O interprofissionalismo, enquanto processo colaborativo, afirma-se quando diferentes profissões que trabalham num determinado contexto desenvolvem práticas autênticas e efetivas de relação em prol de resultados comuns, traduzíveis em cuidados de saúde com qualidade (Green & Johnson, 2015).
A procura pela articulação entre os sistemas de saúde e a educação, tendo em vista a coordenação de estratégias e o planeamento do trabalho de saúde, incluindo a elaboração de políticas integradas, há muito que se vem discutindo. Para tal, a ação colaborativa interprofissional, envolvendo a educação e a prática clínica, afirma-se como uma estratégia promissora para a oferta de cuidados em saúde mais qualificado, integral e efetivo (World Health Organization [WHO], 2010).
No entanto, o que a realidade evidencia é que embora os curricula das escolas de formação de enfermagem e médica criem expectativas sobre a necessidade do trabalho colaborativo, concretamente a existência de cooperação e comunicação, apelativa do sentido de responsabilidade coletiva, verifica-se que nem sempre as dinâmicas de trabalho conjunto se concretizam (Escalda & Parreira, 2018).
De mencionar que as organizações de saúde, dada a sua componente organizativa, suportada em parte pela interdependência de ações e transversalidade de competências que exige aos seus profissionais, têm potencial de favorecer o desenvolvimento de uma prática interprofissional colaborativa que se expresse em ganhos de saúde (Escalda & Parreira, 2018).
Estudos na área têm alertado para a gravidade de alguns factos, associados à inoperância do trabalho colaborativo, tais como, falhas de comunicação que geram erros, ineficiências de algumas práticas, repetição de procedimentos, incluindo eventos adversos, que ampliam contextos de risco, afetam a qualidade dos cuidados e a otimização dos recursos humanos e materiais (Van Duin et al., 2022). Posição realçada pelas pesquisas que tornam evidente os benefícios da implementação de práticas interprofissionais colaborativas, ao nível das organizações de saúde, nos termos de eficácia comunicacional, satisfação profissional e eficiência na segurança dos cuidados prestados (Naumann, Schumacher, et al., 2021; Naumann, Mullins, et al., 2021).
Embora alguns estudos explorem esta fase de transição de estudante para profissional, tendo em vista a preparação para a prática de novas profissões da saúde, nem sempre relevam as experiências positivas, o tipo de interações interprofissionais e atividades da equipa de saúde pretendidas para um recém-formado. Reconhecemos que estas informações, certamente, seriam valiosas para melhorar o processo de interprofissionalismo (Wang et al., 2019).
O papel das organizações que cuidam - escolas e contextos de saúde
A visão geral da literatura supracitada invoca a necessidade das profissões sociais e de saúde investirem na formação e no treino para desenvolver atitudes, conhecimentos e habilidades, requeridas para efetivamente aprenderem a trabalhar juntas. Os documentos técnico-políticos têm apoiado a necessidade da Educação Interprofissional (EIP) para melhorar competências colaborativas. A WHO (2010) reforçou o seu comprometimento com a EIP, destacando a importância desta abordagem no desenvolvimento de habilidades necessárias para a prática colaborativa e uma força de trabalho em saúde pronta para agir. É importante destacar que este último documento aponta a necessidade de EIP e prática colaborativa para melhorar, globalmente, sistemas de saúde fragmentados e com ineficiências.
Outras iniciativas, inclusive, têm influenciado algumas mudanças nos níveis educacionais, profissionais e organizacionais, resultando na incorporação de EIP em programas de educação na saúde e serviço social, organismos reguladores e políticas organizacionais. Por exemplo, cursos de EIP, programas e centros têm sido criados em organizações de ensino superior em países como os EUA, Canadá, Reino Unido e Austrália. Nestes casos, unidades de saúde e serviço social trabalham em conjunto para oferecerem oportunidades de EIP para os seus estudantes. Os resultados realçam que os estudantes que participam em cursos interprofissionais têm mais facilidade em estabelecer interações e sentem-se mais capazes para trabalhar numa equipa interprofissional. O estudo de Reeves (2016) relatou que nos países como o Reino Unido e os EUA, em que práticas de primeiros socorros em centros médicos têm promovido uma assistência à saúde mediante iniciativas interprofissionais, os profissionais estão mais comprometidos com a melhoria dos cuidados. Este apoio também tem sido incentivado por diferentes universidades, associações de profissionais e organizações de saúde, que reconhecem igualmente a necessidade de oferecer estes modelos de educação ao longo da vida (Barr et al., 2005).
É neste sentido que defendemos que a EIP poderia ser iniciada na formação de estudantes promotores de práticas colaborativas. Numa fase mais tardia, acreditamos que a mesma reforçaria experiências de aprendizagem que resultariam na sua disseminação. A definição de EIP acima descrita salienta a necessidade de interação interprofissional explicita entre participantes.
