Introdução
Segundo a Direção-Geral da Saúde (DGS), as doenças do aparelho circulatório constituem cerca de 44% do total de causas de morte em Portugal (DGS, 2017). Particularmente, o enfarte agudo do miocárdio (EAM) é uma patologia que resulta em valores de mortalidade entre 17% e 45% dos doentes admitidos nos hospitais, sendo causa de várias limitações funcionais.
Para o tratamento da doença cardiovascular, com o intuito de promover a maior autonomia e capacidade funcional da pessoa, a reabilitação cardíaca (RC) assente em programas de reabilitação cardíaca (PRC) é determinante. Neste sentido, e para tornar os cuidados de saúde mais eficazes, bem como para combater os efeitos da imobilidade no leito e/ou a falta de atividade, têm surgido inovações na área da saúde que evidenciam potencial para a melhoria da qualidade dos cuidados, tornando a enfermagem mais capaz e proficiente na utilização de novas tecnologias (Brysiewicz et al., 2015). Na área da reabilitação, tem-se assistido a um aumento no desenvolvimento de dispositivos de assistência que contribuem para a melhoria da atividade física, embora muitos dos dispositivos apresentem enormes limitações, com eficácia insatisfatória (Qian & Bi, 2014).
O dispositivo em causa denomina-se Ablefit, consistindo num dispositivo que se acopla aos pés ou à cabeceira da cama, permitindo mobilizações ativas/passivas dos membros superiores e inferiores, enquanto a pessoa está no leito. Atualmente, existem dois protótipos funcionalmente distintos. O alfa tem características importantes a nível da portabilidade, uma vez que se pode dobrar e arrumar facilmente, sendo constituído por um sistema simples de roldanas, que permite realizar vários exercícios a nível dos membros superiores. Para os membros inferiores é possível utilizar um cicloergómetro. O protótipo beta apresenta a capacidade capacidade de realizar biofeedback em tempo real, ao permitir quantificar a força, tempo e intensidade dos exercícios, enviando os dados para um computador associado. Além disso, inclui elásticos com diferentes resistências, favorecendo a progressão do programa de exercícios. O cicloergómetro não foi incluído na conceção deste protótipo.
Dado que na primeira fase de RC ocorre uma diminuição significativa do estado funcional e da qualidade de vida, a presente investigação pretende descrever os dois protótipos do Ablefit a nível da funcionalidade e aprendizagem para doentes pós-enfarte, incluídos na primeira fase de um PRC, tendo também em conta a perspetiva de enfermeiros de reabilitação.
Enquadramento
A American Heart Association indica que a prevalência de doenças cardiovasculares, particularmente EAM, acidente vascular cerebral (AVC) e hipertensão arterial, em adultos com mais de 20 anos é de cerca de 48% (Virani et al., 2020). Em Portugal, segundo a DGS, as doenças do aparelho circulatório constituem cerca de 44% do total de causas de morte (DGS, 2017). A seguir ao AVC isquémico e à insuficiência cardíaca, o EAM é a patologia cardíaca com maior número de internamentos-cerca de 11500 por ano-com uma evolução favorável do número de óbitos ao longo dos anos-atualmente, com uma média de 849 mortes/ano.
Clinicamente, pode definir-se o EAM como uma síndrome causada por défices estruturais e funcionais a nível do miocárdio, com desenvolvimento rápido de sinais e sintomas, resultando em incapacidade de enchimento ventricular ou ejeção sanguínea (Zakeri & Cowie, 2018).
A apreciação inicial do enfermeiro especialista em enfermagem de reabilitação (EEER), numa perspetiva de prevenção de complicações, deve sobretudo incidir na tolerância do doente à atividade e no conhecimento sobre a mobilidade apresentada antes da doença (Potter & Perry, 2018). Assim, em contexto de internamento, a apreciação da mobilidade deve englobar a coordenação e o equilíbrio estático e dinâmico do doente, sobretudo quando este já apresenta capacidade para deambulação. Procurando antecipar a inclusão da pessoa num PRC, o EEER deve também, assim que possível, avaliar a capacidade da pessoa para realizar as atividades de vida diária e qual a aptidão para participar num programa de exercícios (Potter & Perry, 2018).
