Introdução
A prestação de cuidados de enfermagem é uma atividade que requer um nível de exigência elevado, pelo que, atualmente, a metodologia de ensino inovadora é uma das mais aplicadas, com recurso à simulação clínica, de forma a fomentar a interação entre os conhecimentos prévios do estudante e os novos conhecimentos adquiridos, conduzindo a uma maior estabilidade em termos cognitivos (Kim et al., 2016).
Através da simulação clínica, frequentemente utilizada em suporte básico de vida (SBV), os estudantes de enfermagem consolidam e integram os conhecimentos teóricos com a prática clínica, fortalecendo as suas competências técnicas (por exemplo, compressões e ventilações) e não técnicas (raciocínio clínico, pensamento crítico e julgamento clínico; Erlam et al., 2017; Kappes-Ramirez, 2018; Kim & Ahn, 2019; Woda et al., 2017).
Tendo em conta que a equipa de enfermagem é o grupo profissional que deteta primeiramente uma situação de paragem cardiorrespiratória (PCR) na maioria das ocorrências, surge a necessidade de estudar: Qual é o nível dos conhecimentos teóricos dos estudantes de enfermagem da região centro de Portugal sobre SBV? Tendo por base esta questão de investigação, foram definidos os seguintes objetivos: Avaliar as características sociodemográficas e académicas dos estudantes de enfermagem; avaliar os conhecimentos teóricos sobre SBV dos estudantes de enfermagem e relacionar as características sociodemográficas e académicas dos estudantes de enfermagem, com os seus conhecimentos teóricos sobre SBV.
Enquadramento
A PCR é uma das principais causas de morte no mundo ocidental, sendo caracterizada pela interrupção repentina dos batimentos cardíacos (Suárez et al., 2019). Esta situação é confirmada pela ausência de pulso palpável, inconsciência da pessoa, associada à inexistência de ventilação espontânea (Cunha, 2015; Lima et al., 2020; Morais et al., 2019). Detetada esta situação, é fundamental que se iniciem o mais precocemente possível manobras de reanimação cardiorrespiratória, denominadas de SBV. Estas manobras são caracterizadas pela realização de compressões e ventilações na pessoa com PCR, com o objetivo de reestabelecer de forma artificial a circulação e oxigenação sanguínea. Só um algoritmo de SBV realizado com eficiência melhora a probabilidade de sobrevivência (Cunha, 2015; Morais et al., 2019). De acordo com Cunha (2015) e Morais et al. (2019), a probabilidade de sobrevivência de uma pessoa após PCR, quando não instituídas as manobras de SBV, diminuem para 11% decorridos 6 minutos após ausência de batimentos cardíacos e respiração espontânea. Assim, pode afirmar-se que a PCR é uma situação de emergência, com necessidade de intervenção imediata de uma equipa de saúde treinada, coordenada, com raciocínio clínico e com conhecimentos teórico-práticos consolidados (Lima et al., 2020). Observa-se desta forma que a formação de SBV nos estudantes de enfermagem, como futuros profissionais, é uma necessidade constante com vista à melhoria de atuação.
De acordo com Hernández-Padilla et al. (2015) e Partiprajak e Thongpo (2016), a equipa de enfermagem, no meio hospitalar, é o grupo profissional que primeiramente identifica a PCR num doente. Torna-se, assim, fulcral o reconhecimento da PCR, ativação da emergência intra-hospitalar e aplicação do algoritmo de SBV de forma segura e eficiente (Partiprajak & Thongpo, 2016).
Num estudo desenvolvido na Tailândia, onde é documentada a evolução dos conhecimentos dos estudantes de enfermagem antes, depois e 3 meses após realização de uma formação sobre SBV, evidencia-se um crescimento dos conhecimentos dos participantes no momento após a realização da formação. Mas, 3 meses após, os conhecimentos adquiridos voltaram a diminuir, embora para um valor superior ao obtido no primeiro momento (antes: 15,270 ± 0,460; após: 22,970 ± 0,280; 3 meses após: 18,270 ± 0,380; Partiprajak & Thongpo, 2016).
