Introdução
A paragem cardiorrespiratória (PCR) constitui um grave problema de saúde pública pela sua elevada incidência e mortalidade. A PCR, como acontecimento súbito, constitui uma das principais causas de morte, estimando-se que na Europa afete entre 55 a 113 pessoas por 100 000 habitantes (Perkins et al., 2015).
Na comunidade, numa situação de PCR fica-se dependente do comportamento de terceiros, que devem avaliar a situação, ligar aos serviços de emergência e iniciar manobras de reanimação o mais rápido possível. Como a maioria destas situações ocorre em ambiente extra-hospitalar, é fundamental que qualquer cidadão esteja habilitado para prestar socorro. Este deve agir com base nas melhores evidências e recomendações internacionais. O suporte básico de vida (SBV) consiste num conjunto de atitudes e procedimentos padronizados que tem como principal objetivo ganhar tempo, visando manter alguma circulação e ventilação até à chegada de ajuda diferenciada, aumentando as probabilidades de sobrevida (Nolan et al., 2010; Perkins et al., 2015).
Os conhecimentos dos estudantes em reanimação são cruciais para aumentar as probabilidades de sobrevivência na PCR, quer na comunidade quer em instituições de saúde. Os profissionais de saúde são as primeiras testemunhas de uma PCR em ambiente hospitalar, de modo que a sua formação e treino, enquanto estudantes, tem impacto na eficiência e nos resultados da reanimação cardiorrespiratória (RCR), pelo que avaliar os seus conhecimentos é deveras importante para a melhoria dos programas formativos (Vural et al., 2017).
No ensino superior em saúde a formação em SBV não está ainda consistentemente integrada no currículo académico (Awadalla et al., 2020), com grande heterogeneidade nos métodos de ensino e avaliação (García-Suárez et al., 2019).
Considerando o exposto, efetuou-se uma investigação que teve como objetivos: identificar os conhecimentos em SBV em estudantes do ensino superior que frequentavam os cursos de licenciatura na área das ciências da saúde e analisar a relação entre o nível de conhecimentos e as variáveis sociodemográficas, académicas e de contexto socioeducativo.
Enquadramento
Em agosto de 1988, um grupo de médicos europeus, entusiastas em reanimação, criou um grupo que nomeou de European Resuscitation Council (ERC), com o objetivo de contribuir para salvar vidas no espaço europeu. Tal deveria ser alcançado através da produção de diretrizes e recomendações, através da criação e implementação de programas de ensino, através do controlo e auditoria das práticas de reanimação cardiopulmonar (RCP), através da promoção e organização de reuniões científicas em reanimação (Bossaert & Chamberlain, 2013). Desde o primeiro congresso internacional realizado pelo ERC ficou estabelecida uma parceria com a American Heart Association. Desde então o ERC tem apresentado recomendações em inúmeras matérias como sejam o suporte básico e avançado de vida, gestão básica e avançada da via aérea, gestão das arritmias periparagem, entre outros (Bossaert & Chamberlain, 2013). As recomendações são apresentadas e revistas a cada 5 anos, com base na evidência científica disponível. A parceria com a American Hearth Association permite consensos e uma prática uniforme, embora com algumas adaptações a realidades regionais (Bossaert & Chamberlain, 2013). À luz da melhor evidência científica existem alguns fatores que podem influenciar os resultados do socorro (Nolan et al., 2010; Perkins et al., 2015). Para uma RCP bem-sucedida salienta-se o conceito de cadeia de sobrevivência, representada por um conjunto de etapas interligadas (elos em sequenciação de atitudes) que, quando respeitadas, maximizam a probabilidade de sucesso. Segundo Perkins et al. (2015) essas etapas são: (i) Reconhecimento precoce e pedido de ajuda; (ii) RCP precoce; (iii) Desfibrilhação precoce; (iv) Suporte Avançado de Vida (SAV) precoce e cuidados pós-reanimação estandardizados.
Estudos efetuados na população portuguesa colocaram em evidência um baixo nível de qualificação para realizar SBV (Dixe & Gomes, 2015; Sá-Couto & Nicolau, 2019), mas uma grande disponibilidade para fazer formação (Dixe & Gomes, 2015). O conhecimento sobre SBV mostrou estar associado à realização de cursos/formação prévia na área (Dixe & Gomes, 2015) e ao tempo transcorrido desde essa formação (Sá-Couto & Nicolau, 2019). Dentro do grande segmento do público em geral, é consensual a necessidade de formação sobre SBV em ambiente escolar incluindo professores e estudantes (López et al., 2018).
