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Revista de Enfermagem Referência

versão impressa ISSN 0874-0283versão On-line ISSN 2182-2883

Rev. Enf. Ref. vol.serVI no.1 Coimbra dez. 2022  Epub 07-Out-2022

https://doi.org/10.12707/rv21118 

ARTIGO DE INVESTIGAÇÃO (ORIGINAL)

O conforto em contexto de urgência: A experiência da família da pessoa em situação crítica

Comfort in the emergency service: The experience of families of critically ill patients

El bienestar en el contexto de urgencias: La experiencia de la familia de la persona en estado crítico

Elsa Romeiros Crisanta Braga Lima1  2 
http://orcid.org/0000-0002-9788-7124

Patrícia Pontífice Sousa1  2 

Rita Margarida Dourado Marques2  3 
http://orcid.org/0000-0003-2868-7468

1 Universidade Católica Portuguesa, Instituto de Ciências da Saúde, Lisboa, Portugal

2 Centro de Investigação Interdisciplinar em Saúde (CIIS), Lisboa, Portugal

3 Escola Superior de Saúde da Cruz Vermelha Portuguesa, Lisboa, Portugal


Resumo

Enquadramento:

Perante a vivência de uma doença crítica, o conforto enquanto necessidade acontece tanto na pessoa que vivencia a doença, como nos seus familiares.

Objetivo:

Compreender a experiência do conforto da família da pessoa em situação crítica (PSC) em contexto de urgência.

Metodologia:

Estudo exploratório descritivo misto recorrendo-se à entrevista semi-estruturada, numa amostragem não probabilística acidental de 10 familiares da pessoa em situação crítica num serviço de urgência.

Resultados:

O significado de conforto expressou-se por um estado/perceção de segurança destacando-se a dimensão psico-espiritual e física. Os fatores promotores de conforto relacionaram-se com atitudes/interações positivas, competências técnico-científicas e relacionais dos enfermeiros, com enfoque na dimensão psico-espiritual. As sugestões para um cuidado confortador centraram-se no desenvolvimento de competências relacionais e de comunicação.

Conclusão:

A perceção de conforto relaciona-se com a situação/circunstância vivida e assume um carácter transitório. No serviço de urgência, o conforto surge como uma dimensão que o enfermeiro pode ajustar, compatibilizando interesses e realizando determinadas atividades promotoras da capacitação da família da PSC.

Palavras-chave: cuidados de conforto; família; pessoa doente; cuidados críticos; urgência

Abstract

Background:

When facing a critical illness, patients and their families need comfort.

Objective:

To understand how families of critically ill patients experience comfort in emergency settings.

Methodology:

This exploratory descriptive mixed-method study uses semi-structured interviews in a non-probability convenience sample of ten family members of critically ill patients in emergency services.

Results:

Comfort was described as a state/perception of security, with emphasis on psychospiritual and physical dimensions. Comfort-promoting factors were related to nurses’ positive attitudes/interactions and technical-scientific and relational skills, with emphasis on the psychospiritual dimension. Suggestions for comfort promotion focused on the development of relational and communication skills.

Conclusion:

Comfort is associated with the situation/circumstance experienced and is transitory. In emergency services, comfort emerges as a dimension that nurses can adjust by harmonizing interests and performing specific actions that empower the families of critically ill patients.

Keywords: hospice care; family; patients; critical care; emergencies

Resumen

Marco contextual:

Ante la experiencia de una enfermedad crítica, el bienestar como necesidad se da tanto en la persona que experimenta la enfermedad como en sus familiares.

Objetivo:

Comprender la experiencia de bienestar de la familia de la persona en situación crítica (PSC) en el contexto de urgencias.

Metodología:

Estudio exploratorio descriptivo mixto, para el que se utilizaron entrevistas semiestructuradas en una muestra accidental no probabilística de 10 familiares del enfermo crítico en un servicio de urgencias.

Resultados:

El significado de bienestar se expresó mediante un estado/percepción de seguridad y se centró en las dimensiones psicoespiritual y física. Los factores que promovieron el bienestar estaban relacionados con las actitudes/interacciones positivas, las competencias técnico-científicas y las relacionales de los enfermeros, con especial énfasis en la dimensión psicoespiritual. Las sugerencias para una atención reconfortante se centraron en el desarrollo de las competencias relacionales y comunicativas.

