Introdução
A pertinência das famílias nos cuidados de saúde tem levado à implementação de políticas de saúde, que assumem o compromisso de integrar as famílias nos cuidados de saúde, com o objetivo de promover e manter a saúde familiar. Em Portugal, o reconhecimento da relevância da família nos cuidados de saúde levou à regulamentação das competências específicas do enfermeiro especialista em enfermagem de saúde familiar, que suporta a importância de termos profissionais de enfermagem com formação especializada para trabalhar com as famílias (Silva et al., 2013). Consideramos que a conceptualização dos cuidados de enfermagem face à família, tendo-a como foco de atenção, se poderá desenvolver quer ao nível dos cuidados de saúde primários, quer em contexto hospitalar, pois é fundamental que os cuidados de enfermagem sejam centrados na família, independentemente do contexto clínico em que os mesmos se desenvolvem (Fernandes et al., 2015).
A relação entre enfermeiros e familiares é central para a qualidade da prática clínica em enfermagem, e são hoje várias as investigações que procuram perceber a importância atribuída à família pelos enfermeiros e de que forma a valorização da família por parte destes profissionais, determina o sucesso dos cuidados de enfermagem prestados (Hagedoorn et al., 2017; Østergaard et al., 2020).
As atitudes dos enfermeiros em relação ao envolvimento da família afetam a sua disposição de interagir e envolver as famílias no cuidado em enfermagem, e o conhecimento das atitudes dos enfermeiros face à família ajuda-nos a compreender de que forma os enfermeiros contextualizam o indivíduo e os seus processos de saúde ou doença, no seio do seu contexto familiar. Por outro lado, permitem ao enfermeiro conhecer as forças que a família detém, de modo a que, em conjunto e num trabalho de parceria, consigam planear intervenções que vão ao encontro das necessidades da família.
Apesar das evidências científicas revelarem uma atitude favorável dos enfermeiros em relação à importância dada à família nos cuidados de enfermagem, na prática, as intervenções de enfermagem às famílias, em especial em ambiente hospitalar, são em número reduzido (Fernandes et al., 2015).
A resistência à integração das famílias nos cuidados de enfermagem deve ser desconstruída, pois é de extrema importância que os cuidados de enfermagem sejam centrados na família, desenvolvendo-se uma parceria de cuidados, que exige ao enfermeiro uma mudança de atitude, que leve ao entendimento do mesmo sobre a importância de integrar as famílias no processo de cuidar. Segundo Henriques e Santos (2019), é necessário dotar os enfermeiros de conhecimentos e competências que possibilitem o conhecimento e compreensão das dinâmicas internas da família.
Compreender a perspetiva dos enfermeiros e estudantes de enfermagem em relação à integração das famílias no processo de cuidar permitir-nos-á conhecer qual o caminho que há a percorrer na ciência de enfermagem, para que a integração das famílias nos cuidados de enfermagem, seja uma realidade efetiva em todas as áreas de atuação do enfermeiro, independentemente da sua área de especialidade.
Assim, o objetivo desta investigação visa: identificar e descrever a perspetiva dos enfermeiros e estudantes de enfermagem, acerca da importância da integração das famílias, na prestação de cuidados de enfermagem.
Enquadramento
A Ordem dos Enfermeiros (2011, p. 6), define família com sendo
um grupo de seres humanos, vistos como unidade social ou um todo coletivo, composta por elementos ligados através da consanguinidade, afinidade emocional ou parentesco legal, sendo vista para além dos indivíduos e da sua relação sanguínea de parentesco, relação emocional ou legal, incluindo pessoas relevantes para o utente, que constituem partes do grupo.
Existem vários papéis na estrutura familiar, os papéis familiares surgem e modificam-se para ajudar as famílias a realizarem as transições para novos estádios ao longo da sua vida e para satisfazerem as suas necessidades em cada estádio (Dias, 2011).
A unidade de suporte a todos aqueles que carecem de cuidados, sejam crianças, jovens, adultos ou idosos, em Portugal é a família.
