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Revista de Enfermagem Referência

versão impressa ISSN 0874-0283versão On-line ISSN 2182-2883

Rev. Enf. Ref. vol.serV no.8 Coimbra dez. 2021  Epub 21-Fev-2022

https://doi.org/10.12707/rv20149 

Artigo de Revisão Sistemática

Condicionantes da adaptação das famílias enquanto sistema e cliente face à situação de cancro: Scoping review

Factors influencing the adaptation of families, as systems and clients, to cancer: A scoping review

Condicionantes de la adaptación de las familias como sistema y cliente ante la situación del cáncer: Scoping review

Carla Alexandra Santos1 
http://orcid.org/0000-0003-3546-1950

Katia Sophie Ribeiro Da Costa1 
http://orcid.org/0000-0001-9564-4842

Maria Jacinta Dantas1  2  3 
http://orcid.org/0000-0001-6286-3854

Carminda Morais3  4  5  6 
http://orcid.org/0000-0001-8995-9012

1 Unidade Local de Saúde do Alto Minho, Hospital de Santa Luzia, Viana do Castelo, Portugal

2 Universidade Católica Portuguesa, Porto, Portugal

3 Centro de Investigação em Tecnologias e Serviços de Saúde (CINTESIS), Porto, Portugal

4 Instituto Politécnico de Viana do Castelo, Escola Superior de Saúde, Viana do Castelo, Portugal

5 Centro de Estudos e Investigação em Saúde da Universidade de Coimbra (CEISUC), Coimbra, Portugal

6 Unidade de Investigação em Ciências da Saúde: Enfermagem (UICISA: E), Escola Superior de Enfermagem de Coimbra (ESEnfC), Coimbra, Portugal


Resumo

Contexto:

O cancro está associado a perda e ameaça à vida, pelo que o seu diagnóstico configura carga emocional, tensão e sofrimento psicológico dos indivíduos e famílias, mediados por múltiplos fatores condicionantes dos processos adaptativos.

Objetivo:

Conhecer quais os fatores condicionantes da adaptação das famílias face à situação de cancro em um dos seus membros.

Método de revisão:

Trata-se de uma scoping review seguindo a metodologia do Joanna Briggs Institute. A pesquisa incluiu artigos publicados entre 2015 e março de 2020 em português, inglês e espanhol.

Apresentação e interpretação dos resultados:

A partir dos 13 artigos incluídos identificaram-se os seguintes fatores condicionantes da adaptação familiar ao cancro de um dos seus membros: avaliação familiar do acontecimento, recursos familiares e coping.

Conclusão:

A identificação destes fatores é fundamental a práticas clínicas com as famílias enquanto cliente e sistema, promotoras de processos adaptativos dos indivíduos com cancro e suas famílias.

Palavra-chave: adaptação psicológica; família; cancro; revisão

Abstract

Background:

Cancer is associated with loss and threat to life, so the emotionally charged diagnosis of cancer brings about psychological distress and suffering to individuals and families, influenced by multiple factors conditioning the adaptive processes.

Objective:

To determine the factors influencing family adaptation to the cancer of a family member.

Review method:

This scoping review followed the methodology of the Joanna Briggs Institute. It included articles published between 2015 and March 2020 in Portuguese, English, and Spanish.

Presentation and interpretation of results:

Based on the 13 articles included, this review identified the following factors influencing family adaptation to the cancer of a family member: family assessment of the event, family resources, and coping.

Conclusion:

Identifying these factors is essential to intervene with the families as clients and systems and promote adaptive processes in patients with cancer and their families.

Keywords: adaptation psychological; family; cancer; review

Resumen

Contexto:

El cáncer está asociado a la pérdida y a la amenaza de la vida, por lo que su diagnóstico constituye una carga emocional, una tensión y un sufrimiento psicológico para los individuos y las familias, mediados por múltiples factores que condicionan los procesos adaptativos.

Objetivo:

Conocer qué factores condicionan la adaptación de las familias ante la situación de que uno de sus miembros padezca cáncer.

Método de revisión:

Se trata de una revisión sistemática exploratoria que sigue la metodología del Joanna Briggs Institute. La búsqueda incluyó artículos publicados entre 2015 y marzo de 2020 en portugués, inglés y español.

Presentación e interpretación de los resultados:

A partir de los 13 artículos incluidos, se identificaron los siguientes condicionantes de la adaptación de las familias al cáncer de uno de sus miembros: evaluación familiar del acontecimiento, recursos familiares y afrontamiento (coping).

Conclusión:

La identificación de estos factores es fundamental para las prácticas clínicas con las familias como cliente y sistema, las cuales promueven los procesos adaptativos de los individuos con cáncer y sus familias.

