Introdução
As complicações associadas aos cuidados de saúde aos doentes cirúrgicos tornaram-se uma das principais causas de morte e de incapacidade em todo mundo, emergindo a segurança cirúrgica como um problema de saúde pública (Organização Mundial de Saúde [OMS], 2009). O reconhecimento desta problemática levou a OMS a lançar o projeto Cirurgia Segura, Salva Vidas (CSSV), como o segundo desafio mundial para a segurança do doente (SD; OMS, 2009). Portugal aderiu a este projeto em 2009 e desde então tem reunido esforços para a sua operacionalização (Direção-Geral da Saúde [DGS], 2013). Todavia, o Plano Nacional para a Segurança dos Doentes (PNSD) 2015-2020, que se inscreve numa política pública mitigadora dos fatores que contribuem para a ocorrência de incidentes, alerta para uma baixa adesão na implementação deste projeto, em Portugal, e define como prioridade a adoção de estratégias para melhorar a SD cirúrgico (Despacho n.º 1400-A/2015 do Ministério da Saúde, 2015). Torna-se assim fundamental conhecer como está a ser operacionalizado o PNSD no bloco operatório (BO), no sentido de avaliar a SD na ótica da política de saúde. Estudar esta problemática na perspetiva dos enfermeiros irá fornecer informação da maior força de trabalho das organizações hospitalares, contribuindo para uma maior compreensão, reflexão e compromisso com a política de segurança por parte destes profissionais. É objetivo do presente estudo caracterizar a perceção dos enfermeiros perioperatórios sobre a SD no BO.
Enquadramento
Anualmente, estima-se que sejam realizados a nível mundial mais de 281 milhões de procedimentos cirúrgicos, resultando em 7 milhões de complicações significativas e 1 milhão de mortes, decorrentes da atividade cirúrgica (OMS, 2009). A complexidade da atividade cirúrgica condiciona vários desafios para a SD, nomeadamente, pela interação de uma equipa multiprofissional, com diferentes perspetivas sobre o cuidar do doente, que exerce atividades complexas e interdependentes, com um grau importante de variação e incerteza, num ambiente dominado pela pressão de produção, pelo stress associado ao risco do processo, onde mesmo as atividades mais simples envolvem aspetos essenciais para a SD (p.e. identificação inequívoca do doente, do local a operar, da lateralidade, etc.).
A SD é definida, à luz da Classificação Internacional sobre Segurança do Doente adotada pela DGS, como a
redução de risco de dano desnecessário à pessoa que recebe os cuidados de saúde, para um mínimo aceitável. O mínimo aceitável é de uma forma geral direcionado para o conhecimento atual, recursos disponíveis, contexto de prestação de cuidados em oposição ao risco do não tratamento ou de outro. (DGS, Departamento da Qualidade na Saúde, 2017, p. 4)
Os desafios para SD no contexto de BO são de natureza diversa, onde se destaca: a prevenção da infeção do local cirúrgico (ILC), da hemorragia, do tromboembolismo, da hipotermia, das úlceras de pressão, das quedas, da retenção inadvertida de dispositivos médicos, de erros de medicação, da cirurgia efetuada no lado errado, no doente errado, ou procedimento cirúrgico errado (OMS, 2009). Esta complexidade exige uma gestão de risco concertada e sistematizada de todos os fatores que podem comprometer a SD. A coexistência dos vários riscos potencia a ocorrência de eventos adversos, dependendo a sua maior ou menor frequência da cultura de segurança organizacional (Heideveld-Chevalking et al., 2014).
A OMS, reconhecendo a complexidade que envolve a segurança cirúrgica, elege-a como o segundo desafio para a SD (OMS, 2009). Neste sentido, promove a utilização da lista de verificação de segurança cirúrgica (LVSC) como estratégia para diminuir a ocorrência de eventos adversos, fomentar a operacionalização de práticas seguras e promover a comunicação e trabalho em equipa (OMS, 2009). Todavia, esta mudança de paradigma, alicerçada numa abordagem estruturada e sistematizada, envolvendo todos os elementos da equipa cirúrgica, tem vindo a encontrar resistências a nível nacional e internacional (Mota, 2015; Despacho n.º 1400-A/2015 do Ministério da Saúde, 2015). A adoção desta estratégia implica uma mudança cultural e a existência de uma forte cultura de SD (CSD; DGS, 2018).
