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Revista de Enfermagem Referência

versão impressa ISSN 0874-0283versão On-line ISSN 2182-2883

Rev. Enf. Ref. vol.serVI no.1 Coimbra dez. 2022  Epub 14-Jun-2022

https://doi.org/10.12707/rv21073 

ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO (ORIGINAL)

Aprendizagem do cuidar a família na comunidade: Usabilidade do Modelo Dinâmico de Avaliação e Intervenção Familiar

Learning to care for the family in the community: Usability of the Dynamic Model of Family Assessment and Intervention

Aprendizaje del cuidado a la familia en la comunidad: Usabilidad del Modelo Dinámico de Evaluación e Intervención Familiar

Maria Henriqueta de Jesus Silva Figueiredo1 
http://orcid.org/0000-0001-7902-9751

Ana Cristina de Spínola Costa Maymone Madeira2 
http://orcid.org/0000-0003-0721-3343

Alcinda Maria Sarmento do Sacramento Costa dos Reis2 
http://orcid.org/0000-0002-1003-5990

Maria Irene Mendes Pedro Santos2 
http://orcid.org/0000-0003-2425-7567

Maria da Conceição Santiago2 
http://orcid.org/0000-0003-4030-6963

Maria Manuela Henriques Pereira Ferreira3 
http://orcid.org/0000-0003-0019-9534

Hélia Maria do Patrocínio da Silva Dias2 
http://orcid.org/0000-0003-2248-6673

1 Escola Superior de Enfermagem do Porto, Portugal

2 Escola Superior de Saúde de Santarém, Santarém, Portugal

3 Escola Superior de Saúde Norte da Cruz Vermelha Portuguesa, Oliveira de Azeméis, Portugal


Resumo

Enquadramento:

O Modelo Dinâmico de Avaliação e Intervenção Familiar é mobilizado no processo de ensino aprendizagem dos estudantes da licenciatura em enfermagem, como orientador no processo de cuidados às famílias na comunidade.

Objetivo:

Analisar as dimensões valorizadas pelos estudantes do curso de licenciatura em enfermagem, no desenvolvimento de competências na avaliação e intervenção familiar.

Metodologia:

Estudo exploratório-descritivo com 350 estudantes da licenciatura em Enfermagem. Uso de formulário para identificar aspetos valorizados na utilização do modelo referencial teórico e operativo em ensino clínico. Análise de conteúdo com categorização a priori e a posteriori. Cumpridos os pressupostos éticos.

Resultados:

Identificam-se cinco dimensões: Clareza (mais valorizada); Simplicidade; Generalidade; Consequências deriváveis (frequência de nomeação intermédia) e Precisão empírica (menos valorizada). Emerge interligação entre etapas do processo de cuidados e modelo como instrumento de mudança e referencial na tomada de decisão no contexto clínico.

Conclusão:

As dimensões confirmam a importância atribuída pelos estudantes à estrutura e sentido na aprendizagem dos cuidados à família sendo preditivas da aprendizagem integrada, entre teoria e prática em enfermagem.

Palavras-chave: modelo de enfermagem; estudantes de enfermagem; aprendizagem; competências clínicas

Abstract

Background:

The Dynamic Model of Family Assessment and Intervention is used in the teaching-learning process of undergraduate nursing students to guide the process of caring for families in the community.

Objective:

To analyze the dimensions valued by undergraduate nursing students in the development of family assessment and intervention skills.

Methodology:

An exploratory-descriptive study was conducted with 350 undergraduate nursing students. A form was used to identify aspects valued in using the theoretical and operational model in clinical teaching. Data were subjected to content analysis, with a priori and a posteriori categorization. All ethical assumptions were met.

Results:

Five dimensions were identified: Clarity (most valued); Simplicity; Generality; Derivable consequences (intermediate frequency), and Empirical precision (least valued). Interconnection emerges between stages of the care process and the model as an instrument of change and reference in decision-making in clinical settings.

Conclusion:

The dimensions confirm the importance attributed by students to the structure and meaning in learning about family care and are predictors of integrated learning between nursing theory and practice.

Keywords: nursing model; nursing students; learning; clinical skills

Resumen

Marco contextual:

El Modelo Dinámico de Evaluación e Intervención Familiar se articula en el proceso de enseñanza-aprendizaje de los estudiantes del grado en Enfermería, como guía en el proceso de cuidados a las familias en la comunidad.

Objetivo:

Analizar las dimensiones valoradas por los estudiantes del grado en Enfermería en el desarrollo de competencias en la evaluación e intervención familiar.

