Introdução
A sociedade atual exige profissionais de saúde competentes que acompanhem as modificações operadas nos cuidados de saúde de forma a garantir serviços de alta qualidade e seguros, que respondam com eficiência e eficácia às necessidades de saúde dos cidadãos (Ahluwalia et al., 2017).Para tal, é necessário que a formação dos profissionais responda a estas exigências e que haja o compromisso constante com a atualização do conhecimento. Como apontam Fawaz et al. (2018) a educação em enfermagem tem um impacto significativo no conhecimento e nas competências dos enfermeiros.
A integração de diferentes estratégias de ensino, aprendizagem e avaliação ao longo do processo formativo dos estudantes, conduz à construção de diferentes habilidades de pesquisa, pensamento crítico, comunicação, entre outras. De entre as estratégias utilizadas nas últimas décadas, no ensino médico e de enfermagem, encontra-se o Journal Club (JC). De acordo com Topf et al. (2017), o JC é uma estratégia de ensino eficaz pela natureza informal que o carateriza, o que permite ao estudante, liberdade de trabalhar num ambiente adequado à aprendizagem. Esta estratégia é usada tanto em ambiente clínico, quanto académico, e leva a que os estudantes desenvolvam habilidades de pesquisa e de avaliação , tornando-se competentes em prática baseada em evidências (PBE; Thompson, 2006), pela necessidade de análise crítica do conhecimento produzido e da discussão aberta entre pares.
A utilização da pesquisa é o elo entre a produção do conhecimento e a prática clínica, pelo que, o JC ao se centrar, como referido, na pesquisa e discussão de um artigo, é um veículo para a disseminação do conhecimento e para fomentar a PBE, contribuindo para os melhores resultados em saúde e para a apropriação de uma comunicação científica (Lachance, 2014; Topf et al., 2017). À medida que as instituições incorporam esta estratégia no seu quotidiano de trabalho e enfatizam políticas de prática informada na evidência, os novos profissionais compreenderão como o desenvolvimento desta estratégia durante o percurso de formação é importante (Thompson, 2006).
A maioria dos estudos apresenta aspetos positivos no uso do JC, ao nível da aprendizagem e da transferência do conhecimento para a prática clínica. No entanto, segundo Michelan e Spiri (2019) a avaliação desta estratégia pedagógica ainda é escassa. Dando resposta a esta fragilidade e decorridos três anos de aplicação desta estratégia pedagógica em contexto de ensino clínico (EC) dos estudantes do curso de licenciatura em enfermagem, considera-se ser importante proceder à sua avaliação, o que constituiu o objetivo deste estudo.
Enquadramento
O JC é definido como uma reunião educacional na qual um grupo de indivíduos discute artigos atuais constituindo um fórum de discussão. O debate permite a discussão, aproxima consensos, fomenta a partilha e a transferência de conhecimentos, uniformizando a prestação de cuidados na prática (Lachance, 2014; Mattila et al., 2013).
Foi instituído como estratégia de ensino e aprendizagem no âmbito do ensino de Medicina por Sir William Osler em 1875. Através da pesquisa, partilha e discussão de textos, conseguia-se incorporar a evidência científica na prática clínica (Michelan & Spiri, 2019).
O JC é um método de aprendizagem ativo que conduz ao desenvolvimento das habilidades de pesquisa e análise de literatura cientifica, leva a que os estudantes adquiram confiança nestes domínios e aumentem significativamente a leitura regular de artigos científicos (Sandefur & Gordy, 2016).
Os estudantes identificaram o JC como um método de aprendizagem colaborativa entre enfermeiros e estudantes de enfermagem, pois promove a discussão e traz novo conhecimento e novas perspetivas para a prática. Identificam como vantagens a promoção de habilidades de pesquisa, avaliação e comunicação de conhecimento científico e colaboração e relação com os enfermeiros. Como desvantagem, consideram esta estratégia bastante exigente (Laaksonen et al., 2013)geriatric, surgical or internal disease wards and students attending geriatric, psychiatric, medical nursing, health psychology or home care study modules. The sample consisted of nurses (n=216).
