Introdução
Várias políticas de saúde internacionais e nacionais enfatizam a necessidade de promoção da saúde mental (SM) e da literacia, da prevenção das perturbações mentais e da sua identificação precoce.
O Mental Health Action Plan 2013-2020 (Organização Mundial de Saúde [OMS], 2013), com extensão a 2030, salienta que os governos têm um papel importante na promoção e proteção da SM e prevenção das perturbações mentais nos estádios iniciais da vida, uma vez que até 50% das perturbações mentais em adultos têm o seu início antes dos 14 anos. A adolescência, enquanto transição entre a infância e a idade adulta constitui-se como uma fase de vida crítica para a SM. Jorm (2012, 2019) reforça que são várias as perturbações mentais que têm o seu pico de incidência nesta fase. Aproximadamente 16% das crianças e adolescentes, mundialmente, sofrem de alguma perturbação mental, sendo a prevalência de qualquer perturbação da ansiedade em crianças e adolescentes de 6,5% (OMS, 2018).
O Plano de Ação para a Literacia em Saúde 2019-2021 (Direção-Geral da Saúde (DGS), 2018), referindo a literacia em saúde (LS) como uma oportunidade para promover a saúde ao longo do ciclo de vida, atendendo às especificidades de cada fase de desenvolvimento, pretende melhorar os níveis de LS da população portuguesa em diferentes contextos. Tal como a LS se constitui uma importante estratégia para a promoção da saúde, a Literacia em Saúde Mental (LSM) é considerada uma estratégia significativa para a promoção da SM (Jorm, 2012). Se a LSM não for promovida pode constituir um obstáculo à procura de cuidados de SM baseados na evidência (Jorm, 2012), pela população em geral e pelos adolescentes em particular.
Atendendo a que a escola é o local onde os adolescentes passam a maior parte do seu tempo, salienta-se que o Programa Nacional de Saúde Escolar 2015 (DGS, 2015) apresenta a promoção da LS como um objetivo geral e a ansiedade como uma área de intervenção na adolescência.
Se por um lado, a adolescência representa uma fase de vida crítica para a SM, por outro lado, pelas caraterísticas desenvolvimentais, representa uma oportunidade para a implementação de intervenções psicoeducacionais de promoção da LSM, nomeadamente sobre a ansiedade. Neste contexto, o presente estudo tem como objetivo identificar as componentes de uma intervenção psicoeducacional de promoção da LSM sobre a ansiedade para adolescentes em contexto escolar, contribuindo para o desenho dessa intervenção psicoeducacional.
Enquadramento
O termo “literacia em saúde” terá sido utilizado pela primeira vez por Scott Simonds, em 1973, durante uma conferência interdisciplinar, no estado de Nova Iorque, na qual era discutido o futuro da educação para a saúde enquanto política social, nos Estados Unidos da América. Na década de 90, a OMS através do trabalho desenvolvido por Don Nutbeam definiu a LS como “a capacidade para aceder, compreender e utilizar a informação de forma a promover e manter uma boa saúde” (Nutbeam et al., 1993, p. 151). No início do século XXI, a LS tornou-se um tema amplamente discutido e investigado, salientando-se o trabalho desenvolvido ao longo dos anos por Sørensen et al. (2012). Estes autores referem que a LS implica o conhecimento, a motivação e as competências para aceder, compreender, avaliar e aplicar informação; para fazer juízos e tomar decisões no dia-a-dia sobre cuidados de saúde, prevenção de doenças e promoção da saúde, para manter e melhorar a qualidade de vida e propuseram um modelo integrado de LS assente nestes três domínios (Sørensen et al., 2012). Salientam que as diferentes definições se referem à LS como um conceito multidimensional, complexo e heterogéneo e reforçam a estreita interligação entre o conceito de LS e o conceito atual de promoção da saúde (Sørensen et al., 2012). A LS tornou-se um objeto de interesse interdisciplinar que atingiu o seu auge em 2016, na 9ª Conferência Global de Promoção da Saúde da OMS, em Xangai, na China.