A primeira fase da RC-fase hospitalar-corresponde ao período de internamento, tem vindo a ser encurtada ao longo do temo, principalmente por causa da maior frequência de intervenções coronárias percutâneas e, também, para reduzir os danos associados ao repouso prolongado (Ordem dos Enfermeiros, 2020). Para isto tem contribuído a utilização de intervenções assistidas por dispositivos médicos, cuja aplicação evidencia resultados importantes na recuperação funcional motora destes doentes. Para doentes acamados e com força muscular reduzida, numa situação de institucionalização prolongada, alguns programas de reabilitação convencionais, como deambulação progressiva ou treinos de transferências e resistência, podem ser demasiado exigentes. De facto, a literatura reporta uma taxa de abandono de 90% para programas de reabilitação deste tipo (Brown et al., 2006). Desta forma, o desenho de intervenções mais eficazes e motivadoras para a pessoa deve ser amplamente considerado na prática do EEER, particularmente através da utilização de dispositivos que facilitem o trabalho da pessoa, tornando os processos de readaptação funcional mais atrativos.
Questões de investigação
Segundo os EEER, como se caracteriza o protótipo alfa e o protótipo beta do Ablefit, quanto à funcionalidade e à aprendizagem?
Metodologia
Investigação de natureza qualitativa, consiste num estudo observacional com recurso a grupos focais. Assim, foram recrutados EEER através do método não-probabilístico de amostragem tipo bola de neve. É, portanto, uma amostra de conveniência.
Consideraram-se os seguintes critérios de inclusão: enfermeiros com habilitações mínimas de Pós-Licenciatura de Especialização em Enfermagem de Reabilitação; experiência clínica de pelo menos 3 anos enquanto enfermeiros de cuidados gerais ou EEER. Como critérios de exclusão: enfermeiros de cuidados gerais; contacto prévio com o dispositivo em estudo (seja teórico, por conhecimento do conceito subjacente; seja prático, por experimentação prévia). Os participantes considerados elegíveis para integrar o estudo receberam toda a informação necessária para assinarem o consentimento informado, que descreve claramente o objetivo do estudo, os procedimentos inerentes à investigação e a natureza voluntária da participação. A privacidade e a confidencialidade foram mantidas pela utilização de códigos de identificação nas transcrições, correspondentes a cada um dos participantes.
Antes do contacto com os participantes, a equipa de investigação procedeu à gravação de dois vídeos com o funcionamento de cada um dos protótipos do Ablefit. Este dispositivo foi especificamente concebido para a reabilitação de doentes acamados. O protótipo alfa integra um conjunto de componentes desmontáveis, versáteis e personalizáveis, possuindo um conjunto de roldanas que permitem realizar mobilizações dos membros superiores de forma controlada, através de um elástico único, mas sem quantificação de resistência, e também um cicloergómetro para os membros inferiores. O protótipo beta é em tudo semelhante ao anterior, mas de estrutura mais rígida e no qual se substituiu as roldanas e cicloergometria por elásticos com várias resistências, além de se ter incorporado um sistema de biofeedback, com o qual se caracteriza os movimentos realizados pela pessoa (tempo, força, intensidade).
Os dois vídeos foram posteriormente editados com voz-off para descrever as ações demonstradas pelo vídeo, o que facilitava a compreensão, e foram juntos num único, com a duração média de 6 minutos. Os participantes foram convidados mediante um e-mail, que incluiu o consentimento. O recrutamento decorreu entre maio e junho de 2020.
Após resposta positiva e envio do consentimento devidamente assinado, foi novamente enviado um e-mail individual com um Doodle para que a pessoa indicasse a disponibilidade para um de três grupos focais, que decorreram no mês de julho de 2020.
As sessões decorreram via Zoom, com recurso a gravação das mesmas para posterior transcrição, com autorização dos envolvidos. Após uma breve apresentação, foi mostrado o vídeo referido anteriormente e, de seguida, foi enviado pelo chat geral da plataforma Zoom um link do Google Forms para preenchimento do questionário sociodemográfico. Depois, os moderadores, que previamente tinham estudado o guião e que permaneceram sempre os mesmos ao longo da investigação, orientaram a discussão, com questões abertas, promovendo a participação de todos e evitando eventuais “desvios” do tópico, de acordo com o guião elaborado pela equipa de investigação. Cada sessão teve a duração média de 1 hora. Foi solicitada a apreciação da Comissão de Ética da Unidade de Investigação em Ciências da Saúde. Enfermagem (UICISA:E), tendo-se obtido parecer favorável (P671-05/2020).