O desenvolvimento da CSD é reconhecido como um dos principais fatores para a promoção da SD. A OMS e o Conselho da União Europeia, recomendam aos estados membros a avaliação da CSD como forma de introduzir e direcionar intervenções de melhoria e alcançar melhores níveis de segurança e qualidade dos cuidados (DGS, 2018). Os resultados da avaliação em Portugal vão ao encontro dos resultados internacionais, revelando com mais fragilidades as dimensões no âmbito da notificação de incidentes (DGS, 2018). Os estudos que avaliam a CSD no BO, realizados em Portugal, revelam que a dimensão Resposta não punitiva ao erro é a dimensão mais negativa, à semelhança dos resultados nacionais e internacionais (Mota, 2015).
A subnotificação é um problema de dimensão mundial, que dificulta a aprendizagem e a melhoria organizacional (Despacho n.º 1400-A/2015 do Ministério da Saúde, 2015). A baixa adesão à notificação de incidentes de segurança limita a partilha e o acesso a informações detalhadas e importantes sobre os problemas de segurança. Este aspeto assume particular importância no BO, tendo em conta que se trata do local onde ocorre maior número de eventos adversos (Despacho n.º 1400-A/2015 do Ministério da Saúde, 2015). A análise de relatórios extraídos de sistemas de notificação tem permitido caracterizar os incidentes e as falhas humanas e organizacionais associadas à sua ocorrência (Heideveld-Chevalking et al., 2014). Os incidentes que ocorrem no BO são de ordem diversa, sendo os mais frequentes relacionados com infeções, administração de medicação e hemoderivados e problemas de comunicação (Heideveld-Chevalking et al., 2014).
A ILC é um dos incidentes mais frequentes associados à atividade cirúrgica. De facto, em Portugal, a ILC constitui uma das infeções mais prevalentes apesar de se verificar uma diminuição na taxa de infeção de 12,8% no período de 2013 a 2017, bem como um aumento do número das organizações que participam na vigilância epidemiológica (VE) da ILC (42,6%), revelando um impacto positivo das medidas adotadas no âmbito do programa prioritário nas políticas de saúde (DGS, 2018).
A OMS reconhece que o contexto intraoperatório, pelas particularidades que lhe são inerentes, constitui um ambiente de alto risco para a ocorrência de erros de medicação (OMS, 2009; World Health Organization [WHO], 2019). O facto de a maioria das prescrições ser realizada de forma verbal, da prescrição e administração poder ser realizada por vários profissionais, de raramente ocorrer a validação da prescrição por parte dos serviços farmacêuticos, e do acesso à medicação ser realizado, comummente, através de um stock disponível no BO, representam desafios à segurança da medicação neste contexto (Boytim & Ulrich, 2018). No que se refere ao tipo de erros de medicação no BO, a maioria relaciona-se com a administração, tal como acontece noutros contextos de cuidados (WHO, 2019). A revisão sistemática de Boytim e Ulrich (2018) revelou que a dosagem incorreta foi o erro de medicação mais comum no BO, seguidos dos erros de omissão e substituição. Boytim e Ulrich (2018) identificaram que as principais causas dos erros de medicação se relacionam com a rotulagem e troca de seringas.
As úlceras de pressão (UP) são outro tipo de incidente frequente em contexto de BO, reconhecido em 2014 como um ambiente de alto risco para o seu desenvolvimento (National Pressure Ulcer Advisory Panel et al., 2014). A suscetibilidade dos doentes cirúrgicos às UP deve-se essencialmente ao facto de permanerem imóveis durante o procedimento, numa superfície relativamente dura, ficando impossibilitados de sentir dor causada pela pressão, atrito ou forças de cisalhamento e à incapacidade de mudar de posição para aliviar a pressão sobre uma área em particular (National Pressure Ulcer Advisory Panel et al., 2014). A avaliação do risco de desenvolvimento de UP é fundamental para a sua prevenção, como revela o estudo de Meehan et al. (2016), em que a avaliação sistematizada do risco, utilizando um instrumento dirigido a fatores de risco específicos do período intraoperatório, contribuiu para a redução de 60% na taxa de incidência de UP. A disponibilidade de dispositivos médicos de prevenção de UP é um aspeto fundamental para a sua prevenção. Os enfermeiros perioperatórios devem garantir a sua disponibilidade, bem como assegurar que estes dispositivos se encontram limpos, íntegros e funcionais, que a sua utilização respeita as instruções do fabricante e que são adequados para a prevenção das UP (National Pressure Ulcer Advisory Panel et al., 2014).
