Introdução
Estima-se que atualmente aproximadamente 463 milhões de adultos (20-79 anos) vivam com diabetes mellitus (DM) e que em 2045 esse número atinja 700 milhões de pessoas (International Diabetes Federation [IDF] 2019). Portugal, em 2019, apresentava uma prevalência ajustada por idade em adultos (20-79 anos) que se situava entre 9 e menos de 12% (IDF, 2019). A DM dá origem a uma variedade de complicações sistémicas, a maioria das quais são doenças vasculares e estão associadas à diminuição da expectativa e qualidade de vida. Entre elas encontram-se as complicações microvasculares, nomeadamente retinopatia, nefropatia, neuropatia e as doenças cardiovasculares que consistem na doença cardíaca coronária, acidente vascular cerebral e doença arterial periférica, que são denominadas por complicações macrovasculares ou macroangiopatia da diabetes. Nesta perspetiva, a DM é insidiosa e progressiva e já foi bem demonstrada a sua estreita relação com as doenças cardiovasculares, que são por sua vez a causa mais prevalente da morbilidade e mortalidade (King & Grant, 2016). A IDF (2019) destaca que a DM tipo 2 pode ser prevenida, ou mesmo a sua remissão pode ser possível, desde que para isso esta doença seja gerida de forma eficaz por meio de educação, suporte, adoção de estilos de vida saudáveis e por recurso a terapêutica farmacológica quando necessário. A gestão adequada da DM em Cuidados de Saúde Primários (CSP) inclui o envolvimento das pessoas portadoras da doença, e os esforços coordenados entre os diversos profissionais de saúde (médicos, enfermeiros, nutricionista, entre outros), referenciando aos cuidados hospitalares em situações que o justifiquem. O enfermeiro de CSP tem um papel vital no acompanhamento da pessoa com DM ajudando-a a compreender a trajetória da doença, bem como, capacitando-os para a autogestão da mesma (Nikitara et al., 2019). Particularmente o enfermeiro de família (EF), consignado como o profissional de referência na prestação de cuidados nas diferentes fases do ciclo de vida, perspetiva a família como unidade de cuidados promovendo a sua capacitação, face às exigências às especificidades do seu desenvolvimento (Decreto-Lei n.º 73/2017). A vivência de uma doença crónica por um membro da família reforça este paradigma, considerando que o processo de ajustamento à mesma requer transformações emocionais e instrumentais no membro portador de doença como nos restantes membros da família e no sistema familiar como um todo (Silva et al., 2021). Pretendemos identificar as intervenções realizadas pelo enfermeiro de família na consulta de vigilância da diabetes, com vista à capacitação da pessoa com DM na gestão da sua doença, que se traduzirá certamente também em ganhos em saúde da família como unidade.
Enquadramento
A DM é uma doença crónica potencialmente prevenível, cuja progressão é fortemente influenciada pela dimensão comportamental do indivíduo, pelo que exige mudanças nos seus hábitos de vida. Reconhecendo a complexidade do sistema familiar, o EF assume que as mudanças ao nível cognitivo, comportamental ou afetivo da pessoa com DM, irão ter impacto na família como um todo e nos seus membros de forma individual, podendo originar dificuldades em alguns domínios da vida familiar (Souza et al., 2021). Assim, neste processo, o EF deverá promover a potencialização das forças e recursos do sistema familiar nas diferentes fases do ciclo de vida, tendo em conta que o sistema de valores da família e da pessoa individualmente influenciam diretamente os comportamentos de saúde, bem como a capacidade de se reestruturar perante o diagnóstico de uma doença crónica (Figueiredo, 2012).
No âmbito dos CSP são nas Unidades de Saúde Familiar (USF) e as Unidades de Cuidados de Saúde Personalizados (UCSP) que o EF tem um conjunto de famílias às quais prestam cuidados, efetuam vigilância das pessoas portadoras de DM, através do cumprimento das orientações emanadas no Despacho n.º 3052/2013, o qual determinou a criação de consultas autónomas de diabetes nos Agrupamentos de Centros de Saúde (ACeS). A vigilância da DM realizada nestas consultas pressupõe nomeadamente: i) o controlo glicémico; ii) a identificação de fatores de risco cardiovascular; iii) a monitorização do regime alimentar e de exercício físico; iv) e a monitorização de potenciais complicações, através da vigilância periódica aos pés, no sentido de prevenir a amputação. Em 2018, os CSP foram responsáveis pela assistência de 85% das pessoas com DM, sendo que 74% das mesmas beneficiaram da consulta de enfermagem (Direção-Geral da Saúde, 2019).
