Introdução
A temperatura, pulso, frequência respiratória e tensão arterial são sinais vitais que indicam a capacidade do organismo em controlar a temperatura corporal, manter o fluxo sanguíneo e oxigenar os tecidos, perante alterações ambientais e agentes stressantes físicos e/ou psicológicos (National Institute for Health and Care Excellence [NICE], 2019).
A temperatura corporal começou a ser investigada por Sanctorius em 1638 por Sanctorius. Este foi o primeiro a perceber as razões fisiopatológicas das variações da temperatura, começando a utilizar um instrumento para verificar o calor corporal com o propósito de iniciar ou não uma terapêutica. Em 1851, o investigador Wunderlich obteve um avanço importante para a medicina ao introduzir um instrumento de medição da temperatura que veio a dar origem ao termómetro de mercúrio, utilizando a região axilar para a determinação dessa medida. Definiu o valor da temperatura corporal base no valor de 37ºC, com uma variabilidade entre os 36,2º e os 37,5ºC. Definiu o valor da temperatura acima de 37,5ºC como estado de febre (Sund-Levander et al., 2002).
A temperatura corporal determina a sobrevivência do ser humano, pelo que deve manter-se dentro de valores que sustentem a vida, apesar das alterações da temperatura ambiente, dos gastos energéticos e da ingestão calórica. Esta termorregulação é regulada na região anterior do hipotálamo, onde é definida uma temperatura de referência que pode ser elevada por ação de pirogénos exógenos, como resposta de defesa sistémica do organismo (Bastos, 2002). Consequentemente, a medição da temperatura corporal é um aspeto importante e quase sempre determinado nos cuidados de saúde pediátricos, uma vez que essa medida contribui para orientar o diagnóstico e os cuidados à criança (NICE, 2019). Medições de temperatura não confiáveis podem levar a diagnósticos errados, omissões ou atraso no tratamento necessário, orientação clínica inadequada ou prescrição de exames desnecessários (Franconi et al., 2018). Por esta razão, os dispositivos de medição da temperatura corporal devem ser precisos, não invasivos, eficientes em termos de tempo, baratos, seguros e preferencialmente independentes da técnica usada (El-Radhi, 2014).
Atualmente, estão disponíveis uma grande variedade de métodos e respetivos dispositivos para medição da temperatura corporal. O método mais popularmente utilizado é a via axilar, embora existam outros métodos, como a via timpânica, temporal, oral, retal ou leitura infravermelha.
Apesar da febre ser o sinal que mais motiva a recorrência ao serviço de urgência, com especial acuidade em idade pediátrica, existem poucos estudos sobre a temática. A maioria aborda a medição da temperatura por via retal e poucos relacionam a temperatura timpânica e axilar, sendo que destes, muitos utilizam o termómetro axilar de mercúrio. A variabilidade entre os grupos etários pediátricos não é igualmente contemplada, bem como a diferença entre a temperatura timpânica e axilar no ciclo de evolução da febre (Abdulkadir & Johnson, 2013; Oguz et al., 2018).
Assim, o objetivo deste estudo é avaliar a concordância entre a medição da temperatura por via axilar e timpânica em crianças febris e apiréticas, entre grupos etários (seis a 12 meses, 12 a 24 meses e os 24 e os 36 meses), entre as diferentes fases do ciclo da febre (aquecimento, estabilização e arrefecimento), entre crianças com e sem infeção sistémica e quanto à estação do ano em que foi realizada a medição.
Enquadramento
Cronobiologia é a ciência que estuda os ritmos biológicos, ou seja, fenómenos biológicos que ocorrem de forma recorrente no tempo, com uma periodicidade marcada. Um dos pioneiros no campo da cronobiologia foi Franz Halberg, que instituiu o termo circadiano (do latim circa que significa cerca e diem que significa dia) para se referir aos ritmos que tenham uma duração de aproximadamente 24 horas, sobre o qual se baseia o ciclo biológico de quase todos os seres vivos, citando alguns exemplos comumente conhecidos, como o ciclo sono-vigília, repouso-atividade, claro-escuro e da temperatura corporal de um mamífero (Halberg et al., 1977).
