Introdução
O cateter venoso periférico (CVP) é o dispositivo de acesso vascular mais utilizado em todo o mundo, com estimativas conservadoras a darem conta de que anualmente cerca de 1,2 mil milhões de cateteres são inseridos (Alexandrou et al., 2015; Carr et al., 2019). No entanto, a inserção de um CVP é considerada difícil em 12% a 26% das pessoas adultas (Sabri et al., 2013), levando a tentativas consecutivas de punção que conduzem à depleção da rede venosa periférica. Assim, a realização com sucesso de uma primeira inserção do CVP deve ser considerada uma prioridade clínica (Carr et al., 2019).
Recentemente, numa revisão sistemática com meta-análise, Rodríguez-Calero et al. (2020) identificaram vários fatores de risco associados à dificuldade no acesso venoso periférico, tais como variáveis demográficas e antropométricas (género, índice de massa corporal), comorbilidades e perfil clínico (diabetes, insuficiência renal, abuso de substâncias parenterais, quimioterapia), e variáveis relacionadas com o acesso vascular (capacidade de observar e palpar uma veia, diâmetro da veia, histórico de cateterização difícil).
No entanto, a variabilidade nas taxas de sucesso à primeira tentativa pode também ser explicada pela ausência de metodologias de avaliação uniformes (Carr et al., 2017). Embora tenham sido desenvolvidas várias ferramentas neste âmbito (Carr et al., 2017), a existência de múltiplos fatores associados ao sucesso de inserção de CVPs podem reduzir a capacidade de instrumentos unidimensionais em identificar pessoas com acesso vascular periférico difícil (Rippey et al., 2016).
A literatura internacional identifica a escala Venous International Assessment (VIA) como uma ferramenta simples e rápida de usar, que permite aos profissionais de saúde classificar a rede venosa periférica da pessoa em cinco graus com base em três parâmetros: i) o número de locais de punção observáveis; ii) o tamanho ideal do CVP e a facilidade de realização da venipuntura; iii) o risco de extravasamento ou flebite (Torre-Montero et al., 2014).
Tendo em conta a falta de um instrumento de avaliação deste tipo em Portugal, este estudo visa a tradução, adaptação cultural e validação da Escala VIA para português europeu.
Enquadramento
Em contexto clínico, os enfermeiros desempenham um papel fundamental no reconhecimento do risco de acesso venoso periférico difícil, garantindo que todas as pessoas são avaliadas quanto às condições associadas a este fenómeno antes de tentarem inserir um CVP (Moureau, 2019; Pagnutti et al., 2016).
Estudos recentes desenvolvidos em Portugal sugerem que os enfermeiros necessitam de duas a oito tentativas de punção para inserir com sucesso um CVP em 19,4% a 23,7% dos adultos hospitalizados (Braga, 2017; Oliveira et al., 2019; Parreira et al., 2019). Este número aumenta para uma média de cinco tentativas de punção por pessoa (variando entre uma a 20 tentativas) quando se considera todo o período de tratamento (Braga, 2017).
Este número inaceitavelmente elevado contradiz as atuais normas de prestação de cuidados em matéria de acesso vascular e terapia intravenosa, que recomendam até um máximo de duas tentativas por enfermeiro (com auxílio de tecnologias de localização de veias, tais como ultrassons e dispositivos de luz quase infravermelha), com encaminhamento subsequente para profissionais especializados/equipa de acesso vascular se o acesso periférico não for conseguido (Infusion Nurses Society, 2016; Moureau, 2019; Royal College of Nursing, 2016). Contudo, estas recomendações podem não ser aplicáveis em Portugal, devido à falta de equipas intra-hospitalares de acesso vascular e do uso recorrente de tecnologias de localização de veias para a inserção de CVPs.
Reconhecendo a importância de desenvolver e implementar ferramentas fiáveis que ajudem os profissionais de saúde na avaliação da rede venosa periférica, Torre-Montero et al. (2014, p. 45) introduziram a Escala VIA como uma “ferramenta de performance status” da rede venosa periférica, composta por cinco graus (Tabela 1).
Nota. VIA = Venous International Assessment; IV = intravenosa. Fonte: Torre-Montero et al. (2014, p. 46).
A Escala VIA reconhece o carácter multifatorial do acesso vascular periférico difícil (Rippey et al., 2016), considerando tanto as dimensões experienciais (por exemplo, o tamanho correto do calibre do cateter) como processuais (palpação de uma veia após aplicação do garrote) envolvidas na inserção de CVPs.