O conceito de LSM foi definido em 1997 por Jorm e colaboradores (Jorm et al.,1997). Estes autores consideraram que Nutbeam et al. (1993) propuseram vários objetivos relativos à LS em relação a várias doenças físicas, omitindo qualquer menção à LS para promover e manter uma boa SM (Jorm, 2019). Impulsionados por esta omissão, Jorm et al. (1997) definiram a LSM como o conhecimento e as crenças sobre as perturbações mentais que ajudam no seu reconhecimento, gestão e prevenção. Posteriormente, o autor distinguiu várias componentes no conceito de LSM: 1) conhecimento sobre como prevenir as perturbações mentais; 2) reconhecimento de quando uma perturbação mental se está a desenvolver; 3) conhecimento sobre opções de procura de ajuda e tratamentos disponíveis; 4) conhecimento sobre estratégias eficazes de autoajuda, para problemas menos graves; 5) competências de primeira ajuda/primeiros socorros em SM, para ajudar outros quando desenvolvem uma perturbação mental ou estão em situação de crise (Jorm, 2012). O autor alerta que uma característica importante desta definição é que não se trata simplesmente do conhecimento sobre a SM ou sobre as perturbações mentais, mas sim o conhecimento ligado à ação, ou seja, o conhecimento que uma pessoa pode usar para adotar medidas práticas para beneficiar a sua própria SM ou a SM dos outros (Jorm, 2019).
Mais recentemente, Kutcher e colaboradores estenderam o conceito de LSM, integrando quatro componentes distintas, mas relacionadas: 1) compreender como otimizar e manter uma boa saúde mental; 2) compreender as perturbações mentais e seus tratamentos; 3) reduzir o estigma; 4) aumentar a eficácia na procura de ajuda (Kutcher et al., 2015). Embora consistente com a definição de Jorm e colaboradores (Jorm et al., 1997; Jorm, 2012), os autores salientam que este conceito de LSM se estendeu para facilitar a tomada de decisão em saúde, abordando os principais fatores para a determinação dos resultados de saúde mental e podendo ser aplicada num nível individual e populacional (Kutcher et al., 2015).
Originalmente, o conceito de LSM foi desenvolvido para adultos, no entanto tem sido alargado aos adolescentes, uma vez que esta é uma fase da vida significativa para o início das perturbações mentais e, simultaneamente, os adolescentes podem não ter o conhecimento ou a experiência para lidar eficazmente com os seus problemas de SM ou com os problemas de SM dos seus pares (Jorm, 2012; Jorm, 2019).
Vários autores enfatizam que o contexto escolar representa um cenário importante para o desenvolvimento de intervenções de promoção da LSM em adolescentes (Kutcher et al., 2015; Jorm, 2012; Campos et al., 2018). A reduzida LSM dos adolescentes, nomeadamente sobre a ansiedade, reforça a necessidade de serem desenvolvidas intervenções de promoção da LSM em contexto escolar. No entanto, apesar de terem sido encontrados alguns estudos, estas intervenções carecem de mais investigação (Morgado & Botelho, 2014).
As intervenções psicoeducacionais podem ser desenvolvidas como estratégia de promoção da LSM por vários profissionais de SM e psiquiatria, nomeadamente psiquiatras, pedopsiquiatras, psicólogos e enfermeiros especialistas em enfermagem de saúde mental e psiquiátrica (ESMP), entre outros. Em Portugal, de acordo com o Regulamento de Competências Específicas do Enfermeiro Especialista em ESMP (Regulamento n.º 515/18, 2018), estes enfermeiros especialistas desenvolvem e implementam projetos de promoção e proteção da SM e prevenção da perturbação mental na comunidade e grupos, mobilizando competências psicoterapêuticas, socioterapêuticas, psicossociais e psicoeducacionais. Segundo o Regulamento dos Padrões de Qualidade dos Cuidados Especializados em ESMP (Regulamento n.º 356/15, 2015), a psicoeducação é uma forma específica de educação que promove a compreensão e o insight sobre os problemas e/ou perturbações de SM, a aprendizagem e o treino de estratégias de gestão e/ou resolução. Promove também a capacidade de reconhecer os diferentes aspetos relacionados com a SM ou com as perturbações mentais, sabendo como procurar informação acerca da SM e desenvolvendo o conhecimento sobre os fatores de risco e causas; os tratamentos; os profissionais disponíveis e as atitudes que promovam o reconhecimento e adequada busca de ajuda (Regulamento n.º 356/15, 2015). Além destes aspetos, a psicoeducação também facilita o desenvolvimento de competências pessoais, que têm demonstrado promover a SM e têm ajudado as pessoas a exercer mais controlo sobre sua vida e sobre o ambiente em que vivem (Regulamento n.º 356/15, 2015).