Já foi sido demonstrada a importância dos enfermeiros na gestão da doença crónica, traduzida pela evidencia em resultados sensíveis aos cuidados de enfermagem, nomeadamente: i) aumento do controlo do regime terapêutico; ii) comportamento de adesão ao regime de exercício físico; iii) melhoria dos parâmetros clínicos (Marques et al., 2019; Azami et al., 2018); iv) adoção de hábitos alimentares saudáveis; v) e adesão à autovigilância dos pés (Marques et al., 2019). É expectável que, no âmbito da consulta de vigilância da diabetes, o enfermeiro em conjunto com a pessoa define metas e objetivos a atingir para a gestão da sua doença, sustentado no princípio da cooperação para otimizar a adesão ao tratamento, deteção precoce das complicações e controlo glicémico (Azami et al., 2018, Marques et al., 2019). Assim, sendo a consulta de enfermagem como um recurso no tratamento da pessoa com DM, no que diz respeito à gestão da doença e prevenção de complicações, bem como, os ganhos em saúde sensíveis aos cuidados de enfermagem, torna-se pertinente conhecer quais as intervenções realizadas pelos enfermeiros para alcançar os objetivos estabelecidos.
Questão de investigação
Que intervenções realizam os enfermeiros de família na consulta de vigilância à pessoa com DM?
Metodologia
Estudo exploratório descritivo, transversal de natureza quantitativa. Optou-se por uma amostra aleatória simples, considerando o número de consultas de vigilância da diabetes realizadas pelo EF de um ACeS da zona norte do país, no ano de 2018, correspondendo a 6308 consultas. Os participantes foram selecionados a partir da agenda de trabalho do EF, para cada dia de trabalho. Definiu-se que, de modo a garantir a aleatoriedade, a cada dois utentes agendados para consulta do EF, seria selecionado como potencial participante o segundo utente. Nas situações em que estavam programados quatro ou mais utentes, deveria ser selecionado os utentes com números pares (ex:1; 2; 3; 4; 5).
A grelha ACTENFF_CE_DIA foi construída no âmbito de uma investigação mais abrangentes que pretendeu avaliar a carga de trabalho do EF na gestão da doença crónica. A sua validação ocorreu com recurso da técnica de Delphi.
A ACTENFF_CE_DIA consiste numa grelha com 69 itens predefinidos de intervenções de enfermagem passiveis ser realizadas na consulta de vigilância da diabetes. As intervenções de caráter assistencial são representadas por 29 intervenções do tipo avaliar, 8 intervenções do tipo monitorizar, 19 intervenções do tipo ensinar, 2 intervenções do tipo elaborar, 1 intervenção do tipo planear, 1 do tipo treinar, 1 do tipo promover, 1 do tipo administrar, 1 do tipo referenciar, 1 do tipo assistir, e 1 do tipo incentivar. A atividade não assistencial é constituída por intervenções no âmbito do acolhimento, procedimentos de controlo de infeção, procedimentos de continuidade de cuidados e documentação de cuidados. Na grelha é deixada a possibilidade de serem acrescentadas intervenções que o enfermeiro realize e não estejam predefinidas. Para cada intervenção é associada a variável realização, que será identificada por (Sim/Não).
A recolha de dados foi realizada pelos EF (autorrelato) que se disponibilizaram para o efeito, de novembro a dezembro de 2019, em três USF. Utilizou-se como recurso uma plataforma online denominada Actenff.pt, onde está alojada a escala e os respetivos consentimentos informados ao utente e EF. Para aceder à plataforma o EF teve de criar o login e password de acesso. O estudo teve parecer favorável da Comissão de Ética para a Saúde, pelo parecer n.º 31/2019. A análise de dados foi feita através da descrição das variáveis categóricas, por meio do cálculo das frequências absolutas e relativas, e das variáveis contínuas, por forma analisar a média, desvio padrão e amplitude. Para efeito recorreu-se à estatística descritiva, adequada à natureza dos dados, tendo sido efetuada com recurso ao SPSS Statistic, versão 25.0.