Estes dados vão ao encontro dos obtidos num outro estudo europeu, onde ocorreu uma melhoria dos conhecimentos cognitivos dos estudantes de enfermagem sobre SBV, entre o momento pré-teste e o pós-teste. Estes resultados surgiram independentemente de num dos grupos a formação ser coordenada por estudantes e no outro grupo ser coordenada por docentes. No entanto, os conhecimentos cognitivos diminuíram significativamente, quando comparado o pós-teste com a avaliação 3 meses depois, no grupo em que a formação foi dirigida por docentes. Esta análise fundamenta a necessidade dos estudantes participarem ativamente no processo de aprendizagem, identificando as necessidades, os resultados, implementando estratégias e refletindo sobre as novas competências adquiridas, neste caso sobre SBV (Hernández-Padilla et al., 2015).
Num estudo realizado em 2015 por Cooper e colegas foi identificada também a aquisição de conhecimentos e competências em SBV nos estudantes de enfermagem, mas neste caso com recurso à simulação clínica.
Noutro estudo, desenvolvido no Brasil com um grupo de enfermeiros, foram apresentados resultados que revelam défices no conhecimento sobre SBV em contexto de PCR, nomeadamente na abordagem à vítima, na identificação de ritmos desfibrilháveis, frequência de compressões por minuto e profundidade das compressões torácicas (Lima et al., 2020).
Tendo em conta que conhecimentos sólidos sobre SBV na equipa de enfermagem revelam uma atuação eficiente em situação de PCR, surge a necessidade de estudar o nível de conhecimentos sobre esta temática nos estudantes de enfermagem.
Questão de investigação e hipóteses
Qual é o nível dos conhecimentos teóricos dos estudantes de enfermagem da região centro de Portugal sobre SBV?
Existe correlação positiva e significativa entre o nível de conhecimento teóricos dos estudantes sobre SBV e a sua idade; e existem diferenças significativas entre o nível de conhecimentos teóricos sobre SBV e o ano do curso de licenciatura, realização de ensino clínico, prática de cuidados de saúde, experiência real em SBV e formação certificada em SBV dos estudantes de enfermagem.
Metodologia
Neste estudo observacional, descritivo e correlacional participaram 496 estudantes de enfermagem, selecionados através de uma técnica de amostragem não probabilística por conveniência, em momento extracurricular, divulgado através das direções e coordenações de curso de duas escolas da região centro de Portugal. Como critério de inclusão, os participantes tinham de ter formação teórica sobre SBV prévia ao preenchimento do questionário, pelo que na data de recolha de dados não foram incluídos os estudantes do primeiro ano, por não cumprirem o critério.
O questionário foi aplicado em sala de aula em cada uma das escolas, com todos os participantes presentes, e era composto por dados sociodemográficos e académicos dos estudantes de enfermagem, com recurso a respostas abertas-curtas e fechadas, como: idade, sexo, ano de licenciatura, realização prévia de ensino clínico, contexto de ensino clínico, prática de cuidados de saúde (auxiliares de ação médica, assistentes operacionais, bombeiros), experiência real em SBV, formação certificada em SBV; e por 37 questões de resposta fechada do tipo verdadeiro e falso para avaliação dos conhecimentos sobre SBV dos estudantes de enfermagem, baseado num instrumento público que permite pontuações entre 0 e 37 pontos e nas guidelines mais recentes sobre SBV (Dixe & Gomes, 2015; Perkins et al., 2015).
O estudo foi aprovado pela Comissão de Ética da Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem (UICISA: E), da Escola Superior de Enfermagem de Coimbra (Parecer Nº P625-11/2019), assim como pelas direções das duas escolas. Foi obtido também o consentimento informado e esclarecido junto de cada um dos participantes, salientando que o estudo não interferia com as avaliações curriculares. Toda a confidencialidade e anonimato dos dados recolhidos foram mantidos.
Quanto ao tratamento de dados foi realizado com recurso ao programa informático IBM SPSS Statistics, versão 26.0, com análise de estatística descritiva e inferencial. Em termos de análise inferencial, recorreu-se à utilização de testes paramétricos (t-Student e correlação de Pearson) quando a amostra era igual ou superior a 30, e testes não paramétricos (U de Mann-Whitney) quando a amostra era inferior a 30 (no caso da prática de SBV em situação real; Pestana & Gageiro, 2014). Assumiu-se um ( = 0,05 como valor crítico de significância dos resultados dos testes de hipóteses, rejeitando-se a hipótese nula quando a probabilidade de erro tipo I foi inferior àquele valor (p < 0,05).