Palabras clave: adaptación psicológica; familia; cáncer; revisión

Introdução

O cancro é uma doença fortemente associada à ideia de perda e de ameaça à vida, com uma grande carga emocional e sofrimento psicológico (Pereira & Branco, 2016) e enorme potencial de gerar tensão e desestabilização nas famílias. Esta é, pois, uma realidade cada vez mais presente na vida das famílias, configurando renovados desafios à prática clínica especializada no âmbito da saúde familiar, designadamente no que se refere às conceções de família que lhe estão subjacentes.

A abordagem à família, de acordo com Hanson e Kaakinen (2018), é suscetível de ser perspetivada de formas distintas entre si: família como contexto do desenvolvimento individual em que o foco assenta num dos membros da mesma; como cliente, em que o foco recai sobre todos os seus membros; como sistema, considerada como um sistema interativo em que o todo é mais que a soma das partes e a reciprocidade de relações com outros sistemas é uma constante; e como um componente da sociedade, colocando-a ao nível e em interação com outras instituições sociais.

A prática clínica da enfermagem de saúde familiar alicerçada na interação com as famílias, enquanto garante da (co)construção de processos adaptativos inerentes às transições saúde-doença, exige a compreensão da multiplicidade dos elementos envolvidos e da complexidade dos sistemas familiares (Figueiredo, 2012). Numa perspetiva sistémica, a família é reconhecida como um sistema em interação recíproca intra e inter sistemas influenciando-se mutuamente, com capacidade auto-organizativa que lhe permite manter um equilíbrio dinâmico entre crise e estabilidade e assegurar a sua continuidade. Perante a doença de um membro da família desencadeia-se uma transição saúde-doença com consequentes alterações da sua dinâmica, que dá início a um processo adaptativo (Figueiredo, 2012; Kaakinen et al., 2018; Martins, 2014). A adaptação familiar define-se pelo grau de alterações levadas a cabo pelo sistema familiar para conseguir o seu ajuste, num processo evolutivo, contínuo e temporal com consequências a longo prazo no sistema, e expressa a capacidade de a família fazer as mudanças necessárias para recuperar do stress ou da crise (McCubbin & McCubbin, 1993). É, assim, a representação de continuidade da normalidade biopsicossocial e o atingir dos resultados que se pretendem através de estratégias de coping (Ramírez-Perdomo et al., 2018).

O grau de tensão que a doença causa na família e a capacidade de adaptação da mesma são influenciados por diversos fatores que, não sendo determinantes, aumentam ou diminuem a probabilidade de respostas efetivas e positivas (Pereira & Branco, 2016). Esses fatores incluem a doença, neste caso o cancro, como fator de stress principal com potencial de provocar mudanças e originar perturbação, tensão ou crise do sistema familiar, que interage com a acumulação de fatores de stress resultante da simultaneidade das transições normativas do ciclo de vida da família, com as exigências internas e externas à mesma e com a perceção (McCubbin & McCubbin, 1993; Price et al., 2016; Walsh, 2016; Kaakinen et al., 2018). A influência da perceção é transversal a todo o processo de adaptação familiar à doença, integra segundo McCubbin e McCubbin (1993), a forma como a família vê, sente e atribui significado subjetivo à situação presente e à antevisão das dificuldades, recursos e capacidades que considera ter para lidar com a doença. Estas condicionantes interagem com os recursos familiares, que incluem os atributos e as capacidades que provêm do indivíduo, da unidade familiar e da comunidade, que estão disponíveis para a família fazer face a situações adversas (Price et al., 2016). Em conjunto, esses elementos condicionam o coping que incorpora padrões, esforços cognitivos e comportamentais para desenvolver estratégias que permitam às famílias responder à situação de stress (Lazarus & Folkman, 1984, como citado em Kaakinen et al., 2018; Pereira & Branco, 2016).

Com base nos pressupostos concetuais enunciados, considerando a família como cliente e como sistema nos termos propostos por Hanson e Kaakinen (2018), para o presente estudo definiu-se a seguinte questão de partida: “Quais os fatores que condicionam a adaptação das famílias, face à situação de cancro de um dos seus membros?”. Visa-se, assim, conhecer os fatores condicionantes da adaptação das famílias enquanto cliente e sistema, face à situação de cancro de um dos seus membros, como contributo para melhoria das práticas clínicas no âmbito da saúde e da enfermagem familiar especializada.

Método de revisão sistemática

A scoping review constitui-se a metodologia de revisão adotada, na medida em que visa mapear as evidências existentes, com a particularidade de não visar a análise da qualidade metodológica dos estudos (Peters et al., 2017). Neste contexto, encetou-se o estudo com uma pesquisa preliminar realizada no Joanna Briggs Institute (JBI) Database of Systematic Reviews and Implementation Reports, Cochrane Database of Systematic Reviews e CINAHL Complete, não tendo sido encontrados estudos que sistematizassem os fatores condicionantes da adaptação familiar ao cancro, tomando como referência a família na perspetiva sistémica ou como cliente.