Resultados
Participaram no estudo 16 EF e 106 pessoas com diagnóstico de DM.
A amostra dos utentes é muito equitativa relativamente ao género dos participantes: 51,9% (n = 55) do género feminino e 48,1% (n = 51) do género masculino, com idade minimia de 34 anos, máxima de 97 anos e média de 71,7 anos. Apresenta um índice de independência na ordem de 79,2% (84).
Apresentam-se as intervenções realizadas pelos EF na consulta de vigilância ao membro da família com diabetes, segundo o domínio assistencial e não assistencial. O domínio assistencial é traduzido pelas do tipo: avaliar, monitorizar e ensinar, elaborar, promover, administrar, referenciar, assistir e incentivar. O domínio não assistencial é traduzido por intervenções relativas ao acolhimento, procedimentos e documentação.
Intervenções relativas ao subdomínio: Avaliar
A Tabela 1 mostra a distribuição da frequência absoluta e relativa dos itens do subdomínio avaliar. Para este subdomínio foram sugeridas na grelha 30 intervenções das quais foram realizadas 27. As intervenções realizadas com maior frequência foram: avaliar o risco de úlcera diabética (50,0%); avaliar o conhecimento o potencial e a capacidade para realizar autovigilância/autocontrolo dos pés (34,0%); avaliar o conhecimento e o potencial para melhorar o conhecimento sobre a diabetes (31,1%); avaliar o comportamento de adesão ao regime de exercício físico (30,2%); avaliar o comportamento de adesão ao regime dietético (29,2%); avaliar o comportamento de adesão ao regime medicamentoso (24,5%); avaliar a adesão ao regime de imunização (23,6%). Não se verificou nenhum registo das intervenções: avaliar conhecimento; potencial e capacidade para realizar autovigilância/autocontrolo da pressão arterial; avaliar conhecimento e potencial para reduzir o consumo de outras substâncias; e avaliar conhecimento e potencial para reduzir o consumo de tabaco.
Intervenções realizadas | ||||
Não | Sim | |||
n | % | n | % | |
+ Subdomínio AVALIAR | ||||
Avaliar antecedentes pessoais | 87 | 82,1 | 19 | 17,9 |
Avaliar conhecimento e potencial para melhorar o conhecimento sobre diabetes | 73 | 68,9 | 33 | 31,1 |
Avaliar consumo de álcool | 91 | 85,8 | 15 | 14,2 |
Avaliar conhecimento e potencial para reduzir o consumo de álcool | 102 | 96,2 | 4 | 3,8 |
Avaliar consumo de tabaco | 95 | 89,6 | 11 | 10,4 |
Avaliar conhecimento e potencial para reduzir o consumo de tabaco | 106 | 100 | --- | --- |
Avaliar o consumo de outras substâncias | 105 | 99,1 | 1 | 0,9 |
Avaliar conhecimento e potencial para reduzir o consumo de outras substâncias | 106 | 100 | --- | --- |
Avaliar comportamento de adesão ao regime dietético | 75 | 70,8 | 31 | 29,2 |
Avaliar conhecimento, potencial e capacidade para gerir regime dietético | 84 | 79,2 | 22 | 20,8 |
Avaliar comportamento de adesão ao regime de exercício físico | 74 | 69,8 | 32 | 30,2 |
Avaliar conhecimento e potencial e capacidade para melhorar o regime de exercício | 89 | 84,0 | 17 | 16,0 |
Avaliar comportamento de adesão ao regime medicamentoso | 80 | 75,5 | 26 | 24,5 |
Avaliar conhecimento, potencial e capacidade para gerir regime medicamentoso | 92 | 86,8 | 14 | 13,2 |
Avaliar comportamento de adesão ao regime terapêutico | 90 | 84,9 | 16 | 15,1 |
Avaliar conhecimento, potencial e capacidade para gerir regime terapêutico | 99 | 93,4 | 7 | 6,6 |