A análise estatística e o tratamento dos dados foram realizados com recurso ao programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS v25) e a análise de conteúdo recorreu ao programa ATLAS.ti v7, tendo em conta os pressupostos apresentados por Bardin (2016).
Resultados
Foram realizados três grupos focais, o primeiro com 5 enfermeiros, o segundo com 6 enfermeiros e o terceiro com 5 enfermeiros, totalizando uma amostra total de 16 participantes (Tabela 1). Destes, 68,8% (11) eram do sexo masculino, com uma média de idades de 31,38 anos (DP = 7,63). Relativamente a formação académica, além da especialidade em Enfermagem de Reabilitação, 25% (4) tinham pós-graduação, 31,3% (5) mestrado, 18,8% (3) doutoramento e 6,3% (1) pós-doutoramento. A maioria, 75% (12), exercia funções em instituições hospitalares públicas e os restantes 25% (4) trabalhavam na área do ensino superior, nomeadamente em escolas de Enfermagem. Dos que trabalhavam em instituições hospitalares públicas, verifica-se que as unidades/serviços são diversificadas: medicina intensiva 12,5% (2), gastroenterologia 6,3% (1), pediatria 6,3% (1), oncologia médica 12,5% (2), medicina interna 25% (4), medicina física e de reabilitação 6,3% (1) e cirurgia cardiotorácica 6,3% (1). Quanto ao tempo de exercício profissional como enfermeiro, 56,3% (9) apresentavam uma experiência superior a 20 anos. Como especialista de reabilitação, a maioria 37,5% (6) exercia entre 11 e 20 anos.
Da realização dos grupos focais emergiram 12 categorias principais que, depois de relacionadas com os resultados empíricos, permitiram descrever três grandes dimensões: Funcionalidade e aprendizagem (D1); Intencionalidade e aprendizagem (D2); e Complexidade e aprendizagem (D3; Figura 1). Relativamente à primeira dimensão, objeto de estudo neste artigo, considera-se que diz respeito à aplicabilidade do dispositivo em vários contextos, à sua utilização por parte dos utilizadores e ao tipo de funcionalidade que permite.
A primeira dimensão é constituída pelas categorias áreas de aplicação, biofeedback, segurança, ergonomia e facilidade de uso, programa de exercício físico e reabilitação cardíaca.
No que diz respeito às áreas de aplicação, de uma forma geral, todos os participantes referiram que ambos os protótipos em estudo tinham uma aplicação muito mais abrangente que a reabilitação cardíaca e que, de facto, deveria ser desenvolvido tendo esta perspetiva em conta: “Em todas as enfermarias. Quer seja na medicina, neurocirurgia, todas” (E1.2); “na minha perspetiva, ele adapta-se às mais diversas questões . . . parece-me que isto traz aqui quase que um mundo interior de capacidades . . . . Ou seja, isto bem analisado e esmiuçado, é transversal à maior parte do que quisermos fazer em termos de reabilitação” (E2.1).
Relativamente à funcionalidade de biofeedback do protótipo beta, grande parte dos participantes consideraram que deveria ser direcionada não apenas ao profissional, mas também ao doente: “Sim, mas isso aí [biofeedback ao doente] eu acho que sim, que era importante” (E1.2); “Não só monitorização por parte do enfermeiro de reabilitação . . . também para o próprio doente” (E1.5); “[feedback dos parâmetros] para o doente” (E1.6); “seria eventualmente interessante que a pessoa que faz o exercício, neste caso o doente, pudesse ter ele próprio, no momento, algum feedback” (E2.1); “Acho que o paciente tem que ter estímulo e feedback” (E2.5).
