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Revista de Enfermagem Referência

versão impressa ISSN 0874-0283versão On-line ISSN 2182-2883

Rev. Enf. Ref. vol.serVI no.1 Coimbra dez. 2022  Epub 21-Jun-2022

https://doi.org/10.12707/rv21063 

ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO (ORIGINAL)

Eventos clínicos indesejáveis relacionados com a administração de aminas: Estudo transversal

Undesirable clinical events related to the administration of amines: A cross-sectional study

Eventos clínicos indeseables relacionados con la administración de aminas: Estudio transversal

Thayná Trindade Faria1 
http://orcid.org/0000-0003-4859-4955

Flavia Giron Camerini1 
http://orcid.org/0000-0002-4330-953X

Danielle de Mendonça Henrique1 
http://orcid.org/0000-0002-0656-1680

Cintia Silva Fassarella1  2 
http://orcid.org/0000-0002-2946-7312

Raquel de Mendonça Nepomuceno1 
http://orcid.org/0000-0003-3848-7398

Juliana Faria Campos3 
http://orcid.org/0000-0001-7254-5251

Andrezza Serpa Franco1 
http://orcid.org/0000-0001-5008-1345

1 Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), Rio de Janeiro, Brasil

2 Universidade do Grande Rio - Prof. José de Souza Herdy, Rio de Janeiro, Brasil

3 Universidade Federal do Rio de Janeiro, Escola de Enfermagem Anna Nery, Rio de Janeiro, Brasil


Resumo

Enquadramento:

Identificação de eventos clínicos indesejáveis relacionados com a administração de aminas é fundamental com vista à segurança dos doentes, particularmente em contexto de cuidados intensivos.

Objetivo:

O estudo tem como objetivo geral investigar as práticas relacionadas com a administração de aminas vasoativas e como objetivos específicos descrever a administração de aminas e analisar os eventos clínicos indesejáveis relacionados com a administração destes fármacos em doentes críticos.

Metodologia:

Estudo quantitativo observacional, transversal, amostra de 97 doentes. Investigaram-se as variáveis relacionadas com a administração das aminas e com os registos de eventos clínicos indesejáveis. Realizada análise estatística descritiva e inferencial.

Resultados:

A noradrenalina obteve uma frequência de uso de (70,1%), seguida da dobutamina (29,9%). Cerca de 47,4% das doses foram administradas no lúmen proximal do cateter venoso central, enquanto que 12,4% foram duplamente confirmadas na prescrição. Evidenciou-se que os eventos clínicos indesejáveis foram três vezes maiores em doentes monitorizados a cada 2 horas.

Conclusão:

Verifica-se uma falha na monitorização dos doentes com aminas prescritas, bem como na dupla confirmação destes fármacos.

Palavras-chave: cuidados críticos; cuidados de enfermagem; infusões intravenosas; segurança do paciente; erros de medicação

Abstract

Background:

Identifying undesirable clinical events related to the administration of vasoactive amines is essential for patient safety, particularly in intensive care settings.

Objective:

The general objective is to analyze the practices related to the administration of vasoactive amines. The specific objectives are to describe the administration of vasoactive amines and analyze the undesirable clinical events related to the administration of these drugs in critically ill patients.

Methodology:

Quantitative, observational, cross-sectional study with a sample of 97 patients. The variables related to the administration of vasoactive amines and the records of undesirable clinical events were analyzed. Descriptive and inferential statistical analysis was performed.

Results:

The frequency of use of norepinephrine was 70.1%, followed by dobutamine (29.9%). About 47.4% of amines were administered through the proximal lumen of the central venous catheter, while 12.4% were double-checked in the prescription. The undesirable clinical events were three-fold higher in patients monitored every 2 hours.

Conclusion:

There is a failure in the monitoring of patients with prescribed amines and in the double checking of these drugs.

Keywords: critical care; nursing care; infusions, intravenous; patient safety; medication errors

Resumen

Marco contextual:

La identificación de eventos clínicos indeseables relacionados con la administración de aminas es fundamental para la seguridad de los pacientes, especialmente en los entornos de cuidados intensivos.