Questões de investigação
Quais as componentes de uma intervenção psicoeducacional de promoção da LSM sobre a ansiedade para adolescentes em contexto escolar?
Metodologia
Na etapa de modelagem de processos e resultados da fase de desenvolvimento de intervenções complexas, de acordo com a Medical Research Council Framework (Craig et al., 2013), realizou-se um estudo exploratório, descritivo, de natureza qualitativa, com recurso a dois grupos focais como técnica de recolha de dados e à análise de conteúdo segundo Bardin (2011).
O grupo focal é um método de investigação qualitativa de recolha de dados que utiliza a interação na discussão de um grupo de participantes como fonte dos dados e que reconhece o papel ativo do investigador/moderador na dinamização da discussão sobre um determinado assunto (Krueger & Casey, 2014; Silva et al., 2014).
Os autores referem que os participantes que compõem o grupo focal devem ter alguma característica em comum e relevante face ao tema em discussão e sugerem entre quatro a 12 participantes (Krueger & Casey, 2014; Silva et al., 2014).
No presente estudo, foram definidos os critérios de seleção dos participantes para ambos os grupos focais. Para o primeiro grupo focal: 1) ser profissional da saúde ou da educação com experiência profissional de, pelo menos, cinco anos; 2) ter experiência profissional com adolescentes em contexto escolar. Para o segundo grupo focal: 1) ser adolescente; 2) estudar no 9º ano de escolaridade. Face a estes critérios de seleção constituiu-se uma amostra não probabilística, por conveniência, com 12 participantes: seis profissionais de saúde ou da educação e seis adolescentes no 9º ano de escolaridade.
Relativamente ao moderador, este representa um elemento crucial no desenvolvimento dos grupos focais (Krueger & Casey, 2014), pelas suas competências de moderação e de dinâmica de grupos, devendo: 1) promover a expressão de opiniões dos participantes num ambiente confortável e de respeito, sem juízos; 2) questionar, ouvir, manter a conversação e certificar-se que cada participante tem oportunidade de participar. Para aumentar a eficácia do processo, Krueger e Casey (2014) salientam a importância de existir uma equipa de moderadores: 1) um moderador, que teria o papel principal de conduzir e manter a discussão; 2) um auxiliar de moderação ou observador não participante na discussão, com o papel de gerir o equipamento de gravação, estar atento às condições logísticas e do ambiente físico, dar resposta a interrupções inesperadas e tomar notas sobre a discussão do grupo. Neste estudo, o papel de moderadora foi assumido pela investigadora, enfermeira especialista em ESMP e o papel de observador não participante por uma enfermeira especialista em enfermagem de saúde infantil e pediátrica (ESIP).
Vários autores sugerem que os grupos focais se desenvolvam em cinco fases: planeamento, preparação, moderação, análise dos dados e divulgação dos resultados (Krueger & Casey, 2014; Silva et al., 2014). Neste sentido, foi definido um guião de atividades para cada uma das fases que iria constituir os grupos focais: planeamento, preparação, moderação (introdução, desenvolvimento e conclusão), análise dos dados e divulgação dos resultados (Tabela 1).
