Introdução
A literacia em saúde (LS), termo originado do inglês health literacy, refere-se à capacidade das pessoas em aceder, compreender, avaliar e aplicar informações de saúde para a prevenção de doenças ou apenas para a promoção da saúde, com o intuito de manter ou melhorar a qualidade de vida pessoal e/ou da sua comunidade (van der Vaart & Drossaert, 2017). Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), indivíduos com uma LS reduzida apresentam uma maior probabilidade de detetar doenças de forma tardia, para escolher um estilo de vida não saudável (sedentarismo, tabagismo) e para aderir de forma reduzida ao uso de medicamentos para tratamento de doenças crónicas, com consequente aumento de hospitalizações e dos índices de morbimortalidade (Nutbeam et al., 2018).
Atualmente, com a evolução da tecnologia de informação e comunicação (TIC), uma grande parte das informações e serviços de saúde podem ser obtidos através de meios eletrónicos, enaltecendo assim a importância da literacia digital em saúde (LDS; van der Vaart & Drossaert, 2017). Com base neste princípio, os canadianos Norman e Skinner (2006) desenvolveram a eHealth Literacy Scale (eHEALS), como uma ferramenta promissora para avaliar a habilidade dos utilizadores em obter, na internet, informações seguras relacionadas com a saúde.
A escala eHEALS tem como base seis competências: literacia tradicional, literacia de saúde, literacia de informação, literacia científica, literacia mediática e literacia computacional. Trata-se de um instrumento de autopreenchimento composto por oito itens com respostas que, numa escala de Likert, variam entre 1 e 5 pontos. A pontuação final varia de 8 a 40 e, quanto maior a pontuação, maior a habilidade do indivíduo em obter informações seguras na internet sobre assuntos relacionados com a saúde. Esta escala foi desenvolvida originalmente em inglês e posteriormente traduzida, adaptada e validada em vários idiomas: holandês (van der Vaart et al., 2011), japonês (Mitsutake et al., 2011), coreano (Chung et al., 2018), alemão (Soellner et al., 2014), espanhol (Paramio et al., 2015) e português de Portugal (Tomás et al., 2014). De uma forma geral, a eHEALS apresentou boa confiabilidade na consistência interna do instrumento, com valores de alfa de Cronbach superiores a 0,7 nos estudos de validação.
Em Portugal, Tomás et al. (2014) validaram a eHEALS para utilizadores da língua portuguesa, apresentando bons indicadores psicométricos para adolescentes (alfa de Cronbach de 0,842). Neste sentido, para que seja utilizada no Brasil, há a necessidade de realizar uma adaptação, devido às diferenças culturais entre Portugal e Brasil. Por conseguinte, este estudo teve como objetivo realizar a adaptação transcultural da versão portuguesa da eHEALS e analisar as evidências de validade psicométricas e confiabilidade da BR-eHEALS, a versão brasileira da escala.
Enquadramento
A comunicação digital é uma ferramenta notável e colaborativa para a literacia em saúde. Os diferentes conhecimentos adquiridos através da internet representam um progresso importante entre o campo da tecnologia e o campo da saúde, especialmente através da interação nas redes sociais (Nutbeam et al., 2018). No entanto, embora haja facilidade no acesso às informações de saúde, é imprescindível que os utilizadores tenham competência para lidar com as informações de forma correta.
No mundo globalizado, um adequado nível de literacia digital em saúde permite que as pessoas tomem decisões mais assertivas em relação à sua saúde e à da sua comunidade. Segundo a OMS, a promoção da literacia em saúde é influenciada pelos determinantes sociais, ambientais e pessoais, sendo entendida como uma forma de emancipação social. Outros fatores relativos ao desenvolvimento cognitivo e psicossocial também podem contribuir para o nível da literacia em saúde das pessoas (Nutbeam et al., 2018; van der Vaart & Drossaert, 2017).