Objetivo:

El estudio pretende investigar las prácticas relacionadas con la administración de aminas vasoactivas y tiene como objetivos específicos describir la administración de aminas y analizar los eventos clínicos indeseables relacionados con la administración de estos fármacos en pacientes críticos.

Metodología:

Estudio observacional cuantitativo, transversal, muestra de 97 pacientes. Se investigaron las variables relacionadas con la administración de aminas y con el registro de eventos clínicos indeseables. Se realizó un análisis estadístico descriptivo e inferencial.

Resultados:

La frecuencia de uso de la noradrenalina fue del 70,1%, seguida de la dobutamina (29,9%). Alrededor del 47,4% de las dosis se administraron en el lumen proximal del catéter venoso central, mientras que el 12,4% se confirmaron doblemente en la prescripción. Se comprobó que los eventos clínicos indeseables eran tres veces mayores en los pacientes monitorizados cada 2 horas.

Conclusión:

Se observa una falta en la monitorización de los pacientes con aminas prescritas, así como en el doble control de estos fármacos.

Palabras clave: cuidados críticos; atención de enfermería; infusiones intravenosas; seguridad del paciente; errores de medicación

Introdução

A complexidade dos cuidados prestados a doentes críticos, em especial aos hemodinamicamente instáveis, requer recursos humanos e materiais especializados para a prestação de cuidados de qualidade e livre de danos. A intervenção imediata perante qualquer alteração do quadro clínico do doente crítico é, portanto, fundamental na prevenção da ocorrência de eventos adversos (Pagnamenta et al., 2012).

Neste contexto, e face à instabilidade clínica e hemodinâmica do doente crítico é, por vezes, necessário recorrer à utilização de fármacos que apresentam efeitos vasculares periféricos, pulmonares e/ou cardíacos, como as aminas vasoativas, com vista à correção de alterações cardiovasculares e/ou reestabelecimento da perfusão tecidual (Melo et al., 2016; Kastrup et al., 2013).

O conhecimento sobre as propriedades farmacológicas destes fármacos é essencial por parte de toda a equipa. Nas unidades de cuidados intensivos, o enfermeiro é um dos principais responsáveis pela realização e/ou supervisão da preparação e administração dos fármacos endovenosos, principalmente os que acarretam maior risco de eventos indesejáveis como as aminas vasoativas (Melo et al., 2016).

Os eventos clínicos indesejáveis mais comuns relacionados com a administração destes fármacos incluem alterações na frequência cardíaca, pressão arterial, frequência respiratória, saturação de oxigénio, fração inspirada de oxigénio, perfusão tecidular, entre outras (Melo et al., 2016; Kastrup et al., 2013).

O uso seguro de fármacos é, por conseguinte, uma questão complexa na segurança do doente, visto que corresponde a 30% dos erros em hospitais, sendo considerado o principal incidente que leva a eventos adversos. Por exemplo, segundo um estudo brasileiro realizado em 2016 verificou-se a ocorrência de eventos adversos relacionados com a administração de fármacos, com frequências entre os 7% e os 15,6% (Roque et al., 2016). Num outro estudo transversal, envolvendo 58 hospitais de cinco países latino-americanos, em que se prentendeu medir a prevalência de eventos adversos (EA) concluiu-se que 8,2% dos doentes apresentaram, pelo menos, um evento adverso relacionado com a administração de fármacos. Entre estes, 28% resultaram em dano grave e 6% foram associados à morte do doente (Aranaz-Andrés et al., 2011). Neste contexto, em 2017, a Organização Mundial de Saúde (OMS) lançou o terceiro desafio global de segurança intitulado “medicação sem danos” (World Health Organization, 2017).

Neste contexto, o presente estudo tem como objetivo geral investigar as práticas relacionadas com administração de aminas vasoativas e como objetivos específicos: a) descrever a administração de aminas vasoativas; e b)analisar os eventos clínicos indesejáveis relacionados com a administração destes fármacos em doentes críticos.