Avaliar conhecimento, potencial e capacidade para realizar autovigilância/ autocontrolo | 97 | 91,5 | 9 | 8,5 |
Avaliar conhecimento, potencial e capacidade para realizar autovigilância/ autocontrolo dos pés | 102 | 96,2 | 4 | 3,8 |
Avaliar comportamento de adesão à autovigilância dos pés | 70 | 66,0 | 36 | 34,0 |
Avaliar conhecimento, potencial e capacidade para realizar autovigilância/ autocontrolo da glicémia capilar | 105 | 99,1 | 1 | 0,9 |
Avaliar comportamento de adesão á autovigilância da glicémia capilar | 92 | 86,8 | 14 | 13,2 |
Avaliar conhecimento, potencial e capacidade para realizar autovigilância/ autocontrolo da pressão arterial | 106 | 100 | --- | --- |
Avaliar comportamento de adesão à autovigilância de pressão arterial | 102 | 96,2 | 4 | 3,8 |
Avaliar conhecimento potencial e capacidade para autoadministrar medicamentos | 98 | 92,5 | 8 | 7,5 |
Avaliar a autoadministração de medicamentos | 100 | 94,3 | 6 | 5,7 |
Avaliar a adesão ao regime de imunização | 81 | 76,4 | 25 | 23,6 |
Avaliar conhecimento e potencial para melhorar conhecimento sobre imunização | 104 | 98,1 | 2 | 1,9 |
Avaliar risco de úlcera diabética | 53 | 50,0 | 53 | 50,0 |
Avaliar conhecimento e potencial para melhorar conhecimento sobre prevenção da úlcera diabética | 95 | 89,6 | 11 | 10,4 |
Avaliar a aceitação do estado de saúde | 92 | 86,8 | 14 | 13,2 |
Intervenções relativas ao subdomínio: Monitorizar
As intervenções do subdomínio monitorizar estão apresentadas na Tabela 2. Este subdomínio é constituído por oito intervenções de avaliar os parâmetros antropométricos e fisiológicos. A monitorização da pressão arterial foi realizada em 97,2%, o peso em 93,4%, frequência cardíaca em 80,2% e do índice de massa corporal (IMC) em 81,1% das consultas realizadas. A monitorização da hemoglobina glicada aconteceu em 41,1% das consultas e a monitorização da glicemia capilar apenas em 3,8% das consultas realizadas.
Intervenções realizadas | |||||
Não | Sim | ||||
n | % | n | % | ||
+ Subdomínio MONITORIZAR | |||||
Monitorizar altura | 55 | 51,9 | 51 | 48,1 | |
Monitorizar peso | 7 | 6,6 | 99 | 93,4 | |
Monitorizar IMC | 20 | 18,9 | 86 | 81,2 | |
Monitorizar perímetro abdominal (PA) | 47 | 44,3 | 59 | 55,7 | |
Monitorizar pressão arterial | 3 | 2,8 | 103 | 97,2 | |
Monitorizar frequência cardíaca | 21 | 19,8 | 85 | 80,2 | |
Monitorizar glicemia capilar | 102 | 96,2 | 4 | 3,8 | |
Monitorizar hemoglobina glicada | 62 | 58,5 | 44 | 41,5 |
Intervenções relativas ao subdomínio: ensinar
O subdomínio ensinar é constituído por 19 intervenções, 15 das intervenções propostas foram realizadas, tal como pode ser verificado na Tabela 3. A intervenção realizada com maior frequência foi ensinar sobre alimentação com 52,8%, seguida da intervenção ensinar sobre diabetes (51,9%), ensinar sobre a importância do exercício físico (50,0%), ensinar sobre a prevenção da úlcera diabética (34,9%), ensinar sobre importância da adesão ao regime dietético. (27,45) e ensinar sobre a importância da autovigilância/autocontrolo (25,5%). Em nenhuma das consultas foram realizadas as intervenções: ensinar sobre os malefícios do consumo de tabaco, ensinar sobre medicamentos, ensinar sobre a importância da autovigilância/autocontrolo da pressão arterial e ensinar sobre imunização.
