Introdução
A esclerose lateral amiotrófica (ELA) é uma doença degenerativa do sistema nervoso central, rapidamente progressiva e rara. Caracteriza-se pela degeneração dos neurónios motores do córtex cerebral, tronco encefálico e medula espinal, que leva a uma desnervação dos feixes nervosos e consequente atrofia nas fibras musculares correspondentes (Brown, 2015).
A ELA afeta mais de 70 mil pessoas em todo o mundo e a sobrevida é de 3 a 5 anos. Para Brown (2015) a incidência é de 1 a 3/100000 e a prevalência de 3 a 5/100000, referindo Maragakis e Galvez-Jimenez (2018), taxas de prevalência ligeiramente superiores (2,7 a 7,4/100000). A incidência aumenta a cada década de vida, e atinge o pico aos 74 anos. A prevalência é ligeiramente superior no sexo masculino e nos brancos. Ainda que a sobrevida média seja de 3 a 5 anos, é possível encontrar grupos de pessoas com mais de uma década (Maragakis & Galvez-Jimenez, 2018). Em Portugal não existem estudos epidemiológicos, porém, segundo a Associação Portuguesa de Esclerose Lateral Amiotrófica, estima-se que haja cerca de 800 pessoas com ELA (Carvalho, 2016).
Especialistas referem que estas pessoas permanecem no domicílio até uma fase avançada da doença, sob a atenção dos cuidadores (geralmente o cônjuge) e que experimentam níveis crescentes de sofrimento com impactos na saúde (de Wit et al., 2018; Galvin et al., 2016; Pinho & Gonçalves, 2016). Assim, tratando-se de uma doença progressivamente incapacitante e com implicações na vida dos doentes e dos cuidadores, os enfermeiros têm um papel relevante na capacitação do cuidador nas tarefas dos autocuidados e no desenvolvimento de estratégias para se confrontar positivamente com a sobrecarga.
Constituíram-se objetivos do estudo: analisar a associação entre caraterísticas sociodemográficas e profissionais do cuidador e a sua sobrecarga; e analisar a associação entre caraterísticas sociodemográficas e clínicas da pessoa com ELA e a sobrecarga do cuidador.
Enquadramento
O quadro clássico da ELA é o de uma pessoa com deterioração motora progressiva que se manifesta com sinais e sintomas dos neurónios superior e inferior. A maioria apresenta fraqueza muscular inicial nos membros superiores ou inferiores (forma medular), em 25% dos casos pode acometer primeiro a musculatura inervada pelo bulbo (início bulbar) e, numa minoria dos casos (cerca de 1-2%), pode ter atingimento precoce da musculatura torácica e respiratória (Fearon et al., 2015).
As alterações ao nível do padrão respiratório ocorrem, habitualmente, nas fases mais avançadas da doença. O envolvimento dos músculos respiratórios, bem como da musculatura axial do tronco, desencadeia um quadro clínico de hipoventilação que progride para fadiga, dispneia, polipneia e impotência funcional.
Esta doença tem repercussões físicas, psicológicas e sociais importantes no doente, assim como na família e nos cuidadores. Cuidador informal e família cuidadora são termos que se reportam a indivíduos não pagos que prestam cuidados. Podem ser primários ou secundários. O cuidador primário proporciona a maior parte do cuidado, sendo aquela sobre quem recai a maior responsabilidade (Bruletti et al., 2015). Para de la Cuesta-Benjumea (2011), a família continua a ser o principal recurso e a escolhida como preferida por parte das pessoas dependentes. Martins (2006) refere que a escolha dos cuidadores não é arbitrária e tende a recair num elemento do sexo feminino e, segundo Almeida et al. (2017), o papel da mulher como cuidadora é histórico e culturalmente evidenciado. No entanto, o desenvolvimento socioeconómico no último século conduziu à entrada das mulheres no mundo do trabalho, passando a assumir o papel de cuidadores principais outros membros da família.