Metodología:

Estudio exploratorio-descriptivo con 350 estudiantes del grado en Enfermería. Se utilizó un formulario para identificar los aspectos valorados en el uso del modelo referencial teórico y operativo en la enseñanza clínica. Análisis de contenido con categorización a priori y a posteriori. Se cumplieron todos los supuestos éticos.

Resultados:

Se identifican cinco dimensiones, Clareza (más valorada); Simplicidad; Generalidad; Consecuencias derivables (frecuencia intermedia) y Precisión empírica (menos valorada). Surge interconexión entre etapas del proceso de cuidados y modelo como instrumento de cambio y referencia para la toma de decisiones en el contexto clínico.

Conclusión:

Las dimensiones confirman la importancia atribuida por los estudiantes a la estructura y el significado en el aprendizaje de los cuidados a la familia, y son predictivas del aprendizaje integrado entre la teoría y la práctica en enfermería.

Palabras clave: modelo de enfermería; estudiantes de enfermería; aprendizaje; habilidades clínicas

Introdução

A prática, a investigação e a teoria são os pilares da enfermagem enquanto profissão, coexistindo uma relação cíclica e recíproca entre si. A prática clínica, as questões de investigação e o conhecimento contribuem para a teoria, e a teoria orienta a prática e constrói conhecimento por meio da teoria, isto é, a teoria orienta a investigação e melhora a prática (Saleh, 2018; Xu, 2017; Neto et al., 2016). Neste sentido, Saleh (2018) recomenda que os enfermeiros pratiquem, pesquisem, teorizem e discutam a lacuna teoria-prática como um impedimento para a prática teórica. Enfatiza-se a necessidade de integração entre as conceções e pressupostos teóricos sobre a prática clínica. Desta forma, a aplicação dos modelos teóricos de enfermagem e a fundamentação das decisões clínicas sustentam-se nas evidências científicas para o desenvolvimento da enfermagem no quotidiano. Estes desafios colocam-se desde logo nos processos de formação em enfermagem.

Considerando estes pressupostos, o Modelo Dinâmico de Avaliação e Intervenção Familiar ([MDAIF]; Figueiredo, 2012) mobiliza-se no processo de ensino aprendizagem dos estudantes da licenciatura em Enfermagem, como orientador para avaliação e planeamento da intervenção, do processo de cuidados às famílias integradas na comunidade, quer no ensino teórico quer no clínico.

O presente estudo tem como objetivo analisar as dimensões do MDAIF, valorizadas pelos estudantes do curso de licenciatura em Enfermagem, no desenvolvimento de competências na avaliação e intervenção familiar.

Enquadramento

A literatura evidencia que os referenciais teóricos orientam a conceção de cuidados em enfermagem e consequentemente a qualidade dos mesmos, e embora a educação de enfermagem deva ser guiada por modelos bem desenvolvidos sustentados em evidências, são poucos os estudos que fornecem os modelos e estruturas para orientar o desenvolvimento da prática clínica (Salah et al., 2018).

Os professores enfrentam na atualidade o desafio em compartilhar os valores e crenças que dão sentido aos fenómenos de enfermagem com os seus estudantes. Para o avanço da ciência da enfermagem, é fundamental que os estudantes tenham uma compreensão abrangente da filosofia e fundamentos teóricos da disciplina (Madeira, 2015). A formação em enfermagem, tendo por base teorias e modelos de enfermagem, saúde e políticas, permite garantir que futuros enfermeiros desenvolvam perceções e experiências individuais significativas que se traduzem na prática junto dos clientes em ganhos sensíveis aos cuidados de enfermagem (Ozdemir, 2019). Para Salah et al. (2018) existe uma lacuna entre a forma como se ensinam as teorias e modelos de enfermagem e a sua aplicação prática pelos estudantes, pelo que há que harmonizar a teoria e a prática. Isto passa por um ensino dos modelos teóricos e das teorias mais operativo e pela criação de um ambiente clínico de aprendizagem mais participativo, criativo e significativo, promotor do conhecimento profissional de enfermagem. A política de saúde portuguesa consubstanciada no Plano Nacional de Saúde de 2012-2016, com extensão a 2020 (Direção-Geral da Saúde, 2015), refere que dever-se-á ter em conta o contexto social da comunidade no qual as pessoas nascem, crescem, vivem e morrem. Ao mesmo tempo, a reconfiguração dos cuidados de saúde primários (CSP) e a rede nacional de cuidados continuados integrados colocam novos desafios na definição de modelos de intervenção nesta área (Decreto-Lei n.º 28/2008, do Ministério da Saúde, 2011). No âmbito do processo de formação em enfermagem, a valorização do conhecimento teórico e da sua concetualização na forma como os estudantes cuidam - processo de cuidados - permite a tomada de consciência progressiva pela prática reflexiva na aquisição de competências, como refere Madeira (2015), refletindo-se no desenvolvimento congruente das dimensões instrumental, interpessoal e sistémica para cuidar em contexto familiar e comunitário. Uma revisão sistemática da literatura (Kokorelias et al., 2019) tendo como referenciais o Modelo Sistémico, o Modelo Calgary de Avaliação da Família e o Modelo Calgary de Intervenção na Família identificou um número reduzido de estudos que avaliaram o impacto dos vários modelos nos resultados da pessoa ou família como cliente, ou do sistema de saúde. Os resultados apontam para um movimento em direção a um modelo universal de cuidado centrado na família para todas as populações e contextos de cuidados com potencial para otimizar resultados nas famílias. Os elementos da família sentem que a intervenção de enfermagem possibilitou/facilitou uma maior partilha relacional e conversas significativas, bem como mudanças no funcionamento familiar e o bem-estar emocional dos membros da família (Dorell et al., 2017; Östlund, et al., 2016).