No que toca às vantagens do biofeedback incorporado no sistema, os enfermeiros identificaram o facto de permitir, com maior facilidade, interagir não só com o doente, mas também com o potencial cuidador: “E essa telemonitorização à distância, pelo profissional, utilizando um pouco o cuidador informal, como um parceiro” (E1.3). Além disso, a visualização, em tempo real, permite notar na evolução da pessoa e eficácia do tratamento: “É importante que haja esses parâmetros . . . para podermos avaliar e apresentar a nossa evolução” (E1.5); “ importantes para nós monitorizarmos os ganhos em saúde dos doentes” (E1.1). Sobre que parâmetros deveriam ser avaliados durante o exercício físico, houve um consenso geral entre os enfermeiros, que referiram com frequência a inclusão dos sinais vitais: “além da frequência cardíaca, tensão arterial, saturação” (E1.1); “Eu poria realmente os parâmetros vitais, principalmente a frequência cardíaca” (E1.5); “Frequência cardíaca e frequência respiratória” (E1.3); “A saturação também” (E1.6); “A saturação, sim” (E1.2); “Frequência cardíaca alvo . . . e frequência respiratória” (E2.6); “A frequência respiratória” (E2.1); “Saturação . . . . Depois, os sinais vitais . . . sem dúvida, a monitorização cardíaca seria essencial” (E2.2); “Podíamos programar desde a frequência cardíaca, a tensão arterial” (E2.4); “Consumo de oxigénio” (E3.3.); “Tensão arterial e frequência cardíaca” (E3.5); “Com monitorização cardíaca, com saturação e tensão arterial” (E3.4). Além dos sinais vitais referidos, foram sugeridos outros parâmetros relevantes para a área cardíaca como o esforço: “e há um instrumento tão simples como a escala de Borg, em que o doente consegue avaliar a sua perceção subjetiva do esforço. Há a escala de Borg modificada, e que pode ser bastante importante para o doente monitorizar o próprio esforço” (E1.1); “taxa de esforço” (E2.4).
Alguns enfermeiros referiram que o biofeedback deveria ser feito com recurso a estímulos positivos em tempo real, e que são mostrados ao próprio doente: “Penso que era importante fazer a monitorização da evolução e dar um feedback . . . com uma imagem de um emoji sorridente, ou um emoji mais pensativo, ou um emoji que represente que é preciso mais esforço” (E1.3).
A incorporação da telemedicina no dispositivo como forma de informar o profissional, a pessoa e o cuidador também foi valorizada: “mas é preciso haver telemedicina” (E1.2).
É interessante notar que, para além dos parâmetros mais habituais, alguns enfermeiros identificaram alguns que não são tão frequentes, mas que seriam importantes neste contexto como “a amplitude articular” (E2.5) e a “expansibilidade da caixa torácica, expansibilidade pulmonar” (E2.2).
No tópico da segurança e ergonomia, surgiu uma preocupação frequente com os apoios para as mãos e para os pés: “Era importante ser uma bota de velcro, ou algo que seja higiénico, sobretudo para a utilização de um doente para o outro” (E1.3); “uma espécie de luvas de velcro que desse maior estabilidade . . . e depois uma espécie de sapato também de velcro” (E1.1); “em vez de ser com aquela coisa que vocês tinham, que era para as mãos, ter uma coisa que seja mais adaptada” (E1.2). No que respeita à segurança, e que foi apontado como desvantagem de ambos os protótipos, foi a questão da estabilização do dispositivo à cama: “Apresentaram que o protótipo dois tinha barras de alumínio. Se for de carbono pode ser mais leve” (E1.3); “Achei que o alfa era um bocado trémulo e não era muito estável” (E1.5); “Eu diria rever ou melhorar o processo de estabilização de um e de outro” (E1.6). Foram várias as sugestões para tornar o dispositivo mais seguro e confortável para a pessoa: “Isso não poderá ter alguma forma de limitar cargas?” (E1.2), “E criar um perfil ou patamar de segurança” (E1.6).
A utilização do dispositivo para implementar um programa de exercícios foi também um tema importante durante os grupos focais. Foi referido que “a dificuldade está na prescrição de exercício” (E1.6), uma vez que “há vários parâmetros (E1.2). O plano de exercícios prescrito no contexto de pós-enfarte, não obstante a monitorização destes parâmetros, deve ser progressivo - os exercícios têm que ser progressivos” (E1.5); “o doente iria sentir esses ganhos progressivos” (E1.1). Mais especificamente teriam que começar “eventualmente com um período de tempo curto - 5 a 10 minutos, inicialmente - nos primeiros dias. Depois, conseguiríamos entrar na parte aeróbica” (E1.1).
Foi também realçado o papel da educação para a saúde: “temos de ter um papel muito importante no ensino do exercício físico . . . temos de ensinar o doente acerca das contraindicações” (E1.1).