Fase | Atividade | |
Planeamento | Definição dos objetivos do grupo focal Definição da estrutura do grupo focal Definição do n.º de grupos, do n.º de participantes e da duração do grupo focal. | |
Preparação | Seleção e recrutamento dos participantes. Obtenção do consentimento informado dos participantes/representantes legais. Definição do moderador e observador não participante. Definição dos tópicos de discussão e formulação das questões orientadoras do grupo focal. Avaliação das condições logísticas (local, materiais necessários). | |
Moderação | Introdução | Agradecimento pela disponibilidade e participação no grupo de discussão. Apresentação do moderador e do observador não participante. Apresentação dos restantes participantes. Referências às questões éticas relacionados com o estudo. Garantia da confidencialidade das informações. Informação global sobre a natureza do grupo focal e sua importância para o estudo. Disponibilização para eventuais esclarecimentos de dúvidas. |
Desenvolvimento | Apresentação da finalidade e dos objetivos do estudo. Contextualização breve da fase do processo de investigação. Apresentação dos objetivos específicos do grupo focal. Apresentação das questões orientadoras. Dinamização da discussão em grupo. | |
Conclusão | Agradecimento pela disponibilidade e colaboração de todos os participantes. Garantia da confidencialidade da informação veiculada no grupo focal, por cada participante. Garantia de que os resultados do estudo possam ser divulgados na comunidade científica. Partilha de opiniões relativas à satisfação com a participação no grupo focal, esclarecimento de dúvidas e possíveis sugestões. | |
Análise e divulgação dos resultados | Análise dos resultados. Elaboração do relatório do grupo focal. Divulgação dos resultados. |
Foram definidas questões orientadoras comuns a ambos os grupos focais, que facilitaram a fase de moderação (Tabela 2).
Questões |
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Quais as situações em que os adolescentes em contexto escolar evidenciam maiores níveis de ansiedade, que justificam a pertinência desta temática? |
Qual o nível de ensino prioritário para o desenvolvimento de uma intervenção psicoeducacional de promoção da LSM sobre a ansiedade em adolescentes? |
Quais os conteúdos pertinentes para uma intervenção psicoeducacional de promoção da LSM sobre a ansiedade para adolescentes em contexto escolar? |
Qual o número de sessões mais adequado para o desenvolvimento dessa intervenção psicoeducacional? |
Qual a duração mais adequada para cada uma das sessões dessa intervenção psicoeducacional? |
Quais os métodos, as técnicas pedagógicas e os recursos didáticos mais adequados para o desenvolvimento dessa intervenção psicoeducacional? |
Quais as estratégias de avaliação mais adequadas para essa intervenção psicoeducacional? |
Quais as condições necessárias para que esta intervenção psicoeducacional de promoção da LSM sobre a ansiedade para adolescentes em contexto escolar seja exequível? |
Outras sugestões a acrescentar? |
Nota. LSM = Literacia em Saúde Mental.
Relativamente às considerações éticas, foi obtido o consentimento informado, livre e esclarecido dos profissionais de saúde e da educação, dos adolescentes e respetivos representantes legais, para a participação nos grupos focais e para a gravação de áudio. Foram também salvaguardados: a voluntariedade dos participantes, o anonimato, a confidencialidade e a possibilidade destes poderem desistir a qualquer momento, sem nenhum prejuízo. O presente estudo foi autorizado pela direção do contexto escolar onde foi desenvolvido e, integrando um estudo de investigação mais alargado, obteve parecer favorável da Comissão de Ética para a Saúde da Administração Regional de Saúde do Centro, em Portugal (Estudo 71/2015).
O primeiro grupo focal decorreu no dia 13 de maio de 2015 e o segundo grupo focal, no dia 29 de junho de 2015, com a duração de 90 minutos, o que vai ao encontro da opinião de vários autores (Krueger & Casey, 2014; Silva et al., 2014). As respostas audiogravadas dos participantes, em ambos os grupos focais e as notas de campo, do observador não participante, foram transcritas e submetidas à análise de conteúdo segundo Bardin (2011), de acordo com as três etapas: 1) pré-análise; 2) exploração; 3) tratamentos dos resultados e interpretação.