Enquadramento

As aminas vasoativas têm um papel importante na terapia endovenosa mas, direta ou indiretamente, apresentam efeitos vasculares periféricos, pulmonares ou cardíacos, atuando através de receptores situados no endotélio vascular (Rodrigues & Cruz, 2019). Devido à sua ação rápida e potente, um dos critérios inerentes à segurança da sua utilização é a monitorização dos sinais vitais do doente, com vista ao controlo rigoroso dos seus efeitos (Biricik et al., 2020). Assim, as boas práticas relacionadas com a administração de aminas vasoativas estão inseridas no contexto e conceito de segurança do cliente ou doente. Estas boas práticas integram um conjunto de medidas que visam a prevenção ou redução da ocorrência de incidentes nos serviços de saúde. O conceito de evento clínico indesejável é adotado quando os sinais vitais ou as variáveis hemodinâmicas encontram-se com valores alterados e desfavoráveis para o doente (Portaria de Consolidação nº 2/2017 do Ministério da Saúde, 2017).

Para o exercício da prática de enfermagem baseada em evidências nos cuidados aos doentes críticos com aminas vasoativas prescritas, recomenda-se: conhecer a ação, estabilidade e interação medicamentosa, estando apto para intervir em possíveis intercorrências; conhecer se o medicamento é fotossensível; administrar o medicamento em bomba infusora, que deve estar identificada com o que está a ser administrado; realizar técnica asséptica no acesso, que deve ser venoso central; desinfetar a conexão do cateter venoso central (CVC) utilizando o método scrub the hub e manter os cuidados com o mesmo durante a infusão; infundir em via exclusiva e lúmen proximal, devidamente identificado; monitorizar continuamente e a cada hora os sinais vitais (pressão arterial, frequência cardíaca, frequência respiratória, saturação de oxigénio e temperatura), bem como a perfusão sanguínea e o débito urinário, estando atento a possíveis variações sugestivas do agravamento do estado hemodinâmico do doente (Silva & Oliveira, 2018; Szpalher & Batalha, 2019).

Questões de investigação

Como se caracteriza a administração de aminas vasoativas em doentes internados em unidades de cuidados intensivos cardiovascular?

Qual a ocorrência de eventos clínicos indesejáveis relacionados com a administração de aminas vasoativas em doentes internados em unidades de cuidados intensivos cardiovascular?

Metodologia

Desenhou-se um estudo quantitativo, transversal, observacional. O estudo foi realizado numa unidade de cuidados intensivos cardiovascular, com 10 camas, de um hospital universitário no Rio de Janeiro. Utilizou-se o suporte da ferramenta STROBE para reportar este estudo (Malta et al., 2010).

A amostra aleatória simples foi constituída por 97 doentes, considerando um nível de confiança de 95% e um erro amostral de 0,05 (p = 0,05) numa população constituída por 265 doentes internados nesta unidade durante o ano de 2019. Considerando o critério definido na literatura, admitiu-se, ainda, um percentual base de 8% de erros relacionados com a administração de fármacos (Aranaz-Andrés et al., 2011).

Incluíram-se doentes com idade igual ou superior a 18 anos, com, pelo menos, uma amina vasoativa prescrita. A recolha de dados ocorreu entre junho e outubro de 2020, através de um formulário desenvolvido com as seguintes variáveis: características relacionadas com as aminas vasoativas infundidas, aspetos relacionados com a sua administração e registos de eventos clínicos indesejáveis na avaliação dos sinais vitais.

Entendeu-se por evento clínico indesejável toda e qualquer situação em que os sinais vitais ou as variáveis hemodinâmicas estavam alteradas. Não se utilizou a nomenclatura de eventos adversos, pois devido ao método de recolha de dados, não foi possível afirmar que as alterações analisadas tenham provocado dano no doente.

Relativamente às características das aminas, analisaram-se as seguintes variáveis: nome do fármaco, tempo de utilização da amina vasoativa e quantidade de fármaco prescrito.

As variáveis relacionadas com a administração das aminas foram: via exclusiva ou perfusão concomitante, identificação da via com o nome da amina, administração em lúmen proximal, identificação da bomba infusora com nome da amina, registo no sistema de prescrição do doente (confirmação do medicamento pela equipa, dupla confirmação, validade da solução).