O relatório final do Grupo de Trabalho para a Requalificação do Programa Nacional de Desfibrilhação Automática Externa (GT-RDAE) refere que os estudantes do ensino superior das áreas das ciências da saúde e do desporto constituem grupos populacionais prioritários na formação em reanimação (Grupo de Trabalho, 2018). Segundo Saquib et al. (2019) os estudantes da área da saúde devem ser portadores de um conhecimento adequado em SBV e RCR, pelo que os procedimentos respeitantes a estes devem ser incluídos nos currículos de ensino.
Estudos realizados sobre conhecimentos em SBV em estudantes da saúde relatam uma alta percentagem de conhecimentos inadequados por parte desta população (Alanazi et al., 2014; Al-Mohaissen, 2017; Mejia et al., 2016). De um modo geral os estudantes que tiveram formação em SBV integrada nos seus currículos apresentam maiores níveis de conhecimento (Al-Mohaissen, 2017; Mejia et al., 2016).
Uma revisão sistemática conduzida por García-Suárez et al. (2019) sobre as metodologias pedagógicas usadas em SBV nas escolas de saúde concluiu que os 11 estudos analisados mostraram uma grande heterogeneidade nos métodos de ensino, assim como os dispositivos de feedback utilizados nas avaliações práticas e na mensuração da qualidade da RCR. Por outro lado, a aprendizagem com recurso à simulação clínica de alta-fidelidade com feedback em tempo real mostrou ser mais eficaz do que os demais recursos analisados (García-Suárez et al., 2019).
Questões de investigação/Hipóteses
Qual o nível de conhecimentos de SBV em estudantes do ensino superior da área da saúde?; Qual a relação entre o nível de conhecimentos de SBV em estudantes do ensino superior da área da saúde e algumas variáveis sociodemográficas, académicas e de contexto socioeducativo?
(i) Existem diferenças estatisticamente significativas entre os conhecimentos em SBV dos estudantes e o respetivo sexo; (ii) Existem diferenças estatisticamente significativas entre os conhecimentos em SBV dos estudantes e o curso que frequentam; (iii) Existem diferenças estatisticamente significativas entre os conhecimentos em SBV dos estudantes e o ano do curso que frequentam; (iv) Existem diferenças estatisticamente significativas entre os conhecimentos em SBV dos estudantes e o facto de terem frequentado formação em SBV ou terem alguma vez prestado socorro a alguém; (v) Existem diferenças estatisticamente significativas entre os conhecimentos em SBV dos estudantes e o facto dos estudantes terem frequentado unidades curriculares onde foram ministrados conteúdos de SBV.
Metodologia
Com base nos objetivos do estudo, foi desenhado um estudo correlacional, transversal, de natureza quantitativa.
A população-alvo da presente investigação foram os estudantes que frequentam cursos do primeiro ciclo (licenciatura) numa Escola Superior de Saúde do Norte de Portugal (N = 937). A amostra foi obtida aplicando o seguinte critério de inclusão: Estudantes que se encontrassem a frequentar unidades curriculares em espaço escolar, ou que, estando a frequentar ensinos clínicos ou estágios se deslocassem à escola, em horário programado, para apresentação de trabalhos. Foi ainda aplicado o seguinte critério de exclusão: Estudantes estrangeiros em programa de mobilidade, não falantes de língua portuguesa, pela dificuldade na compreensão e interpretação do questionário usado como instrumento de recolha de dados.
Para recolha de informação usamos um questionário subdividido em várias seções, designadamente aspetos sociodemográficos e académicos, formação e experiência em SBV, confiança para prestar SBV e conhecimentos sobre SBV.
