Introdução
O vírus SARS-CoV-2 emergiu em dezembro de 2019 na China, sendo COVID-19 o nome da doença provocada pelo vírus (Thomas et al., 2020). O SARS-CoV-2 é altamente contagioso e apresenta um período de incubação de 1 a 14 dias (Agostini et al., 2021). O grau de severidade varia entre doença ligeira, doença moderada (pneumonia sem instabilidade hemodinâmica), doença grave com pneumonia, sinais de dificuldade respiratória e instabilidade hemodinâmica, e doença crítica apresentando choque séptico ou síndrome de dificuldade respiratória aguda (Direção-Geral da Saúde [DGS], 2020). As manifestações clínicas das pessoas com COVID-19 são variadas, mas a maioria semelhantes a outras patologias do trato respiratório, como, por exemplo: febre (89%), tosse seca (68%), fadiga/cansaço (38%), expetoração (34%) e dispneia (20-40%; Thomas et al., 2020). Recentemente, têm vindo a ser objetivados outros sintomas como anosmia, ageusia, cefaleias e mialgias (Agostini et al., 2021). Huang et al. (2021), realizaram um estudo com 1.733 pessoas após 6 meses da infeção por SARS-CoV-2, que revelou que a maioria (76%) referiu a permanência de, pelo menos, um dos sintomas: fraqueza muscular (63%); dificuldades para dormir (26%) e ansiedade e depressão (23%). Outros estudos realçam a persistência de fadiga e falta de ar na realização de atividades de vida diária (AVD), 2 meses após a alta hospitalar, e elevada taxa de readmissão nos serviços hospitalares (Ayoubkhani et al., 2021). Ainda não é possível estimar, com rigor, a extensão, a longo prazo, das comorbilidades e sequelas locais, sistémicas e principalmente na funcionalidade de quem sobrevive após a hospitalização, no entanto, sabe-se que após a pandemia de SARS-CoV-1, em 2002, foram identificadas várias alterações biopsicológicas com influência negativa na funcionalidade e realização das AVD e, consequentemente, redução da qualidade de vida (Glöckl et al., 2020), pelo que se torna urgente encontrar estratégias de minimização do impacto que a COVID-19 pode ter na sociedade. Assim, este estudo tem como objetivos realçar o impacto que a COVID-19 apresenta na funcionalidade nas atividades básicas de vida diária (ABVD), na pessoa com COVID-19 hospitalizada, e evidenciar os resultados das intervenções de enfermagem de reabilitação que promovem o autocuidado, com vista a restaurar a qualidade de vida.
Enquadramento
Perante o atual quadro pandémico, sobressaem áreas de cuidados fundamentais às populações, destacando-se, neste contexto, o autocuidado, entendido como o conjunto de ações que o próprio indivíduo efetua para manter a funcionalidade das necessidades básicas individuais, cujos objetivos são a preservação da vida e o bem-estar pessoal (Katz & Akpom, 1976). A capacidade funcional para o autocuidado tem-se revelado como um indicador de morbilidade fundamental, pois sublinha o impacto da doença/incapacidade na família, no sistema de saúde e na qualidade de vida (Li et al., 2020). Em 2016, a OMS anunciou a funcionalidade como terceiro indicador de resultado clínico, além dos indicadores de cura e morte. Este conceito emergiu no contexto de todas as doenças acompanhadas de disfunção poderem não ser totalmente curadas, com risco de sequelas permanentes, como poderá ser o caso da COVID-19 (Zeng et al., 2020). O termo AVD encontra-se intimamente relacionado com o autocuidado, referindo-se a atividades desempenhadas pela pessoa de forma independente, relacionadas com a manutenção das funções e estruturas do organismo de forma rotineira. No âmbito das AVD, este estudo foca-se nas ABVD: tomar banho, vestir/despir, ir ao WC, transferência, controlo de esfíncteres e alimentação. Estas seis ABVD encontram-se hierarquicamente relacionadas entre si e são fundamentais à vida (Katz & Akpom, 1976). A evidência atual revela que a COVID-19 pode ter um impacto muito significativo no desempenho