As exigências de assistência ocupam o cuidador por longos períodos de tempo, numa rotina por vezes fatigante, e que podem levar à sobrecarga. A sobrecarga do cuidador é, como descreve Braithwaite (1992) citado por Martins (2006), uma perturbação resultante do lidar com a dependência física e a incapacidade mental do indivíduo alvo da atenção e dos cuidados, correspondendo à perceção subjetiva das ameaças às necessidades fisiológicas, sociais e psicológicas do cuidador. Já de Wit et al. (2018) definem sobrecarga do cuidador como o impacto sobre a saúde emocional, saúde física, vida social e situação financeira do cuidador como resultado da adoção deste papel. Para Lage (2007), com o aumento da limitação das pessoas, aumentam as exigências familiares em tempo, energia, compromisso emocional e recursos.
A ELA leva a um rápido declínio do funcionamento físico, exigindo ajustes físicos e emocionais aos portadores, mas também aos cuidadores. À medida que a doença progride, aumenta o stress, as preocupações e a sobrecarga dos cuidadores, tendo limitação no seu tempo, energia para atividades de lazer e tempo para satisfazer as suas próprias necessidades (de Wit et al., 2018). Para Pagnini et al. (2010), juntamente com a tensão emocional, a prestação de cuidados na ELA exige um grande esforço físico, especialmente durante as fases avançadas da doença em que o declínio na mobilidade e necessidade de ventilação mecânica têm impacto na sobrecarga do cuidador. Pinho e Gonçalves (2016) mencionam que dado o tempo que gastam a cuidar das pessoas com ELA, os cuidadores tendem a ignorar o seu próprio estado de saúde. Neste sentido, os profissionais de saúde devem focar a sua atenção tanto nas pessoas com ELA como nos cuidadores.
Questão de investigação
A sobrecarga do cuidador da pessoa com ELA está associada a caraterísticas sociodemográficas e profissionais do cuidador e/ou a caraterísticas sociodemográficas e clínicas da pessoa com ELA?
Metodologia
Foi desenvolvido um estudo descritivo-correlacional, observacional e transversal. A população é constituída pelos doentes com ELA e seus cuidadores, com assistência de saúde em hospitais do distrito de Braga, tendo-se identificado 43 doentes e respetivos cuidadores. Definiram-se como critérios de inclusão: pessoas com diagnóstico médico confirmado de ELA; pessoas no domicílio sob os cuidados de um cuidador informal; pares de cuidadores informais e pessoas com ELA que se disponibilizaram a participar no estudo. Assim, selecionou-se uma amostra de disponíveis constituída por 30 pessoas com ELA e os respetivos cuidadores.
As pessoas com ELA apresentam distribuição homogénea quanto ao sexo (feminino 50%). As idades variam entre os 43 e os 85 anos, com média de 66,4 ± 11,17 anos e mediana de 68,5 anos. Os grupos etários mais representados são dos 40 aos 64 anos e dos 65 aos 79 anos (43,3% cada um), havendo 13,1% com mais de 80 anos. Quanto ao estado civil predominam os casados/união de facto (83,3%). As habilitações literárias variam entre sem escolaridade (6,7%) até ao ensino superior (10,0%) sendo o mais representado o 1º ciclo (50,0%). Quanto à situação profissional nenhuma pessoa trabalha atualmente, estando 46,7% reformados por invalidez.
Nos cuidadores, predomina o sexo feminino (76,7%). As idades variam entre os 40 e os 88 anos, com média de 60,5±13,63 anos, e mediana de 60,73 anos. O grupo etário mais representado é 40 aos 64 anos (70%) e 16,3% tem 80 anos ou mais anos. No estado civil predominam os casados/união de facto (86,7%) e nas habilitações literárias o 1º ciclo (36,7%). No que se refere à situação profissional, 40,0% estão ativos. Relativamente à relação de parentesco com o doente, em 63,3% é cônjuge, seguidos dos filhos (23,3%), dos pais (10,0%) e dos irmãos (3,3%).