Outros estudos, com estudantes do ensino superior da área da saúde identificaram esta estratégia como promotora da aprendizagem do processo PBE. Relataram maior conforto na interpretação dos resultados de estudos científicos, um aumento nas habilidades de avaliação crítica e aumento da confiança na liderança de discussão, em grupo, de um artigo científico (Szucs et al., 2017).
Como estratégia pedagógica, o JC pode ter vários desenhos: um artigo, uma revista ou um tópico (Rich, 2006).
No contexto em estudo, o JC foi utilizado em contexto de EC no curso de Licenciatura em Enfermagem, como uma estratégia de ensino, aprendizagem e avaliação, que consiste na análise crítica de um artigo científico, sua apresentação e discussão numa reunião educacional com a equipa de enfermagem, no sentido da transferibilidade do conhecimento para a prática clínica.
O artigo selecionado deve estar diretamente relacionado com o contexto clínico de aprendizagem. Sempre que exista mais que um estudante no mesmo contexto, a temática trabalhada deve ser comum aos estudantes, e negociada com os intervenientes no processo de ensino, de aprendizagem e de avaliação. Cada estudante seleciona um artigo indexado em base de dados científicas de referência, centrando a pesquisa nos últimos cinco anos e com posterior validação do docente. A apresentação e discussão do JC, deve ser realizada em contexto clínico, com a presença da equipa de enfermagem e docente.
Questão de investigação
Que avaliação fazem os estudantes de enfermagem, da estratégia pedagógica JC?
Metodologia
Trata-se de um estudo exploratório e descritivo. A população acessível foi constituída pelos estudantes do curso de enfermagem de uma Escola Superior de Enfermagem, a frequentar o 8.º semestre do ano letivo 2019/2020, que realizaram o EC de cuidados primários/diferenciados na área de enfermagem médico-cirúrgica e de reabilitação, e que aceitaram responder de forma voluntária ao questionário. Destes, foram excluídos os estudantes que realizaram o referido EC inseridos em programas de mobilidade nacional e internacional (n = 236).
Atendendo ao tipo de estudo, selecionou-se como instrumento de recolha de dados o inquérito por questionário. A construção do mesmo assentou na revisão da literatura a partir da qual se identificaram um conjunto de premissas que integraram as questões do instrumento de recolha de dados. O questionário é constituído por duas partes. A primeira consta de uma nota introdutória onde é feita a identificação do estudo, a descrição do objetivo e a garantia do caráter voluntário da participação do estudante e da confidencialidade dos dados obtidos. A segunda parte integra duas questões de caracterização da amostra e um conjunto de itens avaliados numa escala tipo Likert que permite identificar as vantagens e desvantagens do JC como estratégia pedagógica. Esta parte culmina com duas questões abertas no sentido de os estudantes poderem expressar livremente a sua opinião face ao JC.
O questionário foi criado na ferramenta Google® Docs e realizado pré teste a 10 estudantes. Não havendo propostas de alteração e após parecer favorável da Comissão de Ética (P662_04/2020) foi disponibilizado o questionário através do link na área reservada da pasta académica da escola à totalidade dos estudantes do 4.º ano/8.º semestre para preenchimento online, durante o mês de julho de 2020. Na eventualidade de nem todos os potenciais participantes consultarem a área reservada, foi-lhes enviada uma mensagem de correio eletrónico com conteúdo similar.
No respeito pelos participantes foi garantida a confidencialidade e o direito à autodeterminação. A confidencialidade foi garantida através da atribuição de um código a cada questionário e o não questionamento de dados pessoais passíveis de identificar o estudante. O exercício à autodeterminação foi assegurado através da decisão do participante em aceitar ou recusar participar no estudo, após a leitura da informação da nota introdutória do instrumento de colheita de dados onde constou uma explicação sobre o estudo e a natureza da sua participação.
À medida que os dados foram recolhidos foram gravados automaticamente pelo aplicativo Google® Docs, com acesso exclusivo à equipa de investigação e verificado diariamente para cumprimentos dos pressupostos de segurança previstos para pesquisa com recurso a novas tecnologias (Im & Chee, 2002). Após o período de disponibilização do instrumento de recolha de dados obteve-se um índice de retorno de 23% com a participação de 55 estudantes: 49 (89%) dos participantes do sexo feminino e 6 (11%) dos participantes do sexo masculino.