As quedas em contexto de BO são consideradas incidentes raros mas, quando ocorrem, podem ter consequências desastrosas para os doentes (Prielipp et al., 2017). O facto de os doentes estarem anestesiados faz com que sejam especialmente vulneráveis, pela incapacidade de controlar movimentos e de verbalizar. Para além da utilização dos agentes anestésicos, de medicação pré-operatória, que altera a perceção do ambiente, os possíveis défices auditivos e visuais (pela necessidade de ausência de próteses e óculos), o reduzido espaço para o alectuamento e a falta de familiaridade do doente com o ambiente do BO, são fatores específicos que contribuem para o aumento do risco de queda em BO. As evidências disponíveis revelam que a maioria das quedas em BO envolvem doentes obesos, submetidos a anestesia geral, com posicionamentos cirúrgicos extremos. Estas, ocorrem com maior frequência no acordar da anestesia, durante a cirurgia e no processo de transferência para a cama (Prielipp et al., 2017; Soncrant et al., 2018). De acordo com Prielipp et al. (2017), as causas das quedas correspondem a fatores relacionados com o doente (obesidade, a idade, a sedação, as alterações do estado de consciência e a agitação), com os profissionais (distração, os problemas de coordenação da equipa, a suposição que outros profissionais estão a vigiar o doente e pressões de produção) e com a mesa operatória (falhas do equipamento, uso inadequado, falta de conhecimento, ausência ou incorreta colocação dos dispositivos de retenção e posicionamentos com inclinação extrema). Como forma de prevenir a ocorrência de quedas, os profissionais devem implementar práticas sistemáticas, no sentido de combater as causas referidas, bem como investir na avaliação de risco de queda de todos os doentes submetidos a um procedimento cirúrgico. Nos momentos de transição de cuidados, a avaliação de risco deve ser transmitida conjuntamente com a ocorrência ou não de quedas, fatores de risco e plano de cuidados, como preconizado pela boa prática clínica (DGS, Departamento da Qualidade na Saúde, 2019). Antes de o doente ser transferido do BO para outro serviço deverá ser efetuada uma reavaliação de risco, considerando a alteração do estado clínico, induzida pelo procedimento e ato anestésico, e a ocorrência de uma transferência intra-hospitalar, momentos em que se preconiza a reavaliação do risco de queda (DGS, Departamento da Qualidade na Saúde, 2019).
Os incidentes que envolvem a identificação do doente são considerados eventos sentinela no contexto de BO, nomeadamente a cirurgia no doente errado (DGS, 2013). Os dados nacionais disponíveis, relativos à monitorização do projeto CSSV no ano 2014, revelam que estes eventos são raros, tendo em conta que a taxa de intervenção cirúrgica no doente errado foi de zero (DGS, 2015). A utilização da LVSC, que preconiza a confirmação positiva da identidade por parte do doente e a validação de toda a equipa, pode estar na base dos resultados positivos neste domínio (DGS, 2013).
As falhas de comunicação são as causas mais comuns de eventos sentinela, representando uma séria ameaça à SD (Association of Perioperative Registered Nurses [AORN], 2018). A evidência indica que cerca de 70% dos eventos adversos ocorrem devido a falhas de comunicação entre os profissionais de saúde durante os momentos de transição de cuidados do doente (DGS, 2017). Os doentes cirúrgicos são submetidos a vários processos de transição, sendo fundamental que estes processos sejam realizados sistematicamente com recurso a uma ferramenta estruturada, como é o caso do ISBAR (identificação, situação atual, antecedentes, avaliação, e recomendações; DGS, 2017; AORN, 2018). O recurso a estas ferramentas de comunicação permite aumentar o número de informações partilhadas, melhorar a precisão da informação transmitida, diminuir as distrações e a omissão da informação pertinente, bem como promover momentos de reflexão entre os profissionais sobre o estado clínico do doente (AORN, 2018). O estudo de Halterman et al. (2019), que implementou uma lista de verificação para a transferência de informações do BO para a unidade de cuidados pós-anestésicos, verificou uma diminuição do número de omissões de itens e um aumento do número de transmissões completas de 13% para 82%.
