Introdução
O conceito de aposentação tem vindo a alterar-se, sendo atualmente caracterizado pela revolução da longevidade. Esta revolução define-se pelo maior tempo que os indivíduos trabalham e também pelo maior número de anos que permanecem aposentados. O crescente número de indivíduos que se encontram aposentados tem impacto, tanto na sociedade como na economia, a nível local e mundial (Hermon & Lent, 2012).
A aposentação é um conceito interdisciplinar, cuja investigação tem vindo a ser incrementada. Um dos fatores que tem levado a um crescimento na investigação sobre a aposentação é o rápido envelhecimento das populações na maioria dos países desenvolvidos, resultante das baixas taxas de natalidade, aumento da longevidade e a chegada à idade da aposentação das pessoas da coorte do baby boom (Shultz & Wang, 2011).
A transição para a aposentação constitui a fase final daquela que vulgarmente se denomina como vida ativa. Embora desejada por muitos, a adaptação à aposentação revela ser mais difícil do que muitos antecipam. Esta transição é ansiada, pois representa o fim das responsabilidades e dos constrangimentos associados ao mundo laboral (Loureiro et al., 2012). Contudo, também representa a perda de identidade de ser trabalhador, que é, para muitos, a única que têm de si mesmos (Mintzer & Taylor, 2012).
A forma como os indivíduos se ajustam à aposentação depende do seu percurso durante a vida ativa. As atitudes e padrões comportamentais adotados na vida ativa influenciam o ajustamento satisfatório, bem como as estratégias de coping utilizadas (Fonseca, 2014). A reorganização das vidas dos indivíduos e a modificação da sua auto perspetiva deverão ser realizadas a fim de se atingir um bom ajustamento à aposentação.
Diversas escalas foram encontradas para medir o ajustamento à reforma em outros países. Embora válidas, constatou-se que as mesmas não avaliavam as dimensões adaptativas identificadas pelos recém-aposentados portugueses e muito menos se adequavam à sua realidade sociocultural.
Esta terá sido a premissa que levou à construção de um instrumento que permitisse avaliar esta transição adaptativa ocorrida em indivíduos em meia-idade, no âmbito do projeto REATIVA (PTDC/MHC-PSC/4846/2012). Numa primeira fase, utilizou-se a análise temática com grupos focais (18 grupos para um total de 146 participantes) e entrevistas a casais (n = 32 casais), realizadas a aposentados portugueses, nessa condição há menos de 5 anos (Loureiro, 2015).
Da mencionada análise temática emergiram sete dimensões que os participantes consideravam importantes nesta fase do ciclo de vida, respetivamente: (a) Estatuto de reformado, (b) Saúde Mental, (c) Redes de apoio, (d) Saúde e Envelhecimento, (e) Gestão Económica, (f) Família e Conjugalidade, e (g) Família e Parentalidade. A partir das dimensões e dos conceitos centrais do discurso dos participantes nos grupos focais e entrevistas, construiu-se uma lista de itens ditos fulcrais da vivência do fenómeno.
Numa fase posterior, em resultado de um processo de meta análise para validação de conteúdo dos itens, esta versão foi submetida a um primeiro painel de peritos (n = 9) especialistas na área da saúde, envelhecimento, promoção da saúde e família. Deste criterioso processo resultou uma listagem de 28 itens, dispostos numa escala que se designou por Escala de Posicionamento Face à Adaptação à Reforma (EPFAR), pertencendo quatro itens a cada uma das dimensões de modo a garantir representatividade temática do fenómeno. Ainda, por concordância deste mesmo painel de peritos, a escala passou a vigorar num formato de resposta tipo Likert, de 1 ponto (discordo totalmente) a 4 pontos (concordo totalmente).
O presente artigo visa apresentar uma fase evolutiva seguinte deste instrumento, no qual se conduziu um estudo que teve por objetivo avaliar a validade e fiabilidade da EPFAR, a partir de uma amostra de recém-aposentados portugueses.
Enquadramento
O crescente envelhecimento populacional observado em países desenvolvidos constitui um dos maiores desafios para as sociedades atuais (World Health Organization, 2020). Com o aumento da longevidade, os indivíduos permanecem um maior número de anos aposentados, com repercussões tanto a nível das políticas de saúde bem como das económico-sociais.