Os dados foram trabalhados em conjunto não sendo possível a identificação de nenhum dos participantes. O tratamento de dados foi da inteira responsabilidade dos investigadores, recorrendo-se a uma abordagem quantitativa e qualitativa no tratamento dos mesmos.
Resultados
Ao serem questionados sobre a importância do JC todos os estudantes consideraram esta estratégia como importante no seu processo de aprendizagem.
Numa escala de importância de 1 (sem importância) a 5 (muito importante), 11% dos estudantes atribui uma importância de nível 3, 51% dos estudantes uma importância de nível 4 e 38% uma importância de nível 5 (Tabela 1).
Que importância atribui à realização do JC? | Sem Importância | Muito Importante | |||||||
1 | 2 | 3 | 4 | 5 | |||||
n | % | n | % | n | % | n | % | n | % |
0 | 0 | 0 | 0 | 6 | 11 | 28 | 51 | 21 | 38 |
Em relação ao grau de concordância com as vantagens/benefícios e desvantagens/limitações do JC, apesar do instrumento permitir distinguir o grau de concordância em discordo totalmente, discordo parcialmente, nem concordo, nem discordo, concordo parcialmente e concordo totalmente, optou-se, para uma mais fácil leitura e interpretação, por apresentar os resultados agrupados apenas com três graus de concordância: discordo, nem concordo, nem discordo e concordo.
Como vantagens (Tabela 2), 98% dos estudantes concordam que esta estratégia “aproxima a prática à evidência científica”, ao mesmo tempo que “permite o desenvolvimento de habilidades de avaliação crítica dos artigos” (98%) e “habilidades de apresentação e comunicação” (94%).
Grau de concordância com cada uma das vantagens/benefícios do JC | Discordo | Nem concordo, nem discordo | Concordo | |||
---|---|---|---|---|---|---|
n | % | n | % | n | % | |
Aproxima a prática à evidência científica | 1 | 2 | 0 | 0 | 54 | 98 |
Aproxima os diversos intervenientes no processo de ensino aprendizagem | 2 | 6 | 11 | 47 | 85 | |
Enriquece o processo de aprendizagem coletiva | 1 | 2 | 5 | 9 | 49 | 89 |
Enriquece o processo de aprendizagem individual | 0 | 0 | 3 | 5 | 52 | 95 |
Estimula a introdução de práticas de trabalho mais sustentadas | 1 | 2 | 4 | 7 | 50 | 91 |
Identifica questões da prática clínica que merecem reflexão | 0 | 0 | 3 | 5 | 52 | 95 |
Permite o desenvolvimento de habilidades de apresentação e comunicação | 1 | 2 | 2 | 4 | 52 | 4 |
Permite o desenvolvimento de habilidades de avaliação crítica dos artigos | 0 | 0 | 1 | 2 | 54 | 98 |
Permite o desenvolvimento de habilidades de pesquisa | 1 | 2 | 3 | 5 | 51 | 93 |
Promove a tomada de decisão | 3 | 5 | 7 | 13 | 45 | 82 |
Proporciona momento de discussão e reflexão conjunta | 1 | 2 | 2 | 4 | 52 | 94 |
Promove a integração do estudante na equipa de enfermagem | 2 | 4 | 10 | 18 | 43 | 78 |
Os estudantes concordam ainda, que esta estratégia permite identificar “questões da prática clínica que merecem reflexão” (95%), proporcionando “momento de discussão e reflexão conjunta” (94%), enriquecendo o “processo de aprendizagem individual” (95%), o “processo de aprendizagem coletiva” (86%), “o desenvolvimento de habilidades de pesquisa” (93%) e consequentemente a “introdução de práticas de trabalho mais sustentadas” (91%).
Com percentagens acima da média surge a concordância com a vantagem de aproximar os “diversos intervenientes no processo de ensino aprendizagem” (85%), a promoção da “tomada de decisão” (82%) e a promoção da “integração do estudante na equipa de enfermagem” (78%).