Resultados
Os 496 participantes apresentam idades compreendidas entre os 19 e 49 anos, com uma mediana de 20 anos (20,89 ± 3,79), sendo que 86,3% pertenciam ao sexo feminino, 78% frequentavam o 2º ano do curso de licenciatura em enfermagem e 57,9% nunca tinham realizado à data um ensino clínico (Tabela 1).
Nota. Nº = Número de Casos; % = Percentagem de Casos; SCF = Saúde Comunitária e Familiar; SIG = Saúde do Idoso e Geriatria; SIP = Saúde Infantil e Pediátrica; SMO = Saúde Materna e Obstetrícia; SMP = Saúde Mental e Psiquiatria; * 100% em contexto de paragem cardiorrespiratória; SBV = Suporte Básico de Vida.
A prática de cuidados de saúde foi uma realidade representada na amostra em estudo com a participação de 64 estudantes de Enfermagem que já tinham tido contacto com a prestação de cuidados, através de profissões como assistentes operacionais, auxiliares de ação médica ou bombeiros.
De todos os participantes em estudo, 16,1% tinham formação certificada para a prática de SBV e 5% já tinham praticado SBV de forma real perante uma pessoa em PCR.
Quanto à análise da variável conhecimentos sobre SBV, que permitia pontuações entre 0 e 37 pontos, obteve uma mediana de 31 pontos (30,93 ± 2,29), com uma pontuação mínima de 24 e um máximo de 37 pontos.
Dos itens analisados dentro dos conhecimentos sobre SBV, os estudantes apresentaram excelentes resultados (100% e 99,8% respetivamente) no que concerne à avaliação da segurança do local onde está uma vítima em PCR, assim como os corretos momentos de avaliação desta componente do algoritmo de SBV, nomeadamente “Garantir que tem condições de segurança para se aproximar da vítima”; e “Antes de abordar uma vítima, deve-se avaliar as condições de segurança” (Itens 1.2. e 9.1.; Tabela 2).
Questões | Respostas Corretas | Respostas Incorretas | |||
---|---|---|---|---|---|
N | % | N | % | ||
1. Perante uma pessoa aparentemente inanimada deve: | |||||
1.1. Procurar aproximar-se, mesmo que se exponha ao perigo | 491 | 99 | 5 | 1 | |
1.2. Garantir que tem condições de segurança para se aproximar da vítima | 496 | 100 | 0 | 0 | |
1.3. Verificar se responde ou não a estímulos (tocando-lhe no ombro e perguntando-lhe se está bem) | 491 | 99 | 5 | 1 | |
1.4. Estimulá-la, abanando-lhe a cabeça | 486 | 98 | 10 | 2 | |
2. Quando uma vítima não responde à estimulação deve: | |||||
2.1. Colocar-lhe um casaco debaixo da cabeça para que não se magoe no chão | 390 | 78,6 | 106 | 21,4 | |
2.2. Observar se a respiração é normal ou anormal | 492 | 99,2 | 4 | 0,8 | |
2.3. Dar-lhe água com açúcar | 492 | 99,2 | 4 | 0,8 | |
3. Para continuar uma atuação correta deve: | |||||
3.1. Colocar a vítima de lado para que não se engasgue | 240 | 48,4 | 256 | 51,6 | |
3.2. Fazer extensão da cabeça e/ou elevação do queixo | 472 | 95,2 | 24 | 4,8 | |
3.3. Se não responde e não respira (ou com respiração anormal), grite por ajuda | 378 | 76,2 | 118 | 23,8 | |
3.4. Colocar um objeto rígido na boca para que não morda a língua | 474 | 95,6 | 22 | 4,4 | |
4. Se a vítima respira deve: | |||||
4.1. Colocar a vítima de lado, se não for um politraumatizado | 485 | 97,8 | 11 | 2,2 | |
4.2. Pedir a alguém para ligar ao 112 | 455 | 91,7 | 41 | 8,3 | |
4.3. Mesmo se estiver sozinho, não deve abandonar a vítima | 101 | 20,4 | 395 | 79,6 | |