do autocuidado, principalmente nos idosos e pessoas com doenças crónicas potencialmente incapacitantes (Pan American Health Organization [PAHO], World Health Organization (WHO), 2020; Zeng et al., 2020). Várias entidades publicaram recomendações sobre a abordagem clínica e estratégias terapêuticas com melhor impacto na pessoa internada com COVID-19, destacando que as intervenções de enfermagem de reabilitação são fundamentais na evolução do estado de saúde, devendo ser ajustadas à condição clínica e requerendo uma necessidade de constante avaliação multidimensional por profissionais com experiência na área (Agostini et al., 2021; Glöckl et al., 2020; PAHO, 2020; Chinese Association of Rehabilitation Medicine, Respiratory Rehabilitation Committee of Chinese Association of Rehabilitation Medicine, Cardiopulmonary Rehabilitation Group of Chinese Society of Physical Medicine and Rehabilitation, 2020; Simpson & Robinson, 2020; Zeng et al., 2020). A intervenção precoce do enfermeiro de reabilitação pode minimizar os fenómenos psicológicos (depressão, ansiedade, medo) e fisiológicos (manifestações pulmonares, musculoesqueléticas e neurológicas), assim como os riscos associados à imobilidade na pessoa com COVID-19, sendo estes fenómenos facilitadores de estados de dependência (Agostini et al., 2021; Chinese Association of Rehabilitation Medicine, Respiratory Rehabilitation Committee of Chinese Association of Rehabilitation Medicine, Cardiopulmonary Rehabilitation Group of Chinese Society of Physical Medicine and Rehabilitation, 2020; Thomas et al., 2020; Zeng et al., 2020). Vários estudos sublinham que as intervenções de reabilitação, para além de melhorarem a qualidade de vida, facilitam a alta hospitalar precoce, essencial no contexto da escassez de camas hospitalares, promovendo o regresso à participação na vida familiar, social e laboral. Numa época fustigada pela crise económica, importa também sublinhar que a referida intervenção diminui o nível de dependência, o que tem ainda um impacto muito positivo na redução dos custos em saúde (Agostini et al., 2021; PAHO, 2020; Simpson & Robinson, 2020; Zeng et al., 2020). Dos artigos publicados, além da natureza epidemiológica, económica e social, são poucos os que refletem sobre a intervenção do enfermeiro de reabilitação e o impacto nas ABVD, o que fomentou a elaboração da presente investigação.
Questão de Investigação
Qual o impacto de intervenções de enfermagem de reabilitação na promoção do autocuidado (nas ABVD) na pessoa com COVID-19 internada em enfermaria?
Metodologia
Estudo quantitativo e retrospetivo de coorte, realizado num serviço de medicina interna dedicado ao cuidado à pessoa infetada por SARS-CoV-2, num hospital público de Lisboa, Portugal. Foi garantida a proteção de dados da amostra envolvida no estudo e foi solicitada a aprovação da Direção do Departamento de Medicina, da Direção de Enfermagem e da Comissão de Ética do Hospital (Referência nº 68/21).
Os critérios de inclusão foram: pessoas cuja funcionalidade, antes da sintomatologia, lhes permitia desempenhar as ABVD de forma independente ou com dependência ligeira; os participantes terem experienciado, no mínimo, três sessões das intervenções de enfermagem de reabilitação. Como critérios de exclusão: estado confusional; dependência moderada ou total prévia ao início de sintomas; incapacidade para executarem as intervenções de reabilitação de forma autónoma.
A funcionalidade da amostra (N = 27) foi avaliada pelo índice de Katz modificado por Sequeira (2010), nas seis ABVD, contemplando quatro níveis de funcionalidade pontuados de 0 a 3. Esta avaliação foi realizada para três momentos distintos: o estado funcional basal da pessoa, descrito pela mesma; o estado funcional no início do internamento (inicial), e o estado funcional à data de alta (final), estes avaliados pelos investigadores.