Em relação ao grau de concordância com cada uma das desvantagens /limitações (Tabela 3), 83% dos estudantes concordam que esta estratégia “exige habilidade de pesquisa” e é muitas vezes “encarada como uma avaliação do contexto clínico/serviço” (62%), ou “uma avaliação das práticas clínicas” (53%), podendo em alguns casos ser difícil o envolvimento de toda a equipa” (62%) e de “difícil implementação nos serviços” (56%).
Grau de concordância com cada uma das desvantagens/limitações do JC | Discordo | Nem concordo, nem discordo | Concordo | |||
---|---|---|---|---|---|---|
n | % | n | % | n | % | |
Aumenta a carga de trabalho do estudante | 18 | 33 | 8 | 14 | 29 | 53 |
Difícil implementação nos serviços | 20 | 37 | 4 | 7 | 31 | 56 |
Dificuldade em envolver toda a equipa | 17 | 31 | 4 | 7 | 34 | 62 |
Dificuldade na escolha da temática | 15 | 27 | 11 | 20 | 29 | 53 |
Diminui disponibilidade para o Ensino Clínico | 29 | 53 | 15 | 27 | 11 | 20 |
Encarado como uma avaliação das práticas clínicas | 9 | 16 | 17 | 31 | 29 | 3 |
Encarado como uma avaliação do contexto clínico/serviço | 8 | 14 | 13 | 24 | 34 | 62 |
Estratégia de aprendizagem pouco estimulante | 43 | 78 | 6 | 11 | 6 | 11 |
Exige habilidade de pesquisa | 2 | 4 | 7 | 13 | 46 | 83 |
Pouco impacto na alteração das práticas dos cuidados | 27 | 49 | 11 | 20 | 17 | 31 |
Reduzido tempo de ensino clínico para aplicação desta estratégia | 20 | 36 | 11 | 20 | 24 | 44 |
Dificulta a integração do estudante na equipa de enfermagem | 44 | 80 | 9 | 16 | 2 | 4 |
Os estudantes concordam também que têm “dificuldade na escolha da temática” (53%) e que esta estratégia “aumenta a carga de trabalho do estudante” (53%) em ensinos clínicos reduzidos no tempo (44%).
Os estudantes discordam que o JC é uma “estratégia de aprendizagem pouco estimulante” (78%) e que “dificulta a integração do estudante na equipa de enfermagem” (80%). Discordam igualmente sobre o facto de o JC diminuir a “disponibilidade para o ensino clínico” (53%) ou que esta estratégia tenha “pouco impacto na alteração das práticas de cuidados” (49%).
Nos contributos adicionais solicitados, os estudantes acrescentaram que o JC é “uma mais valia” (Q50) que contribui para a “construção da identidade profissional do estudante” (Q10). Embora descrevam o JC como um trabalho “complexo, o que mais exigiu . . . , mas também o que mais contribui para o meu crescimento enquanto futura profissional” (Q28), ressalvam que “permite uma melhoria da qualidade dos cuidados prestados” (Q9) e que se “os serviços acolhessem de uma melhor forma as aprendizagens que advêm das evidências recentes analisadas pelos estudantes, todos teriam a ganhar com a elaboração deste trabalho” (Q36).
Nas sugestões que os estudantes apresentaram, facilmente se conseguiram a identificação de duas grandes categorias: as sugestões para a realização do JC e sugestões para a apresentação do mesmo.
Na realização do JC os estudantes sugerem que haja uma maior clarificação desta atividade “Aumentar os esclarecimentos acerca deste trabalho no guia orientador” (Q46) e que o acompanhamento do docente seja mais próximo e contínuo “Garantir acompanhamento contínuo do professor orientador, contribuindo para auxiliar na pesquisa e reflexão” (Q39). Sugerem ainda que, em vez de analisarem, “só um artigo, . . . seria uma mais valia abordar 2 ou 3 da mesma temática por forma a comparar e a preparar para a monografia.” e que os temas estejam “já bem definidos no início do ensino clínico” (Q48).