O padrão normal da temperatura corporal num ritmo circadiano caracteriza-se pela temperatura corporal ser mais baixa pela madrugada e no início da manhã (entre as 2 e as 3 horas), e máxima no final da tarde e no início da noite (entre as 16 e as 19 horas). Esta diferença é perceptível a partir dos seis meses de idade (0,50ºC), e acentua-se a partir dos dois até aos seis anos (0,90º - 1,10ºC). As crianças mais pequenas apresentam temperaturas corporais mais elevadas e variabilidade diurna mais pronunciada, do que os adolescentes e os adultos, em consequência do aumento da taxa metabólica e da sua maior superfície corporal (Zomorrodi & Attia, 2008).
A febre é uma elevação da temperatura corporal acima da temperatura basal de cada indivíduo, estando associada a um aumento no ponto de ajuste hipotalâmico, e correspondendo a uma resposta fisiológica do organismo, na presença de determinado agente ou perturbação orgânica. A febre não é uma doença, tendo uma função de defesa, estimulando o sistema imunitário e dificultando a replicação de micro-organismos. Como consequência, há um aumento da taxa de sobrevivência e umarecuperação mais rápida (Broom, 2007; Direção-Geral da Saúde [DGS], 2018).
A grande maioria das crianças com febre apresenta uma doença benigna e autolimitada, tolerando com facilidade temperaturas corporais relativamente elevadas, comparativamente aos adultos (Broom, 2007).
As alterações fisiopatológicas da reação de fase aguda são desencadeadas por mediadores celulares chamados citocinas, que atuam em todo o organismo, nomeadamente nas células que intervêm na imunidade inata e na imunidade adaptativa e a nível do centro termorregulador hipotalâmico (set-point). No hipotálamo, a produção de prostaglandina (principalmente a prostaglandina E2) promove a ativação de recetores do núcleo pré-ótico, levando ao aumento do ponto de ajuste hipotalâmico (set point), surgindo assim a febre (Broom, 2007). Geralmente, ocorre a elevação das temperaturas central e periférica até 3º a 4ºC acima da temperatura basal média individual, sem nunca ultrapassar os 42,20ºC. A curva térmica fisiopatológica da febre evolui em três fases: fase de aquecimento, fase de planalto/estabilização e fase de arrefecimento. Na fase de aquecimento (fase 1), são ativados os mecanismos fisiológicos de produção e conservação de calor através da vasoconstrição periférica (sensação de frio) e ocorrência de tremores, podendo a pele ficar marmoreada ou ocorrer acrocianose (dedos das mãos e/ou lábios). Atingida a temperatura de planalto (fase 2), ocorre uma vasodilatação cutânea generalizada, manifestada por rubor e sensação de calor, com consequente redução da temperatura corporal (fase 3; DGS, 2018).
Febre e hipertermia caracterizam-se ambas por um aumento da temperatura corporal, mas com significados clínicos distintos. A febre deve ser distinguida da hipertermia por ser um processo autorregulado em que há aumento ou diminuição de calor, sem alteração do set point hipotalâmico. Na hipertermia, o processo não é autorregulado (alteração do set point hipotalâmico) e resulta do aquecimento corporal por aquisição de calor proveniente de fontes externas ou, muito menos frequente, por tumores ou doenças como o hipertiroidismo.