As intervenções de enfermagem de reabilitação ocorreram de 20 de novembro de 2020 a 31 janeiro de 2021. Integraram uma avaliação multidisciplinar e ensino, instrução e treino dos seguintes exercícios respiratórios: controlo e dissociação dos tempos respiratórios; reeducação diafragmática (anterior, hemicúpula direita e esquerda; global) e reeducação costal (global e seletiva: porção anterior; posterior; superior e inferior e abertura costal). Foram igualmente executadas técnicas de conservação de energia, otimização da ventilação através de posicionamento em semiventral/ventral e treino e capacitação de cada ABVD. Todas as sessões de intervenção foram realizadas cinco vezes por semana, por períodos máximos de 30 a 45 min, com intervalos, e inicialmente uma vez por dia. A progressão dos exercícios assentou numa monitorização rigorosa de cada sessão individual, considerando a avaliação de parâmetros vitais, incluindo saturação periférica de oxigénio (SpO2), antes, durante e após o exercício; avaliação de exames complementares de diagnóstico de imagem e séricos; anamnese e exame físico; avaliação da função pulmonar; avaliação da intolerância à atividade através da escala de Borg (aplicada à ABVD ir ao WC); avaliação da funcionalidade no autocuidado das ABVD através do Índice de Katz modificado e perceção do estado de saúde da pessoa. Apesar de outros parâmetros serem incluídos na avaliação multidimensional, como a avaliação da força muscular através da Medical Research of Council Scale, para este trabalho apenas serão reportados os essenciais para o tema. Foram também definidos pré-requisitos para a realização e suspensão de cada sessão, baseados na estabilidade hemodinâmica e sintomatologia referida pela pessoa.
Após a obtenção das respetivas autorizações, foi realizada a colheita de dados de 20 de julho de 2021 a 23 de julho de 2021, através da pesquisa e análise de dados de saúde nos Processos Clínicos. O formulário para colheita e tratamento de dados englobou três grandes domínios: características sociodemográficas e historial de saúde; dados de saúde do internamento; intervenções de enfermagem de reabilitação. A análise de dados realizou-se por tratamento estatístico através de um programa informático (Excel V 2016) para classificação, cruzamento e apreciação dos dados.
Os resultados encontrados no estudo são apresentados em forma de gráficos e tabelas, para elucidar a evolução durante o internamento.
Resultados
A população estudada foi constituída por 27 pessoas, sendo que 74% (n = 20) eram do sexo masculino e 26% (n = 7) do sexo feminino. As idades variaram entre os 29 e os 82 anos, com 70% com idades compreendidas entre os 50-79 anos. A gravidade de apresentação clínica variou entre: 7% doença moderada, 74% grave e 19% como crítica. Constataram-se, como antecedentes pessoais mais comuns: hipertensão arterial - HTA (63%); obesidade (37%); doença respiratória crónica (33%) e diabetes mellitus tipo 2 - DM2 (30%). Em 59% das pessoas, verificaram-se dois ou mais antecedentes pessoais dos anteriormente referidos e 11% negaram antecedentes pessoais. Na amostra, 78% referiram exposição a poluentes: 52% exposição a fumo de tabaco; 11% manipulação e corte de madeiras, pedras ou outros equivalentes; 7% exposição a produtos químicos nocivos (como agentes de limpeza) e 7% manipulação de papel/exposição a celulose frequente.
Na admissão, 89% da amostra apresentava-se sob oxigenoterapia, sendo esta necessidade evidenciada pela pressão arterial normal de oxigénio (PaO2) inicial: 81% (n = 23) tinham valores inferiores a 70mmHg com SpO2 média de 92%. À data de término da participação no programa, 78% da amostra já se encontrava sem necessidade de oxigenoterapia, tendo alta com PaO2 média de 78.4mmHg e SpO2 média de 96%.
Constatou-se que 63% (n = 17) da amostra não tiveram intercorrências durante o internamento, todavia, 15% necessitaram de medicação em SOS uma vez, 7% necessitaram de terapêutica SOS duas ou três vezes, 11% necessitaram de oxigenoterapia de alto fluxo por cânula nasal (HFNO) e 4% foram transferidos para unidade de cuidados intensivos (UCI).
O número de dias de internamento da amostra variou entre 4 e 17 dias, sendo a média de 9,7 dias. Da amostra em estudo, 100% das pessoas não necessitaram de reinternamento, sendo que, na presente instituição onde decorreu o estudo, se considera como reinternamento o intervalo de 10 dias após a alta.
