Introdução
Na procura contínua da melhoria da qualidade dos cuidados prestados aos clientes cirúrgicos, foi criada, implementada e avaliada uma consulta de enfermagem pré-operatória em contexto hospitalar, integrada num programa de cuidados perioperatórios multiprofissional. Esta consulta de enfermagem é uma intervenção complexa e autónoma, que contempla um conjunto de atividades com a finalidade major de conhecer o cliente e de o informar sobre todo o seu percurso cirúrgico, atendendo às suas necessidades e expetativas e cujos resultados elencam num plano de cuidados multidisciplinar.
Os objetivos definidos para este estudo foram: Planear a consulta inserida no ERAS® dirigida aos clientes de cirurgia colorretal; Implementar a consulta; Avaliar a consulta.
Foram selecionados focos para a avaliação e a cada um deles corresponde um objetivo específico: avaliar a informação transmitida; avaliar a participação do cliente na recuperação; avaliar a satisfação do cliente; avaliar as implicações no retorno à autonomia na mobilização; e avaliar as implicações no tempo médio de internamento.
Enquadramento
O enfermeiro é o profissional que se encontra melhor posicionado para informar o cliente através de uma linguagem adequada e por isso salienta-se a relevância de uma consulta de enfermagem com uma estrutura que atenda às caraterísticas e situação clínica de cada cliente (Gonçalves et al., 2017).
Esta consulta enquadra-se no âmbito da enfermagem perioperatória, que engloba os cuidados de enfermagem dirigidos aos clientes durante o período pré-, intra- e pós-operatório. Integra um conjunto de intervenções realizadas em diferentes contextos hospitalares, com o objetivo de prestar os melhores e mais adequados cuidados ao cliente cirúrgico. Nos últimos anos, o conceito de enfermagem perioperatória evoluiu, tornando-se mais centrado no cliente, uma vez que espelha a preocupação de aproximar a prática das necessidades dos clientes (Arakelian et al., 2017). Assim, ao longo de todo o processo cirúrgico, os enfermeiros avaliam o cliente, recolhem, organizam e priorizam os dados, elaboram diagnósticos de enfermagem, identificam os resultados esperados para o cliente; e avaliam os resultados e as respostas do cliente (Rothrock, 2018).
Por sua vez, o programa Enhanced Recovery After Surgery® (ERAS®) é um programa de cuidados perioperatórios que tem como objetivos diminuir o stress cirúrgico, promover/manter o funcionamento fisiológico no pós-operatório e acelerar a recuperação depois da cirurgia (Gustafsson et al., 2019). Assenta em princípios como a prática baseada na evidência, em processos perioperatórios e numa abordagem multimodal e multiprofissional de trabalho em equipa e de auditoria de resultados (Ljungqvist & Hubner, 2018). Existem, além disso, guidelines internacionais que recomendam o ensino pré-operatório, otimização pré-operatória, diminuição do tempo de jejum pré-operatório, evicção do uso de fármacos opióides, reintrodução da alimentação via oral precocemente, analgesia multimodal e mobilização precoce e agressiva, entre outros (Gustaffson et al., 2019). O ERAS® valoriza a intervenção de enfermagem em todo o percurso cirúrgico do cliente, com enfoque no ensino pré-operatório. Para assegurar este ensino considerou-se o planeamento e implementação de uma consulta de enfermagem pré-operatória, cumprindo as guidelines internacionais e assente nas necessidades, caraterísticas e expetativas dos clientes.
A principal finalidade deste estudo foi implementar uma consulta de enfermagem pré-operatória assente numa filosofia patient centered care e simultaneamente, produzir conhecimento sobre esta temática, avaliando as implicações que esta intervenção tem para os clientes e para os seus resultados em saúde. O estudo desenvolveu uma intervenção baseada na melhor evidência disponível, prevendo identificação, aquisição e translação de conhecimento. Por outro lado, ao avaliar essa intervenção promove-se a qualidade do serviço prestado e uma maior adequação às caraterísticas dos clientes.
Metodologia
Tipo de estudo
Tratou-se de um estudo descritivo de natureza quantitativa com três fases: Fase 1: planeamento, que consistiu na elaboração de documentos de apoio à consulta (guia informativo para o cliente e orientação técnica para enfermeiros) baseados em pesquisa bibliográfica (realização de duas revisões tipo scoping, uma sobre o ensino pré-operatório e outra sobre as intervenções de enfermagem no programa ERAS®) e em guidelines internacionais; e formação às equipas de enfermagem; Fase 2: implementação da intervenção no contexto de prestação de cuidados; Fase 3: avaliação da consulta, de acordo com os focos selecionados.