A complexidade que envolve a SD no BO, a incidência relevante e diversidade de incidentes, exige uma gestão de risco concertada e sistemática, tal como preconizado no PNSD (Despacho n.º 1400-A/2015 do Ministério da Saúde, 2015). O PNSD procura, através de ações transversais e ações dirigidas a problemas específicos, melhorar a SD de uma forma integrada e numa ótica de melhoria contínua. Neste sentido, visa atingir nove objetivos específicos, no âmbito da CSD, da comunicação, da segurança cirúrgica, da segurança na utilização da medicação, da identificação inequívoca de doentes, das úlceras de pressão, quedas, incidentes e prevenção e controlo de infeção e resistência aos antimicrobianos. Tendo em conta que todos estes aspetos gravitam sobre a SD no BO, importa realizar um diagnóstico operacional da concretização dos objetivos estratégicos. Esta avaliação diagnóstica permitirá sensibilizar os profissionais envolvidos na prestação direta dos cuidados, nomeadamente os enfermeiros, para a estratégia definida no âmbito da SD, contribuindo para gerar maior compromisso com a sua implementação. Esta avaliação diagnóstica permitirá igualmente analisar os pontos fortes e fracos, potenciando a definição de estratégias de intervenção com vista à melhoria continua dos processos, contribuindo assim para promover a SD no BO.
Metodologia
O presente estudo descritivo está inserido numa investigação inicial (Mota & Castilho, 2019), utilizando a mesma amostra e procedimentos ético-legais. Considerou-se como população-alvo, os enfermeiros perioperatórios que exercem funções em BOs (de doentes adultos) de hospitais do Serviço Nacional de Saúde com valências cirúrgicas, incluídos nos grupos de benchmarking da Administração Central do Sistema de Saúde (Despacho n.º 1400-A/2015 do Ministério da Saúde, 2015). Como forma de tornarmos a nossa amostra representativa dos BOs do SNS, foram selecionados hospitais de cada grupo de benchmarking e das diferentes Administrações Regionais de Saúde, tendo sido realizada uma amostragem por clusters. Foram incluídos no total 24 hospitais, com uma percentagem por grupo de benchmarking entre 50% (grupos B e E) e 66,7% (grupo F) e por ARS entre 42,86% (Lisboa e Vale do Tejo) e 100% (Algarve), correspondendo a um total de 46 BOs. É critério de inclusão na amostra ter tempo de atividade profissional superior a 6 meses e são critérios de exclusão: exercer funções como enfermeiro(a) gestor(a) e estar ausente temporariamente do serviço no período da colheita de dados, por atestado médico, licença de férias ou outra licença. O período de colheita de dados decorreu entre janeiro e outubro de 2018. Foram entregues um total de 1.798 questionários abrangendo todos os enfermeiros que cumpriam os critérios de inclusão e exclusão dos 46 BOs. Foram devolvidos corretamente preenchidos 1.001, o que representa uma taxa de adesão de 55,70%. Como instrumento de colheita de dados utilizou-se o Questionário de SD no BO (Mota & Castilho, 2019). Este, é constituído por 79 itens, pontuáveis numa escala tipo Likert de 1 (nunca) a 5 (sempre), que permitem avaliar 19 dimensões de SD, agrupadas em nove áreas, conforme o PNSD. A parte inicial do questionário destinou-se à recolha de dados sociodemográficos dos participantes (sexo, idade, tempo de serviço; tempo de experiência em BO; habilitações académicas; habilitações profissionais) e características dos BOs onde desempenham funções (tipo de BO e acreditação/certificação). O instrumento de colheita de dados apresentou bons valores psicométricos, com valores de alfa de Cronbach entre 0,66 e 0,98 nas 19 dimensões (Mota & Castilho, 2019). A análise das correlações dos itens com a respetiva dimensão evidenciou correlações positivas elevadas na maioria dos itens (r ≥ 0,70).