Para a avaliação funcional das pessoas com ELA utilizou-se a Amyotrophic Lateral Sclerosis Functional Rating Scale - Revised (ALSFRS-R; Guedes et al., 2010). É constituída por 12 itens que se agrupam em quatro domínios. As questões são cotadas numa escala tipo Likert de 0 (incapaz de fazer) a 4 (função normal). A valores mais elevados corresponde melhor capacidade funcional. Mioshi et al. (2012) categorizam em quatro estágios de gravidade: leve (37-48); moderado (25-36); grave (13-24) e muito grave (0-12). O valor do alfa de Cronbach da escala foi de 0,895.
Para avaliar a Qualidade de Vida (QdV) das pessoas com ELA foi utilizado o Amyotrophic Lateral Sclerosis Assessment Questionnaire (ALSAQ-40; Pavan et al., 2010). É constituída por 40 afirmações, numa escala tipo Likert que varia de nunca (0) a sempre (4), que se agrupam em cinco dimensões. A valores mais elevados corresponde pior QdV (Bandeira et al., 2010). O valor do alfa de Cronbach da escala foi de 0,919.
Para avaliar a QdV dos cuidadores foi utilizado o World Health Organization Quality of Life - Bref (WHOQOL-Bref; Vaz Serra et al., 2006). É constituída por 26 questões, numa escala tipo Likert de 5 pontos, que se agrupam em quatro domínios. A valores mais elevados corresponde melhor QdV. O valor do alfa de Cronbach da escala foi de 0,838.
Para avaliar a sobrecarga do cuidador foi usado o Questionário de Avaliação da Sobrecarga do Cuidador Informal (QASCI) de Martins et al. (2003). É constituído por 32 itens numa escala tipo Likert, que varia de 1 a 5. Os itens distribuem- se por 7 dimensões: Sobrecarga Emocional (SE); Implicações na Vida Pessoal do Cuidador (IVP); Sobrecarga Financeira (SF); Reações a Exigências (RE); Mecanismo de Eficácia e de Controlo (MEC); Suporte Familiar (SupF) e Satisfação com o Papel e com o Familiar (SPF; Martins et al. 2004). A valores mais elevados corresponde maior sobrecarga. O valor do alfa de Cronbach da escala foi de 0,911. Conforme os pontos de corte dos autores a sobrecarga pode ser: Baixa (0 a 25); Moderada (26 a 50); Elevada (51 a 75); e Extrema (> 76).
Em todas as escalas a consistência interna variou de muito boa a boa.
Para o tratamento de dados recorreu-se a técnicas estatísticas descritivas. Para a análise das associações e das diferenças analisamos os pressupostos de normalidade de distribuição. Quando ocorreu normalidade de distribuição (teste de Shapiro-Wilk), utilizamos testes paramétricos (Pearson e teste t student). Nas variáveis qualitativas ordinais, ou quando não se observou normalidade de distribuição recorremos à correlação de Spearman e ao teste U de Mann-Whitney. Nas variáveis nominais, recorremos ao teste de independência de Qui-quadrado. Para o tratamento da informação foi utilizado o SPSS® 26.0 para Windows e o nível de significância admitido foi de 5%.
O estudo foi objeto de apreciação favorável pelas comissões de ética dos Hospitais onde foi realizado. A participação no estudo foi voluntária e decidida pelos participantes, após consentimento informado. Aquando da aplicação dos questionários, e de forma a assegurar o cumprimento das normas aplicáveis internacionalmente aceites, foi esclarecido o objetivo da investigação, descrito também no consentimento informado.
Resultados
O aparecimento da ELA foi para 66,7% dos doentes de início bulbar, 26,7% medular e 6,6% do tipo respiratória. A maioria refere o início da sintomatologia entre 2 e 5 anos e entre 5 e 10 anos (33,3% cada), havendo 16,7% há 2 anos ou menos, e os restantes há mais de 10 anos.
Quanto à Avaliação Funcional, 33,3% apresenta grau de funcionalidade muito grave, 30% grau grave e moderado e 6,7% apresentam grau leve.