Intervenções realizadas | ||||
Não | Sim | |||
n | % | n | % | |
+ Subdomínio ENSINAR | ||||
Ensinar sobre diabetes | 51 | 48,1 | 55 | 51,9 |
Ensinar sobre cuidados de prevenção | 77 | 72,6 | 29 | 27,4 |
Ensinar sobre os malefícios do consumo de tabaco | 106 | 100 | --- | --- |
Ensinar sobre malefícios do consumo de substâncias | 105 | 99,1 | 1 | 0,9 |
Ensinar sobre a importância da adesão ao regime dietético | 68 | 64,2 | 38 | 35,8 |
Ensinar sobre alimentação | 50 | 47,2 | 56 | 52,8 |
Ensinar sobre complicações do consumo de álcool | 101 | 95,3 | 5 | 4,7 |
Ensinar sobre a importância da adesão ao regime de exercício | 53 | 50,0 | 53 | 50,0 |
Ensinar sobre a importância da adesão ao regime medicamentoso | 82 | 77,4 | 24 | 22,6 |
Ensinar sobre medicamentos | 106 | 100 | --- | --- |
Ensinar sobre a importância da adesão ao regime terapêutico | 88 | 83,0 | 18 | 17,0 |
Ensinar sobre a importância da autovigilância/autocontrolo | 79 | 74,5 | 27 | 25,5 |
Ensinar sobre a importância da autovigilância/autocontrolo dos pés | 105 | 99,1 | 1 | 0,9 |
Ensinar sobre a importância da autovigilância/autocontrolo da glicémia capilar | 104 | 98,1 | 2 | 1,9 |
Ensinar sobre a importância da autovigilância/autocontrolo da pressão arterial | 106 | 100 | --- | --- |
Ensinar sobre a autoadministração de medicamentos | 102 | 96,2 | 4 | 3,8 |
Ensinar sobre imunização | 106 | 100 | --- | --- |
Ensinar sobre prevenção da úlcera diabética | 69 | 65,1 | 37 | 34,9 |
Ensinar sobre estratégias adaptativas | 102 | 96,2 | 4 | 3,8 |
Apresentam-se na Tabela 4 as intervenções relativas aos subdomínios elaborar, promover, administrar, referenciar, assistir e incentivar. Opta-se por agrupar na mesma tabela pelo número reduzido de intervenções realizadas em cada subdomínio.
Intervenções realizadas | ||||||
Não | Sim | |||||
Subdomínios | n | % | n | % | ||
+ Subdomínio ELABORAR | ||||||
Elaborar plano alimentar | 87 | 82,1 | 19 | 17,9 | ||
Elaborar plano de exercício físico | 92 | 86,8 | 14 | 13,2 | ||
+ Subdomínio PROMOVER | ||||||
Promover a adesão à imunização (PNV e outras) | 101 | 95,3 | 5 | 4,7 | ||
+ Subdomínio ADMINISTRAR | ||||||
Administrar vacina | 106 | 100 | --- | --- | ||
+ Subdomínio REFERENCIAR | ||||||
Referenciar a outros profissionais de saúde | 106 | 100 | --- | --- | ||
+ Subdomínio ASSISTIR | ||||||
Assistir a pessoa a promover a aceitação do estado de saúde | 98 | 92,5 | 8 | 7,5 | ||
+ Subdomínio INCENTIVAR | ||||||
Incentivar a comunicação das emoções | 87 | 82,1 | 19 | 17,9 |
No que se refere ao subdomínio elaborar foram realizadas as intervenções "elaborar plano alimentar" em 17,9% das consultas e "elaborar um plano de exercício físico"em 13,2% das consultas. No subdomínio incentivar, a intervenção "incentivar a comunicação das emoções" foi realizada em 17,9% das consultas. Foram realizadas intervenções dos subdomínios promover e assistir com frequências de realização entre 7,5%-4,7% das consultas. Nos subdomínios administrar e referenciar não foi realizada qualquer intervenção no âmbito deste estudo.
