 0,514; Based on Median, p = 0,587; Based on Median and with adjusted df, p = 0,587; Based on trimmed mean, p = 0,542). Estão, portanto, cumpridos os pressupostos relativos à normalidade das distribuições nos grupos em comparação e existe homogeneidade das variâncias. Dado este resultado, foi possível realizar a análise inferencial com testes paramétricos, nomeadamente o coeficiente de correlação de Pearson para explicar a relação entre a variável independente “ter realizado EC” e as variáveis dependentes da EAPAM. As dimensões que apresentam um coeficiente de correlação de Pearson mais próximo de 1 são a dimensão medo (r = 0,241) e a dimensão evitamento (r = 0,216). Como no coeficiente de correlação de Pearson a dimensão neutralidade (r = 0,03) toma valores próximos de 0, esta dimensão não apresenta associação com a variável.
Os resultados demonstram que na dimensão medo e evitamento há uma relação entre ter realizado EC e a manifestação desta atitude, sendo que o nível de significância é de 0,02 para o medo e ligeiramente acima do nível de significância com um valor de 0,06 para o evitamento. Relativamente às dimensões neutralidade, aproximação e escape, o nível de significância é superior a 0,05, ou seja, não há relação direta entre a manifestação desta atitude e ter realizado EC. No entanto, ter realizado EC altera as atitudes face à morte com um nível de significado positivo com um nível de significância de 0,02.
Para determinar as atitudes perante os cuidados à pessoa em fim de vida foram analisados os resultados dos 79 estudantes que realizaram EC e que responderam ao instrumento de medida (Tabela 2). Foi realizada análise das medidas de estatística descritiva respeitante a todos os 30 itens que constituem a escala, após terem sido organizados na sua dimensão positiva (15 itens) e negativa (15 itens), e ao score total.
Mínimo | Máximo | Média | Erro Desvio | |
Aproximação FATCOD + | 3,00 | 5,00 | 4,3284 | ,53035 |
Somatório_Aproximacao FATCOD + | 27,00 | 45,00 | 38,8987 | 4,78136 |
Evicção FATCOD - | 1,86 | 5,00 | 3,9646 | ,64007 |
Somatório_ EvicçãoFATCOD - | 3,00 | 35,00 | 26,4167 | 7,15779 |
Desconforto FATCOD | 1,89 | 5,00 | 3,4158 | ,62050 |
Somatório_Desconforto FATCOD | 3,00 | 45,00 | 28,5412 | 8,52664 |
Assertiva FATCOD + | 3,00 | 5,00 | 3,9705 | ,57643 |
Somatório_Assertiva FATCOD + | 11,00 | 20,00 | 15,8354 | 2,36660 |
Nota. FATCOD = Escala de Atitudes face aos Cuidados ao Doente em Fim de Vida.
É possível verificar que o score total médio obtido na FATCOD foi de 109,76 pontos, com desvio-padrão de 31,36 pontos. O score total da FATCOD pode variar até 150 pontos, sendo tão mais elevado quanto mais positivas as atitudes perante os cuidados em fim de vida (Serra, 2012). Os itens com média mais elevada, ou seja, para os quais os EE inquiridos apresentaram maior afinidade, foram os pertencentes às atitudes positivas com média de 63,23 pontos no total dos 15 itens possíveis, e de score médio de 4,22 pontos. Quanto aos 30 itens analisados individualmente, verificamos que os mais pontuados com médias acima dos 4 pontos foram os itens 4, 13 e 20, que correspondem a atitudes positivas. O item 13, “A família precisa de apoio emocional para aceitar as mudanças de comportamento do doente em fim de vida”, foi também bastante pontuado.
Contudo, podemos verificar que no item 26, correspondente a uma atitude negativa, “Sentir-me-ia desconfortável se entrasse no quarto de um doente em fim-de-vida e o encontrasse a chorar”, a média foi de 2,76, ou seja, o menos pontuado. O mesmo se verifica com os itens 29 e 3, “Os familiares que permanecem com o doente em fim-de-vida por vezes interferem com a prestação de cuidados” e “Sentir-me-ia desconfortável a falar com o doente em fim de vida acerca da morte iminente”.