5. Se a vítima não respira, não tosse e não tem qualquer movimento deve: | |||||
5.1. Pedir alguém para ligar ao 112 | 486 | 98 | 10 | 2 | |
5.2. Dar-lhe quatro pancadas fortes no peito para estimular a respiração | 482 | 97,2 | 14 | 2,8 | |
5.3. Se estiver só, deixar a vítima e ir pedir ajuda | 159 | 32,1 | 337 | 67,9 | |
5.4. Colocar a vítima de lado | 443 | 89,3 | 53 | 10,7 | |
5.5. Iniciar, imediatamente, a compressão torácica | 75 | 15,1 | 421 | 84,9 | |
6. Quando verifica que a vítima não respira, e após pedir ajuda, deve: | |||||
6.1. Soprar para a boca da vítima, verificando se o tórax se move | 297 | 59,9 | 199 | 40,1 | |
6.2. Esperar pela chegada de ajuda especializada | 300 | 60,5 | 196 | 39,5 | |
6.3. Observar, de novo, a boca da vítima, caso o sopro não esteja a ser eficaz | 243 | 49 | 253 | 51 | |
6.4. Iniciar compressões torácicas | 466 | 94 | 30 | 6 | |
6.5. Tapar o nariz da vítima com indicador e polegar | 270 | 54,4 | 226 | 45,6 | |
7. Na execução das compressões torácicas deve: | |||||
7.1. Comprimir o tórax da vítima com os braços esticados | 484 | 97,6 | 12 | 2,4 | |
7.2. Colocar a vítima de lado | 489 | 98,6 | 7 | 1,4 | |
7.3. Iniciar compressões torácicas ao ritmo de 50 por minuto | 458 | 92,3 | 38 | 7,7 | |
7.4. Comprimir o tórax o maior número de vezes possível | 450 | 90,7 | 46 | 9,3 | |
7.5. Contar alto o número de compressões torácicas executadas | 465 | 93,8 | 31 | 6,3 | |
8. Ao efetuar a reanimação cardiorrespiratória deve: | |||||
8.1. Alternar 30 compressões torácicas, com 2 ventilações eficazes | 494 | 99,6 | 2 | 0,4 | |
8.2. Saber há quanto tempo a vítima está sendo reanimada | 476 | 96 | 20 | 4 | |
8.3. Manter o SBV até chegar ajuda diferenciada ou a vítima recuperar sinais de circulação | 480 | 96,8 | 16 | 3,2 | |
8.4. Alternar 15 compressões torácicas, com 2 ventilações eficazes (15:2) | 490 | 98,8 | 6 | 1,2 | |
8.5. Suspender a reanimação cardiorrespiratória quando se sentir exausto | 429 | 86,5 | 67 | 13,5 | |
9. Relativamente à segurança do reanimador: | |||||
9.1. Antes de abordar uma vítima, deve-se avaliar as condições de segurança | 495 | 99,8 | 1 | 0,2 | |
9.2. Em caso de vítima de choque elétrico, agarrar de imediato a vítima para afastá-la do perigo | 477 | 96,2 | 19 | 3,8 | |
9.3. Se não estiverem reunidas as condições de segurança, não deve aproximar-se da vítima | 488 | 98,4 | 8 | 1,6 |
No que se refere aos itens que fundamentam a componente técnica de avaliação da via aérea, realização de compressões torácicas e de ventilações eficazes, os estudantes de enfermagem identificaram também excelentes pontuações, variando entre 99,2% e 99,6% respetivamente, com os itens: “Observar se a respiração é normal ou anormal”; “Alternar 30 compressões
torácicas, com 2 ventilações eficazes”. Analisando os itens que obtiveram uma percentagem considerável de respostas incorretas, foi identificada uma das etapas do algoritmo de SBV com necessidade de ser trabalhada junto dos estudantes de enfermagem, nomeadamente: a realização do pedido de ajuda a terceiros antes mesmo de iniciar as compressões torácicas. Os itens de resposta que reconhecem essa lacuna são: “Mesmo se estiver sozinho, não deve abandonar a vitima”; “Se estiver só, deixar a vitima e ir pedir ajuda”; e “Iniciar, imediatamente, a compressão torácica”.