Para além de auxiliar os profissionais na seleção do local de punção ideal e do calibre adequado do cateter, a Escala VIA também identifica o risco potencial de complicações relacionadas com o CVP, tais como extravasamento e flebite. Deste modo, a Escala VIA pode ser universalmente utilizada em todos os contextos clínicos (Torre-Montero et al., 2014).
Questão de investigação
A versão da escala VIA em português europeu é válida e clinicamente viável para avaliar o grau de dificuldade de acesso venoso periférico na população portuguesa?
Metodologia
Este estudo metodológico foi desenvolvido em duas fases: i) tradução e adaptação cultural da escala VIA para português europeu; ii) validação psicométrica da versão adaptada.
A primeira fase foi conduzida de acordo com as orientações de Beaton et al. (2000) para o processo de adaptação transcultural de medidas de autorrelato, abrangendo seis etapas. Na primeira etapa (Tradução Inicial), quatro revisores provenientes de diferentes áreas científicas (enfermagem, psicologia e ciências biomédicas laboratoriais), todos de língua materna portuguesa variante europeia, avaliaram e traduziram a escala VIA. Em seguida, a equipa de investigação e os revisores analisaram e discutiram as quatro traduções, originando uma versão a (etapa II - Síntese das Traduções). A retroversão (back translation) da versão a foi então levada a cabo por dois tradutores oficiais de língua materna inglesa (etapa III - Retroversão). Ambas as traduções foram revistas pela equipa de investigação, que confirmou a equivalência linguística à escala VIA original.
Na etapa IV (Comité de Peritos), um painel de peritos com experiência em acesso vascular (quatro enfermeiros com doutoramento e dois médicos) avaliou e reviu a versão a. Durante a primeira ronda de consenso, foram sugeridas alterações significativas para assegurar a equivalência semântica e experiencial (por exemplo, “ponto” passou para “local de punção”). A sugestão de traduzir o nome da escala VIA para Escala de Avaliação da Rede Venosa (EARV) também foi feita na primeira ronda. Todos os peritos envolvidos concordaram unanimemente com esta tradução. Após uma segunda ronda, a escala reformulada foi novamente avaliada, e todos os itens alcançaram um índice de concordância de 85% entre os peritos.
Em conformidade com as orientações de Beaton et al. (2000) para a etapa V (Teste da Versão Pré-final), entre novembro e dezembro de 2019, foi pedido aos enfermeiros (n = 30) de um serviço de cirurgia no centro de Portugal que usassem a EARV antes de inserirem um CVP. De modo geral, os enfermeiros consideraram que a descrição dos cinco graus da EARV era compreensível e não revelaram quaisquer dificuldades em usar a escala. Na sexta etapa, os resultados de cada etapa anterior foram compilados e enviados ao autor original da escala, que aprovou a versão final da EARV.
Entre dezembro de 2019 e julho de 2020, foi conduzido um estudo observacional prospetivo num serviço de cirurgia de um hospital oncológico em Portugal com vista à validação psicométrica da EARV (fase dois). O investigador principal apresentou o estudo e os seus objetivos à equipa de enfermagem, tendo obtido o seu consentimento voluntário e informado. Dos 26 enfermeiros envolvidos nesta fase, a maioria eram mulheres (78,6%), com uma idade média de 39,3 ± 8,2 anos e uma média de experiência profissional de 17,5 ± 8,5 anos, dos quais 14,2 ± 8,6 foram na enfermaria de oncologia. Para além disso, 10,7% dos enfermeiros possuíam um bacharelato de 3 anos, 64,3% eram licenciados, e 17,9% tinham um mestrado; 21,4% dos enfermeiros eram especialistas em áreas como enfermagem médico-cirúrgica (10,7%), saúde mental e enfermagem psiquiátrica (7,1%), e enfermagem de saúde infantil e pediátrica (3,8%). Todos os enfermeiros tinham experiência anterior na inserção de CVPs.
De acordo com as orientações de Boateng et al. (2018), é necessário um mínimo de 10 participantes por item da escala de modo a avaliar as suas propriedades. Considerando o carácter de item único da EARV, inicialmente propusemos a inscrição de 100 adultos hospitalizados, com base na técnica de amostragem consecutiva não probabilística até se atingir o tamanho da amostra desejado. A seleção dos participantes foi feita com base nos critérios seguintes: ter mais de 18 anos de idade, estar em condições de fornecer o consentimento informado, e estar agendado para regressar à mesma enfermaria após a cirurgia. Excluíram-se do estudo as pessoas com lesões severas da rede venosa periférica a nível dos membros superiores, dependência conhecida de substâncias parenterais, e agendados para serem transferidos para outro serviço após o procedimento cirúrgico planeado.