O MDAIF foi adotado pela Ordem dos Enfermeiros como referencial para a enfermagem de saúde familiar. Tem como princípio os cuidados de enfermagem sejam centrados na família como unidade de intervenção e cliente de cuidados. Com uma abordagem sistémica e colaborativa os cuidados promovem a potenciação das forças, dos recursos e das competências da família como um todo e dos seus membros individualmente (Figueiredo, 2012). É neste enquadramento que a formação em enfermagem se tem vindo a construir, pelo enfoque nos saberes e competências a desenvolver, partindo da existência de um corpo de conhecimentos específico e que se diferencia gradualmente pela investigação produzida. Cabe aqui a análise do processo de cuidados desenvolvido na prática clínica, através do desenvolvimento de competências na avaliação e intervenção familiar pelos estudantes do curso de licenciatura em enfermagem. Este processo é definido no estudo de Madeira (2015) como sendo a interação, onde o centro de interesse é a pessoa e onde o estudante está a aprender a mobilizar os conhecimentos específicos que lhe permitem fazer o diagnóstico e o planeamento do cuidado, para posterior execução e controlo. Para que este processo ocorra, é necessário considerar-se a interação no cuidado de enfermagem desenvolvido pelo estudante, ao nível dos momentos significativos. As características destes momentos e os diferentes atores neles envolvidos (professores, estudantes, enfermeiros) contribuem para o processo de aprendizagem do estudante. Para Madeira (2015) cabe aqui a análise da experiência de vida do estudante, bem como a reflexão sobre as representações que ele constrói sobre si próprio e que estão associadas ao seu itinerário social e cultural. O MDAIF sustenta-se no pensamento sistémico, enquanto referencial epistemológico, integrando os conceitos que classificam os fenómenos centrais do sistema teórico: família, saúde familiar, ambiente familiar e cuidados de enfermagem à família. Assenta ainda num conjunto de pressupostos e postulados (princípios) que norteiam o processo de enfermagem, considerando os CSP como contexto de excelência para a prestação de cuidados à família, na comunidade onde se encontra, enquanto unidade e alvo de cuidados. Os pressupostos reconhecem a complexidade do sistema familiar, considerando as suas propriedades de globalidade, equifinalidade e auto-organização caracterizada por uma coevolução processual, cujos cuidados de enfermagem são regidos por um pensamento multifocal e colaborativo, que promove a potencialização das forças, recursos e competências da família (Figueiredo, 2012).

O MDAIF é simultaneamente um referencial teórico e operativo em enfermagem. No que concerne à estrutura operativa do modelo, a avaliação familiar centra-se em áreas de atenção integradas em três dimensões: estrutural, de desenvolvimento e funcional (Figura 1). A dimensão estrutural incide sobre a estrutura da família, visando identificar a composição da mesma, os vínculos existentes entre a família e outros subsistemas

como a família extensa e os sistemas mais amplos (Figueiredo, 2012). O entendimento do contexto desenvolvimental no sistema familiar implica o reconhecimento do ciclo vital como um processo conjeturável, constituído por etapas para todas as famílias e simultaneamente a identificação dos seus processos evolutivos associados à evolução nas transições familiares específicas e características de cada família (Figueiredo, 2012). A dimensão funcional refere-se aos padrões de interação familiar que permitem, complementarmente, o desenvolvimento das funções e tarefas familiares de forma continua, evolutiva e dinâmica, promotora da sustentabilidade do sistema familiar, como um todo co-evolutivo (Figueiredo, 2012).