Correlacionando a variável idade com o nível de conhecimentos sobre SBV, observa-se que existe uma diferença estatisticamente significativa (r = 0,101; p ≤ 0,05) entre as duas variáveis.
A mesma situação ocorre no que concerne ao nível de conhecimentos sobre SBV quando correlacionados com a variável ano de licenciatura (F = 6,658; p ≤ 0,001).
Verifica-se que os conhecimentos dos participantes não diferem em relação ao sexo masculino, quando comparado com o sexo feminino (p > 0,05), no entanto, verifica-se que os estudantes que realizaram ensino clínico, tiveram prática de cuidados de saúde, através de profissões como assistentes operacionais, auxiliares de ação médica ou bombeiros, e realizaram formação certificada em SBV apresentam em média melhores conhecimentos sobre SBV e essas diferenças apresentam significado estatístico (Tabela 3).
Variável | Respostas | M | DP | t | p | |
---|---|---|---|---|---|---|
Conhecimentos | Sexo | Masculino | 30,57 | 2,294 | 1,361 | 0,174 ns |
Feminino | 30,98 | 2,294 | ||||
Ensino Clínico | Sim | 31,66 | 2,243 | -6,317 | 0,000*** | |
Não | 30,39 | 2,187 | ||||
Prática Cuidados Saúde | Sim | 31,67 | 2,501 | -2,806 | 0,005** | |
Não | 30,81 | 2,247 | ||||
Formação Certificada SBV | Sim | 31,63 | 2,399 | -2,999 | 0,003** | |
Não | 30,79 | 2,254 |
Nota. M = Média; DP = Desvio Padrão; ns p > 0,05 = diferença não significativa; * p ≤ 0,05 = diferença significativa; ** p ≤ 0,01 = diferença muito significativa; *** p ≤ 0,001.
Finalizando a análise de dados, verificou-se que os estudantes que têm experiência de prática de SBV em pessoas com PCR apresentam melhores conhecimentos sobre SBV quando comparados com os participantes quem não têm essa mesma experiência, tendo essa diferença significado estatístico (U = 4430,000; p = 0,035).
Discussão
Neste estudo, onde participaram 496 estudantes de enfermagem, 86,3% eram do sexo feminino, tal como a maioria da população portuguesa (52,2%; Instituto Nacional de Estatística, 2012). Da totalidade dos estudantes de enfermagem, 16,1% tinham formação certificada para a prática de SBV, independentemente da instituição ou associação onde a possa ter desenvolvido, o que vai ao encontro do enunciado por Dixe e Gomes (2015), que afirmam que no seu estudo, 17,8% dos participantes tinham realizado formação em SBV. Analisando estes dados, quer os estudantes de enfermagem, a maioria a frequentar o segundo ano de licenciatura em enfermagem no momento de recolha dos dados, quer a população de uma forma geral referida no estudo anterior, observa-se que existe mais de um quarto da população global que não tem formação certificada em SBV. Sendo esta uma área prioritária em termos de mobilização dos conhecimentos teórico-práticos e eficiência na pronta resposta das pessoas envolvidas na prática de SBV, denota-se uma necessidade de investimento maior do que a representada nestes estudos (Charlier et al., 2020; Dixe & Gomes, 2015; Lima et al., 2020).
No que concerne à prática de SBV de forma real, 5% dos estudantes de enfermagem referem já o ter realizado em contexto de vítima em PCR. Estes dados, embora ligeiramente inferiores, seguem na mesma linha dos dados publicados, onde é evidenciado que 14,6% dos participantes já prestou cuidados com recurso ao SBV, dentro dos quais 11,6% em vítima com ataque cardíaco e consequentemente PCR (Dixe & Gomes, 2015). No mesmo sentido surgem os dados enunciados por Barata (2017), onde apenas 8,3% dos participantes já realizaram SBV de forma real.