Dois enfermeiros avaliaram simultaneamente a rede venosa periférica de cada pessoa antes da inserção do CVP, aplicando primeiro um garrote 5-10 cm acima da fossa antecubital e seguidamente observando e palpando as trajetórias das veias. De seguida, os dois enfermeiros pontuaram independentemente a EARV sem discutirem a sua fundamentação. Em seguida, o enfermeiro responsável pela pessoa inseriu um cateter venoso periférico curto no local de punção selecionado. Foi definida como tentativa de punção a punção percutânea por agulha, independentemente da progressão subcutânea. A cateterização venosa foi considerada bem-sucedida se o enfermeiro tiver sido capaz de realizar flush do cateter com cloreto de sódio a 0,9% sem que se verifiquem sinais de infiltração.
Foram recolhidas diversas variáveis ao longo do estudo, incluindo variáveis relacionadas com o doente (por exemplo, idade, diâmetro visível da veia em milímetros, índice de massa corporal, e tratamentos antineoplásicos anteriores), resultados associados ao procedimento (por exemplo o calibre do CVP, o tempo de inserção do cateter em minutos, o sucesso à primeira tentativa, o número de tentativas de punção, e complicações associadas), a facilidade de punção descrita pelo enfermeiro (no formato de escala Likert, entre 1 - nada difícil e 7 - extremamente difícil), e a pontuação total obtida na Escala A-DIVA Modificada em português europeu (Santos-Costa, Sousa, van Loon, et al., 2020). Este estudo foi aprovado pela Comissão de Ética do hospital (referência TI 24/2019).
Os dados foram analisados através do programa IBM SPSS Statistics, versão 25.0, e foi realizada uma análise descritiva de modo a analisar globalmente as variáveis relacionadas com a pessoa e o CVP. Adicionalmente, dado o carácter categórico de item único da EARV, a fiabilidade inter-observadores foi calculada através do Kappa de Fleiss, uma vez que dois enfermeiros independentes foram selecionados aleatoriamente em cada momento (Landis & Koch, 1977).
A validade de critério e de constructo da escala foram avaliadas seguindo as recomendações de Boateng et al. (2018). Assim, o coeficiente de correlação (r) de Pearson foi usado para determinar a força de associação entre os valores e as variáveis contínuas da EARV. Por outro lado, o coeficiente de correlação ponto bisserial (rpb) foi utilizado em variáveis dicotómicas independentes identificadas na literatura como sendo hipoteticamente associadas a dificuldades no acesso venoso (Rodríguez-Calero et al., 2020). Utilizou-se a correlação de Pearson para determinar a força de associação entre a EARV e a versão em português europeu da Escala A-DIVA Modificada (validade convergente). Considerando os principais parâmetros da Escala VIA original, uma análise de regressão múltipla com método padrão “Enter” foi realizada para estabelecer a magnitude preditiva dos indicadores sobre a variabilidade dos valores da escala. Foi determinado um nível de significância de 5% (α= 0,05) para todas as análises necessárias.
Resultados
O processo de tradução e adaptação cultural da escala VIA para português europeu revelou resultados satisfatórios, com todos os itens a atingirem um índice de concordância de 85% nas rondas de consenso entre peritos (Fase I - Etapa IV). No entanto, o autor original da escala VIA sugeriu uma definição mais clara de puncture point (local de punção). A descrição foi clarificada na secção inicial das instruções de utilização da escala, tal como na escala VIA original. A Tabela 2 apresenta a versão final proposta da EARV.