Nesta última etapa da análise de conteúdo, os resultados são tratados de modo a serem significativos e válidos, a partir dos quais o investigador pode propor inferências e interpretações, a propósito dos objetivos previstos ou de descobertas inesperadas (Bardin, 2011).
Resultados
O presente estudo teve 12 participantes (Tabela 3). No Grupo Focal 1, participaram seis profissionais de saúde e da educação, com a média de idades de 53 anos (DP = 4,05 anos), que variaram entre os 47 e os 59 anos e com elevada experiência profissional, com a média de 31,83 anos (DP = 5,27 anos), variando entre os 24 e os 40 anos. No Grupo Focal 2 participaram seis adolescentes no 9º ano de escolaridade, com a média de idades de 14,33 anos (DP = 0,52).
Características | N | % | ||
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Grupo Focal 1 (P1 a P6) | Sexo | Feminino | 5 | 83,3 |
Masculino | 1 | 16,7 | ||
Formação Académica | Licenciatura | 3 | 50,0 | |
Mestrado | 2 | 33,3 | ||
Doutoramento | 1 | 16,7 | ||
Atividade Profissional Principal | Professores do Ensino Básico - 3º ciclo | 2 | 33,3 | |
Enfermeiros | 4 | 66,7 | ||
Enfermeiros Especialistas ESMP | 1 | 16,7 | ||
Enfermeiros Especialistas ESC | 1 | 16,7 | ||
Enfermeiros Especialistas ESIP | 1 | 16,7 | ||
Enfermeiros Especialistas ER | 1 | 16,7 | ||
Grupo Focal 2 (P7 a P12) | Sexo | Feminino | 3 | 50,0 |
Masculino | 3 | 50,0 |
Nota. P = Participantes; ESMP = Enfermagem de Saúde Mental e Psiquiátrica; ESC = Enfermagem de Saúde Comunitária; ESIP = Enfermagem de Saúde Infantil e Pediátrica; ER = Enfermagem de Reabilitação.
Na etapa de pré-análise segundo Bardin (2011) foram analisadas as respostas transcritas e as notas de campo do observador não participante, inicialmente de forma individual para cada grupo focal e posteriormente de forma triangulada.
Seguidamente, na etapa de exploração (Bardin, 2011), procedeu-se à codificação e à categorização, de onde emergiram seis categorias, 19 subcategorias e 53 unidades de registo (Tabela 4).
Na etapa de tratamento dos resultados e interpretação (Bardin, 2011), foi possível identificar as componentes da intervenção psicoeducacional de promoção da LSM sobre a ansiedade para adolescentes em contexto escolar e que contribuíram para o seu desenho preliminar. Mais especificamente: 1) a temática, confirmando a sua pertinência; 2) os destinatários, identificando os adolescentes no 9º ano de escolaridade; 3) os conteúdos, considerados relevantes pelos participantes; 4) a estrutura, relativamente ao número de sessões, à duração, aos métodos pedagógicos, às técnicas pedagógicas, aos recursos didáticos e às estratégias de avaliação. Foi possível identificar outras sugestões referidas pelos participantes, relativas às condições para a exequibilidade da intervenção psicoeducacional e à necessidade de desenvolver formação também para os encarregados de educação e para a comunidade escolar, desde os professores aos assistentes operacionais e outros técnicos, que lidam diariamente com os adolescentes, em contexto escolar.
Globalmente, todos os conteúdos sugeridos pelos participantes nestes grupos focais foram organizados em quatro sessões, de 90 minutos. A primeira sessão foi denominada de “saúde mental e ansiedade nos adolescentes”; a segunda sessão, de “estratégias de promoção, prevenção, gestão e autoajuda”; a terceira sessão, de “ações de primeira ajuda e procura de ajuda profissional” e a quarta sessão foi intitulada “da promoção e prevenção à procura de ajuda profissional”.