Figura 1 Diagrama das áreas de atenção familiares por dimensão de avaliação 

Este referencial identifica diagnósticos de enfermagem, intervenções e resultados, sustentados pelas suas definições e perspetivados para a maximização do potencial de saúde da família, que se encontram organizados segundo a matriz operativa, que integra as dimensões e respetivas áreas de atenção. A conceção e desenvolvimento do MDAIF poderá permitir ao estudante e enfermeiro uma facilidade na sua apreensão e na sua usabilidade em contexto da prática clínica. A implementação do MDAIF tem requerido um dispositivo formativo ajustado às necessidades dos enfermeiros, que tem permitido converter o conhecimento em ação e inovação, por meio de processos de aprendizagem estruturados em abordagens e metodologias integrativas.

Por outro lado, este estudo está em linha com a recomendação de que a investigação futura sobre o ensino de enfermagem vá para além do estudo das experiências da prática clínica, passando a incluir a implementação de modelos de prática bem como a preparação efetiva dos estudantes para serem aprendizes ativos na prática (Vivas et al., 2015). Para este estudo define-se como objetivo: analisar as dimensões valorizadas pelos estudantes do curso de licenciatura em enfermagem, no desenvolvimento de competências na avaliação e intervenção familiar.

Questão de Investigação

Quais as dimensões valorizadas pelos estudantes do CLE, na utilização do MDAIF como referencial na tomada de decisão clínica no contexto do ensino clínico?

Metodologia

Desenvolveu-se um estudo exploratório-descritivo de natureza qualitativa pelo interesse na compreensão e interpretação do significado das experiências vividas pelos estudantes, dos comportamentos estratégicos e da mobilização de recursos que lhe possibilitaram interagir e agir em determinados contextos de cuidados de saúde (Gauthier, 2016). A seleção dos participantes teve como critérios: serem estudantes de uma instituição de ensino superior com CLE, que mobilizaram o MDAIF como referencial teórico durante o seu curso e que o operacionalizaram em contextos da prática clínica de CSP durante o ensino clínico, nomeadamente em Unidades de Saúde Familiar (USF) e Unidades de Cuidados de Saúde Personalizados (UCSP). Participaram 350 estudantes. Na colheita de dados os estudantes foram previamente informados, sobre o objetivo do estudo, bem como sobre a confidencialidade, anonimato e segurança de seus dados pessoais. Foi também esclarecido o direito de não participarem no estudo ou dele poderem desistir em qualquer momento se assim o entendessem. Para a colheita de dados foi utilizado um formulário com apenas uma questão: Quais as dimensões valorizadas pelos estudantes do CLE, na utilização do MDAIF como referencial na tomada de decisão clínica no contexto do ensino clínico?

Os estudantes colocaram os formulários preenchidos numa caixa selada presente na instituição de ensino para os devidos efeitos, proporcionando comodidade e anonimato. O período de colheita de dados foi de abril a maio de 2021. Tendo presentes os princípios éticos inerentes ao trabalho de campo, este estudo foi realizado após a obtenção da aprovação da Comissão de Ética de uma instituição de ensino superior (Ata n.º 4/2021). Para o tratamento dos dados optou-se pela análise de conteúdo segundo Bardin (2018). Descrevem-se de seguida as diferentes etapas realizadas e enquadradas pela perspetiva da mesma autora: a pré-análise conduziu à organização dos dados, no sentido de se constituir o corpus de análise. Realizada a leitura flutuante de todas as respostas, obtiveram-se as primeiras impressões e orientações sobre as descrições expostas pelos estudantes, identificando-se as caraterísticas emergentes. Definiu-se a unidade de registo sendo considerada a unidade de nível semântico com sentido, a frase. Constituiu-se a base de significação orientadora do plano de categorização e quantificação dos dados, em termos de frequência significativa. A exploração do corpus foi orientada pelo quadro teórico anteriormente definido e pelo objetivo do estudo, estabelecendo-se um plano de categorias. Foi criado o sistema de categorias onde coexistiu a formulação de categorias à priori, refletindo as intenções do estudo e as referências teóricas de partida e de categorias à posteriori, provenientes do material constituinte do corpus em análise. Garantiu-se a exclusividade pela verificação de que cada unidade de registo apenas integrou uma categoria e a exaustividade foi conseguida porque todas as unidades de registo foram colocadas numa categoria.

Resultados

A amostra do estudo foi composta por 350 estudantes do 3.º e 4.º anos da licenciatura em enfermagem, sendo 87 (25%) do sexo masculino e 263 (75%) do sexo feminino, com idades compreendidas entre os 20 e os 33 anos. A análise efetuada foi sistematizada na tabela de codificação (Tabela 1), que agrega e faz corresponder a cada categoria as diferentes subcategorias e unidades de enumeração (UE).