Em 2020, segundo o Comité Gestor da Internet do Brasil, 152 milhões de brasileiros eram utilizadores da internet, número que corresponde a 81% da população do país com idade igual ou superior a 10 anos (Centro Regional de Estudos para o Desenvolvimento da Sociedade da Informação, & Comitê Gestor da Internet do Brasil, 2021). Estes números alertam para a relevância da literacia digital em saúde. No entanto, atualmente não há um instrumento validado com a finalidade até aqui descrita e que possa ser utilizado no Brasil. Assim, a validação do eHEALS será um marco importante para direcionar ações de educação em promoção da saúde.
Metodologia
Trata-se de estudo metodológico e transversal, desenvolvido para adaptar transculturalmente a escala eHEALS e verificar as evidências de validade a partir da versão traduzida e adaptada para o português de Portugal (Tomás et al., 2014). A escala eHEALS foi desenvolvida em inglês, no Canadá por Norman e Skinner (2006). É composta por oito itens unidimensionais avaliados por uma escala Likert de 5 pontos, onde (1) corresponde a discordo totalmente e (5) a corresponde a concordo totalmente. No estudo original, foi realizada uma análise de confiabilidade nos oito itens, produzindo uma escala de ajuste justo com coeficiente alfa (() de 0,88. As correlações item-total variaram de r = 0,51 a 0,76. Os autores realizaram também uma análise de componentes principais, com uma solução de fator (eigenvalue = 4,479; 56% da variância explicada). As cargas fatoriais variaram de 0,60 a 0,84 entre os oito itens (Norman & Skinner, 2006).
As etapas do presente estudo foram: 1) adaptação transcultural do português de Portugal para o português em uso no Brasil; 2) validação de conteúdo; 3) confiabilidade interna; 4) avaliação das propriedades psicométricas do instrumento; e 5) validade convergente e concorrente.
A adaptação transcultural da versão portuguesa da escala eHEALS para o português em uso no Brasil foi realizada por um especialista em língua portuguesa, que foi previamente instruído sobre o constructo e os objetivos do instrumento. Posteriormente, a versão adaptada desta escala foi entregue a 15 docentes de diferentes áreas interdisciplinares de um programa de pós-graduação em Promoção da Saúde, que foram convidados a constituir o comité de especialistas. Juntamente com a versão brasileira impressa, os especialistas receberam um formulário para anotação de sugestões pertinentes à adaptação transcultural, que foram analisadas e tidas em consideração, dando origem a uma versão da escala adaptada transculturalmente.
A análise do conteúdo foi realizada por uma abordagem quantitativa, utilizando o coeficiente de validação de conteúdo (CVC). O comité de especialistas recebeu um formulário com os oito itens da escala eHEALS, adaptada para o português em uso no Brasil, para análise e pontuação dos critérios referentes a: clareza da linguagem (C), pertinência prática (P) e relevância teórica (R). Para a análise dos resultados, tal como sugerido pela literatura, adotaram-se os seguintes valores de referência: inferiores a 0,60 foram considerados inaceitáveis, entre 0,60 e 0,70 considerados deficientes, entre 0,70 e 0,80 considerados aceitáveis, entre 0,80 e 0,90 considerados bons, e valores superiores a 0,90 foram considerados excelentes (Hernández-Nieto, 2002).
Após a etapa de adaptação transcultural ter sido realizada, o referido instrumento foi disponibilizado ao público geral na forma de questionário online de autopreenchimento, estruturado no Google Forms e divulgado nas redes sociais Facebook e WhatsApp bem como por e-mail, durante o mês de setembro de 2019. O formulário online continha seis questões sociodemográficas e o instrumento traduzido e adaptado transculturalmente, denominado de BR-eHEALS. A amostra, por conveniência, foi composta por 431 participantes, seguindo a recomendação de pelo menos 5 a 15 participantes por item do instrumento durante o processo de validação transcultural (Pasquali, 2010).
Os dados sociodemográficos foram analisados por estatística descritiva, tendo em conta as frequências absoluta e relativa. Para análise psicométrica da escala foram utilizadas a consistência interna através do alfa de Cronbach, Ómega e confiabilidade composta. Conforme indicado pela literatura especializada, os índices iguais ou superiores a 0,70 foram utilizados como referência (DeVellis, 2003). Para garantir uma adequada interpretação destas análises, foi aplicado o teste de Kaiser-Meyer-Olkin (KMO), obtendo-se valores que indicavam que estas análises estavam adequadas.