Quando consideramos as dimensões da Avaliação Funcional constata-se que é a capacidade respiratória que apresenta melhor função, com média de 7,62 ± 2,90; e mediana com valores próximos da média (7,5) e, na função motora, observam-se os piores resultados com média de 2,87 ± 3,46 e mediana de 1,5, indicando elevada variabilidade e assimetria; Tabela 1).
min-máx | Média±Desvio | Mediana | |
---|---|---|---|
Sintomas Bulbares | 0-12 | 5,83 ± 4,20 | 5,00 |
Motricidade Fina | 0-10 | 3,27 ± 3,89 | 1,00 |
Função Motora | 0-12 | 2,87 ± 3,46 | 1,50 |
Capacidade Respiratória | 2-12 | 7,62 ± 2,90 | 7,50 |
TOTAL | 1-39 | 19,20 ± 11,54 | 16,50 |
A avaliação da QdV é relativa a 28 pessoas com respostas válidas, em que 35,7% dos inquiridos apresenta sempre dificuldades, ou seja, pior QdV, 32,1% frequentemente, 25,0% às vezes e 7,1% raramente, não existindo nenhum caso que não apresente dificuldade. É na Alimentação que apresentam melhor perceção de QdV (média 55,95 ± 38,08; mediana de 58,33) e, os piores resultados observam-se na Mobilidade (82,00 ± 19,54; mediana 86,25; Tabela 2).
min-máx | Média±Desvio | Mediana | |
---|---|---|---|
Mobilidade | 35-100 | 82,00 ± 19,54 | 86,25 |
Atividades Vida Diária | 12,50-100 | 72,32 ± 29,27 | 81,25 |
Alimentação | 0-100 | 55,95 ± 38,08 | 58,33 |
Comunicação | 0-100 | 69,13 ± 36,72 | 87,50 |
Emocional | 7,50-100 | 56,25 ± 25,02 | 57,50 |
TOTAL | 30-100 | 68,49 ± 19,45 | 68,75 |
Na sobrecarga dos cuidadores, os valores mais baixos observam-se na dimensão Reações a Exigências com média de 25,67 ± 21,76; seguido da SF (média 29,17 ± 36,00) e SE (média 41,25 ± 22,72), apresentando as IVP valores intermédios. A maior sobrecarga observa-se na dimensão MEC com média de 66,39±21,50 e o SupF (média 66,25 ± 31,51; Tabela 3). Os níveis de sobrecarga que prevalecem são a moderada (56,7%), seguida da baixa (23,3%) e elevada (20,0%). Não se identificam casos de sobrecarga extrema.
min-máx | Média ± Desvio | Mediana | |
---|---|---|---|
Sobrecarga Emocional (SE) | 0-87,50 | 41,25 ± 22,72 | 43,75 |
Implicações na vida pessoal (IVP) | 6,82-100 | 51,44 ± 24,12 | 44,32 |
Sobrecarga Financeira (SF) | 0-100 | 29,17 ± 36,01 | 6,25 |
Reações a exigências (RE) | 0-100 | 25,67 ± 21,76 | 22,50 |
Mecanismos de eficácia e controle (MEC) | 16,67-100 | 66,39 ± 21,50 | 66,67 |
Suporte Familiar (SupF) | 0-100 | 66,25 ± 31,51 | 75 |
QASCI Total | 6,97-74,31 | 35,81 ± 16,28 | 30,83 |
Na QdV dos cuidadores (Tabela 4) é no domínio Psicológico que apresentam melhor perceção de QdV (62,36 ± 16,36; mediana de 60,42), seguida do domínio Físico (57,5 ± 18,36; mediana de 55,36). No domínio Ambiente observa-se uma média de 56,77 ± 12,284 e mediana de 59,38; e domínio Relações Sociais apresenta os valores mais baixos (média 51,67 ± 20,11; mediana 50,00).