A variável dependente conhecimentos dos estudantes sobre SBV refere-se aos conhecimentos de natureza teórico-prática dos estudantes relativamente às orientações do ERC de 2010, atualizadas pelas recomendações 2015 (Nolan et al., 2010; Perkins et al., 2015). O nível de conhecimento é avaliado através de 20 questões de escolha múltipla com quatro opções de resposta, estruturadas de acordo com a literatura temática e seguindo uma metodologia análoga a estudos prévios (Al-Mohaissen, 2017; Alotaibi et al., 2016; Dixe & Gomes, 2015). Às respostas certas foi atribuída a classificação de 1 ponto e às erradas 0 pontos, podendo a pontuação final oscilar numa escala de 0 a 20, correspondendo maiores pontuações a maior conhecimento. Os tópicos específicos do SBV avaliados pelo questionário de conhecimentos foram: Conceito de cadeia de sobrevivência; Conhecimento do número de emergência médica; Verificação de condições de segurança; Avaliação do estado de consciência; Estado de consciência e ausência de respiração como sinais de PCR; Permeabilização da via aérea; Técnica de avaliação da respiração; Tempo máximo dedicado à técnica de avaliação da respiração; Taxa de compressões torácicas e ventilações com um reanimador; Taxa de compressões torácicas e ventilações com vários reanimadores; Em que circunstâncias se avalia a circulação; Momento de pedido de ajuda diferenciada; Início das manobras de RCR com compressões torácicas ou ventilação; Conhecimento da máscara de bolso e sua utilização; Em que circunstâncias suspender manobras de SBV; Local correto para a realização das compressões torácicas; Depressão do tórax (em cm) nas compressões torácicas; Rácio de compressões torácicas por minuto; Quando colocar uma vítima em PLS (Posição Lateral de Segurança); Conhecimento do DAE (Desfibrilhador Automático Externo) para desfibrilhação.
O questionário foi construído tendo por base a vasta literatura existente, respeitando as orientações emanadas pelo ERC e investigações que visaram avaliar o conhecimento em SBV em estudantes universitários. Foram consultados dois peritos da área e realizado um pré-teste envolvendo 30 estudantes de um curso de licenciatura da área da saúde, para testar a compreensão das questões e o tempo necessário para o seu preenchimento. O instrumento de recolha de dados foi aplicado no ano letivo 2017/2018, utilizando os 30 minutos iniciais das aulas. O investigador esteve presente, explicando a finalidade e objetivos do estudo. Foram respeitados todos os princípios éticos. Todos os participantes assinaram consentimento informado livre e esclarecido. Obteve-se um parecer favorável de uma Comissão de Ética relativamente ao estudo (RI001-2020/02486). O tratamento de dados foi realizado recorrendo-se ao programa IBM SPSS statistics, versão 23.0. Os dados foram analisados através de técnicas estatísticas descritivas e inferenciais. Recorreu-se ao cálculo de frequências absolutas e relativas, medidas de tendência central (média, moda e mediana) e medidas de dispersão (desvio padrão). No estudo das hipóteses de investigação compararam-se as médias obtidas no questionário de conhecimentos pelas categorias das variáveis independentes, recorrendo ao teste t para duas amostras independentes e teste ANOVA para mais do que duas amostras, para um grau de significância p < 0,05.
Resultados
Participaram no estudo 683 estudantes, predominantemente do sexo feminino (82,6%), cujas idades variavam dos 17 aos 40 anos. A média da idade foi de 21,01 anos (DP = 2,65), para uma variância amostral de 7 anos, sendo que a moda se situou nos 20 anos, com 140 estudantes a apresentarem essa idade.
Tendo por base a análise das respostas ao questionário utilizado (Tabela 1), constata-se que a maioria dos estudantes (93,4%) conhecia o número europeu de emergência médica e o conceito de cadeia de sobrevivência (84,2%). Mais de metade da amostra acertou na maioria das respostas, excetuando alguns indicadores avaliados, entre os quais, a técnica de permeabilização da via aérea pela extensão da cabeça e elevação do queixo (38,9%), a avaliação da circulação caso o reanimador seja profissional de saúde experiente (24,2%), o momento no algoritmo de SBV no qual se pede ajuda diferenciada (45,7%), o rácio de compressões torácicas entre 100 a 120 por minuto (30,6%) e o conhecimento do DAE para desfibrilhação (40,6%).