População, participantes, processo de amostragem:
Foram considerados os clientes propostos a cirurgia colorretal de uma instituição hospitalar privada. Selecionaram-se 2 amostras não aleatórias, por conveniência: Amostra pré-ERAS®: clientes cirúrgicos sem consulta (n = 65); Amostra ERAS®: clientes cirúrgicos com consulta (n = 93).
Para a amostra ERAS® foram definidos os seguintes critérios de inclusão: ter mais de 18 anos, estar consciente e orientado e ser alfabetizado. Como critérios de exclusão: já ter realizado uma cirurgia no âmbito do programa ERAS® anteriormente. A amostra pré-ERAS® foi composta por clientes submetidos a cirurgia colorretal, mas que não foram alvo da consulta de enfermagem.
Variáveis
Na caracterização das amostras consideraram-se variáveis de atributo: género (feminino ou masculino); intervalos de idade (30-49 anos, 50-69 anos e 70-89 anos); classificação anestésica American Society of Anesthesiologists (ASA 1-2 e ASA 3-4), área cirúrgica (cólon ou reto); e abordagem cirúrgica (aberta, laparoscópica, robótica e outra/desconhecida). A consulta de enfermagem foi considerada como variável independente e definiram-se como variáveis dependentes: informação transmitida, participação na recuperação, a satisfação, o tempo médio de internamento e o tempo de recuperação da autonomia. Estas variáveis foram consideradas como focos de avaliação da consulta: (a) Informação transmitida - importância atribuída à informação, adequação da quantidade de informação, temas considerados mais importantes; (b) Participação do cliente na recuperação - integrando uma filosofia patient centered care, o engaging do cliente na sua recuperação é vital, avaliar a participação dos clientes na sua recuperação e se esta foi influenciada pela informação transmitida na consulta; (c) Satisfação do cliente - avaliou-se o nível de satisfação e se o cliente, em caso de nova cirurgia, gostaria de voltar a ter esta consulta; (d) Retorno da autonomia na mobilização - sendo a mobilização precoce um dos pressupostos do ERAS®, avaliou-se se a consulta e a informação transmitida no pré-operatório influenciaram a recuperação da autonomia na mobilização; (e) Tempo médio de internamento: depende de vários fatores/profissionais, mas considerou-se relevante avaliar se a consulta poderá ter tido influência neste resultado, uma vez que grande parte dos estudos publicados sobre o ERAS® mencionam esta variável.
Instrumentos de recolha de dados
No processo de avaliação da consulta foram utilizados dois instrumentos: Questionário - construído especificamente de acordo com os focos de avaliação, que foi aplicado à amostra ERAS® (clientes com consulta); Plataforma de auditoria do programa ERAS® - permite comparar resultados entre as duas amostras (ERAS® e pré-ERAS®).
Atendendo às variáveis dependentes foi realizada uma pesquisa para selecionar um instrumento que permitisse a sua avaliação, uma vez que não foi encontrado nenhum instrumento de recolha de dados que se adequasse, foi desenvolvido um questionário de acordo com as variáveis a avaliar. O questionário é constituído por duas partes, uma de caraterização dos participantes e outra com questões de resposta fechada (escala de tipo likert). Apenas uma questão permitia mais do que uma resposta, na identificação dos temas de ensino que o cliente considerou mais importantes na consulta. O questionário foi submetido a pré-teste da qual resultou a alteração de uma expressão que foi identificada pelos participantes como pouco clara. A plataforma de auditoria é exclusiva do ERAS®, desenvolvida por uma entidade internacional, que permite avaliar indicadores referentes a todo o percurso cirúrgico do cliente. Destes consideraram-se: o tempo em dias que cada cliente demora a alcançar a sua autonomia na mobilização e o tempo de internamento (indicadores analisados e comparados entre as duas amostras).
Procedimentos de recolha e análise dos dados
O questionário foi aplicado à amostra ERAS® entre maio de 2018 e junho de 2019. A sua aplicação consistiu na distribuição do instrumento ao cliente 1 a 2 dias antes da data prevista para alta, acompanhada de uma explicação acerca do estudo. Ao cliente foi reservada a possibilidade de preencher o questionário ou não (sem qualquer prejuízo) e se participasse o questionário era devolvido no momento da alta, dentro de envelope fechado na receção administrativa do serviço de internamento. Os dados obtidos nos questionários e pela plataforma foram analisados recorrendo ao software IBM SPSS Statistics, versão 23.0 e, posteriormente, apresentados sob a forma de gráficos e tabelas.