A evolução histórica que o contexto laboral foi assumindo ao longo dos anos, nas diversas sociedades, tem impacto não só na forma como os indivíduos vivem o seu emprego, mas também na forma como vivem a sua aposentação. As melhorias das condições de trabalho, especialmente após a segunda metade do século XX, tiveram um grande impacto nesta relação do indivíduo com o seu emprego (Fonseca, 2014).
O surgimento de novas exigências laborais, intimamente ligado com as novas tecnologias e os rápidos avanços tecnológicos, revolucionou muitas profissões e teve grande impacto na forma como os trabalhadores se relacionam com a sua profissão. Muitos trabalhadores não conseguiram fazer face a estas novas exigências, podendo precipitar a decisão de se aposentarem. Contudo, nos últimos anos, com a mudança para um tipo de trabalho fisicamente menos exigente, com o aumento da longevidade e a insustentabilidade do sistema de segurança social, a idade de passagem para a aposentação tende a aumentar (Loureiro et al., 2012).
As recentes transformações no mercado laboral implicam que o atingir o limite de idade para entrar na aposentação não possa ser olhado como condição necessária para a aposentação. Existem diversos fatores que podem originar uma passagem precoce ou tardia para a aposentação; entre eles podemos destacar: a área profissional, o número de anos de trabalho, o estado de saúde, a rescisão de contrato laboral, os fatores pessoais e condicionalismos associados. Segundo diversos autores (Loureiro, 2011; Fonseca, 2011; Souza et al., 2020), a alteração do estado de saúde representa um dos motivos mais apontados para que se antecipe a transição para a aposentação.
Diversos autores referem que, mesmo perante situações de doença ou de constrangimentos familiares, a decisão de permanecer no mercado de trabalho ou de se aposentar, é uma decisão eminentemente pessoal (Barnett et al., 2013; Rocha et al., 2020). Alguns estudos indicam que os trabalhadores com maiores responsabilidades laborais, com elevadas habilitações académicas e cujos empregos gozam de maior estatuto social, apresentam maior disponibilidade para permanecer no mercado de trabalho enquanto os que não têm estas características aposentar-se-ão mais cedo (Eichhorst, 201; Nuss & Schroeder, 2002). Também as pessoas que mais se identificam com o seu trabalho e que gerem melhor o seu tempo, têm tendência a demonstrar uma maior satisfação com o trabalho e, consequentemente, a aposentarem-se mais tarde (Loureiro, 2011).
Independentemente do motivo que esteja na origem da tomada de decisão de aposentação e de esta ser ou não desejada, este acontecimento interfere com as vidas dos indivíduos. A aposentação é uma das maiores transições da vida (Meleis, 2010), que envolve riscos e oportunidades em saúde. Esta interferência pode originar alterações e dificuldades de adaptação a esta transição.
Parece consensual que a aposentação é uma ocorrência que, independentemente do processo que o indivíduo atravessa, compreende ganhos e perdas. O resultado final em termos adaptativos vai depender muito de fatores altamente individuais, como a história de vida, saúde, estilo de vida, padrão de ocupação do tempo extraprofissional, bem como da relação que o indivíduo estabeleceu com os contextos envolventes (relações de convivência, família, inserção social, etc.; Fonseca, 2014). O momento de passagem à aposentação e os processos de transição e adaptação que lhe estão associados podem então constituir momentos especialmente vulneráveis ao aparecimento de alterações no funcionamento dos indivíduos, que podem trazer consequências ao nível do bem-estar psicológico e social (Paúl & Fonseca, 2005).
Metodologia
O presente estudo é de tipo metodológico, desenvolvido com intuito de validar um instrumento de avaliação do posicionamento dos indivíduos aposentados portugueses face à adaptação à aposentação (EPFAR).
Para o efeito realizou-se um pré-teste da escala a uma amostra de 12 indivíduos selecionados a partir de utentes inscritos em unidades de saúde familiar (USF) pertencentes à Administração Regional de Saúde do Centro (ARSC) com o intuito de analisar a clareza, adequação e compreensibilidade da linguagem utilizada, assim como avaliar o tempo médio de resposta. Decorrente deste procedimento foram introduzidas pequenas alterações que se coadunaram unicamente com a forma gráfica da sua apresentação aos respondentes.