Tabela 1 : Codificação sistema de categorias 

Categoria Subcategoria Unidades de Enumeração %
Clareza Organização 72 33,5
Sistematização 62 28,8
Estrutura 27 12,6
Conceitos/Explicação 26 12,1
Objetividade 28 13,0
215 100,0
Consequências deriváveis Facilidade 21 19,6
Organização 10 9,3
Avaliação 25 23,4
Orientador 29 27,1
Conceitos/Fundamentação 22 20,6
107 100,0
Generalidade Abrangente 57 61,3
Holístico 14 15,1
Adaptabilidade 6 6,5
Avaliação familiar/individuo 16 17,2
93 100,0
Simplicidade Facilidade 49 56,3
Adaptabilidade 6 6,9
Claro 25 28,7
Aplicabilidade 7 8,0
87 100,0
Precisão empírica Pertinência 4 5,3
Especificidade 10 13,2
Aplicabilidade contexto clínico 24 31,6
Avaliação 13 17,4
Conceitos/Fundamentação 25 32,9
76 100,0

Verificou-se que das cinco categorias, a Clareza é a mais valorizada pelos estudantes, com 215 unidades de enumeração (UE), integrando cinco subcategorias, onde a maior frequência se situa na organização e sistematização, sendo a frequência muito uniforme para as subcategorias, Objetividade, Estrutura E Conceitos/Explicação. A Precisão empírica, com 76 UE, a menos valorizada, porém das cinco subcategorias, a maior frequência incide para os Conceitos/Fundamentação e Aplicabilidade contexto clínico, a menor frequência recai na Avaliação, Especificidade e Pertinência. Com uma frequência de nomeação intermédia, surgem as seguintes categorias: Consequências deriváveis (107 UE), com realce para a subcategoria Orientador e Avaliação, sendo os Conceitos/Fundamentação, Facilidade e Organização muito semelhantes na frequência valorizada pelos estudantes. A Generalidade (93 UE), apresenta a subcategoria abrangente com maior frequência, seguindo-se a Avaliação familiar/individuo, Holístico e Adaptabilidade. A Simplicidade (87 UE), evidencia a subcategoria Facilidade e claro, sendo a menor frequência atribuída pelos estudantes à Adaptabilidade e Aplicabilidade.

Discussão

As categorias de análise evidenciam a valorização atribuída pelos estudantes ao modelo e são consentâneas com a matriz operativa e concetual do mesmo (Figueiredo, 2012), nomeadamente pelo caráter sistémico que imprime à abordagem da família na comunidade, simplificando a complexidade da avaliação e da intervenção, neste âmbito. A este propósito Frade et al. (2021) identificam a necessidade desta valorização para que posteriormente como enfermeiros saibam desenvolver programas de formação nesta área especifica em contexto de cuidados, assentes na relação de parceria estabelecida com as famílias.

A categoria Clareza, integra os aspetos como a consistência e a relação entre os conceitos, a facilidade de compreensão e a especificação. As subcategorias traduzem a perceção dos estudantes face à experiência pessoal da utilização do MDAIF. Sobre a Organização, as unidades de registo incidem sobre diversos aspetos, conforme se ilustra a partir do discurso escrito dos estudantes “permite uma estruturação/organização dos diferentes conteúdos” (E87), realçando a coerência da informação, a percetibilidade do modelo no contexto clinico. Assume-se que a organização dos componentes do modelo é clara e precisa; o processo de pensamento que orienta a aplicação do modelo, a semântica e a definição conceptual, permitem a mobilização do mesmo nos diversos contextos. Na subcategoria Sistematização, das unidades de registo enfatiza-se o modo esquemático da sua construção, como nos referem os estudantes, permitem uma “orientação mais específica na colheita dos dados pretendidos” (E34) ou seja, o fio condutor que permite, na abordagem à família a orientação na avaliação na intervenção. Na subcategoria Estrutura realça-se a facilidade de avaliação das famílias, emergindo dos dados a adequação do modelo, manifestada no discurso como “a estrutura de avaliação com facilidade de avaliação a todas as famílias” (E105). Da subcategoria Conceito/Explicação, a menos referida, salienta-se a elucidação dos conceitos, permitindo o entendimento do modelo, coerente com a seguinte expressão significativa “facilita a sua interpretação e consequente integração” (E98). A Objetividade, última subcategoria, enfatiza a precisão do modelo, o que permite uma avaliação mais clara e objetiva da família, evidenciada no discurso como “objetividade dos vários focos a avaliar” (E24). Os dados obtidos evidenciam a valorização atribuída pelos estudantes ao modelo em uso o que corrobora com a investigação de Salah et al. (2018), quando valorizam a forma como se ensinam as teorias e modelos de enfermagem e a sua aplicação prática pelos estudantes.