No que concerne à avaliação dos efeitos clínicos das aminas vasoativas foram avaliadas as seguintes variáveis: monitorização dos sinais vitais (nomeadamente pressão arterial sistémica e frequência cardíaca) de 2 em 2 h e de 4 em 4h, e ainda, se houve registo de eventos clínicos indesejáveis (ocorrência de pressão arterial sistólica ≥ 200 mmHg ou ≤ 50mmHg, ocorrência de frequência cardíaca ≥150 bpm ou ≤ 50 bpm). Estes eventos foram particularmente considerados pelo facto dos efeitos cardiovasculares das aminas vasoativas serem dose dependentes, o que significa que as alterações de dose, mesmo quando pequenas, produzem variações bruscas na pressão arterial sistémica (PA) e na frequência cardíaca (FC; Melo et al., 2016; Roque et al., 2016; Kastrup et al., 2013).

A informação relativa aos sinais vitais foi recolhida a partir da informação registada no processo individual do doente. Neste contexto foram anotados os valores aferidos e a frequência com que se realizou a monitorização/registo no recorte retrospetivo de 24 horas. As variáveis relacionadas com a administração foram recolhidas a partir da observação direta da perfusão no doente. Destaca-se que os profissionais envolvidos na assistência direta ao doente não foram observados.

A organização dos dados foi feita com auxílio do software Microsoft Excel® versão de 2016. O tratamento dos dados relativos às características da administração de aminas vasoativas, a frequência dos tipos de aminas, as vias de administração, características da perfusão e registos decorrentes da prescrição foi expressa em frequências absolutas e relativas. Quanto aos eventos clínicos indesejados calculou-se a prevalência e razão de prevalência, comparando-se posteriormente com a frequência de avaliação de 2/2h horas e 4/4 horas pelo teste Qui-quadrado. Para confirmação da significância estatística considerou-se um p value menor ou igual a 0,05. Todos os testes de associação foram realizados na plataforma digital, online e gratuita (www.openepi.com®).

Em cumprimento da resolução n°466/2012, a pesquisa foi submetida e aprovada pela Comissão de Ética em Pesquisa, sob o parecer n°2.970.036, obtendo-se o número do Certificado de Apresentação para Apreciação Ética (CAAE) 16581119.0.0000.5258.

Resultados

No que concerne à administração das aminas vasoativas em doentes críticos observou-se que a noradrenalina foi a amina administrada com maior frequência (70,1%), seguida do cloridrato de dobutamina (29,9%), conforme apresentado na Tabela 1. Não se identificou o uso concomitante de mais de um tipo de amina vasoativa em nenhum doente.

Tabela 1 : Características da administração de aminas vasoativas em doentes críticos internados na unidade de cuidados intensivos cardiovascular de um hospital universitári o 

Características n %
Tipo de amina vasoativa
Noradrenalina 68 70,1
Dobutamina 29 29,9
Via de administração
Via exclusiva 97 100
Via identificada 85 87,6
Administrado em lúmen proximal 46 47,4
Perfusão
Bomba infusora identificada 97 100
Soluções dentro da validade 97 100
Registos na prescrição
Prescrição confirmada 97 100
Dupla confirmação 12 12,4

No que se refere à administração das aminas, todas foram administradas em via exclusiva e com a bomba infusora corretamente identificada corretamente com o nome da amina. Em relação à identificação da via, 87,6% encontravam-se identificadas corretamente, e 47,4% estavam em perfusão no lúmen proximal.

Sobre os registos, identificou-se que 100% das aminas vasoativas administradas estavam confirmadas na prescrição e dentro da validade de 24 horas. No entanto, apenas 12,4% das medicações haviam sido duplamente confirmadas.

No que se refere às variáveis relacionadas com a avaliação das aminas vasoativas, identificou-se que a prevalência geral dos eventos clínicos indesejados foi de 27,8%. A Tabela 2 demonstra que o evento mais expressivo foi a elevação da frequência cardíaca (23,7%), seguida do aumento da pressão arterial (4,1%). Cabe ressaltar que no período do estudo não houveram registos associados a uma FC ≤ 50 bpm, nem de PA ≤ 50 mmHg.