Itens | n (%) |
---|---|
Conceito de cadeia de sobrevivência | 575 (84,2%) |
Conhecimento do número de emergência médica | 638 (93,4%) |
Verificação de condições de segurança | 465 (68,1%) |
Avaliação do estado de consciência | 518 (75,8%) |
Sinais de paragem cardiorrespiratória | 424 (62,1%) |
Permeabilização da via aérea | 266 (38,9%) |
Técnica de avaliação da respiração | 446 (65,3%) |
Tempo máximo dedicado à técnica de avaliação da respiração | 459 (67,2%) |
Taxa de compressões/ventilações com um reanimador | 462 (67,6%) |
Taxa de compressões/ventilações com vários reanimadores | 409 (59,9%) |
Em que circunstância se avalia a circulação | 165 (24,2%) |
Momento de pedido de ajuda diferenciada | 312 (45,7%) |
Início das manobras de RCR com compressões ou ventilação | 402 (58,9%) |
Conhecimento da máscara de bolso e sua utilização | 410 (60,0%) |
Em que circunstâncias suspender manobras de SBV | 429 (62,8%) |
Local correto para a realização das compressões torácicas | 408 (59,7%) |
Depressão do tórax (em cm) nas compressões torácicas | 399 (58,4%) |
Rácio de compressões torácicas por minuto | 209 (30,6%) |
Quando colocar uma vítima em PLS | 383 (56,1%) |
Conhecimento do DAE para desfibrilhação | 277 (40,6%) |
Nota. SBV = Suporte básico de vida; RCR = Reanimação cardiorrespiratória; PLS = Posição lateral de segurança; DAE = Desfibrilhação automática externa.
Para o questionário de SBV, numa escala de 0 a 20, a média aritmética da amostra situou-se nos 11,79 pontos (DP = 3,84).
As pontuações médias obtidas no teste de conhecimentos em SBV são ligeiramente mais elevadas no sexo masculino, sendo que estas diferenças não são estatisticamente significativas (Tabela 2). A amostra é maioritariamente constituída por estudantes do curso de licenciatura em Enfermagem (55,8%), seguida pelo curso de licenciatura em Ciências Biomédicas Laboratoriais (21,2%), Farmácia (11,0%), Dietética e Nutrição (8,5%) e pelo curso de licenciatura em Gerontologia (3,5%). Os estudantes do curso de licenciatura em Enfermagem (M = 13,33; DP = 3,75) e do curso de licenciatura em Gerontologia (11,92; 2,15) foram aqueles onde se obtiveram maiores pontuações médias no teste de conhecimentos em SBV. Encontrou-se diferenças estatisticamente significativas (p < 0,05) na média de respostas corretas consoante o curso frequentado (Tabela 2).
Encontrou-se uma relação estatisticamente significativa entre os conhecimentos em SBV dos estudantes e o ano curricular que o estudante frequentava (p < 0,05), sendo que quanto maior o ano, maior a média de respostas corretas (Tabela 2).
n (%) | M (DP) | Valor do teste | Valor p | |
Sexo | ||||
Feminino | 564 (82,6) | 11,76 (3,82) | t = -0,406 | 0,685 |
Masculino | 119 (17,4) | 11,92 (3,93) | ||
Curso frequentado | ||||
Enfermagem | 381 (55,8) | 13,33 (3,75) | F = 48,737 | < 0,05 |
Farmácia | 75 (11,0) | 9,16 (3,00) | ||
Dietética e Nutrição | 58 (8,5) | 10,62 (3,15) | ||
Ciências Biomédicas Laboratoriais | 145 (21,2) | 9,53 (2,80) | ||
Gerontologia | 24 (3,5) | 11,92 (2,15) | ||
Ano curricular | ||||
1º ano | 209 (30,6) | 9,88 (2,83) | F = 79,22 | < 0,05 |
2º ano | 219 (32,1) | 11,04 (3,69) | ||
3º ano | 184 (26,9) | 13,14 (3,75) | ||
4º ano | 71 (10,4) | 16,20 (1,83) |
Nota. M = Média; DP = Desvio padrão; t = Teste t para amostras independentes; F = Teste ANOVA; p = Significância estatística
Os estudantes que referiram ter frequentado um curso ou formação em SBV em algum momento nas suas vidas (57%) apresentaram resultados mais elevados no teste de conhecimentos (M = 14,29; DP = 2,80), quando comparados com os que nunca realizaram qualquer formação (Tabela 3), diferença estatisticamente significativa (p < 0,05). O facto de alguma vez se ter prestado socorro a alguém em perigo de vida (referido por 14,8% dos estudantes) não tem relação estatisticamente significativa com os resultados obtidos no teste de conhecimentos (p= 0,094).