A amostra teve uma variação de 3 a 12 sessões das intervenções de reabilitação ao longo do internamento, sendo a média de sessões de cinco por pessoa. Constatou-se que as pessoas que realizaram mais sessões tiveram internamentos mais prolongados devido a complicações associadas à COVID-19 ou agudização de doenças crónicas.
Os exercícios de reeducação diafragmática e costal foram executados de forma progressiva tendo a maioria da amostra (82%) executado duas séries com 12 a 15 repetições de cada exercício. Dos elementos que constituíram a amostra inicial (n = 27), houve uma pessoa que recusou executar a intervenção de otimização da ventilação através de posicionamento em decúbito semiventral/ventral. Os restantes que executaram esta intervenção, realizaram-na entre duas a sete vezes por dia, apresentando uma média de quatro vezes por dia. Quanto ao tempo de permanência no posicionamento em decúbito semiventral, este variou entre 30 e 90 minutos, sendo a média de 55 minutos. Constatou-se que o posicionamento em ventral apenas foi tolerado por uma pessoa. As restantes pessoas toleraram o posicionamento em semiventral direito e esquerdo.
Para monitorizar a perceção da intolerância à atividade, aplicou-se a escala de Borg modificada relativamente à capacidade em “ir ao WC” em dois momentos (no início do internamento - considerando as primeiras 24h - e no final). No início do internamento, a média de intolerância à atividade foi classificada pela amostra com score 7 (muito difícil), variando com maior frequência entre 6 (difícil) e 8 (muito difícil), correspondendo a 86%. No final do internamento, o valor médio autopercecionado para a sua intolerância para a mesma atividade de vida foi de 3 (leve), variando com mais frequência entre os valores de 2 (fácil) e 3 (leve), correspondendo a 81%.
Relativamente à autoperceção de dispneia, 89% da amostra negou sensação de falta de ar, bem como os seus sintomas negativos adjacentes, enquanto 11% da população referiu a dispneia como um sintoma experienciado no início do internamento. No entanto, ao longo do internamento, 30% das pessoas apresentaram episódios de dispneia: 22% referiram um episódio, 4% referiram dois episódios e 4% três episódios.
As seguintes tabelas (1, 2 e 3) monitorizam a funcionalidade da amostra nas ABVD, nos três momentos de monitorização e os valores médios de dependência.
ABVD (score) | Estado funcional basal | Média de dependência | ||||
Independente (0) | Dependência ligeira (1) | Dependência moderada (2) | Dependência total (3) | |||
Tomar banho | 74% (n = 20) | 22% (n = 6) | 4% (n = 1) | - | 0,29 | |
Vestir/despir | 81% (n = 22) | 15% (n = 4) | 4% (n = 1) | - | 0,20 | |
Ir ao WC | 74% (n = 20) | 19% (n = 5) | 7% (n = 2) | - | 0,33 | |
Transferência | 70% (n = 19) | 30% (n = 8) | - | - | 0,30 | |
Controlo de esfíncteres | 85% (n = 23) | 11% (n = 3) | 4% (n = 1) | - | 0,18 | |
Alimentação | 100% (n = 27) | - | - | - | 0,00 |
ABVD (score) | Estado funcional inicial | Média de dependência | |||
Independente (0) | Dependência ligeira (1) | Dependência moderada (2) | Dependência total (3) | ||
Tomar banho | 4% (n = 1) | 22% (n = 6) | 41% (n = 11) | 33% (n = 9) | 2,03 |
Vestir/despir | 11% (n = 3) | 30% (n = 8) | 37% (n = 10) | 22% (n = 6) | 1,70 |
Ir ao WC | 4% (n = 1) | 22% (n = 6) | 30% (n = 8) | 44% (n = 12) | 2,15 |
Transferência | 4% (n = 1) | 26% (n = 7) | 37% (n = 10) | 33% (n = 9) | 2,00 |
Controlo de esfíncteres | 59% (n = 16) | 19% (n = 5) | 15% (n = 4) | 7% (n = 2) | 0,70 |
Alimentação | 56% (n = 15) | 30% (n = 8) | 14% (n = 4) | - | 0,59 |
ABVD (score) | Estado funcional final | Média de dependência | |||
Independente (0) | Dependência ligeira (1) | Dependência moderada (2) | Dependência total (3) | ||
Tomar banho | 59% (n = 16) | 30% (n = 8) | 7% (n = 2) | 4% (n = 1) | 0,56 |
Vestir/despir | 74% (n = 20) | 26% (n = 7) | - | - | 0,37 |
Ir ao WC | 63% (n = 17) | 26% (n = 7) | 7% (n = 2) | 4% (n = 1) | 0,52 |
Transferência | 63% (n = 17) | 22% (n = 6) | 11% (n = 3) | 4% (n = 1) | 0,59 |
Controlo de esfíncteres | 81% (n = 22) | 11% (n = 3) | 4% (n = 1) | 4% (n = 1) | 0,30 |
Alimentação | 93% (n = 25) | 7% (n = 2) | - | - | 0,07 |
Por sua vez, a Figura 1 sintetiza, nos três momentos da avaliação e para cada ABVD, a respetiva evolução da funcionalidade da amostra evidenciando para cada uma, o correspondente grau de dependência.