Para todas as sessões, foi realizado um plano de sessão, no qual se apresentam: o objetivo geral; os objetivos específicos; a organização e a distribuição dos conteúdos pelas fases de introdução, desenvolvimento e conclusão, com o planeamento do tempo; os métodos e as técnicas pedagógicas; os recursos didáticos e as estratégias de avaliação. Relativamente aos métodos pedagógicos, foram sugeridos: expositivo; interrogativo; demonstrativo e ativo, salientando a importância deste na intervenção com adolescentes. Em relação às técnicas pedagógicas, foram integradas as seguintes sugestões: 1) apresentações em powerpoint; 2) demonstração e treino das técnicas de respiração e relaxamento; 3) trabalhos de grupo e exposição oral perante a turma; 4) dinâmicas de grupo; 5) jogos pedagógicos; 6) jogos de papéis/role-playing/dramatização. Na operacionalização destes métodos e técnicas pedagógicas foi planeada a utilização de diversos recursos didáticos. As estratégias de avaliação planeadas tiveram em conta a função diagnóstica, formativa e sumativa, gerando indicadores de resultado e de processo, utilizando: 1) um questionário de avaliação da LSM antes e após a intervenção; 2) questões, realizadas oralmente durante as sessões, cujas respostas são monitorizadas através de uma grelha de observação; 3) breves questionários, a aplicar no final de cada sessão.
Esta intervenção psicoeducacional de promoção da LSM sobre a ansiedade para adolescentes em contexto escolar foi denominada “ProLiSMental”.
Discussão
O presente estudo permitiu identificar as componentes da intervenção psicoeducacional “ProLiSMental” e contribuiu para o seu planeamento e desenho preliminar, emergindo novo conhecimento científico.
Não existindo consenso entre os autores (Krueger & Casey, 2014) e reconhecendo que o número de participantes, nos grupos focais, possa ter sido uma limitação, salientamos todos os contributos pertinentes e enriquecedores deste estudo.
Tal como é recomendado por vários autores (Sermeus, 2015; Bleijenberg et al., 2018), na fase de modelagem dos processos e resultados de intervenções complexas, foram envolvidos adolescentes e profissionais da saúde e da educação, tornando a intervenção específica para a população e para o contexto. Foi possível identificar as condições facilitadoras para a exequibilidade desta intervenção psicoeducacional, explorando minuciosamente o contexto, tal como é sugerido por Bleijenberg et al. (2018). A sugestão dos participantes, nestes grupos focais, para incluir os encarregados de educação e a restante comunidade escolar, nomeadamente os professores, vai ao encontro do trabalho desenvolvido por outros autores (Campos et al., 2018; Kutcher et al., 2015) e apresentam-se como oportunidades de investigação e intervenção futuras.
Simultaneamente, este estudo contribuiu para a identificação do nível de ensino prioritário para o desenvolvimento desta intervenção, indo ao encontro de outros estudos de promoção da LSM de adolescentes, realizados em Portugal (Campos et al., 2018).
Relativamente aos conteúdos da intervenção, este estudo permitiu confirmar, em contexto real, as necessidades já identificadas anteriormente pelos investigadores (Morgado & Botelho, 2014) e na teoria de suporte identificada (Jorm et al., 1997; Jorm, 2012; Nutbeam, 1993; Sørensen et al., 2012).
Em relação à estrutura e mais especificamente ao número de sessões, as sugestões dos participantes, vão ao encontro do desenvolvimento de intervenções psicoeducacionais breves para promoção da LSM desenvolvidas por outros autores (Campos et al., 2018). Apesar de alguns estudos (Morgado & Botelho, 2014) evidenciarem que intervenções com número de sessões superior a 10 foram eficazes até três meses após e intervenções mais curtas, apenas até quatro semanas após, Brown (2018) salienta que o tema/assunto e o contexto podem influenciar o número de sessões e a respetiva duração. A autora reforça que o período de 40 a 75 minutos é razoável para crianças e adolescentes com idades superiores a nove anos, sendo que sessões que vão além dos 60 minutos deverão ter uma elevada variabilidade de atividades, para requerer a atenção dos participantes (Brown, 2018). Neste estudo, os resultados sugeriram a duração de 45 a 90 minutos para as sessões, tendo-se optado pelo período mais longo, para facilitar a utilização de métodos ativos e técnicas pedagógicas mais dinâmicas. Brown (2018) alerta também que grupos com mais de 10 elementos deverão ter mais do que um dinamizador.