Os aposentados participantes no estudo (Tabela 1) apresentaram uma média de idades de 63,58 anos, 57,4% eram do sexo feminino e 87,4% eram casados ou viviam em união de facto. Apenas 13,9% dos inquiridos frequentaram o ensino superior, tendo 30,4% dos participantes apenas o 4º ano de escolaridade. No que concerne ao tempo de aposentação, 42,6% dos participantes estavam aposentados entre 3 e 5 anos e, apenas 7,8% estavam aposentados há menos de 1 ano.
n | % | |
Idade (anos) | ||
45-55 | 2 | 1,80 |
55-65 | 88 | 76,50 |
65-75 | 25 | 21,70 |
Estado Civil | ||
Casado/União de facto | 98 | 85,20 |
Divorciado/Separado | 7 | 6,10 |
Viúvo | 7 | 6,10 |
Habilitações Académicas | ||
1-4º ano | 35 | 30,40 |
5-9º ano | 22 | 19,10 |
Sem Ensino Superior | 42 | 36,50 |
Com Ensino Superior | 16 | 13,90 |
Tempo de Aposentação | ||
Menos de 1 ano | 9 | 7,80 |
1-2 anos | 5 | 4,30 |
2-3 anos | 8 | 7,00 |
3-4 anos | 17 | 14,90 |
4-5 anos | 76 | 66,00 |
A EPFAR foi aplicada a uma amostra de 115 participantes, inscritos em seis agrupamentos de centros de saúde (ACES) que constituíam o modelo organizativo da ARSC, tendo a seleção das unidades prestadoras de cuidados de saúde primários sido realizada de modo aleatório (simples), com recurso ao randorm.org.
Foram contactados os enfermeiros de família das unidades selecionadas para que estes identificassem participantes que cumprissem os critérios de inclusão: estarem aposentados há menos de 5 anos. Não foram considerados motivos de exclusão a idade, o género, o motivo de aposentação ou a área de exercício da qual se tivessem aposentado. Foram excluídos os indivíduos que não tinham nacionalidade portuguesa. Os indivíduos que cumpriam os critérios foram posteriormente convidados a participar e foi constituída a amostra com 78 indivíduos que voluntariamente se disponibilizaram a participar no estudo.
De modo a assegurar uma dimensão mínima para os estudos de validação psicométrica (Cook & Beckman, 2006), foi constituída uma amostra por bola de neve, tendo sido convidados a colaborar no estudo os alunos da Escola Superior de Saúde da Universidade de Aveiro (ESSUA), que distribuíram o instrumento por pessoas da sua rede pessoal social que cumprissem os critérios de inclusão e que estivessem inscritos em unidades de saúde previamente selecionadas. Destes contactos resultaram mais 37 indivíduos a acrescentar à amostra de 78, perfazendo uma amostra total de 115 participantes. A aplicação da escala decorreu entre junho de 2017 e setembro de 2019.
O tratamento e análise dos dados da escala foram realizados com recurso ao programa IBM SPSS Statistics, versão 24. Para a caracterização da amostra foram calculadas estatísticas-resumo adequadas, incluindo distribuições absolutas e percentuais. A validade, nomeadamente a validade de constructo, foi realizada através de análise fatorial exploratória (AFE) dos dados com extração dos fatores pelo método de componentes principais (ACP) seguido de rotação ortogonal Varimax para interpretação dos fatores. Para a decisão do número de fatores a reter, utilizaram-se como critérios: apresentar valores próprios (eigenvalue) ≥ 1,00, auxiliada pelo scree plot; e a percentagem de variância explicada por fator. Previamente à realização da AFE, calculou-se a medida KMO e o teste de esfericidade de Bartlett. A análise de fiabilidade foi realizada através da análise de consistência interna, recorrendo ao coeficiente alfa de Cronbach para os itens de cada um dos fatores emergidos da análise. Calculou-se ainda o coeficiente de correlação de Pearson e significância.
O presente estudo foi aprovado pela Comissão de Ética da Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem (Processo nº 248/12-2014). Todos os participantes assinaram consentimento informado antes da sua participação. Este consentimento informado implicou a explicitação clara e inequívoca da natureza e objetivos do estudo, do modo de participação, do tempo de participação, dos riscos e benefícios, da voluntariedade, do anonimato e confidencialidade dos participantes e dos dados, da possibilidade de abandono sem qualquer prejuízo, bem como o acesso aos resultados finais.