Estratégias para quebrar barreiras
No setor saúde a prática colaborativa interprofissional está a tornar-se uma prioridade na agenda de recursos humanos, com a clara intencionalidade e reforço politico por parte das escolas formativas e gestores das organizações de saúde.
O nosso posicionamento é que a educação e a formação assumem um papel preponderante no desenvolvimento profissional (Macedo & Encarnação, 2022) e a tomada de consciência de procurarmos atividades e estratégias capazes de pôr em prática o trabalho colaborativo é necessária (Vieira et al., 2020). Contudo, para a assunção de uma verdadeira colaboração interprofissional é fundamental que esta educação e formação façam parte das estratégias da supervisão clínica, implementada não só nos contextos educativos, como também nos contextos de saúde. A esta afirmação subjuga-se o íntimo propósito da formação universitária: a preparação dos estudantes para os diversos contextos de trabalho, sendo-lhes dadas oportunidades de confronto com questões particulares sobre o trabalho em equipa de cuidados de saúde.
Neste sentido, no referido contexto, apresentam-se algumas experiências de desenvolvimento interprofissional, entre estudantes de medicina e de enfermagem, expectando-se desde cedo a consciencialização dos futuros profissionais para o desenvolvimento de conhecimentos, atitudes, aptidões e comportamentos necessários para a prática colaborativa.
Uma experiência igualmente interessante, associada à partilha de atividades e disciplinas, foi registada pela Universidade do Minho, em Portugal em que os discentes dos primeiros anos de medicina e de enfermagem participaram em atividades conjuntas tais como: i) aulas de introdução à anatomia e exploração de peças cadavéricas/ossos humanos; ii) aulas nos Laboratórios de Aptidão Clínica da Escola de Medicina; iii) aulas de treino de comunicação interprofissional em que coordenadores e facilitadores frequentaram formação em conjunto sobre estratégias pedagógicas e discussão de casos (Vieira et al., 2020).
Discute-se que esta interatividade promove o desenvolvimento de competências necessárias para colaboração eficaz, no entanto ela dever-se-á estender para além do contexto universitário, referimo-nos a um curriculum centrado na aprendizagem no local de trabalho. Neste caso tratam-se de contextos reais, ricos em aprendizagem e onde o investimento de formação contínua sobre o interprofissionalismo é conveniente que exista. Significa estendermos os espaços de reflexão para além do formal (em sala de aula), criando espaços onde seja possível refletir sobre o trabalho de equipa, independente do resultado clínico. Por exemplo, a aprendizagem informal pode ser útil por permitir que indivíduos compartilhem ideias e obtenham orientação dos seus pares, colegas de trabalho, supervisores ou gestores dos contextos de saúde. Proporcionar estes espaços para além de tudo permite aos membros da equipa a conscientização da importância da partilha das suas emoções suscitadas na prática, promovendo um apoio, validação, conforto, e o reforço das relações interpessoais.
Conclusão
Atualmente debate-se sobre quando seria o melhor momento para implementar EIP em organizações de ensino ou de saúde. Estudos indicam que os estudantes do primeiro ano de um programa de graduação já possuem uma série de estereótipos estabelecidos e consistentes em relação a outros grupos profissionais de saúde e de serviço social. Como tal existe o argumento de que EIP oferecida desde o início de um curso poderia desempenhar um importante papel para diminuir os efeitos negativos da socialização profissional.
Neste sentido, parece-nos valioso um início precoce e contínuo de EIP, considerando a apetência dos estudantes para uma maior compreensão da identidade profissional e do seu papel, pelo que se sugere que a EIP faça parte do desenvolvimento profissional contínuo do indivíduo, iniciada com programas de pré-qualificação e com sucessão durante toda a sua carreira. Mais se acresce que dada a escassez de estudos na área da EIP, sobre a efetividade do modelo na concretização de importantes indicadores de resultados, se apela, igualmente, ao empenho e à intervenção dos investigadores no enriquecimento da ciência a este nível.
Experiências de comunicação em conjunto a partir da educação e formação entre os vários intervenientes multiprofissionais permitem aos estudantes a familiaridade com vários métodos, desafiando o feedback. A criação de um programa de EIP nos vários cursos da saúde, assim como, a criação de oportunidades para a aprendizagem informal em contexto clínico, constituem abordagens úteis para EIP. Similarmente ao grupo de estudantes o corpo docente pode ter dificuldades com questões interprofissionais e uni-profissionais. O desenvolvimento deste corpo pode reduzir sentimentos de isolamento, desenvolver uma abordagem mais colaborativa, assim como fornecer oportunidades para compartilhar conhecimento, experiência e ideias. Há um número crescente de programas de desenvolvimento docente. Em geral, eles focam-se numa variedade similar de atividades preparatórias, como, por exemplo, entendimento dos papéis e responsabilidades de diferentes profissões, explorando problemas de profissionalismo, e planeamento de estratégias. Significa que o desenvolvimento em EPI tem implícita a promoção de mudanças, quer ao nível individual, quer ao nível organizacional.