Verificou-se ainda que cerca de 67% (n = 459) referiu que a licenciatura frequentada disponibiliza no seu plano de estudos formação em SBV e 229 estudantes relataram já ter frequentado essas unidades curriculares. O nível de conhecimentos em SBV revelou uma relação estatisticamente significativa com estas variáveis (p <0,05), o que comprova a quinta hipótese.
n (%) | M (DP) | Valor do teste | Valor-p | |
Formação em SBV alguma vez na vida? | ||||
Sim | 389 (57,0) | 14,29 (2,80) | t = 29,63 | < 0,05 |
Não | 294 (43,0) | 8,48 (2,15) | ||
Já socorreu alguém em perigo de vida? | t = 1,68 | 0,094 | ||
Sim | 101 (14,8) | 12,38 (4,18) | ||
Não | 582 (85,2) | 11,68 (3,77) | ||
A licenciatura que frequenta disponibiliza formação em SBV? | ||||
Sim | 459 (67,2) | 12,98 (3,71) | t = 12,97 | < 0,05 |
Não | 224 (32,8) | 9,34 (2,80) | ||
Se sim, já frequentou essa Unidade Curricular? (a) | ||||
Sim | 229 (49,9) | 15,80 (1,89) | t = 24,95 | < 0,05 |
Não | 230 (50,1) | 10,17 (2,85) |
Nota. (a) = Percentagem calculada em função dos estudantes que responderam à questão (n = 459); SBV = Suporte básico de vida; M = Média; DP = Desvio padrão; t = Teste t para amostras independentes; F = Teste ANOVA; p = Significância estatística
Discussão
Os resultados sociodemográficos do presente estudo mostram uma população maioritariamente feminina. A população estudantil feminina é a predominante no ensino superior designadamente nos cursos da saúde. Um fraco nível de conhecimento sobre SBV em estudantes do ensino superior que frequentam cursos de saúde tem sido relatado em diversos países (Al-Mohaissen, 2017; Alanazi et al., 2014; Mejia et al., 2016) e em Portugal as investigações sobre esta temática são escassas.
Relativamente aos conhecimentos sobre SBV, e numa escala de 0 a 20, obteve-se uma média de 11,79 pontos (DP = 3,84). Traduzindo essa pontuação para uma escala de 0 a 100 obtém-se 58,95 pontos.
Tendo por base a relação entre o nível de conhecimento e o sexo, verificamos que os resultados obtidos estão em consonância com vários estudos realizados em estudantes da área das ciências da saúde (Khader et al., 2016; Mejia et al., 2016), não se tendo encontrado diferenças estatisticamente significativas.
Os resultados do presente estudo apontam para diferenças significativas, entre os distintos cursos da amostra, relativamente aos conhecimentos dos estudantes. Em relação ao curso frequentado, resultados semelhantes foram relatados por um estudo que encontrou melhores conhecimentos em estudantes de enfermagem, seguindo-se os estudantes dos cursos de ciências laboratoriais, fisioterapia e radiologia (Khader et al., 2016). Um maior nível de conhecimentos em estudantes de enfermagem, comparados com estudantes de farmácia, medicina, odontologia e fisioterapia foram também reportados num estudo levado a cabo na Arábia Saudita (Al-Mohaissen, 2017).
A anos curriculares mais elevados correspondeu igualmente um maior conhecimento, facto que poderá ser atribuível à frequência de cursos de formação ou unidades curriculares temáticas bem como às experiências de aprendizagem que gradualmente os estudantes desenvolvem nos seus ensinos clínicos ou estágios, resultados semelhantes encontramos no estudo efetuado por Kadler et al. (2016).