Tabela 2: Registo de eventos clínicos indesejados em doentes com aminas conforme intervalo de aferição dos sinais vitai s 

Intervalo de aferição Eventos clínicos indesejados n %
Sinais vitais de 2/2h Pressão arterial > 200 mmHg 4 4,12
Frequência cardíaca > 150 bpm 17 17,53
Não houve registo 31 31,96
Sinais vitais de 4/4h Pressão arterial > 200 mmHg 0 0
Frequência cardíaca > 150 bpm 6 6,19
Não houve registo 39 40,21
Total 97 100

Tabela 3, ao relacionar os eventos clínicos indesejados com o intervalo de monitorização dos sinais vitais, a prevalência de eventos foi de 40,38% quando os sinais vitais foram avaliados de 2/2h e de 13,33% quando esta avaliação ocorreu de 4/4h. Com base nestes dados, obteve-se a razão de prevalência (RP = 3,029), ou seja, verificou-se que durante a administração das aminas vasoativas a ocorrência de eventos clínicos desfavoráveis foram três vezes maior nos doentes que foram monitorizados a cada 2 horas, o que sugere que alguns eventos passaram despercebidos na monitorização de 4/4h.

Tabela 3: Prevalência (P) e Razão de Prevalências (RP) de eventos clínicos indesejados durante o uso de amina vasoativa de acordo com frequência de monitorização de sinais vitai s 

Monitorização Sinais Vitais N P 1 (%) p-valor* RP 2 (IC³95%)
Intervalo de 2/2h 52 40,38% 0.003032 3.029
Intervalo de 4/4h 45 13,33%     (1.341-6.841)

Nota. P 1 = Prevalência; RP² = Razão de prevalência; IC³ = Intervalo de confiança.

Discussão

A segurança do doente, atualmente composta por seis metas desenvolvidas pela OMS, é um atributo da qualidade dos cuidados que tem como finalidade prestar uma assistência livre de danos na pessoa (World Health Organization, 2017).

A terceira meta, está voltada para a melhoria da segurança na prescrição, na preparação e na administração do fármaco. No contexto mundial, e no que concerne à segurança dos cuidados, o uso de medicamentos é uma questão particularmente complexa, sendo considerado uma das principais circunstâncias de risco que leva a eventos adversos em doentes críticos (Sousa et al., 2018).

Dentre as aminas mais utilizadas nos cuidados intensivos e na pessoa em situação crítica, destacaram-se, neste estudo, a noradrenalina e o cloridrato de dobutamina. A noradrenalina, precursora da adrenalina, foi infundida em 70,1% dos doentes em estudo. Sabe-se que é um medicamento que atua no débito cardíaco, com ação direta na regulação da pressão arterial, em geral usada como primeira escolha para os estados de hipotensão arterial, com exceção daqueles relacionados com a hipovolemia, resultando num aumento do retorno venoso, por ser um importante vasoconstritor sistémico (Biricik et al., 2020).

O cloridrato de dobutamina, utilizado em 29,9% dos doentes, é um fármaco sintético que mimetiza os efeitos do sistema nervoso simpático, sendo hemodinamicamente benéfico em casos de baixo débito cardíaco com hipotensão associada à falha na contratilidade miocárdica. Atua melhorando a função ventricular através do seu efeito inotrópico positivo, com pequeno efeito vascular periférico (Biricik et al., 2020). Esses dados convergem com os resultados de um outro estudo descritivo retrospetivo, realizado com 85 doentes internados numa unidade de cuidados intensivos, e no qual se observou que em 67,1% destes havia sido administrada noredrenalina e em 35,3% a dobutamina (Melo et al., 2016).

Ainda que estes medicamentos sejam considerados como de primeira escolha e de uso frequente para tratamento da hipotensão arterial ameaçadora da vida, ressalta-se que os eventos adversos relacionados com a sua administração tanto podem gerar eventos clínicos agudos de curta duração como, também, podem resultar em complicações potencialmente fatais (Trentine, 2014).