Realizou-se a scoping review seguindo as linhas de orientação metodológica proposta pelo JBI (Peters et al., 2017), utilizando como guia a Preferred Reporting Items for Systematic reviews and Meta-Analyses extension for Scoping Reviews (PRISMA-ScR) checklist (Tricco et al., 2018) e a estratégia de pesquisa participantes, contexto e conceito (PCC). Foram incluídos estudos de carácter qualitativo, quantitativo, estudos de caso e revisões de literatura. Assim, na esteira da JBI, e em articulação com as conceções teóricas norteadoras do estudo apresentadas anteriormente, definiram-se como critérios de inclusão os estudos com foco em todos os membros ou pelo menos dois membros da família ou um subsistema familiar (participantes), enquanto abordagem da família como cliente e/ou sistema, que versassem sobre os fatores condicionantes da adaptação da família (conceito) ao cancro de um dos seus membros, independentemente do ambiente onde a família se encontrava (contexto). Excluíram-se os estudos focados apenas num membro da família (participantes), alinhados com abordagens da família como contexto, e que incidissem sobre adaptação familiar a outra doença que não o cancro ou a outra situação que não a doença.

Estratégia de pesquisa

Os estudos que constituem o corpus de análise desta revisão foram obtidos através de uma estratégia que contempla a identificação, seleção, elegibilidade e inclusão dos mesmos (Peters et al., 2017) conduzida pelos critérios de inclusão e pelos limitadores de pesquisa. Todas as fases da pesquisa, bem como de extração e interpretação de resultados, foram realizadas, pelo menos, por dois revisores de forma independente e as dúvidas e divergências foram discutidas conjuntamente pelos quatro autores.

A pesquisa foi efetuada entre novembro de 2019 e março de 2020, nas bases de dados CINAHL Complete e MedicLatina (via EBSCO), SciELO e PubMed, para artigos com resumo e texto completo disponíveis e de livre acesso, em língua inglesa, portuguesa e espanhola, não tendo sido considerada nesta revisão a literatura cinzenta. Definiu-se o horizonte temporal de publicação de 2015 a março de 2020 para aceder à mais recente produção nesta área do conhecimento.

A pesquisa foi estruturada em três fases. Na primeira fase realizou-se a pesquisa inicial na base de dados SciELO e CINAHL Complete, e a análise das palavras existentes no título e no resumo dos artigos encontrados, bem como, dos termos do índice utilizados. A segunda fase consistiu na pesquisa em todas as bases de dados definidas em protocolo (Tabela 1), utilizando linguagem comum com recurso aos termos MeSH adaptação psicológica, família e cancro, em português, inglês e espanhol. Identificados os artigos, procedeu-se à sua seleção, e à exclusão com base na duplicação e no título. Por último, foram delimitados os artigos elegíveis para análise do resumo e posteriormente para análise do texto completo, obtendo-se assim os artigos incluídos nesta revisão, nos quais se realizou a análise intencional das referências bibliográficas, não se encontrando nenhuma com pertinência a incluir. Os dados foram extraídos com recurso a um instrumento adaptado do JBI, em articulação com a questão de partida e objetivo da revisão. Não se considerou necessário o contacto com os autores dos estudos para mais informação e/ou esclarecimentos sobre os dados.

Tabela 1: Estratégia e limitadores da pesquisa aplicados por base de dados 

Limitadores: publicação em revistas indexadas entre 2015 e março de 2020, com resumo e texto completo disponíveis e de livre acesso, em língua inglesa, portuguesa e espanhola.
Base de dados: CINAHL Complete (Via EBSCO) Data de pesquisa: Pesquisa entre novembro de 2019 e março de 2020
(Adaptation, psychological) [Texto completo] AND (Family)[Título] AND (Cancer)[Resumo] (Adaptação psicológica) [Texto completo] AND (Família) [Título] AND (Cancro)[Resumo] (Adaptation, psychological) [Texto completo] AND (Famil*) [Título] AND (Cancer)[Resumo] (Coping behavior) [Texto completo] AND (Famil*) [Título] AND (Cancer)[Resumo] (Coping skill) [Texto completo] AND (Famil*) [Título] AND (Cancer)[Resumo]
Base de dados: SciELO Data de pesquisa: Pesquisa entre novembro de 2019 e março de 2020
(Adaptation, psychological) [Todos os índices] AND (Family) [Todos os índices] AND (Cancer) [Todos os índices] (Adaptação psicológica) [Todos os índices] AND (Família) [Todos os índices] AND (Cancro) [Todos os índices] (Adaptação psicológica) [Todos os índices] OR (Comportamento adaptativo) [Todos os índices] OR (enfrentamento) [Todos os índices] AND (Família) [Todos os índices] AND (Cancro) [Todos os índices] (Adaptação psicológica) [Todos os índices] OR (Estratégias de enfrentamento) [Todos os índices] AND (famil*) [Todos os índices] AND (Cancer) [Todos os índices]
Base de dados: MedicLatina Data de pesquisa: Pesquisa entre novembro de 2019 e março de 2020
(Adaptation, Psychological) [Texto completo] AND (Famil*) [Texto completo] AND (Cancer) [Texto completo] (Adaptación psicológica) [Texto completo] AND (Famil*) [Texto completo] AND (Cancer) [Texto completo]
Base de dados: PubMed Central Data de pesquisa: Pesquisa entre novembro de 2019 e março de 2020
(Adaptation, Psychological) [Texto completo] AND (Famil*) [Texto completo] AND (Cancer) [Texto completo]