Este estudo deu ainda contributos importantes para a definição de indicadores de processo e resultado, tal como é preconizado na modelagem dos processos e resultados de intervenções complexas (Sermeus, 2015; Bleijenberg et al., 2018).
Adicionalmente, este estudo forneceu informações sobre as competências necessárias aos dinamizadores e como estes devem ser preparados e treinados para desenvolver a intervenção psicoeducacional “ProLiSMental”, tal como é sugerido por Bleijenberg et al. (2018).
Após o desenho preliminar da intervenção psicoeducacional “ProLiSMental” e, ainda na etapa de modelagem dos processos e resultados da fase de desenvolvimento de intervenções complexas, Sermeus (2015) e Bleijenberg et al. (2018) sugerem a obtenção de consensos. Esta pode ocorrer, por exemplo, através da realização de um estudo de Delphi com peritos que, neste caso, facilita a avaliação da validade de conteúdo da intervenção psicoeducacional “ProLiSMental”.
Conclusão
Este estudo contribuiu para o desenho preliminar da intervenção psicoeducacional “ProLiSMental”, com o envolvimento de adolescentes e profissionais da saúde ou da educação. Esta intervenção integra quatro sessões, planeadas para se desenvolverem semanalmente durante 90 minutos, em contexto escolar, com adolescentes no 9º ano de escolaridade, recorrendo de forma gradual ao longo das sessões, a métodos cada vez mais ativos e técnicas dinâmicas. As sessões foram planeadas de modo a garantir, gradualmente, o acesso, a compreensão e a capacitação dos adolescentes para a utilização de informação útil, que facilite a promoção da saúde mental, a prevenção e a gestão da ansiedade. Desta forma, a intervenção psicoeducacional “ProLiSMental” procura aumentar a LSM sobre a ansiedade dos adolescentes em contexto escolar.
Outras implicações do desenvolvimento da intervenção psicoeducacional “ProLiSMental”, para a prática, relacionam-se com o facto de se disponibilizar aos enfermeiros especialistas em ESMP uma intervenção sistematizada e rigorosamente desenhada e a possibilidade de articulação e estabelecimento de redes, quer entre os enfermeiros de diferentes áreas de especialidade, quer com outros profissionais da saúde e da educação. Simultaneamente, a criação de redes entre os cuidados de saúde primários, a comunidade escolar e os cuidados de saúde diferenciados de pedopsiquiatria, poderá facilitar a identificação e a intervenção precoces.
Como implicações para a investigação e na perspetiva das intervenções complexas, emerge a necessidade de avaliar a validade de conteúdo da intervenção psicoeducacional “ProLiSMental”, avaliar a sua viabilidade e de prosseguir nas restantes fases de avaliação e implementação. Sugere-se aumentar a amostra de adolescentes e avaliar a adaptação da intervenção psicoeducacional “ProLiSMental” para os encarregados de educação, para os professores e restante comunidade escolar. Reforça-se a necessidade do estabelecimento de redes também com as estruturas facilitadoras dos processos investigativos como unidades ou núcleos de investigação, que promovam a colaboração e a assessoria nos processos de avaliação da efetividade desta intervenção psicoeducacional.
Relativamente às implicações para a educação, numa perspetiva global do sistema de ensino português, o desenvolvimento desta intervenção psicoeducacional poderá trazer desafios, no sentido da integração destes conteúdos nos planos curriculares e reforçar a importância da intervenção de enfermagem especializada em ESMP, ao nível da saúde escolar. Na perspetiva do ensino de enfermagem, tem implicações para a formação académica e profissional dos enfermeiros especialistas em ESMP.