Grau 1 |
1. Existem, pelo menos, seis locais ótimos de punção numa das veias dorsais da mão, veia cefálica e/ou basílica do antebraço. Estas veias devem ser palpáveis e visíveis. 2. Estas veias permitem a inserção de um cateter de maior calibre, de pelo menos 18G, e apresentam características para uma punção venosa isenta de riscos. 3. O risco de extravasamento é pouco provável. Há a possibilidade remota de ocorrência de flebite. |
Grau 2 |
1. Existem, pelo menos, quatro locais ótimos de punção numa das veias dorsais da mão, veia cefálica e/ou basílica do antebraço. 2. Baixa dificuldade na inserção de cateteres de maior calibre, pelo menos 20G, e facilidade na obtenção de amostras de sangue. 3. O risco de extravasamento é baixo a possível. Existe a possibilidade de ocorrência de flebite e poderá ser encontrada resistência na administração de terapêutica intravenosa. |
Grau 3 |
1. Existem, pelo menos, três locais ótimos de punção numa das veias dorsais da mão, veia cefálica e/ou basílica do antebraço. 2. Dificuldade na inserção de cateteres de menor calibre (22G e 24G), sem possibilidade de inserção de cateteres de maior calibre, acima de 20G. A obtenção de amostras de sangue não é fácil. 3. O risco de extravasamento é possível. Há possibilidade de ocorrência de flebite e poderá aumentar o tempo necessário para administração da terapêutica intravenosa. |
Grau 4 |
1. Existe, pelo menos, um local ótimo de punção numa das veias dorsais da mão, veia cefálica e/ou basílica do antebraço. 2. Grande dificuldade na inserção de cateteres de menor calibre (24G e inferiores); dificuldade na obtenção de amostras de sangue. 3. O risco de extravasamento é elevado. Facilidade de ocorrência de flebite após administração de terapêutica intravenosa. |
Grau 5 |
1. Não existem locais ótimos de punção numa das veias dorsais da mão, veia cefálica e/ou basílica do antebraço. 2. Impossibilidade de inserção de cateteres de menor calibre (24G e inferiores); elevada dificuldade na obtenção de amostras de sangue. 3. O risco de extravasamento é extremamente elevado. Muito facilmente irá ocorrer flebite após administração de terapêutica intravenosa. |
No total, 83% dos participantes necessitaram de uma inserção de CVP devido a uma cirurgia iminente, enquanto 12% tinham um cateter anterior não funcional (Tabela 3). Os enfermeiros optaram principalmente pelas veias no dorso da mão (59%) e no antebraço (32%), tendo selecionado sobretudo CVPs de 20G (79%). A inserção com sucesso do CVP foi alcançada após uma média de 1,57 tentativas (1-8, DP ± 1,1). O CVP permaneceu in situ durante 2,1 dias (0-8, DP ± 1,4). Ao longo do estudo, foi registada uma taxa de complicação de 26%, principalmente devido a infiltrações (18%) e flebites (9%).
Os valores da EARV estavam distribuídos assimetricamente, com uma pontuação média de 2,2 (1-5, DP ± 1,1). No que diz respeito à fiabilidade inter-observadores, o Kappa de Fleiss mostrou que havia um acordo moderado nas avaliações dos enfermeiros (Landis & Koch, 1977), k = .490 (95% CI, 0,371 a 0,610), p < 0,0005.
Os valores totais obtidos foram correlacionados com variáveis processuais e relacionadas com as pessoas, identificadas previamente na literatura como sendo hipoteticamente associadas a dificuldades no acesso venoso a fim de avaliar a validade de critério e constructo da EARV (Tabela 4). Para além disso, os valores obtidos na EARV foram também correlacionados com resultados associados ao CVPs (por exemplo, flebite e infiltração), considerando que a escala se concentra em possíveis complicações suscetíveis de levar à remoção precoce do CVP.
Variáveis | r / r pb | p | |
---|---|---|---|
Variáveis relacionadas com a pessoa | Idade | .139 | .049 |
Género | .067 | .343 | |
Índice de Massa Corporal (geral) | .149* | .035 | |
Diâmetro da veia visível (em milímetros) | -.485** | .000 | |
Tratamento antineoplásico anterior | .095 | .180 | |
Comorbidades: Hipertensão Arterial | .095 | .182 | |
Comorbidades: Dislipidemia | -.074 | .299 | |
Comorbidades: Diabetes Mellitus tipo 2 | .173 | .014 | |
Variáveis processuais | Calibre (Gauge) | .467 | .000 |
Local de inserção: dorso da mão | -.083 | .243 | |
Local de inserção: antebraço | .002 | .980 | |
Local de inserção: fossa antecubital | .157 | .027 | |
Sucesso à primeira tentativa | .501 | .000 | |
Número de tentativas de punção | .533 | .000 | |
Tempo para inserção de CVP (em minutos) | .097 | .172 | |
Facilidade de punção | .682 | .000 | |
Resultados associados aos CVPs | Remoção prematura | .354 | .000 |
Complicação: infiltração | .037 | .604 | |
Complicação: flebite | .086 | .224 | |
Complicações (geral) | .261 | .000 |
Foi levada a cabo uma correlação de ponto bisserial para determinar a relação entre os valores das escalas A-DM e EARV. Verificou-se uma correlação positiva entre ambas as escalas com significância estatística (rpb = 0,739, p < 0,001). Foi realizada uma análise de regressão múltipla por método padrão “Enter” para estabelecer a magnitude preditiva do número de tentativas de punção, o calibre do CVP, a facilidade de punção reportada pelos enfermeiros, e o diâmetro visível da veia na variabilidade dos valores da escala para aprofundar a estimativa da validade da EARV com base nas variáveis exploradas na Escala VIA original.