Apresentação dos resultados

Os resultados serão apresentados em forma de resumo narrativo recorrendo, quando pertinente, a tabelas e a diagramas. Foram identificados 393 estudos, através da pesquisa nas bases de dados CINAHL Complete (n = 74), SciELO (n = 19), MedicLatina (n = 8) e PubMed (n = 292). Após exclusão de 35 artigos por se encontrarem duplicados, foram selecionados 358. Destes, foram excluídos 298 por análise de título e 33 por análise de resumo. Os motivos de exclusão relacionaram-se com o facto de versarem sobre a adaptação das famílias a outra situação que não doença (n = 273), sobre outra doença que não o cancro (n = 19) e assentarem na conceção de família como contexto (n = 39). Dos 27 artigos elegíveis para análise de texto integral, 14 foram excluídos por o foco ser na família como contexto. Assim, através do processo de seleção dos estudos foram incluídos para análise 13 artigos (Figura 1).

Figura 1: Fluxograma PRISMA (adaptado) do processo de seleção de estudos 

Como apresentado na Tabela 2, os 13 estudos incluídos caracterizam-se por: oito serem identificados na CINAHL, quatro na PubMed e um na MedicLatina; cinco tiveram origem nos Estados Unidos da América (EUA), dois na Bélgica e um em cada um dos países Espanha, Suíça, Alemanha, Austrália, China e Colômbia; a publicação dos artigos ocorreu: um em 2015; um em 2016; três em 2017; cinco em 2018; três em 2019 e nenhum em 2020. Utilizaram o idioma inglês 11 dos estudos e dois o espanhol.

Tabela 2: Identificação dos artigos segundo referência bibliográfica, base de dados e país 