Em relação à apresentação do JC os estudantes consideram que esta devia de “ser feita individualmente, nos casos em que exista mais do que um estudante a realizar Ensino Clínico num dado serviço” (Q10) e que deveriam ser exploradas estratégias para um maior envolvimento de todos os intervenientes no processo de ensino aprendizagem: “Apresentação e debate ser perante toda a equipa de enfermagem” (Q15), “Encontrar uma estratégia de envolver um maior número de elementos da equipa de Enfermagem durante a realização e/ou pelo menos na apresentação” (Q38) nomeadamente “A sua apresentação ser englobada em reuniões com todos os elementos da equipa de enfermagem ou multidisciplinar poderá ser um método de divulgação desta metodologia e de implementação de práticas ou apropriação de conhecimentos científicos recentes” (Q9). Sugerem também que “a sua apresentação/discussão deveria ocorrer mais cedo (por exemplo 7ª semana) de modo a poder ser observada a aplicabilidade e pertinência da pesquisa nos contextos, em casos de contextos mais práticos ou pesquisas para melhoria de práticas” (Q9).
Discussão
Nos diversos domínios do exercício profissional, os enfermeiros contribuem para a melhoria e evolução da prestação dos cuidados de enfermagem. Para que tal aconteça, é essencial que os enfermeiros desenvolvam e integrem modelos inovadores que potenciem os processos de pesquisa e de organização do conhecimento científico. A presença de estudantes de enfermagem nos contextos clínicos promove, de forma quase automática, o acesso a renovadas fontes de conhecimento pois, desde o seu primeiro momento de formação são motivados e instruídos a pensar criticamente e a basear a sua intervenção nas evidências científicas disponíveis. O desafio no ensino da enfermagem é encontrar formas inovadoras de modo a que os estudantes saibam como procurar, organizar e utilizar o conhecimento no processo de desenvolvimento de atitudes e de habilidades profissionais.
No processo de alinhamento dos processos formativos, necessidades de aprendizagem dos estudantes e necessidades de desenvolvimento dos contextos de prática clínica, o JC aparenta ser uma estratégia que se adequa aos vários desafios que a formação de enfermeiros enfrenta.
O JC tem vindo a ser utilizado na enfermagem como uma estratégia promissora que permite a integração da evidência científica na prática clínica, o desenvolvimento de habilidades de pesquisa e síntese da evidência e por fim a garantia de cuidados com maior qualidade e segurança (Goodfellow, 2004; Moraes & Spiri, 2019).
Enquanto prática pedagógica, os estudantes consideraram que o JC proporcionou benefícios ao permitir basear a sua prática na evidência, desenvolver habilidades de avaliação crítica dos artigos, de apresentação e comunicação e de reflexão e discussão conjunta, o que contribui para o seu processo de aprendizagem e aquisição de competências, articulando investigação e prática clínica. Estes resultados confirmam os achados de Canais et al. (2019), acrescentando a estes, os benefícios para a equipa de enfermagem, ao promover a discussão de problemáticas relevantes no contexto e de estratégias de resolução com base na evidência cientifica e embora indiretamente, para a pessoa com necessidades de cuidados de enfermagem, ao proporcionar cuidados seguros e de qualidade.
No estudo ora apresentado, a introdução do JC como estratégia pedagógica evidencia uma maior exposição dos estudantes, e equipas de enfermagem, ao conhecimento produzido na área disciplinar de Enfermagem e à consequente aproximação aos contextos de prática clínica. O processo desenvolvido pelos estudantes para darem resposta à construção do JC permite que as equipas façam parte do processo de identificação das temáticas da prática clínica que merecem reflexão, permitindo o desenvolvimento de habilidades de pesquisa e avaliação crítica dos artigos científicos de todos os envolvidos, bem como a discussão e reflexão conjuntas. Dos resultados obtidos, pode concluir-se, que a apresentação e discussão do JC em sessão partilhada com os elementos das equipas dos contextos de prática clínica potenciam as habilidades de comunicação dos resultados e consequente compreensão dos percursos de investigação empregues em cada estudo analisado, o que, na opinião de Davis et al. (2014) poderá permitir uma oportunidade de considerar a aplicabilidade daquele tópico de forma mais prática ou imediata.
