Introdução
Os enfermeiros especialistas em enfermagem de saúde materna e obstétrica (ESMO) têm assumido como parte integrante da sua missão, capacitar a mulher e família para o autocuidado e autovigilância, bem como promover uma vivência positiva do processo de gravidez, através de intervenções individuais ou em grupo (Ordem dos Enfermeiros [OE], 2018). Estas intervenções que constituem a assistência pré-natal concebida e implementada pelos enfermeiros, em particular pelos enfermeiros especialistas em enfermagem de saúde materna e obstétrica (EEESMO), são fundamentais para salvar vidas, melhorar o bem-estar, a utilização dos cuidados de saúde e a qualidade dos cuidados.
A transição para a parentalidade é, atualmente, vivenciada pela maioria dos casais de forma desejada, por essa razão, mesmo ainda durante a gravidez, estão altamente envolvidos na adoção de comportamentos saudáveis e na preparação antecipada da etapa seguinte (Cardoso, 2011; Jones et al., 2019). Esta predisposição para uma participação ativa é notável não só nas mulheres, mas também se tem observado um interesse crescente por parte dos homens (Andersson et al., 2016), em particular nas questões que envolvem a preparação para a parentalidade (Entsieh & Hallström, 2016; Mniszak et al., 2019).
A adoção de um modelo de cuidados centrado no casal grávido, como facilitador da sua participação ativa em todo o processo, exige que a avaliação, o diagnóstico e as intervenções se centrem na resposta às suas necessidades em cuidados (Andersson et al., 2016; Almalik & Mosleh, 2017; Direção-Geral da Saúde [DGS], 2015; Jones et al., 2019; OE, 2018; World Health Organization [WHO], 2018).
Todavia, atualmente não existem estudos que descrevam as necessidades, sensíveis aos cuidados de enfermagem, das mulheres e dos homens portugueses para manterem a saúde durante a gravidez. Assim, partiu-se para o desenvolvimento de um estudo cujo objetivo é identificar as necessidades de aprendizagem das mães e dos pais para promoverem o autocuidado durante a gravidez.
Enquadramento
A qualidade e a satisfação com os cuidados de enfermagem podem ter como pêndulo a resposta às necessidades percebidas pelos clientes. Por isso, a identificação das necessidades torna-se um passo incontornável para a conceção e implementação dos cuidados. Contudo, ainda é limitado o conhecimento disciplinar das necessidades de aprendizagem durante a gravidez para promoverem a respetiva saúde e garantirem o potencial máximo de saúde do seu filho, na perspetiva das próprias mães e pais que a vivenciam. A maioria dos estudos encontrados centram-se em temáticas específicas, como por exemplo a nutrição (Lucas et al., 2014), a atividade física (Broberg et al., 2015) ou a toma de medicamentos na gravidez (Ceulemans et al., 2019). Alguns estudos identificam necessidades mais amplas, abrangendo diversos tópicos de interesse, mas centrados apenas na perspetiva das mulheres (Almalik & Mosleh, 2017; Kamali et al., 2017). Alguns tópicos considerados relevantes para as mulheres, incluem a gestão de complicações major, as avaliações e consultas médicas, a dieta adequada, informações sobre medicamentos e suplementos, cuidados com o feto e complicações após o parto.
Sobre as necessidades percebidas pelas mulheres e homens, ao longo de toda a gravidez, destaca-se o estudo de Jones et al. (2019) que procurou aproximar o conteúdo dos contactos pré-natais às necessidades percebidas pelos próprios. Verificaram que as necessidades de aprendizagem das mães podem ser agrupadas em três grandes temas: desenvolver relações (com o feto/bebé, amigos e família); bem-estar emocional e aspetos práticos. Observaram ainda que as mães e os pais têm necessidades de aprendizagem diferentes e em momentos diferentes. As mães eram claras sobre o que queriam saber, mas os pais revelavam necessidades mais vagas. Este estudo destaca a dificuldade dos pais em saber o que precisam de aprender, à semelhança do estudo de Palsson et al. (2017), o qual constata ainda a considerável diversidade individual.