O conceito de enfermagem de saúde familiar envolve três conceitos que dizem respeito ao indivíduo, à família e à comunidade, com o objetivo centrado na promoção da saúde familiar. Os enfermeiros de saúde familiar procuram ajudar as famílias a identificar os seus problemas, mobilizar as estratégias de coping e os recursos necessários, sejam estes a nível individual ou coletivo (Hagedoorn et al., 2017).
Os cuidados de enfermagem à família devem centrar-se na interação entre enfermeiro e família, implicando a criação de uma relação interpessoal significativa e terapêutica. O enfermeiro deve reconhecer a família como sujeito do seu processo de viver e de se cuidar, com direitos e deveres. Cabe ao enfermeiro a responsabilidade de ouvir, ser sensível, estar presente, comprometer-se, lutar, respeitar e garantir os direitos da família nos serviços de saúde; deve também participar na elaboração e implementação de políticas e programas de saúde que visam a saúde e o bem-estar das famílias (Cossette et al., 2016). Por outro lado, o modelo de parceria de cuidados, onde se procura envolver a família nos cuidados de enfermagem, deve ser adequadamente conceptualizado e aplicado pelo enfermeiro, já que o profissional por um lado não deverá sentir-se ameaçado pela presença do familiar, por outro, o familiar não deve ser visto como um elemento que vai substituir algumas das suas funções. Os enfermeiros, independentemente da área de especialidade, devem estar habilitados e mostrarem-se capazes de envolver as famílias em todos os domínios da sua prática clínica, promovendo a capacitação e empoderamento da família na resolução dos seus problemas.
Para que a integração das famílias no processo de cuidar seja uma realidade, é necessário que os cuidados de enfermagem sejam centrados na família, numa parceria de cuidados, o que obriga a uma mudança de perspetiva e atitude dos enfermeiros (Fernandes et al., 2015).
Os enfermeiros que mostram atitudes mais favoráveis face ao envolvimento das famílias nos cuidados sabem que a relação recíproca entre enfermeiro e família é fundamental. Neste sentido, o enfermeiro deve procurar preparar e capacitar a família na prestação e envolvimento nos cuidados de cooperação, de forma a obter uma maior qualidade nos cuidados prestados (Kholiaf et al., 2018). Para Lozano et al. (2019), as intervenções de enfermagem que visam capacitar a família na prestação e envolvimento em cuidados de colaboração devem centrar-se em dar segurança, aumentar a proximidade do doente e da família/pessoa significativa, tratar de informação, facilitar o conforto e reforçar o apoio.
Um estudo realizado por Fernandes et al. (2015), que se debruçou sobre as atitudes dos enfermeiros perante a inclusão das famílias nos cuidados de enfermagem, revela que grande parte dos enfermeiros portugueses que trabalham nos cuidados de saúde diferenciados tem uma atitude positiva para com as famílias, o que representa um indicador favorável para a integração das famílias no processo de cuidados, no entanto, as intervenções de enfermagem às famílias em ambientes hospitalares são diminutas, privilegiando a família como contexto e não como foco. O mesmo estudo conclui que os enfermeiros devem ter conhecimentos e competências para avaliar e intervir na família. Neste sentido, Santos (2012) considera que o modelo de avaliação familiar de Calgary possibilita que os enfermeiros realizem uma avaliação familiar rigorosa, levando à identificação das necessidades de intervenção de cada família.
Questão de Investigação/Hipóteses
Qual a perspetiva dos enfermeiros e estudantes de enfermagem sobre a importância da integração das famílias nos cuidados de enfermagem?
H1 - Existem diferenças estatisticamente significativas entre as variáveis: idade, anos de experiência profissional, sexo, categoria profissional, escolaridade, formação na área da família e a importância da integração das famílias nos cuidados de enfermagem.