Intervenções de enfermagem do domínio não assistencial
O domínio não assistencial é constituído por 4 subdomínios, tal como é visível na Tabela 5. O subdomínio acolhimento à pessoa diabética foi efetuado em (95,3%) das consultas realizadas, seguido o subdomínio continuidade de cuidados que se registou (90,6%). O subdomínio procedimentos de controlo de infeção foi realizado em 37,7% das consultas e o subdomínio da documentação de cuidados em 17,9%.
Intervenções realizadas | |||||
Não | Sim | ||||
Subdomínios | n | % | n | % | |
+ Subdomínio PROCEDIMENTOS | |||||
Procedimentos de controlo de infeção | 66 | 62,3 | 40 | 37,7 | |
Procedimentos de continuidade | 10 | 9,4 | 96 | 90,6 | |
+ Subdomínio ACOLHIMENTO | |||||
Acolhimento da pessoa | 5 | 4,7 | 101 | 95,3 | |
+ Subdomínio DOCUMENTAÇÃO | |||||
Documentação de cuidados (registos) | 87 | 82,1 | 19 | 17,9 |
Discussão
Na consulta de enfermagem de vigilância da diabetes o EF realiza intervenções de caráter assistencial concretizadas por intervenções de avaliação diagnóstica naquilo que é: i) avaliar o conhecimento e o potencial para melhorar o conhecimento sobre a diabetes; ii) avaliar o risco de úlcera diabética; iii) avaliar o conhecimento, o potencial e a capacidade para realizar autovigilância/autocontrolo dos pés; iv) avaliar o comportamento de adesão ao regime de exercício físico; v) avaliar o comportamento de adesão ao regime dietético; vi) avaliar o comportamento de adesão ao regime medicamentoso; vi) e avaliar a adesão ao regime de imunização. Verificou-se que a intervenção do tipo avaliar o conhecimento, capacidade ou comportamento de adesão têm uma representação significativa nos resultados do estudo, o que parece estar relacionado com o facto de a DM ser uma doença crónica na qual a autogestão desempenha um papel central na prevenção de complicações. Um dos objetivos da autogestão da DM é o controlo da glicemia, prevenção das complicações agudas e tardias e promoção a qualidade de vida da pessoa (Rasoul et al., 2019), confirmando os resultados obtidos. A monitorização dos parâmetros antropométricos e clínicos (peso, altura, índice de massa corporal, perímetro abdominal, tensão arterial e hemoglobina glicada) tem por objetivo avaliar o estado de controlo da doença. Estes resultados vão ao encontro do estudo de Chetoui et al. (2020) que reforça a importância da realização destas intervenções para o controlo da doença e a manutenção da qualidade de vida.
No presente estudo verificou-se a monitorização do peso em 93,4% das consultas realizadas pelos EF, o cálculo do IMC em 81,1% e a avaliação do perímetro abdominal em 55,7%, em concordância com o estudo realizado por Chetoui et al. (2020) que discute sobre a importância da avaliação destes parâmetros e relação que se estabelece com o controlo da doença.
A avaliação do risco de úlcera diabética foi realizada em 50% das consultas dos enfermeiros de família neste estudo, resultados ligeiramente superiores aos encontrados por Daly et al. (2015) em que a avaliação foi de 46%. Entende-se que esta intervenção é essencial na consulta de enfermagem à pessoa com DM, dado estimar-se que 15% das pessoas com diabetes desenvolverão úlceras nos pés ao longo da sua vida, de acordo com as previsões da IFD (2020). Esta condição constitui-se um risco para a saúde das pessoas com DM, havendo também consequências negativas na sua qualidade de vida em geral e resultando muitas vezes em amputações dos membros inferiores.