Discussão
A maioria da amostra (74%) era do sexo masculino e apresentava idade superior a 60 anos, o que vai ao encontro da evidência atual, sublinhando que a COVID-19 pode ser mais severa no sexo masculino e nas pessoas com idade superior a 65 anos, aumentando o risco de internamento e mortalidade (Jin et al., 2020; Sanyaolu et al., 2020; PAHO, 2020; Thomas et al., 2020).
Dos antecedentes pessoais, 89% apresentava, pelo menos, uma das comorbilidades (HTA, DM2 e obesidade) que a literatura evidencia como tendo maior potencial de expressão de severidade na COVID-19. As comorbilidades estão diretamente relacionadas com a severidade da doença e com a predição da sua evolução, aumentando o risco de mortalidade (Agostini et al., 2021; Sanyaolu et al., 2020).
Verificou-se que 70% da amostra apresentou, em simultâneo, pelo menos uma das comorbilidades com maior risco de gravidade e exposição a poluentes. A exposição crónica a poluentes tem impacto negativo na função respiratória, promovendo a inflamação crónica, reduzindo a resistência a infeções e alterando a permeabilidade do parênquima pulmonar (Hopkinson et al., 2021). Esta associação (comorbilidades e exposição a poluentes) evidencia aumento do risco de severidade da COVID-19, conduzindo a maior vulnerabilidade para a dependência.
As pessoas que sofreram intercorrências durante o internamento (37%) têm em comum: antecedente pessoal de HTA, exposição a poluentes e status de severidade grave ou crítica. A média de dias de internamento destes foi de 12,7 dias. A média de duração de internamento da amostra total foi de 9,7 dias, sendo inferior aos de outros estudos, em que o número de dias médio variou entre 14 e 17 dias (Huang et al., 2021; Li et al., 2020; Rees et al., 2020).
Os 11% com necessidade de 10 ou mais sessões do programa de intervenção, apresentaram maior tempo de internamento, severidade do estado de saúde como crítico, comorbilidades de HTA, DM2 e exposição crónica a poluentes. As intercorrências e complicações ao longo do internamento proporcionaram um repouso prolongado no leito e as intervenções de reabilitação permitiram ainda prevenir complicações associadas à imobilidade e preparar o organismo para restauração da funcionalidade.
Na otimização da ventilação através de técnica de posicionamento constatou-se uma intolerância da amostra relativamente à posição de ventral. As justificações variaram entre medo, sensação de sufocamento, ansiedade, dores musculo-articulares no ombro e região cervical, aumento do volume abdominal e alterações morfológicas do processo de envelhecimento. Assim sendo, foi fundamental ter uma abordagem holística (promover a sensação de bem-estar físico, desmistificar mitos associados ao posicionamento em ventral, explicar o procedimento, prestar apoio emocional), de forma a que a pessoa se sentisse confortável e pudesse beneficiar do efeito terapêutico do posicionamento, sendo relevante explicar o procedimento à pessoa e permanecer junto dela no início da intervenção, estimulando a relação terapêutica e confiança na adesão a esta estratégia (Rees et al., 2020; Zeng et al., 2020). Confirmou-se que a posição de semiventral (esquerda ou direita), na pessoa em enfermaria, surge como alternativa eficaz à posição de ventral (Zhu et al., 2020).