A referência à promoção da respetiva saúde durante a gravidez remete para o fenómeno do autocuidado, que pode ser compreendido pela teoria do Défice de Autocuidado de Enfermagem de Orem (Orem, 2001). De uma forma geral, o autocuidado é uma função humana reguladora que as pessoas têm que desempenhar por si próprias, no sentido de preservar a vida, a saúde, o desenvolvimento e o bem-estar. Ou seja, é aprendida e executada de acordo com as suas necessidades. A gravidez, enquanto estádio de desenvolvimento humano com características específicas, é aqui entendida como uma condição que vai implicar novas necessidades e, consequentemente, novos requisitos para o autocuidado.
Assim, no contexto português, considera-se pertinente que qualquer contributo para práticas promotoras do autocuidado e do bem-estar das grávidas e dos seus companheiros tenha início com o conhecimento das necessidades de aprendizagem percebidas pelos próprios.
Questão de investigação
Quais são as necessidades de aprendizagem percebidas pelas mães e pelos pais, para assegurarem o autocuidado na gravidez?
Metodologia
Foi preconizado um estudo transversal, descritivo-exploratório e de abordagem qualitativa.
Os participantes foram selecionados com a colaboração dos profissionais de saúde das instituições onde se realizaram as entrevistas. A amostragem foi de conveniência ou acidental e os critérios de inclusão definidos foram: aceitar participar no estudo depois de conhecer os objetivos do mesmo, pretender vivenciar em breve uma gravidez/estar a vivenciar uma gravidez/ter vivenciado recentemente uma gravidez. Foram realizadas entrevistas a um total de 80 mulheres e 20 homens. A diferença entre o número de participantes pode ser justificada pela reduzida participação dos pais nas consultas e programas de saúde, durante o período em que foi realizado o estudo. As mulheres tinham em média 32 anos (32,3 ± 5,98), variando entre os 16 e os 45 anos e os homens em média 34 anos (34,2 ± 7,52), variando entre os 25 e os 56 anos de idade. A escolaridade dos participantes foi em média de 12 anos (12,95 ± 3,74), a maioria estava casada (56%) e cerca de metade vivia no meio urbano (49%). Os participantes distribuíram-se de forma diferente pelos cinco momentos previstos para a realização da entrevista, período pré-concecional (8%), 1º trimestre (22%), 2º trimestre (23%), 3º trimestre (37%) e período após o parto (10%). A maioria (61%) estava a vivenciar a sua primeira gravidez.
O guião da entrevista semiestruturada foi construído em blocos temáticos, tendo em consideração os objetivos do estudo. Para proceder ao pré-teste realizaram-se duas entrevistas (a uma mãe e a um pai). Da análise da realização do pré-teste não emergiu necessidade de alteração às questões colocadas. Além dos dados de caracterização sociodemográfica e da história obstétrica, incluiu questões que detalhavam e permitiam obter resposta à questão central: “O que pensa que será/é/foi necessário aprender para conseguir cuidar-se e assegurar com confiança a sua saúde e a do seu filho, durante a gravidez?”. O modo e o momento em que as questões foram formuladas estiveram dependentes no decurso de cada entrevista, com uma duração média de 20 minutos. No final de cada entrevista era partilhado o conteúdo recolhido e obtida a concordância e validação por parte dos participantes.
Antes da implementação da recolha de dados foi realizado um contacto com todas as instituições e serviços onde se pretendia desenvolver o estudo, com o objetivo de confirmar as autorizações previamente concedidas e o calendário para a realização das entrevistas. Os profissionais de saúde responsáveis colaboraram na identificação dos potenciais participantes, através dos registos de marcação das consultas de planeamento familiar, saúde materna, puerpério e dos inscritos nos programas de saúde “Preparação para o parto e parentalidade” e “Recuperação pós-parto”. O primeiro contacto com os participantes foi feito pelo profissional de saúde responsável. Após manifestação de interesse em participar no estudo, foi feita a abordagem pela investigadora no sentido de explicar os objetivos e os procedimentos, com vista à obtenção do consentimento informado.