Em termos dos conhecimentos dos estudantes de enfermagem sobre SBV, através da análise dos resultados obtidos, observa-se que se apresentam elevados com uma média de 31 pontos em 37 possíveis, com um mínimo apresentado de 24 pontos. Foram identificados os itens com maior pontuação, que correspondem à etapa de avaliação das condições de segurança do local onde se encontra uma vítima, assim como a correta identificação do momento da sua realização no algoritmo de SBV. A percentagem de respostas corretas destes dois itens - “Tem condições de segurança para se aproximar da vítima e antes de abordar uma vítima” e “Deve-se avaliar as condições de segurança” - vão ao encontro do identificado no estudo de Dixe e Gomes (2015), onde foram obtidos 79% e 79,9%, respetivamente, embora no atual estudo com percentagens ligeiramente superiores. Analisando estes resultados, observa-se que os estudantes de enfermagem se encontram bem preparados para poder identificar corretamente as condições de segurança, assim como o momento da sua realização. A avaliação das condições de segurança de forma correta são também identificadas noutros dois estudos (Barata, 2017; Santos, 2018).
Para além da avaliação das condições de segurança, a componente técnica de avaliação da via aérea, realização de compressões torácicas e realização de ventilações eficazes apresentam resultados extremamente positivos pelos estudantes de enfermagem. Extrai-se uma percentagem de respostas corretas entre 99,2% e 99,6% para os itens: “Observar se a respiração é normal ou anormal” e “Alternar 30 compressões torácicas, com 2 ventilações eficazes”. Estes resultados são indicadores de bons conhecimentos dos estudantes de enfermagem no âmbito das etapas de observação da via aérea, execução de compressões torácicas e ventilações do algoritmo de SBV. Comparativamente a outros estudos, observa-se uma inversão em relação aos resultados obtidos, onde os participantes revelaram um défice de conhecimentos sobre a aplicação de compressões torácicas, ritmo e profundidade, assim como um défice de conhecimentos na realização de ventilações eficazes, apresentando apenas entre 20,2% e 44,4% de respostas corretas (Charlier et al., 2020; Dixe & Gomes, 2015; Santos, 2018). Já noutra investigação, os dados vão ao encontro dos enunciados no presente estudo, no que concerne aos bons conhecimentos para aplicação de compressões torácicas (Santos, 2019).
Quanto aos itens que carecem de melhoria por parte dos estudantes de enfermagem neste estudo, foram identificadas lacunas em termos da realização do pedido de ajuda a terceiros antes mesmo de iniciar as compressões torácicas. Este défice de conhecimentos relativamente à etapa do pedido de ajuda no algoritmo de SBV surge no mesmo sentido do estudo de Dixe e Gomes (2015), onde foram identificadas baixas percentagens de respostas corretas nos itens: “Mesmo se estiver sozinho, não deve abandonar a vítima”; “Se estiver só, deixar a vítima e ir pedir ajuda”; e “Iniciar, imediatamente, a compressão torácica”, respetivamente 8,4%, 29% e 39,6%. É mais evidente esta lacuna de conhecimentos no item que se refere ao facto de, se estiver sozinho e não tiver meios de realizar o pedido de ajuda, ter de abandonar a vítima (Dixe & Gomes, 2015). No mesmo sentido surgem dados de outro estudo que evidenciam esse défice de conhecimentos sobre o momento da realização do pedido de ajuda, demonstrando que apenas 39% dos estudantes o realizavam de forma correta (Charlier et al., 2020). Já na investigação de Santos (2018), foram evidenciados dados no sentido oposto aos do presente estudo, existindo 100% dos participantes que se avaliarem que a vítima não respira, imediatamente realizam um pedido de ajuda a terceiros.
Em termos de correlações foi possível constatar que a variável idade apresenta diferenças estatisticamente significativas (p ≤ 0,05) quando correlacionada com os conhecimentos sobre SBV dos estudantes de enfermagem. Através desta informação poder-se-á afirmar que quanto mais velhos são os estudantes de enfermagem, melhores conhecimentos irão deter sobre o algoritmo de SBV. Esta ilação poderá ser justificada pelo facto de os estudantes desenvolverem ensinos clínicos ao longo do curso de licenciatura em enfermagem, onde o contacto com situações reais é uma constante. Estes dados são comprovados com diferenças estatisticamente significativas entre os conhecimentos, o ano de licenciatura em enfermagem (p ≤ 0,001), a realização de ensinos clínicos (p ≤ 0,001) e a prática de cuidados de saúde antes do início da formação em enfermagem (p ≤ 0,01).