Como forma de respeitar os princípios ético-legais foi solicitado parecer à Comissão de Ética da Unidade de Investigação em Ciências da Saúde da Enfermagem da Escola Superior de Enfermagem de Coimbra e realizaram-se pedidos de autorização de recolha de informação aos conselhos de administração (CA) dos hospitais envolvidos no estudo. Obteve-se parecer positivo (P 458-09-2017) por parte da Comissão de Ética supracitada e dos CA dos 24 hospitais. Posteriormente realizaram-se reuniões com os enfermeiros gestores dos diferentes BOs, com a finalidade de explicar o objetivo do estudo e solicitar a sua colaboração na distribuição dos questionários. Os questionários foram entregues em envelopes abertos com explicitação dos objetivos e solicitação de consentimento informado, indicando-se a sua devolução em envelope fechado separadamente do consentimento informado. No tratamento de dados utilizou-se a aplicação IBM SPSS Statistics, versão 25.0. Realizou-se uma análise de frequência, calculando a percentagem média de respostas positivas como forma de identificar os itens e dimensões que indiciam maior e menor nível de implementação no âmbito da SD. Nesse sentido, optou-se por seguir as orientações dos autores da escala Hospital Survey on Patient Safety Culture (Sorra & Nieva, 2004), que preconizam que se agrupem as duas categorias mais baixas (nunca/raramente) e as duas categorias de valores mais elevados (a maioria das vezes/sempre). Assim, as respostas foram recodificadas em três categorias (1- Respostas negativas, 2- Respostas intermédias, 3- Respostas positivas). Adicionalmente, calculou-se o valor médio de respostas positivas em cada dimensão. Tendo em conta as orientações de Sorra e Nieva (2004), valores médios de respostas positivas iguais ou superiores a 75% indiciam um nível de implementação elevado, valores entre 50 e 74% identificam dimensões com um nível de implementação pouco robusto e valores de respostas positivas inferiores a 50% identificam dimensões com um baixo nível de implementação.
Resultados
A amostra, constituída por 1.001 enfermeiros, é maioritariamente do sexo feminino (84,90٪). Os inquiridos apresentam uma média de idades de 42,74 anos (DP = 0,27) e possuem em média 19,76 anos (DP = 0,27) de tempo de exercício. Estes enfermeiros possuem um tempo de experiência em BO e no atual serviço respetivamente de 13,52 anos (DP = 0,28) e 11,56 anos (DP = 0,27). Relativamente ao grau académico, a maioria dos profissionais são licenciados (79,10%), 18,50% são mestres,1,90% são bacharéis e 0,50% são doutorados. Apenas 17,90% possui o título de especialista. A maioria dos inquiridos trabalha em BOs centrais (76,9%), 15,60% trabalham em BOs de cirurgia de ambulatório e 7,40% em BOs periféricos. Mais de metade dos enfermeiros trabalham em BOs acreditados/certificados (59,7%).
A análise das percentagens de respostas positivas, permitiu identificar que apenas nove (D2; D4; D6; D9; D11; D13; D15; D16; D18) das 19 dimensões estudadas (47,36%) obtiveram uma percentagem ≥ 50% de respostas positivas (Tabela 1). As dimensões Identificação inequívoca dos doentes - boas práticas (D18) e Prevenção e Controlo de Infeção e Resistência aos Antimicrobianos (PCIRA) - boas práticas (D9) constituíram as únicas que obtiveram um nível de implementação elevado, com uma percentagem de respostas positivas de 94,8% e 77,7%, respetivamente. Por outro lado, mais de 50% das dimensões (D1; D3; D5; D7; D8; D10; D12; D14 D17; D19) obtiveram uma percentagem de respostas positivas inferior a 50%. Todas as dimensões relacionadas com auditorias (D3, D5; D7; D10; D12 e D14) obtiveram resultados negativos, revelando um baixo nível de implementação. Os resultados mais críticos surgiram no âmbito das auditorias na prevenção de UP (22,6%) e quedas (26,7%). Emergem também com baixo nível de implementação as dimensões relacionadas com a Segurança na utilização da medicação - prescrição (D8; 41%), Cultura de segurança do ambiente interno (D1; 42,8%), PCIRA - formação e vigilância epidemiológica (D19; 46,3%), e Análise e prevenção de incidentes (49,5%).