Atualmente existem vários dispositivos para medição da temperatura corporal, como os termómetros digitais, de vidro com coluna líquida de galinstan ou de infravermelhos (à distância ou de contacto). Os locais mais comuns de medição da temperatura na população pediátrica são a axila, a mucosa retal, oral e a membrana timpânica. A medição retal é considerada o método mais rigoroso e o que melhor corresponde à temperatura central (DGS, 2018). A maioria dos estudos considera febre valores de temperatura retal acima dos 38ºC (Salgado, 2014). Contudo, na prática clínica, este método de medição é um método invasivo e culturalmente pouco aceite. Estão descritos casos de perfuração intestinal (Abdulkadir & Johnson, 2013). Além disso, a temperatura retal pode não refletir mudanças na temperatura central, uma vez que depende da profundidade de inserção do termómetro, da irrigação ano-retal e da presença de fezes na ampola retal (Abdulkadir & Johnson, 2013).
A medição axilar é o método mais usado e mais prático (DGS, 2018). Por outro lado, a determinação da temperatura através da região axilar é segura e facilmente acessível. Contudo, nem sempre é fidedigna devido à vasoconstrição resultante da ascenção térmica (sobretudo na fase de aquecimento) e da possível sudorese local, pelo que existe uma fraca correlação entre a temperatura axilar e central (El-Radhi, 2014). Junto à axila, a temperatura do tronco é superior à do braço, pelo que a DGS alerta que a leitura da temperatura na axila demora cerca de 5 minutos a estabilizar aquando a medição (DGS, 2018). Alguns autores consideram a medição da temperatura por via axilar como desconfortável para a criança (Hayward et al., 2020; Bruel et al., 2020).
O uso de termómetros auriculares são outro método de avaliação da temperatura corporal que mede o calor libertado pela membrana timpânica (quando a técnica é corretamente realizada) através de radiação infravermelha (García et al., 2004). O uso deste método tem-se revelado fácil, rápido e seguro e é sensível às rápidas flutuações da temperatura central, uma vez que a membrana timpânica e o hipotálamo são ambos irrigados pela artéria carótida (Gasim et al., 2013). Assim, parece vantajoso em crianças com febre usar a determinação da temperatura por via timpânica em detrimento da axilar. Numa metanálise publicada em 2015, os autores revelaram que a precisão diagnóstica da medição da temperatura através de um termómetro timpânico é alta, podendo ser usada em idade pediátrica (Zhen et al., 2015). Estudos mostram igualmente que os procedimentos cirúrgicos ou trauma da membrana timpânica não interferem nos valores de temperatura obtidos (Gasim et al., 2013), assim como, otite média aguda não supurada, perfuração timpânica ou choro da criança (García et al., 2004; Zhen et al., 2015). No entanto, a presença de otite externa, otite média supurada e a presença de cerúmen abundante podem interferir nos resultados (García et al., 2004). Não se encontraram diferenças estatisticamente significativas entre os valores de temperatura obtidos através da membrana timpânica direita ou esquerda ou entre várias medições ou apenas uma (García et al, 2004; Zhen et al., 2015).
Na criança e para a prática clínica, os estudos sobre qual o método de medição da temperatura corporal que confere mais vantagens continua ainda a ser pouco claro (Franconi et al., 2018; Hayward et al., 2020; Bruel et al., 2020).
Questões de investigação
Qual o grau de concordância entre a medição da temperatura corporal por via axilar e timpânica?
Quais os efeitos de algumas variáveis clínicas e demográficas na concordância entre estes dois métodos de avaliação da temperatura corporal na criança?
Metodologia
Estudo observacional e descritivo com o objetivo de avaliar a concordância entre dois métodos de medição da temperatura corporal (via axilar e timpânica) e os seus efeitos em algumas variáveis que podem influenciar o estado clínico das crianças. A investigação foi desenvolvida ao longo de dois anos (abril de 2016 a abril de 2018), na consulta externa, serviço de urgência e internamento de um serviço de pediatria de um hospital de nível II, em Portugal.
A população alvo do estudo foram crianças entre os 6 e 36 meses de idade, observadas de forma aleatória e consecutiva no período da manhã, entre as 8 e as 14 horas, nas valências hospitalares acima descritas e cujos responsáveis legais aceitaram participar voluntariamente na pesquisa. Foram excluídas as crianças com otite externa, otite média supurada ou cerúmen a obstruir o canal auditivo externo. A cada criança correspondeu uma só medição.