Os dados médios da amostra, relativamente à frequência de posicionamentos na posição de decúbito semiventral (quatro vezes por dia) e tempo de permanência nesta posição (55 minutos) estão em conformidade com as recomendações da literatura. Apesar de não existir um valor ideal, recomenda-se que esta intervenção seja executada em enfermaria pelo menos três vezes por dia, em períodos mínimos de 30 minutos, para que haja benefício fisiológico com tradução clínica, permitindo reduzir o trabalho dos músculos respiratórios e maximizando as áreas menos ventiladas pela terapia postural (Chinese Association of Rehabilitation Medicine, Respiratory Rehabilitation Committee of Chinese Association of Rehabilitation Medicine, Cardiopulmonary Rehabilitation Group of Chinese Society of Physical Medicine and Rehabilitation, 2020; Sociedade Portuguesa de Cuidados Intensivos, 2020; Zeng et al., 2020).
Verificou-se uma melhoria da sensação de intolerância à atividade “ir ao WC” em 96% da amostra, e que a diferença do score médio da entrada com a saída traduz-se numa redução para mais de metade (de 7 para 3). Os 4% da amostra que mantiveram o mesmo nível de intolerância à atividade foram transferidos para a UCI durante o internamento. Este valor final está em conformidade com a recente investigação realizada pela Sociedade Chinesa de Medicina Física e de Reabilitação (Chinese Association of Rehabilitation Medicine, Respiratory Rehabilitation Committee of Chinese Association of Rehabilitation Medicine, Cardiopulmonary Rehabilitation Group of Chinese Society of Physical Medicine and Rehabilitation, 2020), em que 58% das pessoas internada por COVID-19 apresentavam ligeira intolerância (nível 3) à atividade na escala de Borg modificada.
As pessoas que apresentaram dispneia são maioritariamente do sexo masculino, idosos e com várias comorbilidades (DM2, HTA, doença coronária, doença respiratória e obesidade), tendo estas maior propensão para a agudização das mesmas (Agostini et al., 2021; Thomas et al., 2020).
A análise dos dados permite interpretar que o impacto da COVID-19 na funcionalidade da pessoa internada é elevado, atendendo ao agravamento existente no nível funcional médio nas ABVD, entre os valores do estado funcional basal da amostra e os valores do estado funcional inicial. Verificou-se um agravamento da funcionalidade em, pelo menos, quatro atividades de autocuidado (tomar banho, transferência, ir ao WC e vestir/despir) em 96% da amostra. Segundo Guarda (2010), estas quatro ABVD são atividades complexas, que exigem ao organismo maior gasto metabólico, isto é, para a sua execução é necessária a mobilização de vários e grandes músculos do organismo, principalmente nas três ABVD com maior incidência de dependência (ir ao WC, tomar banho e transferência). O aumento exponencial da percentagem de dependência, acima de tudo nas referidas ABVD, evidencia que a COVID-19 tem um impacto profundo na manutenção do autocuidado, particularmente em pessoas que inicialmente se apresentavam independentes ou com grau de dependência ligeira. Estes resultados estão em consonância com a literatura, uma vez que remetem para a existência de uma hierarquia de perdas motoras, primeiramente com a perda da capacidade funcional em atividades mais complexas, mas salvaguardando que as comorbilidades também têm uma grande influência na transição da funcionalidade (Katz & Akbom, 1976; Sequeira, 2010). Acresce a vulnerabilidade para a dependência nesta população devido à imobilidade que a patologia induz na pessoa com COVID-19: o repouso prolongado no leito e o processo da doença conduzem à disfunção diafragmática à fraqueza dos restantes músculos respiratórios (Li et al., 2020).
Em 93% da amostra, verificou-se melhoria do seu estado funcional, em todas as ABVD, durante o processo de internamento, atendendo à diferença entre a média do início do internamento e a média da avaliação final. Esta diferença média permite perceber que as terapêuticas - de enfermagem e medicamentosas - de forma conjugada, impactaram positivamente a funcionalidade da pessoa internada com COVID-19, restaurando-a para níveis próximos do basal.