Dimensões | Itens das Dimensões | n | % respostas positivas |
D1 Cultura da segurança interna | b1;b2;b3;b4; b5 | 998 | 42,8% |
D2 Segurança da comunicação - boas práticas | c2; c3; c4 | 992 | 69,2% |
D3 Segurança da comunicação - auditorias | c1; c5; c6; c7; c8 | 1001 | 29,9% |
As D4 Segurança cirúrgica - boas práticas | e1; e2; e3 | 994 | 72,8% |
D5 Segurança cirúrgica - auditorias | e4; e5, e6; e7,e8 | 976 | 41,6% |
D6 Segurança na utilização da medicação - boas práticas | f3; f4; f5 | 996 | 66,1% |
D7 Segurança na utilização da medicação - auditorias | f1; f7; f8; f9, f10 | 996 | 32,1% |
D8 Segurança na utilização da medicação - prescrição | f2, f6 | 990 | 41% |
D9 Identificação inequívoca - boas práticas | g1,g2,g3;g4 | 990 | 94,8% |
D10 Identificação inequívoca dos doentes - auditorias | g5; g6 g7; g8; g9 | 995 | 29,9% |
D11 Prevenção de quedas - boas práticas | h1; h2; h3; h4; h5 | 993 | 65,5% |
D12 Prevenção de quedas - auditorias | h6; h7; h8; h9 | 999 | 26,7% |
D13 Prevenção de úlceras de pressão - boas práticas | i1, i2; i3; i6; i7 | 991 | 72,8% |
D14 Prevenção de úlceras de pressão - auditorias | I8; i9; i10, i11 | 1001 | 22,6% |
D15 Prevenção de úlceras de pressão - recursos | i4; i5 | 1000 | 63,9% |
D16 Notificação de incidentes | j1; j2; j3; j4; j5 | 985 | 61,7% |
D17 Análise e prevenção de incidentes | j6; j7; j8; j9; j10 | 995 | 49,5% |
D18 Prevenção e controlo de infeção e resistências aos antimicrobianos (PCIRA) - boas práticas | k2, k3; k4; k5; k6 | 992 | 77,7% |
D19 PCIRA - formação e vigilância epidemiológica | k1, k7; k8, k9 | 999 | 46,3% |
No que se refere aos itens, verificou-se que, na perspetiva dos enfermeiros, nos BOs operatórios portugueses apenas 15 dos 79 itens (19%) apresentam um nível de implementação elevado (percentagem de respostas positivas ≥75%; Tabela 2). Estes itens relacionam-se fundamentalmente com as dimensões de boas práticas de identificação inequívoca (todos os itens da dimensão) de PCIRA (todos os itens com exceção do item k2, relacionado com as práticas de tricotomia) e de prevenção de UP (itens i3, i6 e i7). Surgem ainda com um nível de implementação elevado os itens relacionados com a aplicação da LVSC (e1: 88,5%), com promoção da comunicação com o doente (c2: 82,9%); com o acondicionamento dos medicamentos de alerta máximo (f4: 77%) e com a disponibilização de dispositivos médicos adequados à prevenção de quedas (h3: 75,6%).
Relativamente aos itens que apresentaram um nível de implementação mais baixo, os mais críticos, como podemos observar na Tabela 3, relacionam-se com a prática de auditorias, particularmente no que se refere à prevenção de UP (i9; i8; i11; i10). Os resultados também indicam a existência de uma baixa implementação de auditorias às práticas de prevenção de quedas (h6), à transmissão de informação nas transições de cuidados (c5) e às práticas seguras de medicação (f7). No âmbito dos aspetos relacionados com as auditorias, os aspetos mais críticos relacionam-se com a análise dos resultados com as equipas (i9; h7; c6; f8; g7) e com a avaliação do impacto das ações de melhoria resultantes das auditorias (i11; h9; g9, c8; f10). A utilização do sistema nacional de notificação surge igualmente como um dos itens com mais baixa implementação (j6).
Itens | n | % R. Positivas |
i9 - Os resultados das auditorias às práticas de prevenção de UP, são analisados em equipa | 1001 | 20,2% |
i8 - São realizadas no serviço auditorias internas semestrais às práticas de prevenção de UP | 1001 | 21,6% |
i11- É avaliado o impacto das ações de melhoria implementadas no âmbito das práticas de prevenção de UP, em função dos resultados das auditorias | 1001 | 23,2% |
j6 - Caso realize uma notificação utilizo o Sistema Nacional de Notificação de incidentes da DGS (NOTIFICA) | 999 | 23,6% |
i10 - São implementadas ações de melhoria em função dos resultados das auditorias às práticas de prevenção de UP | 1001 | 25,2% |
h6 - São realizadas no serviço auditorias internas semestrais às práticas para a prevenção e redução de quedas | 999 | 25,3% |
h7 - Os resultados das auditorias à implementação de práticas de prevenção e redução de quedas, são analisados em equipa | 1001 | 25,3% |
c6 - Os resultados das auditorias internas à transmissão de informação são analisados em equipa | 1001 | 26,4% |
h9 - É avaliado o impacto das ações de melhoria implementadas no âmbito da implementação de práticas de prevenção e redução de quedas, em função dos resultados das auditorias | 1001 | 26.5% |
f8 - Os resultados das auditorias às práticas seguras da medicação são analisados em equipa | 1000 | 26,9% |