Considerações éticas
Solicitaram-se autorizações à Comissão de Investigação Clínica (obtida em 22/01/2018) e à Comissão de Ética para a Saúde (Ref. CES/11/2018/ME, em 05/03/2018) da respetiva instituição hospitalar, ambas com pareceres positivos. A cada cliente que integrou a amostra foi solicitado o consentimento livre e esclarecido (artigo 5.º Resolução da Assembleia da República n.º 1/2001).
Resultados
Na fase de planeamento da consulta foram elaborados um guia informativo para o cliente e uma orientação técnica para enfermeiros, sustentados teoricamente pelas revisões efetuadas. Nesta fase foram ainda desenvolvidas sessões de formação para os enfermeiros abrangendo mais de 140 profissionais. Estas sessões deram a conhecer a consulta, o programa e as suas principais implicações para a prática de enfermagem e obtiveram uma avaliação muito positiva por parte dos participantes com uma média total de 4,8 (1 a 5).
A consulta foi implementada entre maio de 2018 e junho de 2019. Foram realizadas consultas a 96 clientes propostos para cirurgia colorretal, todas as consultas foram realizadas pela investigadora com duração média de 40 minutos e aproximadamente uma a duas semanas antes da cirurgia. A consulta dividiu-se em três momentos: (1) recolha de informação sobre o cliente e contexto envolvente, (2) avaliação física, e (3) ensino pré-operatório com transmissão da informação e esclarecimento de dúvidas.
A avaliação foi efetuada através do questionário aplicado à amostra que participou na consulta - amostra ERAS® e, atendendo aos critérios de exclusão e inclusão, consideraram-se um total de 93 questionários. Foram excluídos três clientes que realizaram anteriormente uma cirurgia ao abrigo do ERAS® e, deste modo, já conheciam a dinâmica da consulta.
Por sua vez, da plataforma, foram recolhidos dados da amostra ERAS® e pré-ERAS® (65 clientes sem consulta de enfermagem).
Para a avaliação do retorno à autonomia e ao tempo médio de internamento, compararam-se as amostras pré-ERAS® e ERAS® do ponto de vista estatístico. Selecionaram-se variáveis para testar a comparabilidade: género, intervalos de idade, classificação anestésica ASA, área cirúrgica e abordagem cirúrgica. Avaliou-se a hipótese de existir relação entre estas variáveis e ser ou não da amostra pré-ERAS® ou ERAS® recorrendo ao teste Qui-quadrado. De acordo com os resultados descritos na Tabela 1 considerou-se ser possível comparar as duas amostras.
Pré-ERAS( (n = 65) | ERAS( (n = 93) | p-value | ||||
n | % | n | % | |||
Género | Feminino | 32 | 49,2 | 41 | 44,1 | p = 0,812* |
Masculino | 33 | 50,8 | 52 | 55,9 | ||
Intervalos de idade | 30-49 anos | 7 | 10,8 | 13 | 14,0 | p = 0,140* |
50-69 anos | 35 | 53,9 | 29 | 31,2 | ||
70-89 anos | 23 | 35,3 | 51 | 54,8 | ||
Classificação ASA | ASA 1-2 | 52 | 80,0 | 79 | 84,9 | p = 0,416* |
ASA 3-4 | 13 | 20,0 | 14 | 15,1 | ||
Área cirúrgica | Cólon | 51 | 78,5 | 67 | 72,0 | p = 0,361* |
Reto | 14 | 21,5 | 26 | 28,0 | ||
Abordagem cirúrgica | Aberta | 9 | 13,8 | 11 | 11,8 | p = 0,059* |
Laparoscópica | 48 | 73,8 | 60 | 64,5 | ||
Robótica | 7 | 10,8 | 13 | 14,0 | ||
Outras/Desconhecida | 1 | 1,6 | 9 | 9,7 |
Nota. *Teste Qui quadrado; ASA = American Society of Anesthesiologists; ERAS® = Enhanced Recovery After Surgery.
Os resultados da avaliação da consulta são apresentados de acordo com os objetivos específicos do estudo.
Avaliar a informação transmitida na consulta
Importância atribuída à informação transmitida: 59,1% (n = 55) muito importante; 34,4% (n = 32) importante e 6,5% (n = 6) razoavelmente importante. Nenhum cliente referiu que as informações não foram importantes.