Resultados
Validade de constructo
A análise fatorial exploratória (Tabela 2) revelou uma estrutura com quatro fatores que explicaram na totalidade 56,41% da variância. O 1.º fator agregou os itens 9, 21, 22, 23, 24, 27 e 28 e explicou 18,06% da variância total. Este fator foi designado de Satisfação com a relação conjugal e família. O 2.º fator foi composto pelos itens 1, 2, 3, 4, 5, 10, 12, 18 e 20 e explicou 13,93% da variância total. Este fator foi designado por Satisfação com o novo estatuto e bem-estar. O 3.º fator foi composto pelos itens 8, 11, 13, 14, 15, 17 e 19 e explicou 12,35% da variância total. Este fator foi designado por Recursos e autocuidado. O 4.º fator foi composto pelos itens 6, 7, 16, 25 e 26, e explicou 12,07% da variância total. Este fator designou-se por Sentido de realização.
Itens: | F1 | F2 | F3 | F4 |
21. Estou satisfeito com a minha relação conjugal | 0,848 | |||
23. Na minha relação há diálogo e partilha | 0,843 | |||
22. Quando decido em casal consigo mais e melhor | 0,841 | |||
28. Os meus netos fazem-me feliz | 0,737 | |||
9. Sinto apoio da minha família | 0,671 | |||
24. Sinto-me bem sexualmente | 0,666 | |||
27. Sinto que os meus netos contam comigo | 0,639 | |||
1. Sinto-me confortável no meu estatuto de reformado/a | 0,712 | |||
4. Estar reformado/a permite-me concretizar os projetos | 0,709 | |||
2. Consigo identificar objetivos para a minha vida atual | 0,597 | |||
12. Sinto que tenho o apoio necessário quando necessito | 0,549 | |||
5. Sinto-me em harmonia com a vida atual | 0,531 | |||
3. Consigo identificar objetivos para a minha vida futura | 0,526 | |||
20. Tenho medo de envelhecer* | 0,496 | |||
10. Os recursos existentes na minha comunidade são suficientes | 0,439 | |||
18. Sinto-me bem | 0,409 | |||
15. Consigo estabelecer prioridades nas compras que realizo | 0,686 | |||
13. Realizo um planeamento mensal dos meus gastos | 0,616 | |||
19. Cuido de mim | 0,581 | |||
17. Gosto de mim tal como eu sou | 0,575 | |||
14. Sei gerir o meu dinheiro | 0,553 | |||
8. Consigo gerir o stresse no dia-a-dia | 0,540 | |||
11. Sei como aceder aos recursos da minha comunidade | 0,428 | |||
26. Sinto que posso continuar a ser útil aos meus filhos | 0,734 | |||
6. Sinto que passei a ter mais tempo para os meus afazeres | 0,696 | |||
7. O tempo que disponho é utilizado de forma útil | 0,642 | |||
25. Sinto que posso contar com os meus filhos | 0,619 | |||
16. Sei resistir à pressão da publicidade do consumo | 0,504 | |||
Valores próprios | 5,06 | 3,90 | 3,46 | 3,38 |
% variância explicada | 18,06 | 13,93 | 12,35 | 12,07 |
% variância explicada acumulada | 18,06 | 31,99 | 44,33 | 56,41 |
Nota. KMO = 0,74; *item invertido
Análise de fiabilidade
A análise de consistência interna (Tabela 3) foi realizada com recurso à medida alfa de Cronbach. O resultado para a totalidade dos 28 itens da escala foi excelente (( = 0,90) atestando que a escala assumia uma forma de medida fidedigna. Na análise de consistência interna aos itens por fator emergido da análise fatorial, verificou-se que variam entre 0,73 e 0,90. Os valores em todos os fatores atestam a fidedignidade da escala. Os valores dos coeficientes de correlação corrigida (não tomada do item no fator) atestaram a consistência dos itens com os fatores, sendo satisfatórios. É ainda de salientar que o valor em que o alfa foi menor foi o fator 4), composto apenas por cinco itens, sendo esse valor satisfatório e aceitável (( = 0,73).