Inicialmente foi realizada a análise fatorial exploratória (AFE) que confirmou a unidimensionalidade da escala. Posteriormente, recorreu-se à análise fatorial confirmatória (AFC) para avaliar o constructo. O modelo foi ajustado de acordo com os seguintes indicadores: Qui-quadrado (X 2 e p-valor), Raiz do Erro Quadrático Médio (RMSEA, IC 95%), índice de Tucker-Lewis (TLI > 0,95), índice de ajuste comparativo (CFI > 0,95) e índice de ajuste normalizado (NFI > 0,95). Por fim, a validade convergente foi confirmada pela variância média extraída (AVE), sendo os valores superiores a 0,50 considerados indicadores satisfatórios para a validade do constructo (Kline, 2010). Por fim, a validade concorrente entre os instrumentos BR-eHEALS e a Escala de Literacia em Saúde foi avaliada pelo Coeficiente de Correlação de Pearson (Quemelo et al., 2017).
Em todas as análises estatísticas e testes realizados foi assumido a probabilidade máxima aceitável para ocorrência de erro Tipo I de 0,05. Obtiveram-se valores de alfa de Cronbach de 0,90 e índices aceitáveis para a validade de constructo. Todas as análises foram realizadas pelo software Linguagem R (R Core Team, 2018).
A presente pesquisa foi aprovada pelo Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos - CEP da UniCesumar, de acordo com as normas estabelecidas na Resolução no 466/12 e Complementares do Conselho Nacional de Saúde, sob parecer de número 3.474.675 de 29/07/2019. Todos os indivíduos que participaram do estudo realizaram previamente o consentimento on-line do termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE).
Resultados
Entre os 15 profissionais convidados para compor o comité de especialistas, 10 aceitaram participar no estudo, formando assim um comité de especialistas com caráter interdisciplinar, composto por doutorados nas seguintes áreas: psicologia, antropologia, biologia, nutrição, fisioterapia, educação física, pedagogia, história, engenharia civil e análise de sistemas.
A Tabela 1 discrimina a Escala eHEALS em três versões: I) validada para o português de Portugal (Tomás et al., 2014); II) adaptada por um especialista em língua portuguesa em uso no Brasil; e III) resultante da opinião dos 10 membros do comité de especialistas.
Versão portuguesa (Tomás et al., 2014) | Versão adaptada pelo especialista em língua portuguesa em uso no Brasil | Versão adaptada de acordo com análise dos membros do comité de especialistas |
---|---|---|
1. Sei quais são os recursos sobre saúde disponíveis na internet. | 1. Sei quais são os recursos sobre saúde disponíveis na internet. | 1. Eu sei quais são os conteúdos sobre saúde disponíveis na internet. |
2. Sei onde encontrar recursos úteis sobre saúde na internet. | 2. Sei onde encontrar recursos úteis sobre saúde na internet. | 2. Eu sei onde encontrar conteúdos úteis sobre saúde na internet. |
3. Sei como encontrar recursos úteis sobre saúde na internet. | 3. Sei como encontrar recursos úteis sobre saúde na internet. | 3. Eu Sei como encontrar conteúdos úteis sobre saúde na internet. |
4. Sei como usar a internet para responder às minhas perguntas sobre saúde. | 4. Sei como usar a internet para responder às minhas perguntas sobre saúde. | 4. Eu sei como usar a internet para responder às minhas dúvidas sobre saúde. |
5. Sei como usar a informação sobre saúde que encontro na internet para me ajudar. | 5. Sei como usar a informação sobre saúde que encontro na internet para me ajudar. | 5. Eu sei como usar a informação sobre saúde que encontro na internet para me ajudar. |
6. Consigo avaliar os recursos sobre saúde que encontro na internet. | 6. Consigo avaliar os recursos sobre saúde que encontro na internet. | 6. Eu consigo avaliar os conteúdos sobre saúde que encontro na internet. |
7. Sei distinguir os recursos de elevada qualidade dos de fraca qualidade entre os recursos sobre saúde da internet. | 7. Sei distinguir os recursos de elevada qualidade dos de fraca qualidade entre os recursos sobre saúde da internet. | 7. Eu sei diferenciar os conteúdos confiáveis dos de confiabilidade duvidosa entre os conteúdos sobre saúde da internet. |
8. Sinto-me confiante a usar a informação da internet para tomar decisões sobre saúde. | 8. Me sinto confiante para usar a informação da internet para tomar decisões sobre saúde | 8. Eu me sinto confiante para usar a informação da internet para tomar decisões sobre saúde. |
No processo de adaptação da versão BR-eHEALS procurou-se manter a pertinência dos conceitos do instrumento original e adequar cada item original em termos representativos para a população alvo, entendendo que quando a adaptação é realizada de forma confiável permitirá o uso da escala em diferentes estudos. A análise do comité de especialista recomendou adequações para seis dos oito itens do instrumento. Nos itens de números 1, 2, 3, 6 e 7, o termo “recurso” foi substituído por “conteúdo”; no item 4 o termo “pergunta” foi substituído por “dúvida”; e no item 7 os termos “elevada qualidade” substituído por “confiáveis” e “fraca qualidade” por “confiabilidade duvidosa”.