Referência Bibliográfica Base Dados/País
Acero L. F., & Barboza, C. F. (2019). “Nuestra enfermedad”: Revisión sistemática sobre coping diádico en cáncer de mama. Psicooncología, 16(2), 251-272. https://doi.org/10.5209/psic.65590 MedicLatina (CO)
Ajamil, E. G. (2018). Arteterapia familiar en oncología pediátrica. Psicooncologia, 15(1),133-151. https://doi.org/10.5209/PSIC.59183 CINAHL (SP)
Ellis, K. R, Janevic, M. R., Kershaw, T., Caldwell, C. H., Janz N. K., & Northouse, L. (2017). The influence of dyadic symptom distress on threat appraisals and self-efficacy in advanced cancer and caregiving. Support Care Cancer, 25(1), 185-194. https://doi.org/10.1007/s00520-016-3385-x PubMed (US)
Garrard, E. D., Fennell, K. M., & Wilson, C. (2017). We're completely back to normal, but I'd say it's a new normal': A qualitative exploration of adaptive functioning in rural families following a parental cancer diagnosis. Support Care Cancer, 25, 3561-3568. https://doi.org/10.1007/s00520-017-3785-6 CINAHL (US)
Gunter, M. D., & Duke, G. (2018). Reducing uncertainty in families dealing with childhood cancers: An integrative literature review. Pediatric Nursing, 44(1), 21-37. https://www.proquest.com/openview/231afba258a7aa801edcbd6967d2efd3/1?pq-origsite=gscholar&cbl=47659 CINAHL (US)
Inhestern, L., & Bergelt, C. (2018). When a mother has cancer: Strains and resources of affected families from the mother's and father's perspective: A qualitative study. BMC Women´s Health, 18(1)72. https://doi.org/10.1186/s12905-018-0562-8 CINAHL (DE)
Katapodi, M., Ellis, K., Schmidt, F., Nikolaidis, C., & Northhouse, L. L. (2018). Predictors and interdependence of family support in a random sample of long‐term young breast cancer survivors and their biological relatives. Cancer Medicine, 7(10), 4980-4992. https://doi.org/10.1002/cam4.1766 PubMed (CH)
Katz, L. F., Fladeboe, K., Lavi, I., King, K., Kawamura, J., Friedman, D., Compas, B., Breiger, D., Lengua, L., Gurtovenko, K., & Stettler, N. (2018). Trajectories of marital, parent-child, and sibling conflict during pediatric cancer treatment. Health Psychology, 37(8), 736-745. https://psycnet.apa.org/doi/10.1037/hea0000620 PubMed (AU)
Liu, Y., Li, Y., Chen, L., Li, Y., Qi., & Yu, L. (2018). Relationships between family resilience and posttraumatic growth in breast cancer survivors and caregiver burden. Psychooncology, 27(4), 1284-1290. https://doi.org/10.1002/pon.4668 CINAHL (CN)
Phillips, F., & Prezio, E. A. (2017). Wonders & Worries: Evaluation of a child centered psychosocial intervention for families who have a parent/primary caregiver with cancer. Psychooncology, 26, 1006-1012. https://doi.org/10.1002/pon.4120 CINAHL (US)
Prouty, A. M., Ficher, J., Purdom, A., Cobos, E., & Helmeke, K. B. (2016). Spiritual coping: A gateway to enhancing family communication during cancer treatment. Journal of Religion and Health, 55(1), 269-287. https://doi.org/10.1007/s10943-015-0108-4 CINAHL (US)
Senden, C., Vandercasteele, T., Vanderberghe, E., & Versluys, K., Piers, R., Grypdonck, M., & Van Den Noortgate, N. (2015). The interaction between lived experiences of older patients and their family caregivers confronted with a cancer diagnosis and treatment: A qualitative study. International Journal of Nursing,52(1), 197-206. https://doi.org/10.1016/j.ijnurstu.2014.07.012 CINAHL (BE)
Van Schoors, M., Paepe, A., Norga, K., & Cosyns, V., Morren, H., Vercruysse, T., Goubert, L., & Verhofstadt, L. L. (2019). Family members dealing with childhood cancer: A study on the role of family functioning and cancer appraisal. Frontiers in Psychology, 10, 1405. https://doi.org/10.3389/fpsyg.2019.01405 PubMed (BE)

Destes 13 artigos, sete recorreram ao método quantitativo, todos transversais, sendo cinco do tipo correlacional e dois do tipo descritivo. Com recurso a metodologia qualitativa são seis artigos, dos quais três são do tipo exploratório e descritivo, um fundamentado na grounded theory e dois artigos de revisão de literatura sistemática e integrativa.

Nestes artigos, oito focaram-se na família como sistema, sendo que quatro se centraram no sistema familiar, um no subsistema conjugal e três no subsistema parental. Nos restantes (n = 5), a família foi estudada como cliente. Relativamente ao(s) membro(s) doente(s), em quatro estudos são mulheres, em quatro são crianças, em um é um dos pais e em quatro não é especificado. No que se refere ao ambiente onde foram realizados os estudos, verificou-se que seis decorreram no hospital, três no domicílio, um em hospital/domicílio, um na comunidade e em dois não se encontrava especificado. O número de famílias envolvidas nestes estudos variou entre 10 e 486.

No que se refere aos fatores condicionantes da adaptação das famílias identificados nos estudos face à situação de cancro de um dos seus membros, como apresentado na Tabela 3, inscrevem-se em três fatores: Avaliação familiar do acontecimento, Recursos familiares e Coping. A Avaliação familiar do acontecimento surge mediada pelo entendimento do mesmo como fator de stress, pela perceção familiar e pela acumulação de exigências. Os Recursos familiares emergem em articulação com aspetos de natureza individual, da família enquanto unidade e da comunidade. Por último, o Coping, onde se integra a resolução conjunta de problemas passando por estratégias de natureza variável.