Assim, os cuidados relacionados com a administração e a avaliação dos efeitos cardiovasculares são imprescindíveis. Neste contexto, dentre os cuidados críticos visando a segurança da administração, o estudo evidenciou que todas as soluções verificadas foram perfundidas em via exclusiva e corretamente identificadas, traduzindo aspetos de boas práticas e sedimentados de uma cultura de segurança proativa na unidade em estudo (Fassarella, 2021). Com efeito, a prática fundamentada na literatura recomenda a administração das aminas vasoativas por via exclusiva com rótulo, contendo o nome correto da solução, dose e diluição. Esta medida é eficiente na redução de erros, como a incompatibilidade medicamentosa pela administração, na mesma via, de fármacos que não são compatíveis (como nitroprussiato de sódio e dobutamina, vasodilatador e anestésico), prevenindo a ocorrência de eventos adversos relacionados com a administração de medicamentos (EAM; Instituto de Práticas Seguras de Medicação, 2019; Cortes & Silvino, 2019)

Outro fator importante da infusão relacionado com o uso da via exclusiva é a prevenção da administração inadvertida em bólus, decorrente da administração de outros medicamentos na mesma via, o que eleva a concentração da amina vasoativa no sangue de forma descuidada a ponto de causar dano no doente. Para isso, recomenda-se identificar a porção proximal do equipamento com o nome da amina, sinalizando de forma clara a proibição de administração de outros medicamentos nesta via, seja no injetor lateral colaborando com a segurança medicamentosa (Instituto de Práticas Seguras de Medicação, 2019).

Para além destes dados, chama-se particular atenção para o facto de apenas 47,4% das aminas estarem a ser administradas no lúmen proximal do catéter venoso central. Com efeito, e quando se trata de infusão através de catéter venoso central com mais de um lúmen recomenda-se, como boa prática, a utilização do lúmen proximal para as aminas devido ao seu menor calibre em relação ao lúmen distal, facilitando que a solução seja infundida sozinha e mantendo lumens de maior calibre para outras soluções e medicamentos, o que reduz os riscos de bólus inadvertidos de aminas, associação de soluções e demais eventos adversos relacionados com a administração (Paim et al., 2017).

A bomba infusora, usada na administração de medicamentos endovenosos que requerem infusão controlada de fluxo e volume, é um recurso de tecnologia dura que contribui para a segurança na terapia infusional das aminas vasoativas. Destaca-se que, segundo o estudo, 100% das bombas infusoras usadas nos doentes do estudo estavam devidamente identificadas com o nome do medicamento que estava a ser administrado. Esta medida facilita o processo de trabalho, uma vez que reduz a ocorrência de erros, permitindo a pronta identificação do medicamento em perfusão contínua (Paim et al., 2017).

É importante citar que o alarme da bomba infusora indica prioridade no atendimento, pois sinaliza circunstâncias inseguras como o fim da infusão, ar na bomba ou oclusão da via. Tratando-se de aminas vasoativas, que atuam na otimização do débito cardíaco, a pausa inesperada e não programada da infusão traz altos riscos, com impacto negativo no estado hemodinâmico do doente (Franco et al., 2018).

Outra boa prática assistencial e que promove a segurança medicamentosa é a dupla confirmação do medicamento, em diferentes momentos, pela equipa de enfermagem. O estudo mostrou que todas as medicações vasoativas foram confirmadas na prescrição, mas apenas 12,4% obtiveram a dupla verificação. A dupla confirmação permite que o medicamento seja verificado por dois profissionais antes da sua administração, mitigando a ocorrência de erros promovendo a garantia de um resultado terapêutico benéfico (Paim et al., 2017).

A indicação do Ministério da Saúde do Brasil para a administração de medicamentos potencialmente perigosos, como as aminas, é que as doses sejam conferidas por dupla confirmação na preparação, verificando o cálculo de dose, e na dispensação do medicamento, monitorizando a separação do mesmo. Esta boa prática visa identificar o erro nas etapas que antecedem o momento da administração pelos enfermeiros, contribuindo para maior segurança no processo terapêutico medicamentoso (Portaria de Consolidação nº 2/2017 do Ministério da Saúde, 2017).