Sobre a quantidade de informação transmitida, 50,5% (n = 47) consideraram quantidade adequada; 38,7% (n = 36) consideraram muita informação e 10,8% (n = 10) consideraram quantidade razoável. Nenhum cliente considerou pouca informação.
Relativamente aos temas do ensino havia possibilidade de cada cliente assinalar mais de um tema, sendo que o total de respostas assinaladas foi 461 (100,0%), em que cada cliente assinalou em média cinco temas. Os considerados mais importantes foram: bebida energética no pré-operatório para diminuir o tempo de jejum 16,3% (n = 75); utilização de pastilha elástica/rebuçado para estimulação gastrointestinal 13,0% (n = 60); dor e gestão da dor 12,8% (n = 59); 9,5% (n = 44) mobilização precoce no pós-operatório. O tema da preparação para a alta, que se pensou que poderia ser um dos mais importantes para o cliente contou apenas com 2,8% (n = 13) de respostas.
Relativamente à oportunidade de esclarecer as suas dúvidas, 65,6% (n = 61) concordaram inteiramente que tiveram oportunidade de esclarecer as dúvidas, 30,1% (n = 28) concordaram e 4,3% (n = 4), não concordaram nem discordaram. Nenhum cliente manifestou ter ficado com dúvidas por esclarecer após a consulta.
Avaliar a participação do cliente na recuperação
No que toca à influência da informação na colaboração do cliente, 59,1% (n = 55) concordaram inteiramente que a informação influenciou positivamente a sua colaboração nos cuidados pós-operatórios, 31,2% (n = 29) concordaram e 9,7% (n = 9) não concordaram nem discordaram. Nenhum cliente discordou.
Em relação à participação ativa do cliente na recuperação: 60,4% (n = 56) concordou inteiramente que teve uma participação ativa na sua recuperação após a cirurgia e 26,9% (n = 25) concordou. Cerca de 12,9% (n = 12) ficaram indiferentes a esta questão.
Avaliar a satisfação do cliente com a consulta
Sobre a importância da consulta para o cliente, 62,4% (n = 58) consideram a consulta muito importante e 31,2% (n = 29) importante, cerca de 6,5% (n = 6) razoavelmente importante. Nenhum cliente considerou pouco ou nada importante.
Em termos do nível de satisfação, 74,2% (n = 69) ficaram muito satisfeitos e 19,4% (n = 18) satisfeitos com a consulta, apenas 6,5% (n = 6) razoavelmente satisfeitos.
100,0% (n = 93) dos clientes referiu que em caso de necessidade de outra intervenção cirúrgica, gostaria de ter novamente a consulta de enfermagem.
Avaliar as implicações da consulta no retorno à autonomia na mobilização
Admitindo um intervalo de confiança de 95% e um valor de p = 0,05, esta variável demonstrou não ter uma distribuição normal (p < 0,001, pelo teste de Shapiro-Wilk). Na amostra pré-ERAS® o tempo médio que o cliente demorou a recuperar a sua autonomia foi 3,48 dias, a mediana foi 3 com um valor mínimo de 1 e máximo de 11 dias. Por sua vez, a amostra ERAS® contemplou um tempo médio até recuperar a autonomia de 2,00 dias, a mediana foi 2, com um valor mínimo de 1 e máximo de 14 dias conforme Figura 1. Considerou-se que a redução no tempo até recuperar a autonomia pós-operatória foi estatisticamente significativa (p < 0,001, teste de Mann-Whitney).
No que respeita à autonomia na mobilização, avaliou-se ainda a percentagem de clientes que realizou o primeiro levante pós-operatório no próprio dia da cirurgia, que correspondeu a 80,6% (n = 75) na amostra ERAS® e a 3,2% (n = 3) na pré-ERAS®.
Avaliar as implicações da consulta no tempo médio de internamento
Admitindo um intervalo de confiança de 95% e um valor de p = 0,05, esta variável também demonstrou não ter uma distribuição normal (p < 0,001, pelo teste de Shapiro-Wilk). Na amostra pré-ERAS® o tempo médio de internamento foi 7,09 dias, a mediana foi 5, com um valor mínimo de 3 e máximo de 36 dias até à alta. A amostra ERAS® teve um tempo médio de internamento de 6,73 dias, a mediana foi 4, com um valor mínimo de 2 e máximo de 25 dias conforme Figura 2. Considerou-se que a redução do tempo de internamento foi estatisticamente significativa através da aplicação do teste de Mann-Whitney (p = 0,044). No entanto, apesar deste valor de p, deve salientar-se que a existência de vários outliers na Figura 2 pode atribuir alguma fragilidade à análise desta variável.