Esta investigação foi aprovada pelo Conselho de Administração e Comissão de Ética do Hospital (Ata n.º 18/02/2020) onde se realizou o estudo e seguiu as recomendações da Declaração de Helsínquia da Associação Médica Mundial. A participação foi precedida pelo registo de consentimento livre e esclarecido dos responsáveis legais da criança.
Todas as medições de temperatura foram realizadas por enfermeiros especialistas e experientes em saúde infantil e pediatria, com formação antes do estudo.
O protocolo de medição da temperatura seguiu as orientações da DGS (2018). A temperatura foi medida em ºC e os instrumentos utilizados foram o termómetro digital de ponta flexível axilar de marca Tro-Digitherm/flex ® e termómetro auricular Braun-Welch-Allyn ®. Ambos foram calibrados de acordo com os seus princípios de funcionamento.
O procedimento para a medição por via axilar consistiu em limpar a axila com uma compressa seca, colocar o sensor de medição no centro da axila (termómetro desligado) e manter o braço firmemente encostado ao tronco durante 5 minutos, após os quais se ligou o termómetro esperando pelo apito sonoro. Na medição da temperatura timpânica, foi usada uma ponta de sonda descartável colocada no canal auditivo, tracionando o pavilhão auricular para trás, no sentido posterior e apontando a sonda no sentido da região temporal oposta.
A cada criança foi realizada uma medição simultânea da temperatura por via axilar e timpânica. A ordem de medição por cada um destes métodos foi aleatória.
O formulário de caracterização demográfica e clínica da criança incluiu as variáveis idade, sexo, estação do ano no momento da medição, temperatura timpânica, temperatura axilar, fase de evolução do pico febril (aquecimento, planalto ou arrefecimento) em crianças com febre e presença ou não de infeção com clínica sistémica.
Considerou-se como febre valores de temperatura axilar ≥ 37,60ºC e temperatura timpânica ≥ 37,80ºC (DGS, 2018).
O cálculo do tamanho da amostra foi efetuado a partir da aplicação Sample Size Calculator (Arifin, 2021), tendo-se estimado para um nível de significância de 0,05%, um poder do teste a 80% e uma concordância esperada de 0,85 com um mínimo aceitável de 0,80. Eram requeridas 318 avaliações da temperatura.
A análise estatística foi realizada com o auxílio do software IBM SPSS Statistics, versão 24. A normalidade das distribuições foi analisada pelo teste Kolmogorov-Smirnov e análise do histograma, tendo-se verificado a não assunção do pressuposto da normalidade da distribuição das variáveis. O estudo descritivo dos dados foi feito para as variáveis categóricas, através de frequências absolutas e relativas percentuais e para as variáveis contínuas pela média, desvio padrão, mediana e limites mínimo e máximo. Para avaliar a concordância entre os métodos de medição da temperatura, foi usado o coeficiente de correlação intraclasse (ICC) a 95%, modelo misto a dois fatores de medidas únicas com concordância absoluta. O efeito da interação entre as variáveis foi analisado pelo modelo linear geral através do teste Lambda de Wilks. Para a interpretação da magnitude da concordância (Miot, 2016) considerou-se esta como: 0,0 (ausente), < 0,20 (pobre), < 0,40 (fraca), <0,60 (moderada), < 0,80 (substancial), e ≥ 0,80 (quase perfeita). Em todos os testes foram consideradas diferenças estatisticamente significativas sempre que p < 0,05.
Resultados
Participaram no estudo 331 crianças, sendo que 83 (25,1%) tinham menos de 12 meses de idade, 97 (29,3%) idades entre os 12 e os 24 meses e 151 (45,6%) entre os 24 e os 36 meses. A distribuição por sexo foi quase equitativa, sendo 168 (50,8%) do sexo masculino. A avaliação da temperatura foi feita ao longo de todo o ano, com 167 (50,5%) registos nos meses da primavera e verão. Na maioria das crianças, 230 (69,5%), foi-lhe diagnosticada uma infeção sistémica.