Neste estudo a maioria dos estudantes (57%) referiu ter feito formação em SBV em alguma fase das suas vidas, predominantemente na instituição de ensino superior que frequentam. Esta percentagem é superior à do estudo de Dixe e Gomes (2015), no qual, numa amostra de 1700 inquiridos portugueses, 17,8% referiram ter formação e experiencia em SBV. No estudo efetuado por Mejia et al. (2016), envolvendo uma amostra de estudantes de Medicina, encontraram uma taxa de formação de 42,9%. Os inquiridos que frequentaram formação em SBV apresentavam em média melhores conhecimentos, mas o mesmo não se verificou naqueles que referiram já ter socorrido alguém. A formação como influenciadora dos conhecimentos teóricos e habilidades práticas é corroborada em outros estudos (Al-Mohaissen, 2017; Kose et al., 2020).
Neste estudo verificou-se que as pontuações médias obtidas no teste de conhecimentos são mais elevadas nos estudantes que frequentaram unidades curriculares onde se ministraram conteúdos de SBV. A este respeito Durak et al. (2006) desde há longa data defendem que a formação em SBV deve ser feita precocemente na formação em cursos de medicina. O conhecimento adequado é fundamental para garantir medidas de socorro adequadas em PCR e os profissionais de saúde devem desenvolver competência e confiança para reanimar desde o início dos seus cursos (Saquib et al., 2019).
Este estudo coloca em evidência que os estudantes que frequentaram formação em SBV, seja através de formação curricular ou extracurricular, foram aqueles que obtiveram pontuações médias mais elevadas no teste de conhecimentos sobre SBV. Este facto releva a importância da formação prévia nesta área, seja para atuação em ambiente comunitário ou em instituições de saúde. Atendendo a que os cursos de licenciatura na área da saúde possuem uma forte componente de estágio em serviços de saúde onde, devido à maior vulnerabilidade da pessoa em situação de doença, existe maior probabilidade de encontrar situações de PCR. Quando ocorre em instituições de saúde, o estudante deve conhecer os protocolos básicos da reanimação, designadamente o reconhecimento da situação, o acionar do sistema de emergência interna e a prestação da primeira ajuda, mobilizando os conhecimentos adquiridos.
Na interpretação dos resultados devem ser consideradas algumas limitações do estudo. Sendo a amostragem não probabilística os resultados não podem ser extrapolados. Uma outra limitação prende-se com o facto de a avaliação dos conhecimentos ter sido feita apenas por questionário, que avalia principalmente conhecimentos teóricos e do domínio cognitivo e não o desempenho prático e as habilidades psicomotoras.
Conclusão
Os estudantes dos cursos de saúde, como cidadãos e futuros profissionais, encontram-se na linha da frente, pelo que a avaliação dos seus conhecimentos em SBV torna-se pertinente. Nesta linha desenvolvemos uma investigação que teve como principal objetivo avaliar os conhecimentos sobre SBV em estudantes do ensino superior que frequentavam os cursos de licenciatura na área das ciências da saúde, e procurar associações entre o nível de conhecimentos e outras variáveis de contexto. Neste estudo a pontuação média dos conhecimentos dos estudantes universitários da área da saúde sobre SBV foi de 11,79 pontos (numa classificação de 0 a 20).
Concluiu-se que os conhecimentos são independentes do sexo, e variam conforme as licenciaturas e o ano curricular frequentado. Aqueles estudantes que frequentaram cursos ou formação em SBV, bem como os que abordaram conteúdos de SBV em unidades curriculares já frequentadas, foram os que apresentaram um maior nível de conhecimento. Face ao exposto considera-se que todos os planos de estudos deveriam contemplar a lecionação prévia dos referidos conteúdos antes dos estudantes iniciarem os ensinos clínicos/estágios. A formação extracurricular é decorrente da validação temporal destes cursos (SBV) que presentemente para Portugal é de cinco anos, conferida por entidades acreditadas pelo Instituto Nacional de Emergência Médica.
Sugere-se o desenvolvimento desta temática através de novos estudos em cenários educativos do ensino secundário e superior. Encorajam-se estudos longitudinais com avaliação dos conhecimentos antes da formação, imediatamente após e avaliação de follow up para avaliar a eficácia dos programas formativos e a retenção de conhecimentos.
Ao nível educativo sugere-se que a formação e treino em RCR se tornem matérias obrigatórias em todos os cursos de licenciatura na área das ciências da saúde, ressalvando que a capacitação em reanimação é também do domínio da responsabilidade individual pelo que os estudantes devem, neste campo, fazer formação extracurricular que vise a certificação contínua das suas aptidões.