Metodologia
Primeiramente foi realizada uma revisão integrativa da literatura, partindo da questão: Qual é a perspetiva dos enfermeiros e estudantes de enfermagem (P - participantes), acerca da importância da integração das famílias na prestação de cuidados de enfermagem (I - fenómeno de interesse), ao nível do contexto hospitalar ou dos cuidados de saúde primários (Co - contexto)?, utilizando como descritores families and nursing care and nurses or nursing students, de forma a percebermos os estudos existentes neste domínio datados entre 2015 a 2020. Verificou-se a existência de diminutos estudos de investigação nesta área, em Portugal e no mundo, já que percorrendo as bases de dados da SciELO, e as bases de dados que integram a EBSCOhost® (MEDLINE, CINAHL, Cochrane, Health Technology Assessments, MedicLatina, and Psychology and Behavioral Sciences Collection) e a Web of Science, foram encontrados 601 estudos, sendo que somente 223 se aproximavam da temática em estudo. Verificou-se que a maioria destes estudos diziam respeito à enfermagem de saúde infantil e pediátrica, onde a parceria de cuidados entre família/enfermeiros é muito presente. No que concerne à perspetiva dos estudantes sobre a importância da integração das famílias nos cuidados de enfermagem, foram encontrados 10 estudos que de alguma forma tocavam nesta temática.
Posteriormente, foi realizado um estudo transversal entre 2019 e 2020, a uma população (N = 164) de enfermeiros e estudantes de enfermagem a trabalhar e/ou a estudar na região centro de Portugal. Como critérios de inclusão no estudo temos: enfermeiros na prática clínica em Portugal (a exercer nos cuidados de saúde primários ou em cuidados de saúde diferenciados); estudantes de enfermagem no último ano do curso de licenciatura em enfermagem em Portugal.
Na realização do estudo foram respeitados todos os preceitos éticos de acordo com a Declaração de Helsínquia, nomeadamente a assinatura do consentimento informado e esclarecido de todos os indivíduos que participaram neste estudo. O estudo foi aprovado pela Comissão de Ética da Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem da Escola Superior de Enfermagem de Coimbra (Parecer 561/02-2019).
A escala utilizada na recolha da informação foi a escala Families’ Importance in Nursing Care - Nurses’ Attitudes (FINC-NA;Benzein et al., 2008) scale. É uma escala de autopreenchimento, composta por 26 itens que utiliza uma escala de concordância de estrutura tipo Likert (quatro opções) a variar entre discordo completamente (1 ponto) até concordo completamente (4 pontos), o que significa que a variável dependente Importância atribuída à família pode variar entre um score mínimo de 26 e um score máximo 104 pontos. No Fator 3 desta escala, os itens são invertidos para que a maior pontuação corresponda a uma maior importância atribuída à família. A escala foi validada para a população portuguesa por Oliveira et al. (2011), tendo apresentado um alfa de Cronbach total de 0,87, de 0,90 no fator 1, de 0,84 no fator 2 e de 0,49 no fator 3.
A análise dos dados foi feita com recurso à versão 23.0 do IBM SPSS Statistics. Foi feita a análise descritiva das principias variáveis independentes: Idade, Anos de serviço, Sexo, Escolaridade, Categoria profissional, e Formação na área da família. De seguida, é caracterizada a variável dependente Importância da família nos cuidados de enfermagem.
Com o objetivo de testar a normalidade da amostra, foi utilizado o teste Kolmogorov-Smirnov, teste de eleição em situações em que a amostra é superior a 50 elementos, o que revelou uma distribuição normal das variáveis dependentes em estudo (Tabela 1). Os intervalos de confiança foram definidos a 95%. Procedeu-se à análise inferencial das variáveis independentes sobre a variável dependente.
Families’ Importance in Nursing Care - Nurses’ Attitudes | Kolmogorov-Smirnova | Shapiro-Wilk | ||||
---|---|---|---|---|---|---|
Statistic | df | Sig. | Statistic | df | Sig. | |
0,66 | 164 | 0,200 | 0,982 | 164 | 0,55 |
Nota. a = Correlação de Significância de Lilliefors; df = degrees of freedom (graus de liberdade).
Foram utilizados testes paramétricos, nomeadamente teste t Student e Anova com análise de comparação múltipla de Tukey. Para predizer a possível associação das variáveis independentes à variável dependente Importância atribuída à família na prestação dos cuidados de enfermagem foram utilizados modelos de regressão linear simples e múltipla, com o respetivo estudo de colinearidade através da estatística de Durbin-Watson e a análise dos respetivos resíduos.