g7 - Os resultados das auditorias no âmbito da identificação inequívoca dos doentes e o procedimento a realizar são analisados em equipa | 1000 | 27,2% |
c5 - São realizadas no serviço auditorias internas semestrais à transmissão de informação nas transições de cuidados | 1001 | 27,3% |
f7 - São realizadas no serviço auditorias internas semestrais às práticas seguras da medicação | 998 | 28,3% |
g9 - É avaliado o impacto das ações de melhoria implementadas no âmbito da identificação inequívoca dos doentes e o procedimento a realizar em função dos resultados das auditorias | 1001 | 28,4% |
c8 - É avaliado o impacto das ações de melhoria implementadas no âmbito da transmissão de informação nas transições de cuidados, em função dos resultados | 1001 | 28,9% |
f10 - É avaliado o impacto das ações de melhoria implementadas no âmbito das práticas seguras da medicação, em função dos resultados das auditorias | 1000 | 29% |
h8 - São implementadas ações de melhoria em função dos resultados das auditorias à implementação de práticas de prevenção de quedas | 1001 | 29,7% |
Discussão
A complexidade inerente à prestação de cuidados de saúde em BO torna a operacionalização das ações do PNSD fundamental para promover a SD e prevenir a ocorrência de incidentes. Caracterizar a perceção dos enfermeiros sobre a implementação do PNSD no BO permite realizar um diagnóstico identificando as ações com maior ou menor nível de implementação, numa perspetiva da melhoria contínua.
De uma forma global, existe uma grande margem de melhoria no âmbito da SD no BO, tendo em conta que mais de 50% das dimensões têm um baixo nível de implementação e apenas duas dimensões apresentam um nível de implementação elevado, nomeadamente no âmbito das boas práticas na identificação de doentes e de PCIRA. Os resultados indiciam boas práticas no que se refere à identificação dos doentes, revelando a preocupação na implementação de normas para prevenir a cirurgia no doente errado (DGS, 2013). Reconhece-se que a utilização da LVSC poderá ter reforçado esta temática, uma vez que preconiza a confirmação positiva, por parte do doente, de dois descritores relacionados com a sua identidade, bem como a confirmação da identidade do doente por toda a equipa (DGS, 2013). Acrescenta-se que a cirurgia no doente errado corresponde a um evento sentinela monitorizado no âmbito do projeto CSSV, estando sob o foco dos profissionais e das organizações (DGS, 2013). A elevação do programa PCIRA a um programa prioritário no âmbito da saúde tem desafiado os profissionais para uma implementação mais robusta das boas práticas de PCIRA, nomeadamente através da publicação de normas neste âmbito, que poderão ter contribuído para a promoção de boas práticas nos cuidados cirúrgicos (DGS, 2018). Adicionalmente, a utilização sistemática da LVSC, ao preconizar o rigor no horário de administração do antibiótico, bem como a verificação da conformidade dos indicadores dos processos de esterilização, também poderá ter reforçado a implementação das boas práticas neste domínio. O facto de se ter observado um decréscimo da taxa de incidência da ILC de 2013 para 2017, acompanha a perceção positiva da implementação de boas práticas no âmbito do PCIRA, corroborando os nossos resultados (DGS, Departamento da Qualidade na Saúde, 2018). Os resultados da dimensão das boas práticas no âmbito da prevenção das UP evidenciam uma percentagem de respostas positivas próximas de um nível de implementação considerado elevado, revelando que os enfermeiros identificam a suscetibilidade dos doentes cirúrgicos ao desenvolvimento de UP e se esforçam por melhorar este indicador, que se reconhece ser sensível aos cuidados de enfermagem (National Pressure Ulcer Advisory Panel et al., 2014). Por outro lado, no que se refere às dimensões percecionadas mais negativamente pelos profissionais surgem as dimensões relacionadas com as auditorias, todas com resultados negativos. Este facto revela que esta metodologia ainda não é utilizada de forma sistemática nos BOs para avaliar a conformidade da implementação das ações no âmbito da SD no BO, tal como preconizado pelo PNSD (Despacho n.