Discussão
As consultas apresentaram uma duração média de 40 minutos o que está de acordo com a literatura, com oscilações entre 30 minutos por consulta (Louw et al., 2013) e de 33 minutos de média por consulta (Petterson et al., 2018). A consulta realizou-se cerca de 2 semanas antes da data prevista para a cirurgia, conforme previsto no planeamento. O ensino pré-operatório foi bastante valorizado por todas as partes e realça-se que é essencial os clientes obterem informação detalhada do seu interesse, de forma a se sentirem mais preparados para gerir os cuidados necessários no pós-operatório e para o período de recuperação em casa (Deng et al., 2019).
Relativamente à avaliação da consulta, a maioria dos clientes considerou a consulta como muito importante/importante o que pode relacionar-se com o facto da transmissão de informação puder proporcionar um aumento da sensação de controlo do cliente e também porque cada vez mais os clientes expressam interesse em ter informação adequada para integrarem as decisões de saúde que lhe dizem respeito (Forsberg et al., 2015). Por sua vez, a quantidade de informação transmitida demonstrou-se, na sua maioria, ser adequada. Sabe-se que transmitir a quantidade de informação adequada é fundamental, uma vez que informação em excesso pode também dificultar o entendimento do cliente (Pereira et al., 2016). Em relação aos temas abordados na consulta, e que o cliente considerou mais importantes, salientam-se a ingestão de bebida energética antes do procedimento cirúrgico como tema mais assinalado, eventualmente por divergir do conceito predefinido da obrigatoriedade de um jejum prolongado antes da cirurgia. Esta medida é importante no sentido de diminuir a resposta de stress orgânico provocado pela cirurgia, assim como se reconhece um impacto positivo na recuperação pós-operatória também em termos de resistência à insulina e bem-estar do cliente (Sena et al., 2013). O segundo tema mais assinalado foi a estimulação gastrointestinal através da pastilha elástica/rebuçado no pós-operatório, o que se considera poder estar associado ao facto de despertar curiosidade, e ser uma indicação pouco conhecida. A mobilização precoce e agressiva foi um aspeto bastante mencionado pelos clientes, pois durante a consulta o cliente é informado que deverá fazer o primeiro levante ainda no dia da cirurgia, o que causou alguma admiração. A mobilização precoce do cliente no pós-operatório tem sido considerada como uma medida importante na recuperação e diminuição de complicações pós-operatórias (Petterson et al., 2017), dependendo acentuadamente da equipa de enfermagem, o que reforça a importância das sessões de formação incluídas neste estudo. A maioria dos clientes revelou ter tido oportunidade de esclarecer as suas dúvidas na consulta o que foi considerado muito positivo e salientou a importância de existir um momento para esclarecimento de dúvidas durante o ensino pré-operatório (Pereira et al., 2016).
No que diz respeito à participação dos clientes na recuperação, a maioria considerou que a informação transmitida influenciou a sua colaboração nos cuidados, sendo que quando não tem informação suficiente é mais difícil para o cliente participar de forma ativa. Constata-se que é fundamental criar um sistema de transmissão de informação estruturado e realista que permita ao cliente melhorar a sua adesão ao plano de cuidados e assumindo-se que uma melhor adesão ao plano pode conduzir a melhores resultados em saúde (Cavallaro et al., 2018). A maioria dos clientes consideraram ter tido uma participação ativa na sua recuperação, sendo que a aceitação e participação do cliente no processo de recuperação é crucial em programas de recuperação acelerada (Hughes et al., 2015). Se o cliente sentir que as suas caraterísticas e desejos são tidos em consideração, mais facilmente se envolve no processo cirúrgico, tornando-se, assim, mais participativo (Arakelian et al., 2017).