O acesso a formação certificada em SBV demonstrou também ter influência nos conhecimentos sobre SBV dos estudantes de enfermagem (p ≤ 0,01), o que fomenta a necessidade de um bom ensino de SBV durante a licenciatura em enfermagem, mas também um reforço da necessidade de formação contínua desta temática, ao longo do seu percurso académico e profissional. Assim, será possível reforçar os conhecimentos quer dos estudantes, quer dos enfermeiros, para um melhor desempenho perante uma situação de PCR (Dixe & Gomes, 2015; Hernández-Padilla et al., 2015; Partiprajak & Thongpo, 2016). Esta situação é confirmada noutros estudos com pessoas leigas, onde foram desenvolvidas formações, presenciais e online, que demonstraram correlações positivas e estatisticamente significativas entre a formação certificada em SBV e o nível de conhecimentos dos participantes (Barata, 2017; Santos, 2018; Santos, 2019).
Com recurso à análise dos dados obtidos também é possível constatar que os estudantes de enfermagem que praticam SBV em pessoas com PCR, apresentam melhores resultados em termos de conhecimentos teóricos de SBV, quando comparados com os estudantes que não praticaram manobras de SBV. Através desta informação é possível demonstrar que a teoria complementada pela prática evidencia uma boa aquisição de conhecimentos teórico-práticos e consequentemente uma melhor resposta numa situação real de PCR. Assim, pode-se afirmar que tendo estudantes de enfermagem melhor preparados para aplicar conhecimentos sobre SBV, teremos respostas mais eficientes no seio de equipas de enfermagem no âmbito da PCR (Hernández-Padilla et al., 2015; Partiprajak & Thongpo, 2016).
Como limitações deste estudo revela-se a técnica de amostragem não probabilística por conveniência implementada para a recolha dos dados e a seleção de estudantes de enfermagem apenas de duas escolas do ensino superior.
Conclusão
Com a realização deste trabalho de investigação, onde participaram estudantes de enfermagem maioritariamente do segundo ano do curso de licenciatura em enfermagem, evidenciou-se que mais de um quarto dos participantes não tem formação certificada em SBV, sendo uma área prioritária em termos de investimento.
No total dos 496 estudantes de enfermagem, onde apenas 5% já realizaram SBV em contexto de vítima em PCR, evidenciaram-se conhecimentos sobre SBV, com uma média de 31 em 37 pontos, com um mínimo de 24 pontos. Com estes resultados podemos afirmar que estamos perante conhecimentos sólidos sobre SBV nos estudantes de enfermagem destas duas escolas do ensino superior.
As etapas do algoritmo de SBV onde os estudantes de enfermagem demonstram ter maiores conhecimentos são: a avaliação das condições de segurança; a avaliação da via aérea; a realização de compressões torácicas; e realização de ventilações eficazes. Quanto à etapa do algoritmo de SBV em que os estudantes de enfermagem deverão melhorar, foi identificado o pedido de ajuda a terceiros antes mesmo de iniciar as compressões torácicas.
Através deste estudo é possível concluir que o nível de conhecimentos sobre SBV dos estudantes de enfermagem é possível de ser modificável com: a idade, o ano de licenciatura, a realização de ensinos clínicos, a prática de cuidados de saúde antes do início da formação em enfermagem, e a formação certificada em SBV.
Em termos de implicações para a prática clínica, com este estudo torna-se evidente a necessidade de continuar a desenvolver formação em SBV aos estudantes de enfermagem, com o objetivo de formar profissionais de enfermagem com conhecimentos e capacidades de atuação perante uma situação de PCR. Se existir a possibilidade de cada um dos estudantes de enfermagem realizar como acréscimo essa mesma formação de forma certificada será tida como uma mais-valia. No que concerne à realização de práticas, através de ensinos clínicos ou através de simulação clínica, estas deverão ser realizadas, pois consolidam os conhecimentos sobre SBV nos estudantes de enfermagem.
Em termos futuros, sugere-se a replicação deste estudo com uma amostra superior e representativa dos estudantes de enfermagem em Portugal, de forma a caracterizar a formação sobre SBV no curso de licenciatura e necessidades formativas.