As entrevistas foram realizadas individualmente, em instituições de saúde da região Norte de Portugal (Unidades de Cuidados de Saúde Personalizados, Unidades de Saúde Familiares, Unidades de Cuidados à Comunidade e Consulta externa do hospital), entre janeiro e junho de 2016.
O estudo foi autorizado pela Comissão de Ética da ARS Norte (Parecer N.o 120/2015, estudo T489).
A recolha dos dados atingiu a saturação teórica quando as novas entrevistas já não acrescentavam conteúdo novo às categorias ou alteração das categorias já encontradas. Ainda que o número de participantes homens, quando comparado com as mulheres, tenha sido inferior, constatou-se uma menor variabilidade nas suas respostas pelo que a obtenção da saturação teórica foi observada entre a 14ª e a 16ª entrevista, todavia foram realizadas mais quatro para confirmação. Nas entrevistas das mulheres observou-se uma maior variabilidade das respostas, pelo que a saturação só foi obtida próximo das 80. As entrevistas, depois de transcritas, foram analisadas e organizadas seguindo o método de microanálise grounded analysis (Strauss & Corbin, 2008), com recurso ao software NVivo 11. Este processo de análise foi orientado por questões específicas elaboradas a partir da questão inicial. O primeiro passo foi a seleção detalhada do material que se referia claramente a aspetos do autocuidado durante a gravidez. Posteriormente, procedeu-se à codificação através da decomposição dos textos das entrevistas em unidades de análise, possibilitando progressivamente e num processo de comparação constante a construção de diferentes categorias. Estas categorias definiram as áreas conceptuais das necessidades de aprendizagem para o autocuidado durante a gravidez e incluíram as subcategorias que descreviam as temáticas dentro de cada área.
Resultados
A perspetiva das mães e dos pais sobre as necessidades de aprendizagem para cuidarem da sua própria saúde e assegurarem a saúde do seu filho durante a gravidez foi categorizada em cinco áreas: Preparar-se para a gravidez; Ajustar-se à gravidez; Cuidar de si; Cuidar do bebé (feto); Assegurar a vigilância da saúde.
Todas as categorias definidas incluem necessidades de aprendizagem identificadas pelas mães e pelos pais, ainda que algumas temáticas dentro de duas destas categorias tenham emergido a partir exclusivamente do discurso das mães (Tabela 1).
Conhecimento sobre: | Mãe | Pai | |
---|---|---|---|
Preparar-se para a gravidez | Consulta pré-concecional Vacinação pré-concecional | X X | X |
Ajustar-se à gravidez | Adaptação à gravidez Estado da saúde e evolução da gravidez Sintomatologia Doenças e complicações | X X X X | X X X X |
Cuidar de si | Alimentação e evolução ponderal Cuidados com o corpo Postura e mecânica corporal Vestuário Atividade física e repouso Emoções Sexualidade e relação do casal Medicamentos e suplementos Exposição a fatores de risco Atividade laboral Segurança e prevenção de acidentes | X X X X X X X X X X X | X X X X X X X X X X X |
Cuidar do bebé (feto) | Desenvolvimento e crescimento Estado da saúde Padrões de comportamento Interação com o bebé | X X X X | X X X |
Assegurar a vigilância da saúde | Consulta pré-natal Exames clínicos e rastreios Serviços e profissionais | X X X | X X X |
Preparar-se para a gravidez
No período pré-concecional, mães e pais, destacaram a necessidade de saberem mais sobre a consulta pré-concecional e a quem deveriam recorrer. Apenas as mães referiram necessidades de aprendizagem sobre a vacinação neste período. “Mesmo antes da gravidez quando se decide engravidar, como se deve fazer?” (E 33, homem).