O presente estudo obteve um valor de CVC de 0,86, indicando uma boa concordância entre os membros do comité de especialistas e o conteúdo do instrumento adaptado para o português em uso no Brasil (Tabela 2).
Para medir a validade estrutural do constructo, recorreu-se à AFE, que indicou que o referido instrumento apresentava uma estrutura fatorial unidimensional (Tabela 2).
N°. Item | Itens | F1 | C | P | R |
---|---|---|---|---|---|
L1 | Eu sei quais são os conteúdos sobre saúde disponíveis na internet. | 0,68 | 0,80 | 0,80 | 0,82 |
L2 | Eu sei onde encontrar conteúdos úteis sobre saúde na internet. | 0,80 | 0,84 | 0,87 | 0,87 |
L3 | Eu sei como encontrar conteúdos úteis sobre saúde na internet. | 0,82 | 0,91 | 0,91 | 0,89 |
L4 | Eu sei como usar a internet para responder às minhas dúvidas sobre saúde. | 0,84 | 0,91 | 0,91 | 0,91 |
L5 | Eu sei como usar a informação sobre saúde que encontro na internet para me ajudar. | 0,85 | 0,80 | 0,80 | 0,80 |
L6 | Eu consigo avaliar os conteúdos sobre saúde que encontro na internet. | 0,81 | 0,93 | 0,93 | 0,91 |
L7 | Eu sei diferenciar os conteúdos confiáveis dos de confiabilidade duvidosa entre os conteúdos sobre saúde da internet. | 0,68 | 0,80 | 0,89 | 0,91 |
L8 | Eu me sinto confiante para usar a informação da internet para tomar decisões sobre saúde. | 0,74 | 0,89 | 0,80 | 0,89 |
Total | - | 0,86 | 0,86 | 0,87 | |
Percentagem de variância explicada | 75,12 | - | - | - |
Nota. F1 = análise fatorial exploratória; C = clareza da linguagem; P = pertinência prática; R = relevância teórica.
A etapa seguinte consistiu na disponibilização do link do instrumento através das aplicações WhatsApp, Facebook e por e-mail, obtendo-se resposta de 431 utilizadores que pertenciam direta ou indiretamente à rede de contactos da investigadora principal deste estudo. Deste total, 288 (66,8%) eram do sexo feminino, 143 (33,2%) do sexo masculino e a maioria eram casados (58,7%). Em relação ao nível de escolaridade, a maior representatividade deu-se por pessoas com nível superior completo e pós-graduação, totalizando 49,2%. No que se refere aos rendimentos mensais, 53,8% dos inquiridos declararam possuir rendimentos superiores a quatro salários mínimos. Por outro lado, 99,5% afirmou possuir um smartphone e 97,2% disseram ter acesso à internet na sua habitação (Tabela 3).