Das medições realizadas, 223 (70,4%) das crianças não apresentavam febre no momento da avaliação. Na presença de febre (108 crianças), estavam na fase de aquecimento 38 (15,2%) crianças, na fase de estabilização 30 (27,8%) e na fase de arrefecimento 40 (37,0%) crianças.
A temperatura medida por via axilar variou entre os 35,40ºC e os 39,70ºC com uma média de 37,05 ± 0,85ºC e uma mediana de 36,80ºC. A temperatura avaliada por via timpânica variou entre os 36,00ºC e os 40,30ºC com uma média de 37,50 ± 0,92ºC e uma mediana de 37,30ºC. A diferença entre a temperatura timpânica e axilar variou entre os 0,00ºC e os 1,40ºC com uma média de 0,45ºC±0,30 e uma mediana de 0,50ºC.
A concordância observada entre a medição da temperatura por via axilar e timpânica foi quase perfeita com ICC 95% (1,2) 0,836 (0,016 - 0,949); p < 0,001.
A diferença média na medição da temperatura entre os dois métodos variou 0,22ºC, entre os 0,32ºC (criança sem infeção ou infeção local) e os 0,54ºC (criança com febre na fase de estabilização). A mediana variou entre 0,30ºC (criança sem infeção ou infeção local) e 0,60ºC (criança com febre na fase de estabilização; Tabela 1).
Diferenças entre temperatura timpânica e axilar | ||
---|---|---|
± sd | Med (Min-Máx) | |
Idade (meses) | ||
6 - 12 | 0,41 ± 0,26 | 0,40 (0,00 - 1,00) |
12 - 24 | 0,47 ± 0,30 | 0,50 (0,00 - 1,30) |
24 - 36 | 0,46 ± 0,31 | 0,50 (0,00 - 1,40) |
Sexo | ||
Masculino | 0,44 ± 0,28 | 0,50 (0,00 - 1,30) |
Feminino | 0,46 ± 0,31 | 0,40 (0,00 - 1,40) |
Estação do ano | ||
Primavera/verão | 0,50 ± 0,30 | 0,50 (0,00 - 1,40) |
Outono/inverno | 0,41 ± 0,28 | 0,40 (0,00 - 1,10) |
Infeção | ||
Sistémica | 0,51 ± 0,28 | 0,50 (0,00 - 1,40) |
Local ou ausente | 0,32 ± 0,28 | 0,30 (0,00 - 1,00) |
Febre | ||
Sim | 0,52 ± 0,27 | 0,50 (0,00 - 1,40) |
Não | 0,42 ± 0,30 | 0,40 (0,00 - 1,20) |
Fase da febre | ||
Aquecimento | 0,52 ± 0,27 | 0,50 (0,10 - 1,40) |
Estabilização | 0,54 ± 0,25 | 0,60 (0,00 - 1,00) |
Arrefecimento | 0,41 ± 0,28 | 0,40 (0,00 - 1,00) |
Nota. x- = Média; sd = desvio padrão; Med. = Mediana; Min. = Mínimo; Máx. = Máximo.
Observou-se um efeito no valor da temperatura consoante o método de avaliação realizado em todas as variáveis estudadas. Quando estudado o efeito de interação do método de avaliação com as restantes variáveis, observa-se um efeito estatisticamente significativo das variáveis estação do ano (quente/fria; F(1) = 7,892; p = 0,005; ( 2 p = 0,02; PO = 0,80), febre (com ou sem febre; F(1) = 6,558; p = 0,011; ( 2 p = 0,02; PO = 0,72) e infeção (sistémica ou local/sem infeção; F(1) = 32,692; p = 0,001; ( 2 p = 0,09; PO = 0,95). Ressalva-se que a interação devida a estas variáveis é baixa (( 2 p = 0,02 para a estação do ano e ter ou não febre e ( 2 p = 0,09 para a infeção sistémica ou local). Nos casos em que as relações não foram estatisticamente significativas (p > 0,05), o poder observado dos testes é relativamente baixo (< 60%; Tabela 2).