Notamos que se verifica que existe uma diferença entre os dois grupos de participantes pois dos 79 participantes que já realizaram EC, 63 (79,7% desta amostra e 39,9% do total de participantes) responderam que tiveram experiência com a morte em EC. Dada a assimetria da amostra de participantes que realizaram EC e que não tiveram experiência com a morte em EC (n = 16) foi realizado o teste de Mann-Whitney para perceber as diferenças nas atitudes perante os cuidados em fim de vida dos estudantes que já vivenciaram a morte em EC. Verifica-se que os estudantes que tiveram essa experiência obtiveram uma média de 42,44 na aproximação, 43,13 na evicção, 43,37 no desconforto e 42,94 na assertividade. Perante o teste de hipóteses foi possível afirmar que há uma relação entre ter tido experiência com a morte em EC e as atitudes perante os cuidados em fim de vida. Como é uma amostra que não segue uma distribuição normal, não é possível afirmar qual a variável que está a influenciar o resultado.
Discussão
A análise dos resultados obtidos com a EAPAM e com a FATCOD permite verificar que os EE que participaram neste estudo evidenciam maior afinidade para atitudes de neutralidade, medo e aproximação e que tendencialmente têm atitudes positivas perante os cuidados à pessoa em fim de vida. Os EE do 1º e do 4º ano do ciclo de estudos têm tendencialmente atitudes de neutralidade, encarando a morte como parte integrante do ciclo de vida. No entanto, têm dificuldade em encontrar um significado pessoal e objetivo para a sua vida e morte. Esta perspetiva propõe que a medida em que cada um de nós teme ou aceita a morte depende em larga escala da forma como aprendeu a aceitar o seu percurso de vida, dando-lhe um significado, tal como verificado pelo estudo de Serra (2012) realizado com enfermeiros. Benedetti et al. (2013) evidenciam a importância da compreensão científica, filosófica e ética do fenómeno morte e do processo de morrer, dos EE, como estratégia de preparação para a prestação de cuidados humanizados à pessoa em fim de vida e sua família.
Os participantes deste estudo pontuaram com menor valor as atitudes perante a morte, o evitamento e de escape, o que constitui um achado positivo, revelando que os estudantes apresentam pouca afinidade para este tipo de atitudes, que se caracterizam respetivamente por evicção de pensamentos sobre a morte, e encaram a morte como um meio de fuga para o sofrimento (Serra, 2012). Os EE do 1º ano do ciclo de estudos apresentam tendencialmente atitudes de evitamento na EAPAM, privando-se de pensamentos sobre a morte como forma de diminuir o medo e ansiedade que esta gera. Também apresentam tendencialmente atitudes de escape para o mesmo instrumento de medida, encarando a morte como um meio de fuga ao sofrimento. Estes resultados podem ser justificados pelo facto de estes estudantes, até à data do preenchimento do questionário, ainda não terem frequentado a unidade curricular de Bioética e Ética em Enfermagem, que é lecionada no primeiro ano, e não ter sido lecionada a temática de cuidados paliativos, que é abordada no segundo ano do plano de estudos.
Verifica-se que os EE pontuam de forma negativa itens relacionados com a comunicação com a pessoa em fim de vida, evidenciando dificuldade em falar sobre a morte, educar o doente e família na temática, e envolver os familiares na prestação de cuidados. Perante os resultados, é importante realçar a necessidade de apostar no nível de formação bem como na criação de espaços de reflexão, de modo que os estudantes consigam ultrapassar as suas dificuldades quando prestam cuidados à pessoa em fim de vida (Oliveira et al., 2016).
Na FATCOD, os EE apresentam atitudes negativas perante o envolvimento da família na prestação de cuidados, embora concordem que “Os cuidados de enfermagem à família deveriam continuar após o falecimento e durante o luto” (item 4), tendo sido o item 4 um dos mais pontuados. Assim, por análise global dos resultados da FATCOD, podemos verificar que os participantes apresentam atitudes positivas perante os cuidados à pessoa em fim de vida, embora sobressaia da análise individual dos itens uma clara dificuldade em lidar com os sentimentos da pessoa, falar sobre o tema da morte e envolver a família na prestação de cuidados. Edo-Gual et al. (2017) afirmam que apesar de os EE expressarem vontade de prestar uma assistência humanizada à pessoa em fim de vida, bem como aos seus familiares, estes sentem dificuldade em lidar com a morte, sendo que reconhecem que são incapazes de lidar com os familiares e até mesmo com os seus próprios sentimentos. Os resultados apurados por Sampaio et al. (2015) também afirmam que os EE têm dificuldade em estabelecer uma boa comunicação, mas reconhecem que ao serem prestados cuidados individuais e dignos, a família apresenta atitudes mais positivas em relação à morte da pessoa em fim de vida. Esta atitude pode ser justificada pela falta de formação e experiência, que podem condicionar negativamente as atitudes dos EE perante a morte e aos cuidados à pessoa em fim de vida. Segundo Ferguson e Cosby (2017), os EE apresentam dificuldade em estabelecer uma relação de ajuda, uma vez que não sabem como abordar a pessoa e a família sobre a temática da morte e do processo de morrer.