A categoria Consequências deriváveis remete para a importância do modelo na prática clínica, bem como orienta a investigação e distingue o alvo de cuidados, possibilitando a transferibilidade do conhecimento, neste âmbito. Na subcategoria Facilidade evidencia-se a facilidade da aplicação do modelo e estruturação do pensamento, de acordo com o seguinte excerto “facilidade de utilização” (E10). A subcategoria Organização, com menos unidades de registo, salienta a possibilidade de organização sistemática no uso do modelo. Como se lê no discurso dos estudantes, permite “organizar melhor o pensamento relativo à conceção de cuidados à família” (E210). Da subcategoria Avaliação, a adequada avaliação familiar ajuda no estabelecimento de prioridades. Identifica-se a flexibilidade na avaliação, constituindo-se como referência para a prática e para a tomada de decisão, sustentada no excerto “a possibilidade de estabelecimento de prioridades é estruturador da avaliação familiar” (E301). A subcategoria Orientador, a mais frequente nesta categoria, diz respeito essencialmente a um guia orientador para a prática, orientando o processo de pensamento. Identifica-se como orientador na conceção dos cuidados, que de acordo com o sentido emergente do discurso dos estudantes permite “organizar de forma prática os dados da família” (E46). A subcategoria Conceitos/Fundamentação refere-se à boa fundamentação (do modelo), constituindo-se um referencial teórico validado. Emerge uma melhor conceção de cuidados e um planeamento direcionado para as necessidades reais da família, como ilustra a seguinte expressão significativa “oferecer um leque variado de itens avaliar e seguidamente focos e diagnósticos que poderiam surgir e que requerem a nossa intervenção” (E63). Também Madeira (2015) refere que o processo de cuidados desenvolvido pelo estudante deverá mobilizar os conhecimentos específicos que lhe permitem fazer o diagnóstico e o planeamento do cuidado, para posterior execução e controlo.

A categoria Generalidade, refere-se à abrangência e capacidade do modelo em atender as necessidades dos clientes, possibilitando cuidados de enfermagem numa perspetiva sistémica. Desta categoria emergiram quatro subcategorias seguidamente apresentadas. A subcategoria Abrangente, apresentando um maior número de registos, caracteriza-se essencialmente pelo facto de se considerar a completude do modelo, permitindo a abordagem da família como um todo, permitindo “uma visão generalizada da família” (E22). A subcategoria Holístico diz respeito à visão global da família, em sintonia com a perspetiva sistémica da mesma, de acordo com o seguinte excerto, “enfatizar a família como um todo mas também cada elemento familiar”. A adaptabilidade, subcategoria com menos unidades de registo, engloba essencialmente a adequação a todas as famílias, conforme se ilustra “adaptabilidade do modelo às várias vertentes que se podem avaliar na família” (E33). Na subcategoria Avaliação familiar/indivíduo valorizou-se, essencialmente, a possibilidade de avaliar a família nas suas várias dimensões e incluindo todos os seus membros, como se evidencia “permite identificar os problemas de saúde da família, a interação e a coesão da mesma” (E203). Perspetiva que corrobora com estudo de Dorell et al., (2017), quanto aos contributos da intervenção de enfermagem (estudantes) possibilitar mudanças no funcionamento familiar e o bem-estar emocional dos membros da família. Valorizado também pelo estudo de Frade et al. (2021), os estudantes de enfermagem encaram a integração da família nos cuidados como uma estratégia de coping e uma ferramenta de diálogo essencial para o cuidar da unidade familiar.

A categoria Simplicidade, define o quão simples é o modelo, no entanto suficientemente extenso, capaz de orientar no contexto clínico, incluindo definições de conceitos necessárias para a sua compreensão. Nesta categoria emergiram quatro subcategorias que explicitam como os sujeitos percecionam o MDAIF. A Facilidade, referindo-se à clareza da informação do modelo, facilitadora da identificação das intervenções e da resolução de problemas, o que se traduz na fácil aplicabilidade do mesmo, como se enquadra no seguinte excerto “facilita a tomada de decisão no âmbito dos focos familiares” (E22). A subcategoria Claro, traduz a praticidade de aplicação, nomeadamente no que se refere à avaliação (prática) da família, de acordo com a seguinte expressão, “maior facilidade na identificação/ resolução de problemas na família” (E124). A subcategoria Adaptabilidade, menos mencionada, enfoca o ajuste às várias situações/realidades familiares e a adaptação aos vários tipos de família, conforme se identifica no discurso “adaptável a qualquer contexto familiar” (E31). A este propósito no estudo de Frade, Henriques e Frade (2021) salienta-se a importância de que a comunidade científica contribua para aumentar o core de dados e a investigação em enfermagem de saúde familiar, incrementando a capacidade reflexiva dos professores relativamente ao processo de formação desenvolvido com os estudantes.