min-máx | Média ± Desvio | Mediana | |
---|---|---|---|
Domínio 1 - Físico | 10,91-96,43 | 57,5 ± 18,36 | 55,36 |
Domínio 2 - Psicológico | 4,17-87,50 | 62,36 ± 16,36 | 60,42 |
Domínio 3 - Relações Sociais | 16,67-83,33 | 51,67 ± 20,11 | 50,00 |
Domínio 4 - Ambiente | 28,13-81,25 | 56,77 ± 12,284 | 59,38 |
Faceta geral QdV | 0,00-87,50 | 49,17 ± 18,26 | 50,00 |
Na análise da associação entre a sobrecarga do cuidador e as suas caraterísticas sociodemográficas, observamos uma correlação positiva e moderada (r = 0,480; sig = 0,007) entre a idade o SupF. Relativamente ao grau de parentesco, quando comparamos cônjuges e outros familiares, observam-se diferenças significativas nas dimensões SF e SupF (respetivamente Z = 2,028; sig = 0,043 e Z = 2,203; sig = 0,028), apresentando os cônjuges ordenações médias superiores aos outros familiares (SF 17,82 vs 11,50; SupF 18,13 vs 10,95). Relativamente à situação profissional, quando comparamos ativos e não ativos, observamos diferenças significativas nas dimensões RE, e SupF (respetivamente Z = -2,134; sig = 0,033 e Z = -2,037; sig = 0,042), em que os não ativos apresentam scores superiores aos ativos (ordenações médias 18,28 vs 11,33 e 18,11 vs 11,58, respetivamente).
Na associação entre a sobrecarga e a perceção de QdV do cuidador observam-se correlações significativas, negativas, entre a SE e os domínios Físico, Psicológico, Relações Sociais, Ambiente e faceta geral de QdV (respetivamente r = -0,441, sig = 0,015; r = -0,528, sig = 0,003; rs = 0,487, sig = 0,006; r = -0,446, sig = 0,013; r = -0,570, sig = 0,001). Existem, de igual forma, correlações estatisticamente significativas, negativas, entre a dimensão IVP e os domínios Físico, Psicológico, Relações Sociais, Ambiente e faceta geral de QdV (r = -0,633, sig = 0,000; r = -0,528, sig = 0,003; rs = -0,460, sig = 0,011; r = -0,656, sig = 0,000; r = -0,700, sig = 0,000, respetivamente). Na dimensão SF observa-se correlação significativa com a dimensão Relações Sociais da QdV (r = -0,390; sig = 0,033). Na dimensão MEC existem associações significativas, positivas, com os domínios Físico, Psicológico, Relações Sociais, Ambiente e faceta geral da QdV (r = 0,447, sig = 0,013; r = 0,374, sig = 0,041; rs = 0,726, sig = 0,000; r = 0,364, sig = 0,048; r = 0,364, sig = 0,048, r = 0,365, sig = 0,047, respetivamente). Relativamente ao valor total do QASCI, observa-se correlações estatisticamente significativas, negativas, com os domínios Físico, Psicológico, Relações Sociais, Ambiente e faceta geral de QdV (rs = -0,548, sig = 0,002; rs = -0,467, sig = 0,009; rs = -0,717; sig = 0,000; rs = -0,552, sig = 0,002; rs = -0,551, sig = 0,002, respetivamente).
Quanto à associação da sobrecarga do cuidador e a funcionalidade da pessoa com ELA (score global), verificamos que nas dimensões SE e IVP existem correlações negativas e moderadas (r = -0,402; sig = 0,028 e r = -0,436; sig = 0,016, respetivamente). Relativamente ao número de horas de prestação de cuidados, observamos correlações positivas, com as dimensões IVP e RE da sobrecarga (respetivamente r s = 0,443; sig = 0,014 e r s = 0,370; sig = 0,044). Quanto à presença de Ventilação não Invasiva (VNI), verificamos diferenças na SF (Z = -1,971, sig = 0,049), onde os cuidadores das pessoas com VNI apresentam scores superiores aos que não têm VNI (ordenações médias 16,98 vs 9,58). Verificamos ainda a existência de diferenças no valor de QASCI total (t = -2,194; gl = 16,91; sig = 0,042), em que os cuidadores de pessoas que têm VNI apresentam médias superiores aos que não tem VNI (37,97 ± 17,17 vs 27,21 ± 8,40).