Resultados
A aplicação da escala FINC-NA obteve, na amostra estudada, um alfa de Cronbach total de 0,891. No fator 1 o alfa de Cronbach foi de 0,870, no Factor 2 de 0,821 e no factor 3 de 0,651.
Caraterização da amostra
A amostra foi constituída por 164 indivíduos, em que 71 eram já profissionais (43,29%) e 93 estudantes de enfermagem (56,70%). A média de idade foi de 41,93 anos, no 1º grupo com uma variação entre os 22 e os 58 anos de idades e de 20,40 anos no segundo grupo, com uma variação entre 18,89 e 22,77 anos de idade, respetivamente. O tempo de exercício profissional médio foi de 18,63 anos para os profissionais, uma vez que os estudantes nunca trabalharam. A maioria dos indivíduos é do sexo feminino. A escolaridade foi o 12º ano para os estudantes e para os profissionais repartiu-se entre a licenciatura, o mestrado e o doutoramento, sendo o maior grupo composto pelos licenciados (47/71; 66,19%), existindo apenas dois doutorados. Dos enfermeiros que participaram no estudo, 53 exerciam funções em unidades de cuidados de saúde primários (53/71; 74,65%) e 18 enfermeiros exerciam funções em unidades de cuidados de saúde diferenciados (18/71, 25,35%). Do total da amostra, no que concerne aos enfermeiros, 33 (20,21%) referem não ter tido qualquer formação na área da enfermagem de família (Tabela 2).
Caracterização da variável dependente Importância atribuída à família
A variável Importância atribuída à família apresenta um intervalo de variação que varia entre os 45 e 100 pontos avaliados pela escala FINC-NA. Dos seus resultados, 90% situam-se entre o percentil 5 (71 pontos) e o percentil 95 (95,750 pontos), sendo que 50% encontram-se entre o percentil 25 e 75 (intervalo de variação 77 - 89 pontos).
A média da importância atribuída à família foi maior nos estudantes de enfermagem (média = 83,776 pontos) relativamente aos enfermeiros (média = 80,605 pontos), sendo que a diferença entre os dois grupos é estatisticamente significativa (p ≤ 0,023). Quando avaliamos a importância atribuída à família nas diferentes dimensões da escala FINC-NA, verificamos que existem diferenças estatisticamente significativas entre os dois grupos em estudo, estudantes de enfermagem (média = 11, 215 pontos) e enfermeiros (média = 8,831 pontos) apenas no fator 3, Família como um fardo, da Escala FINC_NA (p ≤ 0,001), onde a importância atribuída à família é maior também nos estudantes de enfermagem (Tabela 3).
Nível de importância atribuída à família | t Student | ||
Enfermeiros n = 71 | Estudantes n = 93 | p-value | |
Escala Total - FINC_NA Intervalo de variação Fator 1 - Família parceiro dialogante e recurso de coping Intervalo de variação Fator 2 - Família recurso nos cuidados de enfermagem Intervalo de variação Fator 3 - Família fardo Intervalo de variação | 80,605 45-98 38,281 12-48 33,43 24-40 8,831 6-13 | 83,776 63-100 39,161 26-48 33,39 27-40 11,215 6-16 | 0,023 0,331 0,855 0,001 |
Potenciais variáveis associadas à importância atribuída à família nos cuidados de enfermagem
Na análise de regressão linear univariada as variáveis: Idade, Anos de experiência profissional e Formação na área da família parecem estar associadas à importância atribuída à família na prestação de cuidados de enfermagem (p ≤ 0,05).
O modelo intermédio onde são colocadas no modelo apenas as variáveis significativas na análise univariada não revela nenhuma associação significativa, embora a variável Formação na área da família apresente valores bordeline (p = 0,098).
O modelo de regressão linear múltipla associa a variável Idade (p = 0,036) e a variável Anos de experiência profissional (p = 0,017) à importância atribuída à família na prestação de cuidados de enfermagem pelos enfermeiros e estudantes de enfermagem como podemos ver da análise da Tabela 4.