Na avaliação da satisfação verificou-se que a maioria dos clientes considerou a consulta como muito importante/importante, o que reforça a relevância de avaliar as intervenções, incluindo a perceção do cliente e, deste modo, realizar uma melhor adaptação, visando melhores resultados (Kruse et al., 2009). Inferiu-se que a maioria dos clientes ficou muito satisfeito com a consulta, o que foi muito positivo, dado que este é um indicador direto de qualidade e permite desenvolver estratégias e serviços adequados às necessidades e expetativas dos clientes (Chahal & Mehta, 2013). Uma das formas mais comuns e simples de proceder a esta avaliação é sob a forma de questionários escritos e posterior tratamento dos dados (Jones et al., 2017), de acordo com o que foi dinamizado neste estudo. Evidenciou-se que todos os clientes inquiridos, caso necessitassem de outra cirurgia, gostariam de voltar a ter a consulta o que se julga estar associado à filosofia patient centered care que pressupõe a avaliação de satisfação e experiência do cliente no processo de cuidados (Van Zelm et al., 2018).
A consulta influenciou positivamente o tempo de retorno à autonomia na mobilização após a cirurgia, promovendo uma diminuição significativa, o que pode estar associado ao facto de os clientes estarem mais informados, mais preparados e mais confiantes (Gillis et al., 2017). Implementar uma consulta que permite conhecer o cliente, identificar as suas fraquezas e potencialidades e alocar adequadamente recursos pode potenciar a participação do cliente na sua recuperação, bem como acelerá-la (Petersson et al., 2018). A responsabilidade do levante no dia da cirurgia é em cerca de 80% do enfermeiro e 20% do cliente (Roulin et al., 2017) e neste estudo, foi transmitida informação ao cliente sobre a mobilização precoce e também realizada formação aos enfermeiros, o que se considera ter sido vital para os resultados positivos.
Verificou-se uma tendência decrescente na diminuição do tempo médio de internamento. A literatura apresenta tempos médios de internamento entre os 12-15 dias na cirurgia colorretal na maioria dos países (Ljungqvist & Hubner, 2018). Neste sentido, considera-se que os resultados em ambas as amostras já se revelavam bastante positivos. Embora as intervenções de enfermagem tenham efeitos diretos no decurso do internamento, este é um aspeto que depende de vários outros intervenientes e fatores. Julga-se ainda que esta tendência decrescente pode estar associada também ao conceito de empowerment do cliente, com o ensino pré-operatório, com a expetativa e participação do cliente nos cuidados.
Este estudo proporcionou uma avaliação detalhada da informação transmitida ao cliente e que temas o cliente considera mais importantes para o ensino pré-operatório o que é crucial numa consulta de enfermagem assente na filosofia patient centered care. Salienta-se também que se relacionou a consulta de enfermagem diretamente com resultados em saúde, como a autonomia na mobilização e o tempo médio de internamento, o que é cada vez mais uma preocupação das entidades prestadoras de cuidados de saúde, abrindo, deste modo, caminho para promover a avaliação de intervenções de enfermagem e inferir resultados sensíveis a estes cuidados.
A principal limitação do estudo foi a técnica de amostragem. Uma vez que a partir do momento em que a consulta passou a ser realizada, todos os clientes cirúrgicos da área colorretal passaram a integrá-la (por questões institucionais), constituindo-se deste modo uma amostra por conveniência e, por sua vez, a amostra pré-ERAS® corresponde a um conjunto de clientes temporalmente anteriores à implementação da consulta.
Conclusão
A implementação da consulta de enfermagem pré-operatória, baseada na melhor evidência disponível em contexto hospitalar, promoveu uma mudança na prática de cuidados. Contribuiu para uma melhoria dos processos e dos resultados através de uma melhor preparação do cliente, mais informação e maior colaboração. No pós-operatório os clientes retomaram a sua autonomia na mobilização mais precocemente, mais informados, mais participativos, com uma experiência cirúrgica mais positiva e com uma tendência para diminuir o tempo médio de internamento. Os resultados obtidos motivaram o reconhecimento desta intervenção de enfermagem, suscitando interesse na equipa multidisciplinar promovendo assim a expansão da consulta a outras áreas cirúrgicas.
Sugere-se que a consulta possa ser importante para melhorar os resultados de clientes de outras áreas cirúrgicas, sobretudo de cirurgias complexas nas quais se prevejam tempos médios de internamento elevados e recuperações mais longas e difíceis. Constatou-se também uma mudança na prática de cuidados pós-operatórios na instituição, com a recuperação mais precoce da autonomia na mobilização e antecipação do primeiro levante pós-operatório maioritariamente no dia da cirurgia.
Considera-se a importância de efetuar esta consulta em outras áreas cirúrgicas, e que esta seja avaliada através de outros focos de atenção, como por exemplo, o autocuidado ou a gestão de sintomas no pós-operatório ou ainda a perspetiva da equipa de saúde.