À semelhança dos achados de Goodfellow (2004), este estudo permitiu identificar a importância atribuída pelos estudantes à realização do JC. Apesar destes temerem a carga de trabalho que o JC acarreta, ressalva-se o enriquecimento que traz para o processo de ensino aprendizagem, pela aproximação dos intervenientes no processo de supervisão e pela promoção da integração do estudante no ambiente/contexto de EC. Não obstante, e tal como referem Davis et al. (2014), esta perceção está dependente da capacidade de participação dos estudantes e do seu nível de preparação para o desenvolvimento do JC.
De acordo com o estudo de Kyriakoulis et al. (2016) não há evidência de qual o melhor momento na formação dos estudantes para o desenvolvimento e compreensão dos processos metodológicos de síntese e partilha de evidência científica. Ainda que alguns autores aconselharem o uso da PBE desde o primeiro ano de formação, outros alertam que este tipo de atividade deve acontecer à posteriori, pois exige outras competências por parte dos estudantes (Kyriakoulis et al., 2016). No estudo desenvolvido, os estudantes manifestaram dificuldade em procurar e selecionar um artigo, pela exigência de habilidades de pesquisa, porventura ainda não totalmente integradas, o que pode evidenciar a necessidade de integração do JC em estádios mais avançados do processo.
Davis et al. (2014) optaram por selecionar os artigos que os estudantes deveriam analisar, conseguindo assim, uma melhor adaptação dos mesmos ao estadio de aprendizagem do estudante e adequação ao contexto clínico. Esta sugestão pode contribuir para colmatar as dificuldades que os estudantes afirmaram ter na seleção da temática e no acompanhamento contínuo por parte do docente na pesquisa, reflexão e eventualmente a abordagem de mais do que um artigo. Aquando da implementação do JC em contexto de EC, tanto a seleção da temática como o processo de pesquisa foram realizados em concordância com o docente e sob a sua supervisão, o que vai ao encontro do defendido pelos autores acima citados.
Os estudantes inquiridos evidenciam a importância do JC no treino das habilidades de comunicação que enriqueceu o seu processo individual e coletivo de ensino aprendizagem. Este achado foi salientado também por Lachance (2014) e Davis et al. (2014) ao referirem que a apresentação e discussão do JC pode contribuir para treinar a utilização da linguagem científica e habilidades de exposição e comunicação em público.
Lachance (2014) acrescenta que para que esta estratégia tenha sucesso, o momento de apresentação e discussão deve ser marcado e divulgado com antecedência, podendo ser adequado a distribuição dos artigos antecipadamente à sua discussão, assim como a presença de um líder/facilitador.
A integração do JC é uma componente essencial na formação dos enfermeiros e no desenvolvimento da práxis. Não obstante, os estudantes relataram que uma das dificuldades sentidas se traduz no grau de envolvimento da equipa de enfermagem e receiam que o JC seja encarado como uma avaliação do contexto de prática clínica ou das próprias práticas de cuidados. Lachance (2014) reforça que o JC é uma estratégia que auxilia os enfermeiros a estarem atualizados. Independentemente desta estratégia ser utilizada por estudantes ou profissionais de enfermagem, ela será sempre o mote para a aprendizagem, para uma reflexão conjunta e para uma prática de enfermagem mais segura e de qualidade. Em continuidade os estudantes referem a necessidade de “envolver um maior número de elementos da equipa de enfermagem durante a realização e/ou apresentação do JC”, englobando a apresentação em “reuniões com todos os elementos da equipa de enfermagem”.
Sendo a enfermagem uma ciência, considera-se que o JC contribui para o seu desenvolvimento enquanto ciência, disciplina e profissão começando pelos neófitos da enfermagem. A formação de enfermeiros é um campo de intervenção em constante mudança que requer a transição para uma nova era de incorporação de estratégias inovadoras que tornem o docente um guia que motiva e supervisiona os estudantes na aquisição de competências diferenciadas (Fawaz et al., 2018) que potencia o envolvimento destes nos processos de aprendizagem (Ferguson et al., 2017) e na construção de práticas baseadas em evidências numa cooperação constante entre sistema de ensino e contexto clínico (Mattila et al., 2013) especificamente, através da atividade de construção do JC.