Os resíduos eram independentes, como avaliado pela estatística de Durbin-Watson de 2,048, e não foram identificados outliers. Através da avaliação do diagrama de dispersão de resíduos padronizados versus valores previstos padronizados, foi possível constatar a homocedasticidade dos dados. Os resíduos estavam normalmente distribuídos conforme a avaliação do gráfico de probabilidade normal. As quatro variáveis previram estatística e significativamente os valores da EARV, F(4,95) = 46,518, p < 0,001, R2 = 0,648. Todas as quatro variáveis acrescentaram significado estatístico à previsão (Tabela 5).
Modelo | Coeficientes não padronizados | Coeficientes padronizados | T | Sig. | Intervalo de Confiança de 95,0% para B | |||
---|---|---|---|---|---|---|---|---|
B | Erro Padrão | Beta | Limite inferior | Limite Superior | ||||
1 | (Constante) | 0,231 | 0,658 | 0,351 | 0,726 | -1,076 | 1,538 | |
Número de tentativas de punção | 0,202 | 0,063 | 0,224 | 3,222 | 0,002 | 0,077 | 0,326 | |
Calibre (Gauge) | 0,394 | 0,146 | 0,179 | 2,688 | 0,008 | 0,103 | 0,685 | |
Facilidade de punção | 0,236 | 0,037 | 0,461 | 6,313 | 0,000 | 0,162 | 0,311 | |
Diâmetro da veia visível (em milímetros) | -0,195 | 0,057 | -0,225 | -3,399 | 0,001 | -0,309 | -0,081 |
Assim, o número de tentativas de punção, o calibre do CVP (Gauge), a facilidade de punção, e o diâmetro visível da veia (em milímetros) representaram 66,2% da variação dos valores da EARV com o R2 ajustado = 0,648, um efeito de grande dimensão de acordo com Cohen (1968).
Discussão
O envolvimento de tradutores e peritos de diferentes áreas científicas (enfermagem, medicina e ciências biomédicas laboratoriais) foi considerado extremamente importante para a produção de uma versão local de fácil compreensão para os profissionais de saúde em diferentes contextos clínicos. Também o envolvimento de dois tradutores oficiais de inglês-português na etapa III foi importante para assegurar que a EARV tivesse equivalência semântica e idiomática à escala VIA original.
O cumprimento rigoroso das etapas propostas por Beaton et al. (2000) resultou no desenvolvimento de uma escala traduzida e culturalmente adaptada à população portuguesa, com potencial de aplicação clínica, comprovado pelo elevado nível de acordo entre os peritos (≥85%) e o feedback positivo dos enfermeiros envolvidos na sua avaliação.
A validade de uma escala corresponde à medida até à qual o “instrumento mede efetivamente a dimensão latente ou constructo para o qual foi desenvolvido para avaliar” (Boateng et al., 2018, p.13). Segundo os autores, a validade do instrumento pode ser avaliada através das validades do critério e do constructo. Relativamente à validade do critério, a validade preditiva da EARV foi avaliada através da sua capacidade de prever complicações relacionadas com o CVP, tendo em conta a avaliação da escala do risco de extravasamento ou flebite. A EARV correlacionou-se com as complicações associadas ao CVP, com uma magnitude de 0,247 e um nível de significância de 0,05. No entanto, devido à falta de um gold standard reconhecido internacionalmente neste campo, não foi possível avaliar a validade concorrente.