Atualmente, há uma atenção significativa na melhoria da qualidade dos cuidados em fim de vida, com uma aposta na educação e formação dos futuros enfermeiros sobre a morte e os cuidados em fim de vida (Cavaye & Watts, 2014) e um foco particular em proporcionar experiências em EC que permitam aos estudantes desenvolver competências neste âmbito (Gillan et al., 2014). A aprendizagem experiencial, a dramatização de papéis e a simulação também podem ser utilizadas, demonstrando ser uma estratégia eficaz para o desenvolvimento de competências sobre cuidados em fim de vida (Kopp & Hanson, 2012). Desta forma, os orientadores e os enfermeiros tutores também se devem sentir confortáveis e preparados para abordar e refletir com os estudantes a temática (Oliveira et al., 2016). A oportunidade de compartilhar a experiência com outras pessoas é importante para os estudantes, sendo que, a orientação de um docente ou de um enfermeiro tutor com mais experiência neste âmbito permite fornecer apoio emocional e prático, e a partilha de responsabilidades na tomada de decisão sobre os cuidados em fim de vida pode ajudar a aliviar o medo de inadequação (Wang, 2019).
Uma das limitações inerentes ao estudo prende-se com o facto de apenas descrever a realidade de uma instituição de ensino superior da saúde, pelo que seria importante realizá-lo em outras instituições para entender quais os fatores que podem interferir com as atitudes perante a morte e os cuidados em fim de vida dos EE. Também o facto de não existirem estudos realizados em Portugal com EE sobre esta temática dificultou a discussão dos resultados, sendo que estes foram comparados com os de estudos realizados em realidades de ensino de enfermagem diferentes.
Conclusão
As atitudes observadas nos EE que participaram no estudo perante a morte foram de medo e evitamento, sendo que perante os cuidados em fim de vida, as atitudes observadas são a aproximação e atitudes positivas.
Abordar a temática do processo de morrer e morte necessita de uma profunda reflexão, tendo em vista melhorar as competências dos estudantes para cuidarem da pessoa em fim de vida e diminuir as atitudes negativas perante a morte e os cuidados em fim de vida.
Os resultados deste estudo sugerem que ter contacto com a morte em EC é uma experiência importante, que pode ter um impacte pedagógico significativo no desenvolvimento de competências dos estudantes.
Não depende da instituição de ensino superior ou das instituições de saúde controlar as circunstâncias clínicas dos encontros com situações de morte ou cuidados em fim de vida dos estudantes. No entanto, quando estes momentos e encontros ocorrem, colocam o estudante perante situações desafiadoras para a gestão de emoções. Contudo, ao preparar e apoiar os estudantes, pode ser possível minimizar os fatores negativos, incluindo sentimentos de inadequação, exclusão ou conflitos de papéis; e facilitar resultados positivos, incluindo lidar, compartilhar a experiência, crescimento pessoal e profissional. Os EE necessitam de suporte e oportunidades para refletir e discutir os seus sentimentos em relação ao cuidar da pessoa em fim de vida e da morte.
Por outro lado, é importante enfatizar os aspetos éticos e emocionais relativos ao processo de morrer e morte, para que o estudante adquira capacidade crítico-reflexiva e que saiba lidar com a morte de forma humanizada, ao longo do seu processo de profissionalização e autonomização progressiva. A avaliação do impacte nas competências dos estudantes de estratégias de prática simulada no âmbito dos cuidados em fim de vida e transmissão de más notícias pode ser uma área de aprofundamento da investigação sobre esta temática, assim como a avaliação das atitudes dos docentes e dos enfermeiros tutores perante a morte, uma vez que estes são modelos ao longo do processo de ensino e aprendizagem para os estudantes.