Variável | n (%) |
---|---|
Sexo | |
Feminino | 288 (66,8) |
Masculino | 143 (33,2) |
Estado Civil | |
Solteiro | 142 (33,0) |
Casado/União Estável | 253 (58,7) |
Divorciado/Separado | 31 (7,2) |
Viúvo | 5 (1,2) |
Escolaridade | |
Fundamental Incompleto | 8 (1,9) |
Fundamental Completo | 38 (8,8) |
Médio Completo | 173 (40,2) |
Superior Completo | 90 (20,9) |
Pós-Graduação | 122 (28,3) |
Rendimentos em Salário Mínimo (SM) | |
Até 2 SM | 65 (15,1) |
2 a 3 SM | 134 (31,1) |
4 a 5 SM | 148 (34,3) |
5 a 8 SM | 45 (10,4) |
Mais que 8 SM | 39 (9,1) |
Possui Smartphone | |
Sim | 429 (99,5) |
Não | 2 (0,5) |
Possui Internet | |
Sim | 419 (97,2) |
Não | 12 (2,8) |
Nota. SM = salário mínimo.
A confiabilidade da escala foi avaliada através da consistência interna utilizando o alfa de Cronbach, Ómega e confiabilidade composta. Os resultados encontrados apontam que o instrumento é confiável com o alfa total de 0,90. A análise do constructo foi avaliada através da análise confirmatória (Tabela 4).
Confiabilidade | |
---|---|
Alfa de Cronbach (CI 95%) | 0,90 (0,89;0,92) |
Ómega 6 | 0,91 |
KMO | 0,87 |
Confiabilidade composta | 0,927 |
CFA | |
X 2 (Df) / p-valor | 74,695 (28) / 0,00 |
RMSEA (CI 95%) | 0,100 (0,079;0,123) |
TLI | 0,990 |
CFI | 0,995 |
NFI | 0,990 |
AVE | 0,616 |
Nota. KMO = teste de Kaiser-Meyer-Olkin; CFA = Análise fatorial confirmatória; X 2 = Qui-quadrado; Df = Grau de liberdade; RMSEA = Erro médio quadrático de aproximação da raiz; TLI = Índice de Tucker-Lewis; CFI = Índice de ajuste comparativo.
As cargas fatoriais indicam que todos os itens apresentam valores adequados que explicam o constructo, variando de 0,65 a 0,88 para o modelo de um fator (Figura 1).
Para finalizar, foi realizada uma análise para verificar as evidências baseadas nas relações com as medidas externas, ou seja, a validade concorrente, que visa mensurar o mesmo constructo através de diferentes instrumentos, esperando que esta correlação seja significativa. Deste modo, utilizou-se a correlação entre a escala BR-eHeals e a Escala de Literacia em Saúde de Quemelo et al. (2017), onde foi possível verificar que a pontuação da escala BR-eHEALS mostrou uma elevada correlação [r = 0,553 (p < 0,001)] com a escala de Quemelo et al. (2017); American Educational Research Association, American Psychological Association, National Council on Measurement in Education (2014).
Discussão
A condução deste estudo resultou na versão BR-eHEALS validada para utilizadores das redes digitais sociais usadas no Brasil. A escala eHEALS foi originalmente desenvolvida na língua inglesa no Canadá (Norman & Skinner, 2006) e posteriormente traduzida e validada em Portugal por Tomás et al. (2014). A partir da versão portuguesa de Portugal, fez-se a adaptação transcultural da escala para a língua portuguesa em uso no Brasil que demonstrou evidências que indicam uma boa confiabilidade e validade do instrumento para brasileiros utilizadores das redes sociais digitais.
Neste estudo, o processo da adaptação transcultural da BR-eHEALS mostrou-se essencial frente às adaptações sugeridas pelo comité de especialistas, confirmando a relevância do processo de adaptação transcultural. Deste modo, percebe-se a importância desta etapa no processo de validação da escala, pois mesmo tendo sido previamente validada num país detentor da mesma língua oficial, a BR-eHEALS apresentou importantes adaptações para a sua utilização no Brasil. O CVC obtido para a versão adaptada neste estudo foi elevado, indicando uma concordância entre os membros do comité de especialistas e que o conteúdo do instrumento reflete adequadamente o constructo a que se destina (CVC = 0,86). De acordo com as diretrizes estabelecidas por Hernández-Nieto (2002), valores iguais ou superiores a 0,80 são considerados valores de concordância tanto na avaliação individual dos itens, como na avaliação do instrumento como um todo. Foi realizado na Coreia um estudo semelhante aplicado a adultos através de meios digitais (Chung et al., 2018), que resultou na versão K-eHEALS, que obteve coeficiente de validade (CVC = 0,83) bastante próximo ao deste estudo.