As intervenções realizadas pelos enfermeiros de família concretizadas pela dimensão do ensinar evidenciam a educação para a saúde no âmbito da consulta de vigilância da diabetes, que são corroborados pelos estudos de Marques et al. (2019) e Azami et al. (2018). Estes resultados são especialmente visíveis no que se reporta ao ensinar sobre alimentação, fisiopatologia da doença, exercício físico e prevenção da úlcera diabética, em consonância com os resultados confirmados por Daly et al. (2015) e de Gagliardino et al. (2019), que reforçam que a educação da pessoa com diabetes fornece o conhecimento e as habilidades necessárias para a autogestão, e induz uma atitude positiva no controlo e tratamento da doença. À semelhança de Marques et al. (2019), que demonstram nos seus estudos a eficácia das intervenções educativas no controlo da DM, em particular na diminuição significativa da HbA1C, em simultâneo com os cuidados alimentares, o exercício físico e a vigilância dos pés. Os resultados do presente estudo vêm reforçar a ideia da necessidade de priorizar ações relacionadas com a promoção da saúde e prevenção de complicações. Estas deverão ser enquadradas no contexto familiar, a par das intervenções direcionadas aos papéis familiares, coping familiar e processo familiar, tendo em conta que a união entre os membros da família estão relacionadas com a adesão ao tratamento pela pessoa com diabetes, e por outro lado os conflitos familiares representam barreiras a essa adesão (Souza et al., 2021).
Quanto às intervenções de caráter não assistencial foi possível verificar que estas ocorreram em cerca de 90% das consultas efetuadas, traduzindo-se, por exemplo, no agendamento de uma nova consulta de enfermagem. O estudo veio demonstrar a importância da continuidade de cuidados interprofissional traduzida pela referenciação dos utentes para outros profissionais de saúde. De acordo com Miller et al. (2019), profissionais capazes de trabalhar positivamente com outros profissionais são a base para um cuidado centrado na pessoa e família que se traduz em resultados em saúde.
Souza et al. (2019) também identificaram a documentação de cuidados, o controlo de infeção e os procedimentos de continuidade de cuidados como intervenções realizadas pelos enfermeiros e que têm influência nos cuidados diretos à pessoa. Contudo, os resultados do estudo, no que diz respeito à documentação de cuidados, permitem verificar que esta intervenção é desenvolvida com uma frequência muito inferior às restantes intervenções de caráter não assistencial, o que pode influenciar a continuidade de cuidados. Os resultados do estudo apontam no sentido do estudo realizado por De Marinis et al. (2010), que refere que apenas 40% das atividades foram registadas, correspondendo a 37% das avaliações e 45% das intervenções, colocando em questão a importância dos registos de enfermagem como o reflexo do trabalho realizado pelos enfermeiros.
As intervenções realizadas pelo EF no âmbito da consulta centram-se naquilo que é o controlo da doença e na capacitação da mesma para a sua autogestão, não se verificando intervenções específicas dirigidas à família enquanto unidade de cuidado. Contudo, realça-se a relevância da família como unidade de cuidados, nomeadamente pela associação entre o suporte familiar e o controlo da glicémia dos membros da família com diabetes (Miranda et al., 2021).
O presente estudo veio demonstrar de um modo geral que os cuidados de enfermagem, no âmbito consulta de vigilância da diabetes, integram intervenções abrangentes e diversificadas, justificadas pela complexidade da pessoa com diabetes, alvo dos cuidados do EF. A vigilância da doença crónica na família poderá constitui um desafio na sua trajetória coevolutiva do EF.
Conclusão
Os resultados do estudo indicam que as intervenções realizadas pelo enfermeiro de família na consulta de vigilância da diabetes são do tipo avaliar, monitorizar, ensinar, elaborar, promover, administrar, referenciar, assistir e incentivar, o que remete para uma metodologia de cuidados sustentada no processo de enfermagem.
No cuidado não assistencial os procedimentos de documentação representam em grande medida este domínio do cuidado. Os sistemas de informação, ao integrarem os dados relativos aos cuidados desenvolvidos pelos EF, constituem-se como uma ferramenta basilar para a continuidade dos mesmos, da acessibilidade à informação, mas também um utensílio fundamental para a demonstração do impacto dos cuidados do EF.
Produzir mais evidência no que se refere às intervenções desenvolvidas pelo EF, nos cuidados às famílias em transições de saúde/doença, como é o caso de um dos seus membros ser portador de DM, concorrerá para uma prática centralizada na potencialização das forças, recursos e competências das famílias e dos seus membros individualmente.