Modelos: Potenciais variáveis preditivas (Variáveis independentes) | Univariado | Modelo intermédio p-values | Modelo final |
---|---|---|---|
Idade | 0,041 | 0,870 | 0,036 |
Anos de exercicios profissional | 0,082 | - | 0,017 |
Sexo | 0,873 | - | - |
Escolaridade | 0,055 | - | - |
Titulo profissional (Enfermeiro/estudante) | 0,021 | 0,447 | - |
Formação na área da enfermagem de família | 0,008 | 0,098 | - |
R2 Ajustado: | - | 0,134 | 0,155 |
Discussão
O Conselho Internacional de Enfermeiros (2006) entende que a família é um conjunto de pessoas visto como uma unidade social ou um todo coletivo, constituída por membros ligados por consanguinidade, afinidade emocional ou parentesco legal, incluindo pessoas importantes para o utente.
Dos dados por nós obtidos importa realçar que fizeram parte deste estudo 71 profissionais de enfermagem e 93 estudantes de enfermagem. No que concerne aos enfermeiros o tempo de exercício profissional médio foi de 18,63 anos, em que 66,19% são licenciados, e 20,23% indicam-nos que não teve qualquer formação na área da enfermagem de família. Os dados da caracterização da amostra vão ao encontro do estudo de Santos (2012), em que as idades dos participantes oscilaram entre os 24 e os 43 anos, com uma média de 33,8 anos e o tempo de exercício profissional variou entre 1 e 22 anos de exercício profissional, no entanto, neste estudo os enfermeiros integraram um programa de intervenção educativa sobre a abordagem sistémica do cuidados à família, segundo o modelo de avaliação e intervenção de Calgary, o que evidencia o efeito positivo da formação sobre a mudança de atitude dos enfermeiros em relação à integração das famílias nos cuidados. No estudo de Apolinário (2012), foi também evidente a falta de conhecimentos dos enfermeiros no domínio da saúde familiar, em que a maioria dos participantes do seu estudo enfatiza a necessidade de programas de formação na área da enfermagem de saúde familiar. Também Henriques e Santos (2019) consideram a importância de investir em programas de intervenção que permitam prover nos enfermeiros conhecimentos e habilidades técnicas necessárias para a prestação de cuidados à família como foco de atenção, independentemente do contexto laboral dos enfermeiros.
Relativamente à Importância atribuída à família, verificou-se que esta foi maior nos estudantes de enfermagem relativamente aos enfermeiros, sendo a diferença entre os dois grupos, estatisticamente significativa. Também para o fator 3 da escala, Família como um fardo, a importância atribuída à família é maior nos estudantes de enfermagem em relação aos enfermeiros, sendo esta relação estatisticamente significativa. Consideramos estes dados extremamente importantes, não nos sendo possível comparar com nenhum trabalho de investigação onde se colocassem lado a lado estudantes e profissionais de enfermagem. No entanto, se por um lado sabemos e conhecemos o esforço que atualmente os académicos de enfermagem em Portugal fazem junto dos seus estudantes para o envolvimento da família nos cuidados de enfermagem, procurando apropriar o estudante de conhecimentos científicos e técnicos para trabalhar com e para as famílias, no estudo de Pires (2016) foi possível verificar, utilizando o mesmo instrumento de medida que foi aplicado neste estudo, que os enfermeiros invocam elevada concordância face ao envolvimento da família nos cuidados de enfermagem, indo ao encontro dos estudos desenvolvidos por Alves (2011), Ângelo et al. (2014), Fernandes et al. (2015) e Silva et al. (2013), em que os enfermeiros revelam atitudes positivas face à importância da integração da família nos cuidados de enfermagem, tida recurso positivo para o profissional de enfermagem.