Tabela 3:Fatores condicionantes na adaptação das famílias face ao cancro 

Interpretação dos resultados

Esta scoping review, que teve como objetivo identificar os fatores condicionantes da adaptação das famílias, face à situação de cancro de um dos seus membros, na perspetiva da família enquanto sistema e cliente, incluiu 13 estudos. Cerca de 38,5% (n = 5) decorreram nos EUA e os restantes em diversos países, na sua maioria um por país. Não foram encontrados estudos realizados em Portugal. Desenvolveram-se maioritariamente em ambiente hospitalar e mais de metade teve como alvo as famílias com mulheres ou crianças doentes. A família como um sistema é abordada em 62,5% (n = 8) dos estudos, sendo que metade se centra nos subsistemas conjugal e parental, e nos restantes a família foi entendida como cliente. Estes resultados, tomando como referencial as diretrizes internacionais e nacionais de saúde e de enfermagem familiar, evidenciam a necessidade de mais estudos centrados na família sob conceções mais amplas, em contexto de cuidados de saúde primários onde as famílias permanecem e (co)constroem a maioria dos seus projetos de saúde e de vida, procurando desocultar simultaneamente as interpenetrações entre género e o cuidar. Horta e Fernandes (2018) referem que o foco apenas num membro da família não permite compreender todo o sistema familiar nem captar as diferentes perceções, atitudes e comportamentos. Impõe-se, pois, ao enfermeiro de família, promotor da capacitação das famílias e facilitador da (co)construção dos processos de adaptação mais positivos e efetivos, a consciência da multiplicidade de fatores envolvidos, bem como a complexidade da família enquanto sistema, na linha do preconizado pela International Family Nursing Association (IFNA, 2017) e no Regulamento n.º 428/2018 da Ordem dos Enfermeiros (2018).

Os processos de saúde-doença, designadamente de cancro de um membro da família, constituem um fator de stress não negligenciável (Price et al., 2016). Em resposta, a família inicia um processo de reação e ajuste, condicionado por vários fatores com potencial preditor da adaptação bem ou malsucedida (McCubbin & McCubbin,1993). Nos estudos em análise emergiram os seguintes fatores: Avaliação familiar do acontecimento, Recursos familiares e Coping.

Na Avaliação familiar do acontecimento integra-se o cancro como fator de stress, a perceção do acontecimento e a acumulação de exigências do mesmo. O cancro constitui fator de stress na maioria dos estudos analisados, à semelhança do definido por McCubbin e McCubbin (1993). Surge nestes estudos associado a perturbações emocionais (Ellis et al., 2017; Gunter & Duke, 2018; Inhestern & Bergelt, 2018; Van Schoors et al., 2019) e às dificuldades inerentes ao curso da doença (Garrard et al., 2017; Inhestern & Bergelt, 2018; Katapodi et al., 2018; Katz et al., 2018; Phillips & Prezio, 2017). É consensual nestes estudos e na literatura, a existência de perturbações emocionais associadas ao diagnóstico de cancro tais como sentimentos de devastação, choque e raiva. Em Gunter e Duke (2018) são destacados o stress, ansiedade e a angústia como sintomas mais comuns relacionados com o grau de incerteza. A angústia surge ainda associada a um menor coping individual e familiar, à perceção da doença como mais ameaçadora (Ellis et al., 2017; Katz et al., 2018; Van Schoors et al., 2019) e à solidão, sendo esta comum a todos membros da família (Van Schoors et al., 2019). Assim, e em consonância com Tackett et al. (2016), a angústia abrange vários domínios do sofrimento, constituindo um indicador de disfunção psicológica e de processos de ajuste e adaptação desadequados. A perceção é mencionada na maioria dos estudos, mas aprofundada em apenas dois (Ellis et al., 2017; Van Schoors et al., 2019), em que a doença surge associada a sentimentos mais negativos, evidenciando na perspetiva de Ellis et al., (2017) um menor coping individual e familiar. O estudo de Van Schoors et al. (2019) traz ainda a debate a perceção de cada membro da família mediada pela idade, género, papel dentro da família e experiências anteriores.

Em concordância com estes, McCubbin e Patterson (1985, como citado em Price et al., 2016) referem que a construção de significados é influenciada pelo grau de impacto que a família sente e pela crença nos seus recursos e na capacidade em gerir as dificuldades que antevê. A acumulação de exigências do acontecimento, que implica alterações das dinâmicas familiares, surge nestes estudos como aspeto condicionante da avaliação que a família faz da vivência do cancro de um dos seus membros em diferentes perspetivas. Desde logo, evidenciam-se preocupações relacionadas com o ajuste familiar aos internamentos e tratamentos, com consequente acréscimo de responsabilidades da família (Gunter & Duke, 2018) inerente à alteração das rotinas, reorganização de papéis (Ajamil, 2018; Inhestern & Bergelt, 2018) e à diminuição da proximidade entre os membros e do rigor no cumprimento de regras (Garrard et al., 2017; Van Schoors et al., 2019). Famílias com mães doentes e filhos menores evidenciam o confronto com o duplo papel de doente e mãe e à acumulação e assunção de novos papéis e por sua vez, responsabilidades pelo pai, com angústia para ambos. As mães solteiras apresentam ainda maior tensão devido à dificuldade na divisão de tempos de cuidados com os pais das crianças (Inhestern & Bergelt, 2018). Em outros estudos, a acumulação do papel de cuidador com os demais papéis conforma um desafio para estas famílias (Senden et al., 2015) sendo a sua carga maior quanto menor tempo pós-diagnóstico (Liu et al., 2018). Em outros estudos (Garrard et al., 2017; Katapodi et al., 2018; Phillips & Prezio, 2017) evidenciam-se outras tensões do foro económico com impacto na família decorrentes dos custos de tratamentos, deslocações, e repercussões laborais. Estes resultados vêm ao encontro do referido por Kaakinen et al. (2018), que identificam estes fatores como geradores de stress acrescido, aumentando a vulnerabilidade familiar. Se, como referido por Ajamil (2018), o internamento é um fator desestabilizador importante, não o é menos a fase que o autor denomina de volta a casa, em que as famílias se confrontam com as exigências da reunificação familiar e o regresso ao trabalho e à escola. Outra condicionante que se destaca é o tempo de diagnóstico, realçado por Katz et al. (2018), ao verificarem que no primeiro ano de tratamento as famílias apresentam maior vulnerabilidade e aumento do conflito familiar, ficando mais propensas a reverter os seus padrões habituais de interação ao longo do tempo. Estes resultados vêm ao encontro do identificado por Kaakinen et al. (2018) na medida em que indicam vulnerabilidades, funcionamento e pontos fortes familiares diferenciados em função da fase temporal da doença.