Destaca-se ainda que os países que utilizam a língua portuguesa (Portugal, Brasil, Moçambique, Macau, Angola, Timor-Leste, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Cabo Verde e São Tomé e Príncipe) são heterogéneos relativamente a rendimentos e ao acesso à saúde. Se por um lado a maioria destes países tem sistemas de saúde ineficientes e complexos, por outro lado vivenciam o avanço das tecnologias de informação e comunicação. A partir disso, pressupõe-se que identificar o nível de literacia digital em saúde permitirá conhecer a capacidade do indivíduo obter, processar e interpretar informações de saúde obtidas nas redes sociais digitais a fim de as utilizar em favor da educação em saúde (van der Vaart & Drossaert, 2017).
A escala BR-eHEALS, após o processo de validação transcultural, apresentou confiabilidade e validade para identificação do nível de literacia digital em saúde dos utilizadores brasileiros das redes sociais online. Para além disso, embora os resultados obtidos neste estudo tenham sido consistentes para todas as análises realizadas, é importante destacar que a confiabilidade e a validade não são propriedades fixas e que variam de acordo com a população ou outros fatores (Souza et al., 2017). Neste estudo, foi possível verificar a existência de um adequado ajuste do modelo, uma vez que os valores dos índices TLI, CFI e NFI foram superiores a 0,9 e a razão X 2 /gl apresentou um valor de 2,66. No entanto, o índice RMSEA apresentou um valor de 0,1, ligeiramente acima do esperado (0,08); contudo, convém destacar que este coeficiente pode penalizar os modelos mais complexos (Byrne, 2010).
A amostra foi composta por utilizadores das redes sociais digitais dotados de nível de escolaridade e rendimentos superiores à média brasileira. Relativamente ao nível de escolaridade, pessoas com nível superior completo e pós-graduação, tiveram uma maior representatividade (49,2%) na população em estudo. Esta percentagem encontra-se acima da realidade brasileira, onde apenas cerca de 17,4% da população possui um curso superior completo (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, [IBGE], 2019). Da mesma forma, os rendimentos mensais dos participantes deste estudo também são superiores à média brasileira, uma vez que 53,8% declararam possuir rendimentos superiores a quatro salários mínimos, quando a média brasileira é de dois salários mínimos (IBGE, 2019).
Por fim, vários estudos mostraram que a confiabilidade da escala eHEALS, avaliada por meio da consistência interna, foi bastante adequada nas versões japonesa (0,93; Mitsutake et al., 2011), iraniana (0,88; Bazm et al., 2016), coreana (0,88; Chung et al., 2018), espanhola (0,87; Paramio, 2015), holandesa (0,87; van der Vaart et al., 2011), na escala original canadiana (0,88; Norman & Skinner, 2006), e também na versão brasileira BR-eHEALS, validada neste estudo, e que mostrou ser confiável obtendo um valor de alfa total de 0,90.
Conclusão
A versão BR-eHEALS adaptada transculturalmente para o português em uso no Brasil apresentou confiabilidade e validade consistentes para medir o nível de literacia digital em saúde de utilizadores das redes sociais digitais. A utilização desta escala validada para uso online é uma ferramenta de fácil e rápida aplicação que poderá auxiliar futuras investigações, que procurem melhores estratégias de comunicação para a promoção da saúde para os utentes do sistema de saúde e da população em geral. Destaca-se como limitação deste estudo a especificidade da amostra composta por utilizadores das redes sociais digitais dotados de nível de escolaridade e rendimentos superiores à média brasileira. É necessário ter em conta que o Brasil é um país continental com grande diversidade socioeconómica e cultural nas suas diferentes regiões geográficas. Desta forma, recomenda-se cautela na utilização desta versão validada, uma vez que as propriedades psicométricas de uma escala não são estáticas e podem variar de acordo com as características da população de estudo.