A categoria Precisão empírica, incorpora a definição de conceitos baseados no contexto da prática, possibilitando o desenvolvimento de conhecimento. Nesta categoria emergiram 5 subcategorias, as quais exprimem a perspetiva dos sujeitos em relação à utilização do MDAIF. A subcategoria Conceitos/Fundamentação apresenta o maior número de unidades de registo, referindo-se a um modelo com conceitos próprios. Os conceitos tornam o modelo mais especifico e bem fundamentado teoricamente, valorizando-se a coesão e a adaptabilidade de cada elemento da família. Proporciona-se melhor conhecimento desta, emergindo o papel do enfermeiro de família a as suas áreas de intervenção. Identifica-se a importância da estruturação em áreas de atenção/dimensões, permitindo um maior conhecimento por parte dos sujeitos, de diferentes métodos de avaliação da família em diferentes parâmetros, destacando-se a seguinte expressão significativa, “conceitos próprios torna o modelo mais específico” (E94). Da subcategoria Aplicabilidade em contexto clínico, salienta-se uma fácil interpretação do modelo pelo uso de linguagem classificada. Identifica-se a importância de avaliar a comunicação e interação familiar, com a avaliação detalhada da família, e a construção do genograma e do ecomapa. Salienta-se a necessidade de ser apresentada uma matriz para orientar a avaliação e o planeamento dos cuidados numa lógica antecipatória e de desenvolvimento de potencialidades, conforme se ilustra “fornece-nos uma matriz para avaliar estes aspetos e também planear as nossas atividades não só numa lógica reativa, mas também antecipatória e de desenvolvimento de potencialidades” (E19). A subcategoria Avaliação registou a sua uniformização, bem como a orientação do que se deve avaliar efetivamente em cada um dos diagnósticos e intervenções. Refere-se ainda à inclusão de escalas para avaliação dos diferentes parâmetros, orientando nas áreas de atenção prioritárias. Permite avaliar a parte funcional da família, onde se enquadra o seguinte excerto “o que deve ser avaliado em cada um dos possíveis diagnósticos e intervenções” (E340). Na subcategoria Especificidade do modelo é de realçar que o mesmo proporciona a avaliação especifica de cada dimensão, sendo rigoroso e possibilitando a identificação das etapas do ciclo vital, valorizado no discurso dos estudantes, “avaliação muito especifica relativamente a cada dimensão que pretendemos abordar” (E8). A subcategoria Pertinência é a que apresenta menos unidades de registo, salientando-se a abordagem de áreas pertinentes através da utilização de escalas de avaliação em situações especificas, emergente no discurso “critérios utilizados são muito pertinentes” (E1). Esta categoria surge como aparentemente menos valorizada pelos estudantes. Questiona-se, no entanto, o percurso de vida e de aprendizagem dos estudantes como um fator a ter em conta. Este achado está em linha com Madeira (2015), uma vez que esta característica pressupõe uma tomada de consciência progressiva pela prática reflexiva. Este processo implica o desenvolvimento da maturidade e de competências a um nível elevado, com capacidade de adequação e de transferência do conhecimento, como apresenta Ozdemir (2019).

Em síntese, dos resultados obtidos emerge uma ideia forte da importância da utilização do MDAIF, enquanto referencial teórico duma prática clínica em desenvolvimento na enfermagem, e que acompanha simultaneamente as dimensões da disciplina e da (aprendizagem) da profissão. É nesta linha de pensamento que Alligood (2017) refere que a teoria valida e interpreta o conhecimento, predizendo os fenómenos e, simultaneamente permitindo o desenvolvimento de novas e melhores práticas. A análise dos dados consubstancia deste modo, que os modelos orientam o pensamento e podem ser usados como esquemas de estruturação da prática de Enfermagem, com resultados previsíveis, o que vem ao encontro da importância que os estudantes atribuem ao MDAIF, enquanto instrumento de aprendizagem do que é ser enfermeiro e cuidar de famílias. O MDAIF, enquanto referencial teórico e operativo em enfermagem, nomeadamente no que se refere aos cuidados à família, tem como foco avaliativo e de intervenção as dimensões estrutural, de desenvolvimento e funcional. No seu conjunto, as diferentes categorias confirmam a importância que os estudantes atribuem ao MDAIF, trazendo como evidência a visibilidade da importância por si atribuída a uma estrutura reconhecida e que lhes dá sentido à aprendizagem dos cuidados à família. As dimensões elencadas pelos estudantes são preditivas de uma aprendizagem integrada, sustentada em conhecimento cientifico e orientadora da prática clínica em enfermagem.