Ajustar-se à gravidez
As mães e os pais referiram que no início é difícil verbalizarem o que precisarão de aprender, principalmente os que se encontram na primeira gravidez. Porém, ambos identificaram necessidades relacionadas com adaptação, o estado da saúde e evolução da gravidez, a sintomatologia e, as doenças ou complicações.
“Não faço a mínima ideia que cuidados específicos a gravidez requer e gostava de saber mais” (E 2, homem).
“O que acontece com o nosso corpo, as mudanças… e os cuidados.” (E 45, mulher).
Saber se a gravidez estava a decorrer de acordo com o esperado e como iria evoluir foi muitas vezes referida. As mães e os pais referiram a necessidade de um cronograma para a gravidez. “Sobre as diversas fases da gestação, que não faço ideia . . .” (E 1, mulher). “Uso aplicações que informam sobre a evolução da gravidez . . .” (E 70, homem).
Sobre a sintomatologia durante a gravidez, mais frequentemente os pais, referiram querer saber se os sintomas são normais e como os podem resolver. “O que posso fazer para os enjoos? foi a primeira pergunta…” (E 15, mulher); “Sintomas que ela tem, se são ou não normais” (E 30, homem).
No tema doenças e complicações da gravidez, referido muito frequentemente por ambos, destacam-se as medidas de prevenção e as implicações para o feto. Particularmente os pais, referiram necessitar de saber mais sobre como podiam ajudar perante algum problema, assumindo-se como um apoio e suporte fundamental. “Alguma dor que lhe desse e o que eu deveria fazer, se acontecer alguma coisa o que eu posso fazer?” (E 46, homem); “É preciso o outro para alertar de alguns sinais . . .” (E 6, homem).
Cuidar de si
Nesta categoria foram incluídas todas as temáticas relacionadas com cuidados que a mãe teria consigo própria, ainda que muitos deles contem com a participação do pai, nomeadamente a alimentação, as emoções, a sexualidade e relação do casal, e os aspetos da segurança e prevenção de acidentes. Mesmo aqueles que não envolvem o pai diretamente, este mencionou necessitar saber também sobre os temas, como por exemplo os cuidados com o corpo, o vestuário e a medicação ou suplementos. Muitas vezes pelas implicações que teriam na saúde do filho (feto). “Se pintar as unhas é prejudicial, se pintar o cabelo é prejudicial . . .” (E 48, homem); “Sobre a posição corporal da grávida no final da gravidez.” (E 6, homem); “Adequação do vestuário para não apertar a barriga” (E 46, homem).
Destacam-se as referências aos cuidados com a alimentação pela frequência com que foram referidos. Em particular, os aspetos relacionados com a escolha ou confeção dos alimentos e a prevenção de infeções alimentares. Como controlar o aumento ponderal ao longo da gravidez foi referido de forma muito mais expressiva pelas mães. “Na minha perspetiva os hábitos alimentares, quando o teste foi positivo a questão foi: “e agora? O que podes comer?” (E 24, homem); “Tive que aprender a lavar bem os legumes e tive dúvidas sobre o uso do produto do supermercado para desinfetar . . .“ (E 59, mulher).
Os cuidados com o corpo incluíram aspetos relacionados com a higiene corporal, a escolha de produtos de higiene e cosmética e, massagens. As posturas e mecânica corporal, incidiam sobretudo sobre a adequação destas no final da gravidez.
No tema atividade física e repouso, incluem-se aspetos como os esforços físicos, questões sobre a maior ou menor necessidade de repouso e a prática de exercício mais adequada à gravidez. Os esforços físicos foram mais vezes mencionados pelas mães e apenas elas falaram nos exercícios do pavimento pélvico.