Na associação entre a sobrecarga do cuidador informal e a perceção de QdV da pessoa com ELA observa-se correlação positiva, entre a dimensão SupF e o domínio Alimentação (r = 0,404; sig = 0,033). Relativamente ao domínio Emocional apresenta correlações positivas, com as dimensões SE e IVP (respetivamente p = 0,500; sig = 0,007 e p = 0,413; sig = 0,029). Existem ainda correlações negativas, entre o domínio Emocional e a dimensão MEC (r = -0,469; sig = 0,012).
Discussão
A ELA é uma doença incapacitante, sendo mais frequente nos homens e em adultos e idosos. Neste estudo as pessoas com ELA têm uma distribuição homogénea por sexo, o que não se observa nos estudos mais recentes em que a prevalência no sexo masculino é ligeiramente superior (Maragakis & Galvez-Jimenez, 2018). São predominantemente adultos e idosos (66,4 ± 11,17 anos), em que nenhuma das pessoas com ELA se encontra a exercer atividade profissional. Quanto ao estado civil, são maioritariamente casados/união de facto. As habilitações literárias variam entre sem escolaridade até ao ensino superior, com maior frequência de pessoas no 1º ciclo.
Os cuidadores são maioritariamente do sexo feminino (76,7%), o que vai de encontro a estudos semelhantes (Almeida et al., 2017; Martins, 2006). Para a mulher, entre os vários papéis desempenhados, o de cuidadora é histórico e culturalmente evidenciado. Durante muito tempo as mulheres foram responsáveis pela prestação de cuidados a familiares em fase aguda ou crónica de doença (Martins, 2006). São todos adultos, com uma percentagem considerável de grandes idosos. O envelhecimento demográfico e o aumento da incidência e da prevalência de doenças crónicas ou incapacitantes revelam-se decisivos para o acréscimo de casos de pessoas dependentes no contexto familiar e, consequentemente, do envelhecimento dos próprios cuidadores. Os cônjuges idosos são assim uma das maiores garantias de suporte na velhice (Lage, 2007). Quanto ao estado civil, a maior parte são casados ou vivem em união de facto. As habilitações literárias variam entre saber ler/escrever e o mestrado, sendo o mais representado o 1º ciclo. Quanto à situação profissional, 40,0% são ativos profissionalmente. Relativamente à relação de parentesco com o doente, é maioritariamente o cônjuge que assume o papel de cuidador informal, que pode também ser assumido por filhos, pais e irmãos.
Quanto às características clínicas, a maioria dos doentes apresenta ELA de início bulbar, seguido de ELA medular e uma pequena parte do tipo respiratória, contrariamente ao observado em outros estudos (Fearon et al., 2015). Metade das pessoas que integraram o estudo, refere início da sintomatologia há menos de 5 anos, no entanto, 16,7% tem diagnóstico há mais de 10 anos, o que vai de encontro ao que referem Maragakis e Galvez-Jimenez (2018), em que a sobrevida média descrita é de 3 a 5 anos, mas que é possível encontrar pessoas com ELA com mais de uma década de evolução, em consequência de uma intensa e criteriosa assistência.
Os resultados da avaliação funcional das pessoas com ELA indiciam que a maioria apresenta grau muito grave de dependência, sendo a função motora a mais afetada, o que pode significar, para os cuidadores, um maior desempenho de atividades físicas para substituir o doente, implicando maior sobrecarga. Relativamente à capacidade respiratória, constata-se que é a dimensão que apresenta melhor função, facto que pode ser explicado pelo uso atempado de ajudas técnicas como VNI e tosse mecanicamente assistida.