º 1400-A/2015 do Ministério da Saúde, 2015). Os enfermeiros salientam como aspetos mais críticos, na auditoria, o facto de os resultados não serem discutidos em equipa, limitando a oportunidade de aprendizagem e envolvimento dos profissionais na discussão dos aspetos críticos a melhorar. A implementação da metodologia de auditoria exige formação dos profissionais, disponibilidade de recursos, e uma cultura de melhoria contínua com base na avaliação da conformidade dos processos e deteção de oportunidades de melhoria, devendo as organizações reunir esforços neste sentido. Admitimos que introdução de indicadores baseados em auditorias nos contratos programa poderá contribuir para um maior compromisso organizacional e individual com esta estratégia. Para além dos aspetos relacionados com as auditorias, a dimensão Segurança na utilização da medicação - prescrição (D8), surge como uma dimensão com baixo nível de implementação, o que vai ao encontro da literatura que reconhece que a maioria das prescrições é realizada de forma verbal (Boytim & Ulrich, 2018). Neste sentido, devem ser investidos esforços organizacionais para a formalização da prescrição no processo terapêutico, com o objetivo de diminuir os erros de medicação, nomeadamente por falhas na interpretação, potenciadas pelo ambiente stressante e ruidoso que caracteriza os BOs, pela utilização de máscaras que dificultam a comunicação e ainda pela utilização de medicamentos com nome ortográfico e/ou fonético e/ou aspeto semelhantes (LASA). Na perspetiva dos enfermeiros, a dimensão Cultura de segurança do ambiente interno (D1) também tem uma baixa implementação, o que poderá comprometer a SD, tendo em conta que a CSD é reconhecida como um dos principais fatores para a promoção da SD (DGS, Departamento da Qualidade na Saúde, 2018). É fundamental investir na formação dos profissionais no âmbito da SD, motivá-los a participar na avaliação da CSD, analisar os resultados com a equipa, implementar ações de melhoria e avaliar os resultados dessas ações, estabelecendo ciclos de melhoria contínua. Os profissionais também percecionam que é necessário maior investimento na formação e vigilância epidemiológica no âmbito da PCIRA (D19), apesar da diminuição da taxa de ILC e do aumento significativo do nº de organizações que participam na VE (DGS, Departamento da Qualidade na Saúde, 2018). Os enfermeiros perioperatórios consideram que a análise e prevenção de incidentes são áreas a melhorar, reconhecendo que não se reflete e aprende com os erros que acontecem, o que vai ao encontro dos resultados dos estudos de avaliação da CS, que identificam as dimensões de notificação como áreas críticas, tanto a nível nacional, como internacional (DGS, Departamento da Qualidade na Saúde, 2018). O sistema de notificação nacional de incidentes (NOTIFICA) não é utilizado pela maioria dos enfermeiros, tornando-se necessário compreender as causas desta baixa adesão. É fundamental motivar os profissionais a notificar como forma de descrever a epidemiologia dos incidentes de segurança e promover a aprendizagem com o erro. Perceber as causas dos incidentes, implementar medidas corretivas e preventivas e avaliar a eficácia das mesmas contribuirá de forma determinante para uma maior SD. A informação de retorno ao notificador é outro aspeto de crucial importância para demonstrar a importância da notificação na construção de sistemas mais resilientes. Esta investigação permitiu, de forma pioneira, realizar um diagnóstico da implementação da política de segurança nos BOs operatórios portugueses, contribuindo para um maior de conhecimento neste domínio. Embora tenha sido uma opção intencional do investigador, nesta fase do estudo, contemplar apenas a perceção dos enfermeiros considera-se esta opção uma limitação do estudo e que um melhor conhecimento da realidade beneficiaria do envolvimento de outros profissionais com responsabilidade na implementação das ações previstas no PNSD, nomeadamente anestesistas e cirurgiões. Neste sentido, seria pertinente, em estudos futuros, incluir os referidos grupos profissionais.
Conclusão
Os resultados indiciam oportunidades de melhoria na generalidade das dimensões de SD no BO. Destaca-se a necessidade de operacionalizar as auditorias internas, incentivando a aprendizagem organizacional e a melhoria contínua da cultura de segurança. A prescrição medicamentosa, a análise e prevenção de incidentes e a formação e vigilância epidemiológica no âmbito da PCIRA, constituem-se como áreas com necessidade de investimento urgente. Os resultados obtidos permitiram: a ampliação do conhecimento numa área prioritária no âmbito da política de segurança tendo em conta a inexistência de estudos neste contexto em Portugal; a realização uma avaliação diagnóstica da SD no BO, identificando áreas que requerem um investimento urgente por parte das organizações e dos investigadores, acrescentando-se que os presentes resultados poderão constituir uma linha basal para investigações futuras. Perceber se existem diferenças significativas na perceção dos diferentes grupos profissionais, bem como compreender os fatores que promovem e dificultam a implementação do PNSD seriam importantes focos de investigação.