Face às potenciais variáveis associadas à importância atribuída à família nos cuidados de enfermagem, verificou-se que a idade, anos de exercício profissional e formação na área da família parecem estar associadas à importância atribuída à família na prestação de cuidados de enfermagem. Assim, quanto maior a idade, os anos de exercício profissional e a formação na área da família, maior a importância atribuída à família nos cuidados de enfermagem. Os dados por nós encontrados não corroboram com a investigação de Pires (2016), em que se observou que não existem relações estatísticas significativas nas dimensões desta escala com as variáveis: idade, experiência profissional, formação profissional e formação em enfermagem de família. Pelo contrário, nos estudos de Ângelo et al. (2014) e de Silva et al. (2013) verificou-se que a idade parece determinar atitudes mais positivas em relação à importância atribuída à família nos cuidados de enfermagem, em que os enfermeiros com maior idade apresentam atitudes de maior suporte para com a família.
Relativamente à variável Anos de exercício profissional, também Silva et al. (2013) mostram que quanto maior o número de anos de exercício profissional e de experiência profissional, maior a importância atribuída à família nos cuidados de enfermagem, no entanto, no estudo de Ângelo et al. (2014), considera-se que uma maior experiência profissional é indicadora de menor suporte à família, o que vem demonstrar a necessidade de investirmos na formação contínua dos enfermeiros, ao longo do seu percurso profissional.
Em respeito à variável Formação, os dados por nós obtidos evidenciam que quanto maior a formação na área da enfermagem de saúde familiar, maior a importância atribuída à família. Também Freitas (2009) refere que quanto maior a formação profissional ou formação ao nível de pós-graduada ou mestrado, maior importância é atribuída ao envolvimento da família nos cuidados de enfermagem, já Sousa (2011) ressalva que os enfermeiros que têm um maior contacto com a saúde familiar, nomeadamente ao nível dos cuidados de saúde primários, mostram uma atitude mais favorável à inclusão da família nos cuidados, ao contrários dos enfermeiros que não contactam profissionalmente com esta área, apresentando médias superiores na dimensão família como um fardo.
Temos hoje alguns estudos que nos permitem sustentar os resultados por nós encontrados, no entanto, como limitações ao mesmo, apresentamos a necessidade de um maior número de estudos, com uma amostra mais alargada para que possamos fazer uma discussão mais aprofundada, tal como, a integração em futuros estudos de uma distribuição estratificada entre os enfermeiros que desenvolvem funções em cuidados de saúde primários e os que integram os cuidados de saúde diferenciados.
Conclusão
A relação do enfermeiro com as famílias acontece desde sempre, pelo que se torna clara a importância e o potencial do sistema familiar para o desenvolvimento dos cuidados de enfermagem, tendo o sistema familiar como parceiro e promotor da saúde dos seus subsistemas.
No estudo por nós realizado a 164 indivíduos, em que 71 são enfermeiros e 93 são estudantes de enfermagem, verificámos que a importância atribuída à família foi maior nos estudantes, que nos enfermeiros. Os estudantes de enfermagem encaram a integração da família nos cuidados, como uma estratégia de coping e uma ferramenta de diálogo essencial, não tendo a perspetiva de que a família se possa tornar “um fardo” nos cuidados. No que concerne aos profissionais de enfermagem, as variáveis Idade, Anos de exercício profissional e Formação na área da família, associa-se a uma maior importância atribuída à família.
A escassez de estudos neste domínio específico enquanto área disciplinar da enfermagem é ainda uma realidade. São necessários estudos que reforcem a importância do trabalho dos enfermeiros com as famílias, perspetivando a promoção, manutenção e reabilitação da saúde das famílias.
Este estudo pretende não só contribuir para aumentar o core de dados e de investigação na área da enfermagem de saúde familiar, como potenciar a reflexão sobre a formação que fazemos com os estudantes e com os enfermeiros no seu desenvolvimento formativo ao longo da vida, na área da saúde familiar e da enfermagem de família. Evidencia também a necessidade premente de se desenvolverem programas de formação/intervenção nesta área especifica dirigidos aos enfermeiros no seio dos seus contextos de trabalho. A enfermagem de família e a saúde familiar são um bem necessário para a saúde das famílias, que maximizam e potenciam os cuidados de parceria entre os enfermeiros e as famílias.