Neste estudo considerou-se como método de avaliação da integração desta estratégia, a perceção dos estudantes. Contudo, em futuros estudos pretende-se conhecer a perceção das equipas de enfermagem sobre a sua aplicabilidade e perceber, também, se há efetivamente mudança de atitudes e comportamentos nos estudantes e nas equipas de enfermagem após a realização do JC. Como limitação deste estudo identificamos a baixa taxa de participação dos estudantes, podendo este facto estar relacionado ao modo como foi veiculada e acedida a informação, ou mesmo ao momento em que foi realizado o estudo (período marcado pelas medidas de confinamento devido à pandemia por COVID-19).
Conclusão
A introdução do JC no processo formativo de estudantes do Curso de Licenciatura em Enfermagem, durante a componente clínica, foi identificada como uma importante estratégia de ensino, de aprendizagem e de avaliação.
Para os estudantes a maior vantagem desta estratégia está na aproximação da prática à evidência científica e no desenvolvimento de habilidade de avaliação crítica dos artigos identificados para a construção do JC. Estes aspetos afiguram-se como um passo importante para reduzir o fosso entre o conhecimento produzido e as práticas de cuidados desenvolvidas nos mais diversos contextos clínicos. O movimento de levar para os contextos clínicos o conhecimento científico produzido, o promover a discussão e a reflexão conjunta podem contribuir para fomentar a sua transferibilidade. De salientar que os estudantes consideram que o JC contribui para a construção da identidade profissional.
Os participantes no estudo reconhecem que esta estratégia enriquece o processo de aprendizagem individual, permitindo o desenvolvimento de habilidades de pesquisa, de apresentação e comunicação, o que parece aumentar as habilidades necessárias ao uso da PBE.
A realização do JC parece ser, para alguns participantes, um trabalho exigente na medida que exige grande envolvimento dos estudantes, mas também com grande potencial na promoção do desenvolvimento individual e do processo de aprendizagem coletiva pela partilha do conhecimento científico e experiencial de cada um dos intervenientes.
Para os participantes realizar o JC foi também uma forma de aproximar os diferentes intervenientes no processo de ensino aprendizagem e promover a sua integração na equipa de enfermagem, o que é fundamental para que se crie um clima promotor do processo de aprendizagem. No entanto, consideram que deveriam ser exploradas estratégias que levassem a um maior envolvimento de todos os intervenientes no processo de ensino e aprendizagem, nomeadamente um maior envolvimento dos elementos da equipa de enfermagem e multidisciplinar, particularmente na apresentação do JC, pois reconhecem que é uma estratégia que promove a divulgação do conhecimento científico mais recente e que pode promover à melhoria das práticas.
Alguns estudantes apontam a escolha do tema como uma etapa difícil, tal como a perceção de que a construção do JC aumenta a carga de trabalho e que têm necessidade de um acompanhamento mais próximo e contínuo que os ajude na pesquisa e na análise dos artigos identificados.
Este estudo, contribuiu para conhecer a perceção dos estudantes face a esta estratégia pedagógica, oferece um importante aporte sobre os contributos do JC para o processo de ensino, de aprendizagem, de avaliação e para as práticas de cuidados, salientando os aspetos que podem merecer reajustamentos no sentido de potenciar as aprendizagens e de fomentar práticas informadas pela evidência. De realçar ainda o seu contributo para aspetos que merecem especial atenção, nomeadamente ao nível do envolvimento da equipa de saúde neste tipo de estratégias pois, como parceira e (co)promotora da sua implementação, numa lógica de trabalho colaborativo em saúde, tende para a melhoria da qualidade dos cuidados.
Em continuidade, considera-se importante investir na adequação da construção do JC ao nível de desenvolvimento dos estudantes, nomeadamente de cursos de formação pós-graduada.
Por último, atendendo à filosofia que sustenta este método propõe-se que o termo JC seja traduzido para a língua portuguesa como “clube de leitura científica”.