Todos estes fatores condicionam a avaliação que as famílias fazem da gravidade da situação que, de acordo com McCubbin e McCubbin (1993), determina o grau de tensão a que esta vai estar sujeita e o modo como vai procurar, identificar e usar os recursos. Este é o ponto de partida para uma prática orientada para a promoção da capacidade das famílias em resolver os seus problemas e sofrimento, e desafia os enfermeiros de família a práticas colaborativas conducentes a processos de ajuste e adaptação bem-sucedidos (Bell, 2016; IFNA, 2017; Kaakinen et al., 2018; Martins, 2014; Regulamento n.º 428/2018 da Ordem dos Enfermeiros, 2018). A relação terapêutica prévia, tendo em conta os vários aspetos enunciados, permite a avaliação precoce e contínua das reações e perceções familiares inerentes à complexa transição de saúde-doença por forma a gerir eficazmente a insegurança característica deste processo.

Outro dos fatores condicionantes prende-se com os recursos familiares disponíveis e/ou capacidade de mobilização para fazer face à tensão, quer estes provenham do indivíduo, da unidade familiar ou da comunidade. Dos estudos analisados, os recursos do indivíduo incluem características individuais, como a idade, escolaridade, atividade laboral (Katapodi et al., 2018; Van Schoors et al., 2019), desemprego ou reforma dos doentes, relacionadas com a carga do cuidador (Liu et al., 2018). Apenas as características sociodemográficas dos doentes foram contempladas, não dos outros membros da família. Também não foram encontrados estudos sobre os conhecimentos, habilidades, traços de personalidade, saúde física e emocional, enquanto caraterísticas com implicação direta na forma como as famílias compreendem e resolvem as exigências com que se confrontam (McCubbin & McCubbin, 1993). A autoeficácia surge, a nível do indivíduo, como mediadora da relação entre sintomas e perceção de ameaça com tradução na capacidade de gerir as exigências associadas ao cancro (Ellis et al., 2017) e na promoção da aprendizagem familiar para lidar com perdas e limitações (Ajamil, 2018). A autoeficácia, segundo Dias e Silva (2019) reflete a autoconfiança nas próprias capacidades, influenciando o comportamento e as respostas a adotar.

Da análise dos estudos, e em consonância com os autores Walsh (2016) e Kaakinen et al. (2018), emergem recursos da família enquanto unidade, nomeadamente, a classe social e o processo familiar com destaque para a comunicação, a interação de papéis familiares e os seus padrões habituais. A classe social está relacionada com diversos aspetos, de entre os quais os recursos financeiros da família e o local de residência. O primeiro surge associado ao acesso aos cuidados e gestão económica familiar, em particular nas famílias monoparentais (Inhestern & Bergelt, 2018). O segundo está relacionado com a distância aos serviços (Garrard et al., 2017) e com o apoio familiar mediado também pelo rendimento familiar (Katapodi et al., 2018). Este resultado vem ao encontro à literatura que aponta para a relação entre classe social da família e a forma como se organiza e acede aos serviços da comunidade (Figueiredo, 2012; Kaakinen et al., 2018; Walsh, 2016). No funcionamento da família, é destacada a capacidade de comunicação da família e de adequação da mesma (Zhang, 2018), resolução de problemas (Garrard et al., 2017), e da habilidade de coping individual (Inhestern & Bergelt, 2018; Phillips & Prezio, 2017). As famílias com pontuações mais baixas no funcionamento evidenciam menor capacidade para reconhecer as necessidades e mobilizar os recursos. O maior apoio familiar, resultante da interação de papéis, foi percecionado pelos doentes com maior autoeficácia individual, com idade mais avançada e com parentes com mais recursos. Pelo contrário, menor apoio familiar foi associado a doentes com depressão e mais jovens (Katapodi et al., 2018). A resiliência familiar, em Liu et al. (2018), foi associada ao aumento do crescimento pós-traumático entre as sobreviventes de cancro e à diminuição da carga do cuidador. Estes resultados vêm ao encontro a vários autores (Martins, 2014; McCubbin & McCubbin, 1993; Price et al., 2016; Walsh, 2016) que referem a existência de resiliência familiar quando as famílias são capazes de responder às exigências a que estão sujeitas, efetuando as mudanças necessárias para restabelecer a estabilidade e o bem-estar familiar, mobilizando os recursos disponíveis.