Compreender as alterações emocionais, os seus efeitos e aprender a lidar com as emoções negativas foram aspetos mencionados no tema das emoções, em particular pelos pais. “O estado emocional e os efeitos no bem-estar da mãe e do bebé.” (E 46, homem); “Aprender a ser um ponto de equilíbrio emocional . . .” (E 33, homem).
No tema sexualidade e relação do casal, incluem-se aspetos como a adaptação das práticas sexuais e como a gravidez influencia a relação do casal. Ainda que referidos por ambos, algumas mulheres mencionaram ser um assunto pessoal que não gostariam de partilhar com os profissionais de saúde. A ideia de que a relação sexual pode prejudicar o bem-estar fetal ainda prevalece nos discursos. “São coisas mais pessoais em que não falamos com o médico ou o enfermeiro, por exemplo a vida sexual.” (E 1, mulher); “A vivência da sexualidade, se poderá prejudicar o desenvolvimento do bebé . . .” (E 48, homem).
No tema dos medicamentos e suplementos, as necessidades recaem sobretudo sobre que medicamentos a grávida pode tomar e qual a justificação para a toma de alguns medicamentos e/ou suplementos.
As necessidades relacionadas com o tema da exposição a fatores de risco incluíram, para ambos, essencialmente a escolha de produtos para a higiene da casa, o uso de substâncias nocivas e o ambiente. “Aprender sobre locais com radiação, mudanças bruscas de temperatura, poluição, locais com demasiada concentração de pessoas . . .” (E 6, homem).
O tema atividade laboral, referido por ambos, relaciona-se com aspetos como a gestão do ambiente no local de trabalho, os esforços físicos e o stresse no emprego, mas também com o conhecimento dos direitos sócio laborais. “Em termos de dizer ao patrão, informação sobre baixa, direitos na gravidez . . .” (E 45, mulher).
A segurança e prevenção de acidentes, inclui necessidades de aprendizagem muitas vezes referidas pelos pais, reportando-se essencialmente a aspetos relacionados com a condução automóvel, a realização de viagens de avião e os cuidados com os animais domésticos. “Saber se devo aumentar a proteção com os animais, devo usar luvas? Máscara?” (E 49, mulher); “E os cuidados com a condução do carro, porque agora tem mais riscos” (E 61, homem).
Cuidar do bebé (feto)
Conhecer o desenvolvimento e o crescimento do bebé ao longo de toda a gravidez foi uma das temáticas mais frequentemente referida por ambos, nomeadamente as suas características físicas, o sexo e as competências que vai adquirindo. Ainda que muitas das necessidades de aprendizagem incluídas em outras categorias tivessem subjacente a preocupação em garantirem o potencial máximo da saúde do filho, enquanto feto. Desta forma, o tema saúde do bebé inclui necessidade de informações sobre o seu estado de saúde, o seu bem-estar, posturas corporais fetais e a influência de alguns fatores que podem ser controlados. “Assim como os valores dos batimentos cardíacos do bebé, porque só dizem está tudo bem!” (E 86, mulher); “O desenvolvimento da bebé semana a semana, quanto mede e o que é capaz de sentir ou fazer.” (E 16, mulher); “Quando começa a ouvir, a mexer, o que significam as medidas das ecografias . . .” (E 76, homem).
A interação com o bebé inclui aspetos relacionados com a comunicação intrauterina.
Os padrões de comportamento fetal, referido apenas pelas mães, relacionavam-se com a identificação dos primeiros movimentos fetais e o conhecimento da evolução deste padrão ao longo da gravidez.
Assegurar a vigilância da saúde
Esta categoria engloba questões muito relevantes para ambos os participantes, pela abrangência e frequência com que foram referidas. Inclui os temas consulta pré-natal, exames clínicos e rastreios, serviços e profissionais. O tema das consultas está relacionado com o conhecimento do calendário de consultas previsto e as avaliações que são efetuadas em cada uma delas. A necessidade de informação sobre os diversos exames complementares realizados durante a gravidez foi o tema com maior número de referências. Neste, foram referidas necessidades relacionadas com ecografias, análises clínicas, amniocentese e rastreio de cromossomopatias. Em particular, a necessidade de saberem com antecedência os momentos em que estão previstos e de obterem uma explicação completa sobre as indicações, os resultados e as suas implicações. A organização dos serviços e dos profissionais inclui aspetos como o serviço onde devem fazer a vigilância da saúde e/ou que profissional escolher.