Na sobrecarga dos cuidadores prevalece a sobrecarga moderada (56,7%). Da análise dos resultados é relativamente na dimensão RE que apresentam menor sobrecarga (25,67 ± 21,76), ou seja, os cuidadores têm a perceção que dão resposta às exigências decorrentes do seu papel. Por outro lado, é na dimensão MEC que apresentam maior sobrecarga (66,39 ± 21,50). As exigências inerentes ao cuidar prolongado e cada vez mais exigente podem traduzir-se num desgaste progressivo e na incapacidade de recorrer a estratégias de coping por parte dos cuidadores e, consequentemente, maior sobrecarga.
Quanto às características sociodemográficas do cuidador associadas à sobrecarga, verificamos que a idade se correlaciona positivamente com a dimensão SupF: quanto maior a idade, maior o nível de sobrecarga nesta dimensão. Sabendo que a SupF se refere ao reconhecimento e apoio da família perante acontecimentos provocados pela situação de doença e adaptação do familiar (Martins, 2006), podemos avançar a hipótese de que o declínio físico e cognitivo inerente ao processo de envelhecimento leva a uma maior perceção de sobrecarga. A sua própria condição de idosos pode implicar maior perceção de fragilidade e de que eles próprios precisam de ser cuidados. Relativamente ao grau de parentesco, verificamos que nas dimensões SF e SupF os cônjuges apresentam maior sobrecarga que outros familiares. Dos cônjuges é, naturalmente, expectável apoio e suporte aos vários níveis na vida em conjunto e não de dependência. Este facto poderá explicar a perceção de maior sobrecarga por parte dos cônjuges nestas dimensões. Na situação profissional observamos que, nas dimensões RE e SupF, os não ativos apresentam maior sobrecarga que os ativos. Nos cuidadores ativos, apesar da sobrecarga que possam sentir, a diferenciação de papéis pode moderar este efeito, a possibilidade de desempenhar funções diferentes e contactar com outras pessoas pode relativizar o papel de cuidador, proporcionando uma menor perceção de impacto desse papel.
Apuramos também a existência de correlações significativas entre o nível de sobrecarga e os domínios QdV percebidos pelo cuidador. Esta relação é negativa, em que cuidadores com maiores níveis de sobrecarga apresentam pior perceção de QdV, sendo nas dimensões IVP, MEC e QASCI Total que se observam correlações mais forte (r > 0,7). Os cuidadores com maior sobrecarga apresentam mais alterações ao nível da saúde mental que se manifestam por fadiga e pior perceção de QdV (Galvin et al., 2016; Pagnini et al., 2010).
Também as características clínicas do doente têm impacto na sobrecarga percebida pelo cuidador. O grau de dependência, o número de horas de cuidados e a necessidade de VNI têm implicações na sobrecarga, devendo considerar-se que são sobretudo estas características que definem o tipo, a quantidade e a qualidade de cuidados. Por isso, o seu peso na sobrecarga sentida é impactante. O grau de dependência tem repercussões na SE e nas IVP, sendo que quanto mais dependente o doente, maior é o nível de sobrecarga. Esta relação justifica-se pelo facto da pessoa com ELA que apresenta menor funcionalidade ser mais dependente e exigente para o cuidador. As tarefas desempenhadas pelo cuidador são em maior quantidade e de maior complexidade (Ex: alterações da mobilidade, necessidade de suporte ventilatório e alimentar ou alterações comunicação) e implicam um maior dispêndio de tempo nos cuidados e um maior desgaste físico e emocional do cuidador (Bruletti et al., 2015; Pinho & Gonçalves, 2016). O número de horas de prestação de cuidados apresenta associação com as dimensões IVP e RE, em que quanto mais horas de cuidados, maior a sobrecarga. Conforme descreve de Wit et al. (2018), à medida que a doença progride, tanto no agravamento dos sintomas como na dependência, o cuidador sente limitação no tempo para satisfazer as suas próprias necessidades, assim como diminuição da energia para realizar atividades de lazer. Quanto à dimensão RE, o cuidador poderá sentir que é mais solicitado pelo doente do que realmente é necessário. Quanto à presença de VNI verificamos que, na dimensão SF, os cuidadores das pessoas com VNI apresentam mais sobrecarga. A situação de doença exige, por si só, um esforço financeiro de quem cuida. O desemprego, as baixas médicas ou até as reformas antecipadas podem ter impacto económico significativo na vida destas famílias. Por outro lado, esta perceção pode agudizar-se com a colocação da VNI, sendo esta uma das primeiras medidas mais adversas e que pode contribuir para a perceção de agravamento da dependência por parte do cuidador.