Variáveis | F | p | (2 p | PO |
---|---|---|---|---|
Método de medição Método de medição * idade | 788,189 1,159 | 0,001 0,315 | 0,65 0,01 | 0,99 0,25 |
Método de medição Método de medição * sexo | 772,309 4,345 | 0,001 0,558 | 0,70 0,01 | 0,99 0,09 |
Método de medição Método de medição * fase da febre | 469,578 2,988 | 0,001 0,053 | 0,76 0,04 | 0,99 0,57 |
Método de medição Método de medição * estação do ano | 788,189 7,892 | 0,001 0,005 | 0,71 0,02 | 0,99 0,80 |
Método de medição Método de medição * com ou sem febre | 793,105 6,558 | 0,001 0,011 | 0,71 0,02 | 0,99 0,72 |
Método de medição Método de medição * infeção sistémica e local/sem | 604,502 32,692 | 0,001 0,001 | 0,65 0,09 | 0,99 0,95 |
Nota. F = valor Teste F; η 2 p = Eta parcial quadrado; p = valor-p; PO = Poder observado.
A análise da concordância por tipo de interação revela que é nas variáveis febre (com ou sem febre; ICC 95%(1,2) 0,472 (-0,054 - 0,934; p < 0,001) e infeção (sistémica ou local/sem infeção; ICC 95%(1,2) 0,631 (0,058 - 0,951; p < 0,001) que as concordâncias são mais baixas. Contudo, esses valores são aceitáveis e estatisticamente significativos (Tabela 3).
ICC | Intervalo confiança 95% | p | |
Idade < 12 meses 12- 24 meses 24- 36 meses | 0,864 0,827 0,828 | 0,023 - 0,961 - 0,005 - 0,949 0,021 - 0,947 | < 0,001 |
Sexo Feminino Masculino | 0,810 0,857 | 0,008 - 0,940 0,020 - 0,958 | < 0,001 |
Fase da febre Subida Estabilização Descida | 0,712 0,776 0,728 | - 0,071 - 0,913 - 0,058 - 0,941 - 0,048 - 0,913 | < 0,001 |
Estação do ano Quente Fria | 0,817 0,845 | - 0,024 - 0,946 0,058 - 0,951 | < 0,001 |
Infeção Sistémica Local / sem | 0,826 0,631 | - 0,034 - 0,950 0,011 - 0,844 | < 0,001 |
Febre Sim Não | 0,472 0,777 | - 0,085 - 0,754 - 0,054 - 0,934 | < 0,001 |
Nota. ICC = Coeficiente de correlação intraclasse; p = valor-p.
Discussão
A determinação dos valores da temperatura corporal por via axilar e timpânica respeitando as orientações da DGS (2018) revelou uma concordância quase perfeita entre estes dois métodos. Sendo a diferença entre estes dois métodos baixa, a opção por qualquer um dos métodos não influencia a tomada de decisão clínica, por a diferença ser muito inferior a 1ºC (Bruel et al., 2020). As maiores diferenças verificaram-se nas crianças com febre na fase de estabilização do ciclo da febre, sendo a diferença pouco acima de 0,5ºC. Por esta razão, a escolha do método para a medição da temperatura corporal na prática clínica deverá ter em conta a aceitação do método, tendo em consideração as suas vantagens e desvantagens por parte da criança, pais e profissionais de saúde. Esta informação não foi investigada neste estudo, mas em virtude da alta concordância entre estes dois métodos deverá sê-lo em futuros trabalhos para que se possa tomar uma decisão fundamentada por um destes métodos de medição da temperatura na criança. Importa ressalvar que não sendo incluídas neste estudo crianças com idades inferiores a 6 meses, isso deva ser igualmente tido em consideração em futuras investigações. Tendo em conta os resultados, a medição da temperatura na axila esquerda em recém-nascidos pode ser uma alternativa ao uso da temperatura retal, minimizando o desconforto e o risco potencial de perfuração intestinal (Friedrichs et al., 2013).