Por outro lado, analisando a diferença entre a média de cada ABVD no estado funcional basal e à data de alta, verificou-se o impacto elevado que o processo de doença COVID-19 tem na pessoa internada. Houve um declínio funcional mais evidente em “tomar banho”, “ir ao WC” e “transferência”. Esta análise permite verificar que a pessoa com COVID-19 com necessidade de internamento hospitalar apresenta elevado risco de dependência, principalmente nas atividades com maior complexidade neuromuscular e recrutamento energético (Guarda, 2010).
Notou-se que a recuperação da funcionalidade passou por três etapas: primeiro, em atividades menos complexas como a “alimentação” e o “controlo de esfíncteres”; em seguida, em “vestir/despir”; por último, em “ir ao WC”, “tomar banho” e “transferência”. Estas observações permitem inferir uma similaridade com o desenvolvimento infantil, já defendida por Katz e Akpom (1976), que argumentou a existência de uma regressão ordenada como parte do processo fisiológico de envelhecimento, influenciada pelas comorbilidades, com a perda de funcionalidade a evoluir desde as funções mais complexas para as mais básicas as quais poderiam ser retidas por mais tempo. Nas ABVD como “alimentação”, “controlo de esfíncteres” e “vestir/despir”, conseguiu-se restaurar a funcionalidade para níveis dentro do basal em 93% (n = 25) das pessoas, sendo que 7% apresentavam níveis de dependência mais elevados à saída, comparativamente ao basal. Estas ABVD são atividades de menor complexidade de coordenação e controlo neuromotor, assim como menor recrutamento muscular em comparação com as outras (Guarda, 2010).
Corroborando estes factos, identificou-se que, das 10 pessoas que à data de saída do internamento tinham níveis de dependência funcional superiores ao basal, nove apresentaram características em comum: intercorrências durante o internamento, a maioria referia exposição a poluentes e, no mínimo, tiveram um episódio de dispneia - relacionado com agudização de doenças crónicas, evidenciando a correlação entre o impacto da COVID-19 e a funcionalidade.
É importante, para os autores, ressalvar que os valores médios apresentados refletem três momentos de monitorização distintos (a funcionalidade basal, do início de doença e data de alta) e que, tratando-se de um estudo com amostra humana e, portanto, mutável e única, terá existido uma variação diária no processo de evolução de cada pessoa, no decorrer do desenvolvimento da doença e das terapêuticas aplicadas.
Salvaguarda-se que os autores reconhecem, como limitações do estudo: a dimensão da amostra, o facto de não existir uma população-controlo, para uma comparação mais fidedigna e a complexidade de controlo das variáveis, que permitissem realçar os resultados obtidos.
Conclusão
Com este estudo, verificou-se que a COVID-19 causou uma dependência transitória, com impacto no desempenho das ABVD e na redução da qualidade de vida das pessoas, com maior incidência em idosos, pessoas com comorbilidades e com exposição a poluentes. Neste sentido, sabendo que o aumento da incidência das doenças crónicas degenerativas, assim como os gastos financeiros com serviços de saúde e sociais associados ao envelhecimento, têm impacto na qualidade de vida da pessoa e aumentam o risco de mortalidade, todas as intervenções facilitadoras da restauração da independência e diminuição do tempo de internamento devem ser estudadas e aplicadas, de forma a melhorar a qualidade de vida da pessoa com COVID-19.
As intervenções de enfermagem implementadas integraram, especificamente, o ensino, instrução e treino de exercícios respiratórios, técnicas de conservação de energia, otimização da ventilação através de posicionamento em semiventral e treino e capacitação de cada ABVD, sendo verificada a melhoria do estado funcional em todas as ABVD, com franca expressão relativamente ao nível inicial avaliado. Assim sendo, constata-se que o programa de intervenções de enfermagem de reabilitação implementado, apresentou impactos positivos na recuperação da funcionalidade da amostra, assim como a nível da função respiratória, motora e na duração de internamento, com os consequentes ganhos em saúde que isso implica, surgindo como uma mais-valia no contexto da atual pandemia.
Sugere-se um trabalho futuro de acompanhamento de enfermagem em domicílio, de modo a avaliar a capacidade de restauração da funcionalidade e a monitorizar o impacto no desempenho dos papéis sociais, familiares e laborais da amostra.