“O número de consultas na gravidez, o espaçamento entre elas, todo este planeamento que existe quando ela está grávida como consultas, rotinas…” (E 58, homem); “Os exames que vai fazer, como se fazem, para que servem.” (E 46, homem); “Eu penso que sou obrigada a ir, mas gostava de saber porque tenho que ir ao centro de saúde… devíamos ser melhor encaminhadas…” (E 4, mulher); “Necessito saber como conciliar os recursos de saúde que temos disponíveis - centro saúde, consultas particulares, consultas no hospital?” (E 33, homem).
Discussão
As aprendizagens identificadas como necessárias para conseguirem assegurar com confiança a sua saúde e a do seu filho durante a gravidez permitiram a construção de categorias que deverão facilitar a conceção e implementação de cuidados de enfermagem, com vista à promoção do autocuidado no casal grávido, no contexto português. Estes resultados confirmam o interesse na adoção de comportamentos saudáveis e na preparação antecipada da etapa seguinte, tanto pelas mães como pelos pais. Deste modo, confirma-se que a atenção sobre a saúde durante a gravidez deve incluir o casal grávido, uma recomendação também presente em outros estudos (Entsieh & Hallström, 2016; Palsson et al., 2017).
Contrariamente ao observado no estudo de Jones et al. (2019), as diferenças observadas entre as necessidades das mães e dos pais não foram relevantes. Pelo que os resultados permitem considerar as necessidades de aprendizagem das mães e dos pais como sobreponíveis.
No entanto, foi possível observar nas mães uma maior facilidade em identificar e especificar as necessidades, possivelmente porque é ela que vive este processo corporal. A maior dificuldade na identificação por parte dos pais, também foi constatada nos estudos desenvolvidos por Jones et al. (2019) e Palsson et al. (2017) Este dado pode ainda refletir a coexistência de modelos tradicionais de masculinidade e a crescente disseminação de uma masculinidade cuidadora, notada particularmente no crescimento consolidado do uso das licenças parentais e na constatação de que os homens mais novos são mais favoráveis às medidas que promovem uma paternidade precocemente envolvida (Wall et al., 2016). Questões de género podem estar presentes quando o bem-estar da mãe e as repercussões que pode ter na saúde do bebé, são apresentados como justificação para os pais se assumirem como um apoio fundamental, ou seja, um fator protetor na gravidez.
Este estudo confirma a variabilidade individual das necessidades de aprendizagem encontradas em outros estudos (Entsieh & Hallström, 2016; Palsson et al., 2017). Esta variabilidade observou-se não só no conteúdo, mas também na quantidade de informações referidas como necessárias, se uns pareciam querer ter toda a informação com vista à aquisição de novos conhecimentos e habilidades, outros não sentiam qualquer necessidade. A dificuldade em gerir a quantidade de informação disponível também foi referida.
As necessidades verificaram-se desde o período pré-concecional, ainda que se tenha observado naqueles que vão ser pais pela primeira vez uma maior dificuldade em antecipar as aprendizagens que serão necessárias. No entanto, com a evolução da gravidez ocorre um aumento da capacidade de formular necessidades e expectativas de aprendizagem mais específicas, como observaram Jones et al. (2019). Ainda assim, a ausência de atenção sobre as necessidades mais precoces pode prolongar-se pelo primeiro trimestre da gravidez, tendo em conta que o número de consultas ou programas de saúde são escassos no período inicial da gravidez. Esta lacuna pode ter repercussões importantes, uma vez que o primeiro trimestre é um período crítico no desenvolvimento fetal saudável e no bem-estar emocional da mulher.