O protótipo alfa, ao impedir a modelação da dificuldade nos elásticos e cicloergómetro, permite que os movimentos sejam “feitos com uma resistência constante, o que permite uma maior garantia, na minha experiência, da realização de exercícios abaixo do limiar anaeróbio” (E2.2). De facto, no protótipo beta, não se consegue trabalhar sempre em contexto aeróbio, o que pode trazer desvantagens para o doente cardíaco: “considero que é uma vantagem [trabalhar em situação aeróbica] para um doente com enfarte agudo do miocárdio, na fase I . . . . Com os elásticos, à partida, haverá um aumento da resistência no final do movimento . . . obrigando a pessoa a fazer maior tensão do que no início do próprio movimento” (E2.2). Apesar disso, o elástico pode permitir resolver a dificuldade que o doente tem em iniciar o movimento: “Acho uma mais-valia a tensão do elástico. Porquê? Normalmente, os doentes têm dificuldade em iniciar o movimento, que é quando o elástico faz menos força” (E2.5).
Sobre a RC, os participantes enfatizaram que em doentes em situação de pós-enfarte do miocárdio é necessário ter especial atenção à intensidade e progressão dos exercícios: “Na fase I de reabilitação cardíaca . . . é que temos de ter em atenção a intensidade do exercício” (E1.5); “ponderar muito bem qual é a resistência do primeiro elástico” (E1.3). É também importante uma adequada monitorização destes doentes, especialmente durante o exercício físico: “grande parte dos serviços que tratam a fase 1 da reabilitação cardíaca, à partida, é obrigatório os doentes estarem monitorizados” (E2.2); “Estes doentes não fazem exercício sem estarem devidamente monitorizados” (E3.4).
Discussão
A presente investigação procurou descrever os dois protótipos do Ablefit a nível da funcionalidade e aprendizagem para doentes pós-enfarte, e incluídos na primeira fase de um PRC, tendo também em conta a perspetiva de Enfermeiros de Reabilitação.
A frequente falta de adesão aos PRC incentiva o desenvolvimento de abordagens alternativas, com novas formas de monitorização e vigilância ativa para estes doentes (Mampuya, 2012).
Embora ambos os protótipos tenham sido desenvolvidos para permitir a realização de exercício físico em doentes acamados, este estudo focou o doente cardíaco, considerando-o como uma população vulnerável, particularmente no contexto da manutenção da capacidade funcional. De facto, segundo Lara et al. (2017), no contexto da RC, a utilização de tecnologia é um método promissor e que deve ser explorado.
A tecnologia desenvolvida deve ser um catalisador dos planos de exercício físico incorporados em PRC e um coadjuvante da prática do profissional. Segundo Claes et al. (2017), a RC baseada em exercício físico - objetivo do desenvolvimento do Ablefit -favorece a recuperação após um episódio de doença cardiovascular, com uma redução de 15% a 31% na mortalidade associada.
Uma das grandes desvantagens apontadas no protótipo alfa é o facto de não poder variar a resistência dos exercícios de uma forma intuitiva e fácil, ao contrário do beta, que, de uma forma intuitiva, permite alterar elásticos e enriquecer o programa de exercício com intensidades diferentes. A literatura é consensual com o facto de ser fulcral a necessidade de desenhar planos de exercícios progressivos para melhorar a capacidade funcional da pessoa (Mytinger et al., 2020). Particularmente no caso do doente cardíaco incluído num PRC, a inclusão de exercício com cargas progressivas tem um efeito multiplicador na capacidade funcional (Mytinger et al., 2020). Embora haja uma preocupação com o facto de o doente estar numa fase aguda e acamado e, portanto, em maior risco quando sujeito a períodos de exercício mais ou menos intensos, Zengin et al. (2020) num estudo observacional com 100 doentes com diagnóstico de STEMI, concluíram que 8 semanas de reabilitação cardíaca não produziu nenhum efeito significativo na variabilidade da frequência cardíaca, o que favorece a sua aplicação.
A utilização de bandas elásticas tem trazido inúmeras vantagens aos planos prescritos com o objetivo de incrementar a capacidade funcional e força muscular. Segundo uma recente revisão sistemática da literatura (Lopes et al., 2019), embora os efeitos da utilização de bandas elásticas em treinos de resistência, comparados com os efeitos da utilização de dispositivos convencionais, sejam similares, os elásticos podem ser mais vantajosos, sobretudo pelo custo de aquisição mais baixo, facilidade de utilização e flexibilidade quanto ao local onde pode ser usado. Muitos dos participantes dos grupos focais mostraram uma preocupação com a dinâmica de exercício que é gerada pela utilização de elásticos, particularmente porque podem perder eficácia no fim do movimento, influenciando o potencial dos exercícios excêntricos. Neste sentido, e segundo Suchomel et al. (2019) as ações musculares excêntricas envolvem o alongamento do tecido muscular contra uma força externa, ao contrário das ações isométricas e concêntricas. Segundo estes autores, os movimentos excêntricos, quando comparados aos restantes, apresentam respostas musculares específicas, que incluem maior capacidade de produção de força e menor custo metabólico, o que corrobora a preocupação dos participantes em manter a eficácia dos exercícios, com a utilização de bandas elásticas.