Esta medida torna-se uma barreira complementar, facilitando a identificação de detalhes não percebidos por outros profissionais envolvidos no processo, como dose, horário, doentes, via e validade da solução. No Brasil, a dupla confirmação ocorre, normalmente, por um enfermeiro e um técnico de enfermagem, mas é ainda pouco implementada nas instituições devido ao grande número de doentes por profissional. A sobrecarga da equipa é, portanto, um fator que pode interferir na qualidade dos serviços de saúde, principalmente no que diz respeito à segurança medicamentosa (Roque et al., 2016).

Ao considerar os riscos relacionados com a administração de aminas, parte-se do princípio que o seu uso apresenta associação positiva com a ocorrência de eventos adversos, pois são medicamentos com ações centradas na regulação do débito cardíaco que, em pequenas doses, já produzem respostas rápidas e possuem um efeito de dose dependência. Assim, alterações mínimas na dose infundida geram rapidamente alterações na PA e FC que impactam na manutenção do débito cardíaco. Neste sentido, salienta-se que os principais eventos adversos evitáveis relacionados com as aminas incluem arritmias cardíacas, hipotensão/hipertensão arterial, bradicardia/taquicardia e alteração do débito urinário (Roque et al., 2016).

No presente estudo, os eventos clínicos indesejáveis identificados foram o aumento da frequência cardíaca (23,7%) e o aumento da pressão arterial (4,1%), sendo que ambos traduzem situações que precisam ser prontamente revertidas para evitar danos potenciais no doente, em especial naquele que está gravemente enfermo.

Sabe-se que a taquicardia diminui a eficiência do enchimento sanguíneo do coração o que reduz o volume sistólico ejetado, assim como aumenta o consumo de oxigénio pelo miocárdio, oferecendo alto risco do doente evoluir para enfarte agudo do miocárdio (EAM), insuficiência cardíaca (IC), acidente vascular cerebral (AVC), insuficiência renal, arritmias e tromboembolia (Issa et al., 2021).

A pressão arterial maior que 200 mmHg, provoca uma sobrecarga no sistema cardiovascular, uma vez que a alta pressão sanguínea sobre a parede das artérias coronárias resulta no aumento da pós carga gerando maior resistência na ejeção do débito cardíaco que, consequentemente, reduz a efetividade da oxigenação, levando sofrimento ao músculo cardíaco e demais sistemas (Issa et al., 2021).

Na análise da associação, realizada nas variáveis do presente estudo, entre o intervalo de aferição dos sinais vitais e a prevalência de eventos clínicos, a mensuração da razão de prevalência evidenciou que os eventos clínicos indesejáveis foram três vezes mais comuns em doentes com uso de aminas e monitorizados a cada 2 horas, comparativamente com os que foram monitorizados de 4 em 4 horas.

Acredita-se que aferir os sinais vitais em intervalos menores aumenta a probabilidade dos enfermeiros identificarem, precocemente, alterações hemodinâmicas. Sabe-se que muitas circunstâncias podem interferir na identificação destes eventos, a saber: a alta demanda/carga de trabalho, o número reduzido de profissionais, a falta de visualização direta dos doentes pela equipa, a incapacidade do doente em pedir ajuda, o ajuste inadequado dos alarmes e a ocorrência do fenómeno fadiga de alarmes (Franco et al., 2018).

Desta maneira, o intervalo de aferição dos sinais vitais torna-se extremamente relevante para garantir um padrão de vigilância das funções vitais do doente. Assim, e cientes dos efeitos farmacológicos das aminas vasoativas, tais como a sua rápida e potente ação que produz efeitos que impactam na hemodinâmica do doente, recomenda-se que os sinais vitais, nomeadamente a pressão arterial e frequência cardíaca, sejam avaliados de forma contínua e rigorosamente registados a cada hora. Este cuidado minimiza eventos desfavoráveis, uma vez que identifica precocemente a alteração nos sinais vitais que, por sua vez, traduzem o agravamento/deterioração do estado clínico, permitindo a correção imediata para a prevenção de eventos adversos sequenciais (Trentine, 2014).