Os Recursos da comunidade identificados relacionam-se com o apoio social, o apoio profissional e os serviços da comunidade. O apoio profissional surge em Senden et al. (2015) relacionado com a valorização pelas famílias da informação adequada ao longo do processo de doença e da relação de ajuda como um fator tranquilizante. Os serviços da comunidade surgem numa perspetiva de acesso aos mesmos, com todos os autores a concordarem que mais importante do que a existência dos recursos é a disponibilidade e capacidade das famílias para os procurar e os obter. Por outro lado, verificou-se que famílias com relações comunitárias mais intensas prévias à situação de doença consideravam este apoio mais útil.

Relativamente ao Coping, vários dos estudos analisados colocam ênfase nas estratégias enquanto respostas adaptativas às alterações potenciadoras de stress, como as vivenciadas numa situação de cancro de um dos membros da família (Acero & Barboza, 2019; Gunter & Duke, 2018; Liu et al., 2018; Van Schoors et al., 2019). Surgem evidências norteadoras do investimento na promoção da melhoria dos processos adaptativos, designadamente em termos de melhoria de: coping familiar (Inhestern & Bergelt, 2018), coping diádico (Acero & Barboza, 2019); envolvimento familiar na resolução de problemas e mobilização de recursos (Garrard et al., 2017; Inhestern & Bergelt, 2018); a esperança e manutenção de uma história positiva ( Senden et al. 2015); coping espiritual (Prouty et al., 2016); e da perceção e mobilização de recursos da comunidade como os profissionais de saúde, grupos de ajuda, associações, e da rede social (Garrard et al., 2017; Price et al., 2016). Estas estratégias vêm ao encontro a vários autores (Lazarus & Folkman, 1984 como citado Kaakinen et al., 2018; Martins, 2014; McCubbin & McCubbin,1993; Pereira & Branco, 2016; Walsh, 2016), no sentido de promover respostas positivas, cognitivas e comportamentais apropriadas das famílias, a partir da mobilização eficaz de recursos internos.

Conclusão

O cancro atinge a maioria das famílias, acrescendo aos múltiplos desafios com que as mesmas se confrontam. Este estudo permitiu identificar fatores condicionantes da adaptação das famílias ao cancro de um dos seus membros integradas em três dimensões: a Avaliação familiar do acontecimento; os Recursos familiares e o Coping. Esta sistematização, tomando a família como unidade sistémica e/ou como cliente, permite recentrar o enfoque clínico nas forças das famílias, constituindo-se mais um contributo para o desenvolvimento e consolidação de práticas clínicas na área da saúde e da enfermagem de família. A estratégia metodológica utilizada na condução do estudo, nomeadamente a não inclusão de literatura cinzenta assim como de artigos de acesso limitado, constitui-se uma limitação do estudo. Considera-se que a revisão efetuada deixa espaço para futuros estudos que permitam suplementar limitações e explorar aprofundadamente a problemática, designadamente em contextos de saúde primários, em novas formas de famílias e na desocultação das relações de género e do cuidar.

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7Como citar este artigo: Santos, C. A., Costa, K. S., Dantas, M. J., & Morais, C. (2021). Condicionantes da adaptação das famílias enquanto sistema e cliente face à situação de cancro: Scoping review. Revista de Enfermagem Referência, 5(8), e20149. https://doi.org/10.12707/RV20149

Recebido: 10 de Setembro de 2020; Aceito: 06 de Janeiro de 2021

Conceptualization: Santos, C. A., Costa, K. S., Dantas, M. J., Morais, C.

Methodology: Santos, C. A., Costa, K. S., Dantas, M. J., Morais, C.

Data curation: Santos, C. A., Costa, K. S., Dantas, M. J., Morais, C.

Writing - original draft: Santos, C. A., Costa, K. S., Dantas, M. J., Morais, C.

Writing - review & editing: Santos, C. A., Costa, K. S., Dantas, M. J., Morais, C.

Autor de correspondência Carla Alexandra Santos E-mail: csantos2010@hotmail.com

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