Itens: | r (a) | ((b) | |
Fator 1 (Alfa) - 7 itens (0,90) | |||
21. Estou satisfeito com a minha relação conjugal 23. Na minha relação há diálogo e partilha 22. Quando decido em casal consigo mais e melhor 28. Os meus netos fazem-me feliz 9. Sinto apoio da minha família 24. Sinto-me bem sexualmente 27. Sinto que os meus netos contam comigo | 0,85 0,79 0,84 0,68 0,58 0,69 0,55 | 0,87 0,88 0,87 0,89 0,90 0,89 0,90 | |
Fator 2 (Alfa) - 9 itens (0,80) | |||
1. Sinto-me confortável no meu estatuto de reformado/a 4. Estar reformado/a permite-me concretizar os projetos 2. Consigo identificar objetivos para a minha vida atual 12. Sinto que tenho o apoio necessário quando necessito 5. Sinto-me em harmonia com a vida atual 3. Consigo identificar objetivos para a minha vida futura 20. Tenho medo de envelhecer 10. Os recursos existentes na minha comunidade são suficientes 18. Sinto-me bem | 0,64 0,59 0,56 0,57 0,38 0,51 0,31 0,43 0,37 | 0,75 0,75 0,76 0,76 0,78 0,76 0,80 0,77 0,78 | |
Fator 3 (Alfa) - 7 itens (0,79) | |||
15. Consigo estabelecer prioridades nas compras que realizo 13. Realizo um planeamento mensal dos meus gastos 19. Cuido de mim 17. Gosto de mim tal como eu sou 14. Sei gerir o meu dinheiro 8. Consigo gerir o stresse no dia-a-dia 11. Sei como aceder aos recursos da minha comunidade | 0,52 0,54 0,57 0,44 0,56 0,64 0,35 | 0,76 0,76 0,75 0,77 0,75 0,74 0,79 | |
Fator 4 (Alfa) - 5 itens (0,73) | |||
26. Sinto que posso continuar a ser útil aos meus filhos 6. Sinto que passei a ter mais tempo para os meus afazeres 7. O tempo que disponho é utilizado de forma útil 25. Sinto que posso contar com os meus filhos 16. Sei resistir à pressão da publicidade do consumo | 0,63 0,48 0,53 0,46 0,38 | 0,63 0,69 0,67 0,70 0,73 | |
Alfa de Cronbach (total dos 28 itens = 0,90) |
Nota. r = Coeficiente de correlação de Pearson; ( = alfa de Cronbach. (a) Correlação item-total corrigida; (b) Valor de alfa se apagado o item.
Procedeu-se ao cálculo da matriz de correlações bivariadas de Pearson (Tabela 4) entre os fatores emergidos da AFE, exceção para a correlação entre o Fator 1 (Satisfação com a relação conjugal e família) e o Fator 4 (Sentido de realização) em que a correlação obtida não apresentou significado estatístico (r = 0,178; p > 0,05). Todas as correlações encontradas revelaram ser moderadas e estatisticamente significativas (p < 0,01).
F1 | F2 | F3 | F4 | |
Satisfação com a relação conjugal e família (F1) | --- | 0,376** | 0,387** | 0,178 |
Satisfação com o novo estatuto e bem-estar (F2) | 0,376** | --- | 0,543** | 0,494** |
Recursos e autocuidado (F3) | 0,387** | 0,543** | --- | 0,386** |
Sentido de realização (F4) | 0,178 | 0,494** | 0,386** | --- |
Nota. EPFAR = Escala de Posicionamento Face à Adaptação à Reforma. ** p < 0,01 (testes bicaudais).
Na Tabela 5 são apresentadas as estatísticas-resumo para os valores dos fatores e pontuação total. A opção por transformar os scores de 0 a 100 veio facultar o procedimento de comparação entre os fatores.
Nota. EPFAR = Escala de Posicionamento Face à Adaptação à Reforma; DP = Desvio-padrão; CV = coeficiente de variação.
Decorrente da análise, constatou-se que a pontuação mais elevada se situou no Fator 4 (Sentido de realização) com Média = 77,60 (DP = 15,77), seguido do Fator 3 (Recursos e autocuidado) em que a média obtida foi de 70,97 (DP = 14,75), Fator 1 (Satisfação com a relação conjugal) com Média = 67,14 (DP = 21,27) e Fator 2 (Satisfação com o novo estatuto e bem-estar) com Média = 65,85 (DP = 15,14). O valor médio dos scores para a pontuação global da EPFAR foi de 69,27 (DP = 12,44). As medidas de dispersão relativa (coeficiente de variação) para os fatores e total da escala revelaram dispersões moderadas (heterogéneas), o que per si constituiu um bom indicador para o instrumento de medida.
Discussão
Embora a transição para a aposentação tenha sido alvo de investigação a nível mundial nas últimas décadas, considerou-se que os instrumentos existentes não correspondiam a todas as questões com que se deparava a população portuguesa desta faixa etária e que vivencia esta transição.