As boas práticas inerentes à administração de aminas vasoativas, que foram discutidas, como a infusão em via exclusiva, administração em lúmen proximal e em bomba infusora, infusão de solução dentro da validade e duplamente confirmada, avaliação com registo horário dos sinais vitais e conhecimento suficiente sobre o medicamento são, portanto, medidas que promovem a segurança do doente no contexto específico da administração de medicamentos.

Ressalta-se que compete ao enfermeiro intensivista, fundamentado no conhecimento científico, auxiliar na administração das aminas vasoativas em colaboração com a equipa médica. O seu contributo deve estar, portanto, pautado na aplicação efetiva da sistematização do processo e dos cuidados de enfermagem, assim como na construção e implementação de protocolos assistenciais de boas práticas, para orientação de toda a equipa multiprofissional (Trentine, 2014).

Destaca-se que mesmo realizado em âmbito local, os contributos do estudo permitem fundamentar, avaliar e propor estratégias de melhoria para os cuidados de enfermagem na prevenção de erros e de eventos adversos relacionados com o uso de aminas vasoativas em cuidados intensivos. Os dados evidenciaram que a monitorização com intervalos menores está associada a melhores desfechos clínicos e a menores eventos indesejáveis.

No que concerne às limitações do estudo, cita-se a recolha de dados num único cenário, restringindo a possibilidade de observar diferentes realidades do hospital. Outros fatores limitadores foram a não observação dos ajustes de alarmes e do tempo de resposta da equipa aos alarmes e ainda, a impossibilidade de verificar a duração da hipertensão arterial e da taquicardia nos doentes. Estas limitações demonstram que a temática não foi esgotada, estimulando a produção de novos estudos para observação de novas variáveis.

Conclusão

Na caracterização da administração de aminas vasoativas, verificou-se que ainda persiste uma falha na monitorização dos doentes e na dupla confirmação destes medicamentos, o que torna os doentes críticos vulneráveis a situações clínicas indesejáveis. A partir da análise realizada sobre a administração de aminas vasoativas foi possível identificar oportunidades de melhoria para o serviço visando adoção de ações preventivas de eventos adversos.

Neste sentido, sugerem-se ações preventivas de eventos adversos, nomeadamente: o uso de um sistema de identificação da via para proibição de administração de outros medicamentos evitando bólus das aminas; o uso preferencial da via proximal do cateter para administração de aminas; a sinalização na prescrição medicamentosa da necessidade de dupla confirmação para esses medicamentos; a implementação da confirmação horária dos sinais vitais para doentes com aminas ou, pelo menos, de 2 em 2 horas para otimizar a identificação e correção imediata de eventos hemodinâmicos.

Referências bibliográficas

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13Como citar este artigo:Faria, T. T., Camerini, F. G., Henrique, D. M., Fassarella, C. S., Nepomuceno, R. M., Campos, J. F., & Franco, A. S. (2022). Eventos clínicos indesejáveis relacionados com a administração de aminas: Estudo transversal. Revista de Enfermagem Referência, 6(1), e21063. https://doi.org/10.12707/RV21063

Recebido: 20 de Abril de 2021; Aceito: 17 de Março de 2022

Autor de correspondência Flavia Giron Camerini E-mail: fcamerini@gmail.com

Análise formal: Fassarella, C. S.

Tratamento de dados: Faria, T. T.

Investigação: Faria, T. T.

Conceptualização: Camerini, F. G.

Administração do projeto: Camerini, F. G.

Validação: Henrique, D. M.

Metodologia: Henrique, D. M.

Recursos: Fassarella, C. S.

Validação: Nepomuceno, R. M.

Visualização: Nepomuceno, R. M.

Redação - rascunho original: Faria, T. T.

Redação - análise e edição: Campos, J. F., Franco, A. S.

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