Na amostra deste estudo, a temperatura medida por via timpânica foi em média superior à temperatura axilar, em valores esperados na ordem dos 0,5ºC, o que está em linha com outros estudos (Oguz et al., 2018). Este facto parece demonstrar a importância de uma medição seguindo as recomendações da DGS (2018). Todavia, a necessidade de manter o braço firmemente encostado ao tronco durante 5 minutos, para medição da temperatura via axilar é um importante inconveniente à sua aceitação e utilização rotineira.
Como seria de esperar, estatisticamente, o método de medição da temperatura influenciou o valor da temperatura, assim como o efeito da interação entre o método de medição e as variáveis estação do ano, presença de febre e infeção. Estas variáveis (estação do ano, febre e infeção) têm o potencial para induzir maiores amplitudes na variabilidade da temperatura corporal e por consequência, uma menor fiabilidade na medição por maior dispersão nos valores da temperatura asas diferenças e a dispersão dos valores da temperatura são baixas, mesmo nestas crianças, pelo que não existe vantagem de qualquer um dos métodos em relação ao momento em que é feita a medição ou se a criança está ou não com febre ou infeção.
A concordância mais baixa entre os dois métodos de medição da temperatura foi encontrada nas crianças com febre, sendo, apesar disso, considerada moderada e clinicamente aceitável. Apesar de na literatura, na fase ascensional da curva térmica poder existir um desfasamento entre a temperatura central (timpânica) e a temperatura periférica (axilar) de 1º a 3ºC (DGS, 2018), neste estudo não houve uma diferença superior a 1,40ºC.
Tal como na literatura, muitos autores consideram a avaliação da temperatura através da membrana timpânica, com um termómetro de infravermelhos, o melhor meio para obter, de um modo não invasivo, o valor mais próximo da efetiva temperatura central. Mantém-se apenas a relutância à sua utilização devido à pouca exatidão destas avaliações em menores de três meses de idade, consequência das próprias características da curvatura do canal auditivo nesta idade, o que dificulta o correto posicionamento da cânula (El-Radhi, 2014). Perante estes resultados, e sendo a medição da temperatura timpânica mais rápida e realizada de forma higiénica pelo uso de pontas descartáveis, conferindo-lhe vantagem em serviços de triagem pediátrica, considera-se um método a ponderar utilizar de forma consistente na prática clínica diária.
Constituem limitações deste estudo a inclusão apenas de crianças entre os 6 e os 36 meses e a não exploração das preferências dos pais sobre a aceitabilidade do método de medição.
Por outro lado, a realização do estudo noutros contextos clínicos conferiria uma maior validade externa dos resultados, bem como a comparação entre outros métodos de medição de temperatura corporal.
A não comparação com um método padrão de “ouro” (temperatura central) é outra limitação importante, embora se reconheça a dificuldade de implementação de um método de medição da temperatura central (invasivo) em contexto clínico pediátrico.
Conclusão
No presente estudo, parece existir uma concordância clinicamente aceitável entre a utilização do método de medição da temperatura corporal por via timpânica e axilar nas crianças entre os 6 e os 36 meses.
Ressalvando a devida atenção para o cumprimento dos procedimentos requeridos e para uma correta medição da temperatural corporal nas crianças, a opção por qualquer um dos métodos não influencia a tomada de decisão clínica, A escolha por um destes métodos deve considerar as vantagens e desvantagens de cada um e as preferências da criança (quando possível), pais e profissionais de saúde. Todavia, no plano da exequibilidade e facilidade de implementação, as vantagens do método de avaliação via timpânica são superiores ao método tradicional via axilar, podendo ser adotado como método de rotina da avaliação da temperatura em crianças entre os 6 e os 36 meses.