Quanto à QdV das pessoas com ELA, grande parte apresenta sempre dificuldades. Em conformidade com Bandeira (2010), verificou-se pior QdV na Mobilidade e melhor QdV na Alimentação. De referir que o domínio Emocional não é dos que apresenta os piores indicadores (56,25 ± 25,02), o que pode ser explicado pelas diferentes habilidades de superação, mas também pela assistência clínica, pela rede de apoio existente e devido aos doentes permanecerem no domicílio.
A perceção de QdV da pessoa com ELA tem influência na sobrecarga sentida pelo cuidador. Quanto pior a perceção de QdV da pessoa com ELA no domínio Emocional maior a sobrecarga sentida pelo cuidador nas dimensões SE e IVP, situação similar no domínio Alimentação da QdV, onde a sobrecarga na dimensão SupF é maior.
Como limitações ao estudo, destacamos a dimensão da amostra e a técnica amostral, que não permitem a generalização de resultados e a delimitação do estudo a uma região específica. Futuramente será necessária maior investigação nesta área abrangendo uma amostra maior e multicêntrica.
Conclusão
A ELA é uma doença degenerativa do sistema nervoso central, rapidamente progressiva e rara. Em Portugal estima-se que existam cerca de 800 portadores. À medida que a doença progride, os doentes necessitam de um elevado número de cuidados: acompanhamento clínico especializado; unidades especializadas de internamento prolongado e para descanso do cuidador; ajudas técnicas adaptadas e em tempo útil face à rápida progressão da doença; respostas mais céleres e específicas em serviços de medicina física e reabilitação; cuidador permanente para atividades da vida diária e apoio acrescido às famílias aos vários níveis, entre outros.
A compreensão dos fatores relacionados com a QdV e com a sobrecarga torna-se cada vez mais importante e considera-se necessário que a sociedade conheça o impacto biopsicossocial da doença na vida dos doentes e dos cuidadores, de forma a permitir e fomentar o desenvolvimento de políticas públicas dirigidas a estas pessoas.
Os resultados permitem salientar que a amostra de doentes é constituída maioritariamente por adultos, não ativos, portadores de ELA do tipo bulbar. O perfil do cuidador corresponde a um familiar adulto, maioritariamente cônjuge, com instrução básica e com maior prevalência do sexo feminino. A família é a primeira e a mais solicitada na organização de cuidados. Os resultados revelam uma sobrecarga moderada o que indicia a importância de resposta das redes de apoio, de forma a diminuir esta sobrecarga, uma vez que os cuidadores são os pilares da permanência destes doentes no domicílio. Os cuidadores mais idosos, os cônjuges e os não ativos expressam níveis mais elevados de sobrecarga, sobretudo ao nível da dimensão familiar. A perceção de QdV do cuidador é influenciada negativamente pela sobrecarga.
Os níveis de sobrecarga também são mais elevados nos cuidadores de doentes mais dependentes, que necessitam de mais horas de cuidados e com necessidade de VNI. Conclui-se que o agravamento da funcionalidade e a necessidade de cuidados complexos tem impacto nos níveis de sobrecarga e na perceção de QdV.
Deste estudo emergiram algumas recomendações para melhorar o apoio aos cuidadores: empoderamento dos cuidadores através de informação e educação para a saúde; aliviar a sobrecarga com resposta proactiva dos profissionais em relação aos cuidadores; avaliação atempada das necessidades do cuidador atendendo à rápida progressão da doença e dotação de recursos de uma forma flexível e atempada.