Os parâmetros mais comumente referidos pelos participantes foram os sinais vitais, nomeadamente a tensão arterial, o que segue o proposto por Jarvis & Saman (2017), que se preocuparam em estudar os efeitos da hipertensão, concluindo que esta produz tanto hipertrofia como disfunção do miocárdio. No contexto de RC Fase I, onde é importante adaptar o exercício à pessoa, tal como indicado pelos EEER nos grupos focais, o biofeedback constitui, de facto, um procedimento relevante. Para Giggins et al. (2013) fornecer biofeedback a doentes e clínicos pode ter efeitos terapêuticos benéficos, uma vez que permite aos utilizadores ganhar controlo de alguns processos fisiológicos. Particularmente em doentes pós-EAM e numa situação de maior vulnerabilidade e menor tolerância ao esforço, a FC parece ser determinante, tal como expresso nos resultados deste estudo. Os enfermeiros estavam particularmente preocupados com o estabelecimento de níveis de segurança.
Relacionado com a individualização dos PRC, a aplicação de testes funcionais parece ganhar importância. Os participantes manifestaram alguma insistência na inclusão da escala de Borg em ambos os protótipos, o que está de acordo com a literatura que refere que esta escala deve ser utilizada para monitorizar a intensidade subjetiva percebida pelo doente (Mytinger et al., 2020). Para além da operacionalização dos parâmetros de biofeedback, os enfermeiros que participaram nos grupos focais referiram a possibilidade de se introduzir realidade virtual no dispositivo em desenvolvimento. Isto constitui uma preocupação acrescida por maior precisão no controlo das variáveis fisiológicas, o que permite concordar com Chau et al. (2019), que recomenda que o desenvolvimento deste tipo de dispositivos foque prioritariamente funcionalidades únicas ou que favoreça a tecnologia wearable.
Algumas limitações do estudo são a inclusão de poucos enfermeiros da área cardíaca, o que pode ter empobrecido ou diminuído a variedade de sugestões. Por outro lado, o facto de os enfermeiros não terem experimentado, na prática, os protótipos em funcionamento, pode ter contribuído para uma perceção menos rica. Para investigação futura, propõem-se particularmente a exploração mais detalhada da parametrização com biofeedback no desenvolvimento do Ablefit ou de outros dispositivos semelhantes.
Conclusão
Os dispositivos médicos desenvolvidos por enfermeiros são importantes como fatores facilitadores da recuperação e dos padrões de resposta, permitindo que a pessoa se sinta ligada e envolvida no seu próprio processo de recuperação. O procedimento de adaptação e personalização deste tipo de dispositivos envolve a identificação de potencialidades e limitações, com consequente melhoria dos protótipos a desenvolver, nomeadamente a nível da funcionalidade e grau de aprendizagem. Neste sentido, o presente estudo permitiu verificar que o protótipo alfa, quando comparado com o beta, não permite uma variação da resistência de forma intuitiva e fácil, o que dificulta o manuseamento por parte do utilizador. Pelo contrário, o protótipo beta, mediante a integração de bandas elásticas, é mais vantajoso para os objetivos pretendidos, facilitando os processos de aprendizagem. Ainda, o biofeedback é uma função bastante importante para a RC, incrementando a funcionalidade fornecida pelo protótipo beta, sendo uma clara limitação do protótipo alfa. Por outro lado, ambos os protótipos devem aprimorar os apoios para as mãos e pés, como medida de segurança a adotar. Conclui-se que ambos os protótipos são funcionais, permitindo atingir-se o propósito para o qual foram concebidos, sendo que o beta é mais intuitivo e com uma curva de aprendizagem mais rápida. Ainda, o Ablefit, e dispositivos similares, constitui uma mais valia para a prática do enfermeiro de reabilitação, ao permitir que este desenhe planos de intervenção mais eficazes e com um papel ativo por parte da pessoa.