A utilização de grupos focais e de entrevistas a casais, no projeto REATIVA, permitiu recolher informação junto do público-alvo, nas suas próprias palavras e informar a construção da escala. As sete dimensões presentes na narrativa dos participantes guiaram a construção da escala, conforme exposto na metodologia.
Consideramos que o uso de um painel de peritos foi vantajoso para a construção da EPFAR pois o consenso para a criação, manutenção e possível modificação dos itens contribuiu para a construção de um instrumento mais confiável, reforçado com os conhecimentos dos peritos (McMillan et al., 2016).
Antes da validação do instrumento, testou-se a sua adequação ao público-alvo, através da sua aplicação em pequena escala. O pré-teste (Ghiglione & Matalon, 1995) foi relevante pois permitiu fazer o ensaio da escala numa amostra constituída por um pequeno grupo de pessoas com características idênticas à da população-alvo, de forma a fazer aferições finais que garantissem o sucesso do instrumento e das posteriores administrações. A utilização de um pré-teste, com uma pequena amostra, permitiu verificar se a linguagem era adequada, se a escala tinha demasiados itens, se era demasiado longa ou se as questões não eram claras. Embora o pré-teste não tenha trazido alterações à escala, permitiu uma estimativa do tempo necessário para a preencher.
A determinação dos critérios de qualidade desta escala decorreu do objetivo de criar um instrumento válido e fiável para medir o ajustamento dos indivíduos à aposentação. A versão final foi aplicada a 115 participantes, seguindo-se a avaliação das características psicométricas.
Ainda que não existam estudos anteriores com instrumentos que avaliem este constructo, o facto de nas várias dimensões da EPFAR, os valores de ( encontrados revelarem uma boa consistência interna, veio assegurar que a escala validada poderá ser aplicada no futuro, com garantias de resultados consistentes.
A escala também revelou adequadas características de validade, avaliadas através da análise fatorial. A escala foi agrupada em quatro fatores, relacionados com as suas dimensões, referenciadas pelo recém-aposentados portugueses.
Os resultados de validação demonstraram boas propriedades psicométricas da escala construída. Tanto os resultados da análise fatorial como a análise de fiabilidade atestaram que a escala é válida e fidedigna. Este estudo, à semelhança de outros estudos de validação de escala, que demonstram de que forma os fatores foram analisados, vem auxiliar quem utilizar a escala futuramente a saber como deverá ser aplicada na investigação ou na prática clínica (Souza et al., 2017).
A utilização da técnica da bola de neve condicionou o caráter aleatório do presente estudo. Esta limitação poderá ser superada em estudos futuros.
Conclusão
A transição para a aposentação tem sido alvo de investigação nas últimas décadas, em várias disciplinas do conhecimento. Contudo, os instrumentos existentes para avaliar a adaptação a esta transição não correspondiam às dimensões referenciadas pela faixa etária da população portuguesa que está a vivenciar esta transição, daí se ter identificado a necessidade da construção da EPFAR.
Para testar o constructo avaliado por este instrumento, procedeu-se à sua validação na população portuguesa.
Face aos resultados aqui descritos, conclui-se que a EPFAR evidencia ser um instrumento válido (demonstrando validade de constructo) e fidedigno (com índices de fiabilidade satisfatórios) podendo ser utilizada como medida de avaliação do ajustamento à transição para a aposentação. Os resultados ajustam-se à derivação racional implícita na escala e aos resultados obtidos pela análise fatorial. Neste sentido, a escala poderá ser um auxílio para os profissionais de saúde na definição de estratégias de intervenção e de promoção da saúde junto de recém-aposentados portugueses.
Dada a sua natureza e extensão, tem a virtude de ser de administração fácil e rápida. O objetivo central deste estudo, de validar uma escala que possibilitasse a avaliação do ajustamento à reforma, foi alcançado através da determinação da validade e da fiabilidade.
Ao validar a EPFAR contribuiu-se para a prática clínica e científica, pois esta escala é um instrumento inovador em Portugal para avaliar a adaptação dos recém-aposentados portugueses e permitir aos profissionais de saúde compreender em que fase de ajustamento se encontram, facilitando a sua intervenção.
Sugere-se a aplicação da escala de forma mais alargada para aumentar a robustez da mesma e a amostras de âmbito nacional, no sentido de se poder generalizar os resultados. A continuidade de investigação com este instrumento poderá alargar as dimensões em estudo, procurando responder às contínuas necessidades dos recém-aposentados portugueses.