A validade do constructo foi avaliada através de uma análise convergente e correlacional. As escalas EARV e A-DIVA Modificada foram aplicadas simultaneamente na avaliação de acessos venosos periféricos difíceis, uma vez que ambas as escalas visam avaliar o mesmo constructo (Torre-Montero et al., 2014; Santos-Costa, Sousa, van Loon, et al., 2020). A EARV correlacionou-se significativamente com a escala A-DIVA modificada (p < 0,001) com uma magnitude de 0,739, demonstrando a sua validade convergente.
Várias análises de correlação foram realizadas para quantificar melhor a validade da EARV (Boateng et al., 2018). Por exemplo, a EARV correlacionou-se significativamente com o diâmetro da veia e o calibre do CVP, ambos avaliados na sua classificação e descritos amplamente na literatura como fatores que influenciam o sucesso à primeira inserção (Carr et al., 2019; Rodríguez-Calero et al., 2020). Também a facilidade da punção, o sucesso à primeira inserção e o número de tentativas de punção necessárias para a inserção do CVP correlacionaram significativamente com os valores da EARV, com níveis de magnitude consideráveis entre 0,467 e 0,682, demonstrando que a escala pode indicar a potencial dificuldade no acesso venoso periférico.
Segundo Boateng et al. (2018, p. 14), a validade da escala é “sustentada se pelo menos duas das diferentes formas de validade do constructo . . . tiverem sido examinadas”. Para este estudo, as diferentes dimensões de validade da EARV foram avaliadas através de análise preditiva, convergente e correlacional, com resultados satisfatórios. No entanto, é necessário considerar as limitações do estudo, tais como a técnica de amostragem consecutiva não probabilística utilizada para recrutar participantes de um contexto clínico específico. Outros estudos de validação em diferentes contextos clínicos e envolvendo coortes específicos são recomendados para atestar a aplicabilidade transversal da EARV. Embora este estudo tenha sido um dos primeiros a avaliar o tempo de permanência in situ dos CVPs após avaliação inicial com escala (Carr et al., 2017), são necessários estudos mais abrangentes que permitam explorar a natureza preditiva da EARV no que diz respeito às complicações relacionadas com os CVPs. Estudos de validação posteriores da EARV deverão também ser realizados em contextos clínicos onde são utilizadas tecnologias de identificação e seleção de acesso venoso periférico como ultrassom, luz quase infravermelha, ou de estimulação elétrica. Estes estudos irão contribuir para o desenvolvimento de recomendações que informem os profissionais de saúde sempre que uma tecnologia de localização de veias for recomendada, considerando o grau da EARV avaliado.
Não obstante, a EARV pode ser considerada como um contributo fiável e válido para a prática clínica, assistindo os profissionais na padronização da avaliação inicial da rede venosa periférica da pessoa e na identificação de acessos venosos periféricos difíceis (Moureau, 2019).
Apesar de em Portugal os enfermeiros serem os principais responsáveis pela inserção e manutenção do CVP (Santos-Costa, Sousa, Marques, et al., 2020), consideramos que a EARV pode auxiliar qualquer profissional de saúde com competências em acessos vasculares na seleção do local ideal para a cateterização e o calibre adequado do CVP para o tamanho da veia, fatores que estão associados a uma maior probabilidade de sucesso à primeira tentativa (Carr et al., 2019; Rodríguez-Calero et al., 2020). Espera-se, assim, que a adoção da EARV em contextos clínicos portugueses possa diminuir as taxas conhecidas de insucesso na primeira tentativa e a necessidade de múltiplas tentativas de inserção (Braga, 2017; Oliveira et al., 2019; Parreira et al., 2019). De igual modo, considerando o seu carácter preditivo, a EARV permite aos profissionais de saúde uma monitorização precoce de complicações associadas ao CVP, contribuindo de forma significativa para a qualidade do tratamento venoso e para a segurança e bem-estar das pessoas. A EARV pode também contribuir para a normalização da terminologia usada para descrever o acesso venoso periférico difícil na prática clínica, contribuindo para a continuidade dos cuidados e registos clínicos relacionados com os acessos vasculares em Portugal.
Conclusão
A EARV demonstrou ter equivalência linguística à escala VIA. O processo de tradução e adaptação cultural obteve o feedback positivo dos enfermeiros em contexto clínico e do autor original da escala. A análise das propriedades psicométricas da EARV revelou indicadores significativos de confiança e validade, que reforçam o potencial da sua contribuição para a prática clínica em Portugal. Contudo, mais estudos de validação deverão ser realizados, especialmente em diferentes coortes e contextos clínicos recorrendo a amostras de maior dimensão.