Conclusão

O uso do MDAIF parece constituir-se como uma ferramenta estratégica em duas áreas de interesse. A área pedagógica - processo formativo do ensino à aprendizagem - e área profissional - desenvolvimento de competências dos futuros enfermeiros para agirem na prestação de cuidados às famílias - relevando-se a perspetiva ecossistémica, em que a capacitação dos indivíduos integrados nos seus sistemas familiares é crucial para a sustentabilidade social. As dimensões valorizadas pelos estudantes expressam estas premissas. Numa ordem hierárquica, vão desde uma categoria mais relacionada com o referencial conceptual do modelo (Clareza), passando pela importância do mesmo (Consequências deriváveis), à capacidade de responder às necessidades das pessoas cuidadas numa perspetiva sistémica (Generalidade), ao modo simples de orientar a prática clínica (Simplicidade) até ao modo como conduz ao desenvolvimento de conhecimento numa lógica de prática reflexiva (Precisão empírica).

No estudo desenvolvido reconhecem-se, contudo, as limitações inerentes ao tamanho da amostra e às técnicas mobilizadas, identificando-se a possibilidade de mobilização de outras técnicas, tais como a observação em contexto clínico, das práticas desenvolvidas pelos estudantes na utilização do MDAIF, para a sua continuidade.

O processo de ensino aprendizagem face às dimensões identificadas, à sua hierarquização e conjugação, revela que a apropriação do MDAIF se faz duma lógica concetual para uma prática reflexiva que se mostra integrativa e que parece relacionar-se com o desenvolvimento da maturidade do estudante. A análise das dimensões identificadas neste estudo sugere o desenvolvimento de investigações futuras assentes na relação de parceria entre o enfermeiro, as famílias e os seus subsistemas, para a qual os estudantes, futuros enfermeiros, se irão sensibilizando ao longo do processo de formação em enfermagem de saúde familiar.

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14Como citar este artigo:Figueiredo, M. H., Madeira, A. C., Reis, A. M., Santos, M. I., Santiago, M. C., Ferreira, M. M., & Dias, H. M. (2022). Aprendizagem do cuidar a família na comunidade: Usabilidade do Modelo Dinâmico de Avaliação e Intervenção Familiar. Revista de Enfermagem Referência, 6(1), e21073. https://doi.org/10.12707/RV21073

Recebido: 13 de Maio de 2021; Aceito: 26 de Janeiro de 2022

Autor de correspondência Ana Cristina de Spínola Costa Maymone Madeira E-mail: aspinola748@gmail.com

Conceptualização: Figueiredo, M. H., Ferreira, M. M., Madeira, A.C., Reis, A.M.

Tratamento de dados: Figueiredo, M. H., Ferreira, M. M

Análise formal: Madeira, A.C., Reis, A.M., Figueiredo, M. H., Ferreira, M. M., Santiago, M. C., Dias, H. M., Santos, M. I.

Investigação: Figueiredo, M. H., Ferreira, M. M., Madeira, A. C., Reis, A. M., Santiago, M. C., Santos, M. I., Dias, H. M

Metodologia: Figueiredo, M. H., Ferreira, M. M

Administração do projeto: Figueiredo, M. H., Ferreira, M. M., Madeira, A. C.

Recursos: Figueiredo, M. H., Ferreira, M. M., Madeira, A. C., Reis, A. M., Santiago, M. C., Santos, M. I., Dias, H. M.

Software: Ferreira, M. M., Figueiredo, M. H.

Supervisão: Madeira, A. C., Reis, A. M.

Validação: Figueiredo, M. H., Ferreira, M. M., Santos, M. I.

Visualização: Madeira, A.C., Figueiredo, M. H., Ferreira, M. M., Reis, A. M., Dias, H. M.

Redação - rascunho original: Madeira, A. C., Figueiredo, M. H., Ferreira, M. M., Reis, A. M.

Redação - revisão e edição: Madeira, A. C., Reis, A.M., Figueiredo, M.H., Ferreira, M. M.

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