De um modo geral, os temas identificados em cada uma das categorias são comuns a um elevado número de participantes e consistentes com os resultados de outros estudos (Almalik & Mosleh, 2017; Jones et al., 2019; Kamali et al., 2017). Destacam-se pelo maior número de referências, tanto das mães como dos pais, os exames complementares, a alimentação, o desenvolvimento fetal, as doenças ou complicações da gravidez e as consultas pré-natais.
A expressiva necessidade de aprendizagens relacionadas com os diferentes exames complementares preconizados para o período da gravidez permite questionar o verdadeiro impacto que estes procedimentos têm no seu bem-estar e a informação obtida para uma tomada de decisão consciente. À semelhança de outros estudos, estes resultados revelam a vontade dos participantes em obterem uma informação mais completa sobre as indicações, os resultados e suas implicações (Ahman et al., 2016).
O interesse dos participantes por informações relacionadas com o desenvolvimento do bebé e a evolução da gravidez foi evidente. Provavelmente porque a gravidez está associada a mudanças relevantes que os casais sentem necessidade de antecipar e enfrentar com alguma competência, ou talvez por serem temas poucas vezes abordados no âmbito das consultas e dos programas de saúde. A resposta a estas necessidades é muitas vezes encontrada em sítios da internet ou em aplicações informáticas, como foi referido por alguns participantes deste estudo. Na revisão da literatura efetuada por Hughson et al. (2018), é realçado o enorme potencial destes recursos e que os aplicativos digitais mais utilizados foram os que continham informações sobre saúde da gravidez e desenvolvimento fetal. Estes autores indicam a necessidade de uma melhor orientação para o uso destes recursos por parte das mulheres. Podendo agora acrescentar-se que esta orientação deveria estender-se também aos homens.
O presente estudo tem como limitações uma amostra de conveniência obtida nos serviços de saúde, o que pode ter facilitado a referência a temas habitualmente abordados ou relacionados com estes contextos. Todos os participantes são caucasianos, ainda que a amostra se tenha revelado heterogénea em outras características como a idade e as habilitações literárias. O registo escrito das entrevistas em vez do registo áudio apesar de aumentar a possibilidade de perda de informação, foi minimizado tendo em conta que todos os procedimentos foram no sentido de se obter a saturação dos dados. Por fim, estes resultados podem não ser generalizáveis para as necessidades percebidas pelas mães e pelos pais em outras realidades socioculturais.
Conclusão
As necessidades de aprendizagem percebidas pelas mães e pelos pais para assegurarem o autocuidado na gravidez foram agrupadas em cinco categorias. Destas categorias emergem três domínios de necessidades em cuidados de enfermagem, as relacionadas com: 1) o processo corporal; 2) o autocuidado e autovigilância; e, 3) a saúde fetal. As necessidades identificadas por ambos são sobreponíveis, pelo que poder-se-á considerar o casal como cliente dos cuidados. Assim, a utilização da expressão casal grávido pode assumir um lugar de destaque no modo de ver os clientes dos cuidados durantes a gravidez, e a consulta do EEESMO ser marcada para ambos simultaneamente.
A maior dificuldade dos pais em identificar e, sobretudo especificar as necessidades é a principal diferença observada, talvez por não serem eles a vivenciar o processo corporal ou porque este modelo de envolvimento é muito recente e sem referências anteriores. Todavia, aqueles que revelaram predisposição para aprender identificaram necessidades em todas as categorias construídas, com exceção para o conhecimento sobre vacinação no pré-concecional e os padrões de comportamento fetal.
O conhecimento destas necessidades contribui para a conceção e implementação de cuidados centrado na promoção do autocuidado durante gravidez, ao casal. Os resultados deste estudo constituem o primeiro passo para a construção de um instrumento orientador do processo de diagnóstico nas consultas desenvolvidas pelos enfermeiros especialistas em ESMO.