Conclusión:

La percepción del bienestar está relacionada con la situación/circunstancia vivida y tiene un carácter transitorio. En el servicio de urgencias, el bienestar emerge como una dimensión que los enfermeros pueden ajustar, al coincidir con los intereses y realizar ciertas actividades que promueven el empoderamiento de la familia del PSC.

Palabras clave: cuidado de la comodidad; familia; persona enferma; cuidados críticos, emergencias

Introdução

Considerando o conforto como foco de atenção do cuidado em enfermagem, este surge como uma experiência única, subjetiva, multidimensional e positiva. Ao ser relativo a um contexto situacional, o seu sentido é imediato e dinâmico, e advém das circunstâncias vividas, de fatores intrínsecos na relação com o próprio e de interações da própria pessoa com os outros, o ambiente ou com a sociedade (Ponte et al., 2019; Sousa, 2020). Enquanto estado, o conforto resulta da satisfação das necessidades de alívio, tranquilidade e transcendência, presentes na multivariedade dos contextos físico, psico-espiritual, socio-cultural e ambiental, que decorrem da experiência vivida (Sousa, 2020).

Perante a vivência de uma doença aguda, importa referir que não só é a pessoa em situação crítica (PSC) que apresenta necessidades de conforto, mas também os seus familiares, dado que a hospitalização e a incerteza do vivido é marcante para a díade pessoa cuidada/família.

O processo de cuidado confortador decorre do ambiente específico do contexto e das características e ações construídas pelo grupo de atores participantes (Sousa & Marques, 2021). O serviço de urgência e emergência, pelas suas características relacionadas com uma assistência imediata, eficiente e de grande complexidade técnica, está muito centrado no tratamento da pessoa. Na maioria das vezes, não dispõe das melhores condições para o acolhimento, privacidade, individualidade, interações terapêuticas e informações atempadas e adequadas, aspetos considerados fundamentais para um cuidado humanizado que se deseja confortador para a pessoa em contexto de hospitalização (Kalocsai et al., 2018; Ocak & Avsarogullari, 2019).

No contexto de complexidade referido, o conforto surge como uma necessidade devendo constituir uma finalidade e intervenção intencional dos enfermeiros tanto à pessoa como aos seus familiares. Daí que se propõe compreender a experiência do conforto da família da PSC em contexto de urgência.

Enquadramento

No domínio dos cuidados aos familiares da PSC, ir ao encontro do conforto da família é determinante e requer uma atenção singular e ajustada às necessidades dos mesmos. Estas são muitas vezes desvalorizadas pelos profissionais, dado que, habitualmente, centram a sua atenção na pessoa que tomam a seu cargo (Marques et al., 2016; Sousa & Marques, 2021).

Em contexto de doença crítica, o doente e a sua família recorrem ao serviço de urgência (SU) numa procura de cuidados de saúde intencionalmente dirigidos ao alívio dos desconfortos físicos e psicológicos vividos, tais como, dor e medo.

Neste serviço, o cuidado de enfermagem é perspetivado numa vertente emergente, mais tecnicista, associado à concretização de procedimentos complexos e eficazes em que a presença do risco de vida e a morte são uma constante, geradores de ansiedade, tanto para a PSC como para a família (Valente et al., 2017). Uma vez que a vivência de uma doença crítica é geradora de uma crise situacional, recorrer a um serviço de cuidados críticos constitui um acontecimento complexo, desconfortante e marcante. Tal acontecimento, imprime na família uma das situações mais stressantes experienciadas, exigindo-lhe a melhor capacitação através da mobilização de competências e recursos internos (Galinha de Sá et al., 2015). Neste sentido, o enfermeiro, pela proximidade ao doente e família, assume um papel fundamental neste processo, podendo ser um elemento facilitador de medidas promotoras de conforto e bem-estar, quer para a pessoa, quer para os seus familiares.

O conforto é considerado um estado emergente e desejado que se relaciona com a experiência subjetiva de se sentir ajudado, fortalecido e encorajado de forma a potenciar ou adquirir capacidade individual nas múltiplas necessidades (Kolcaba, 2003). O estado de conforto é mais do que o alívio do desconforto, é um fenómeno positivo, um estado imediato que é promovido através das intervenções de enfermagem que vão muito além dos cuidados físicos (Kolcaba, 2003). A ação de conforto é dotada de sentido, sendo este alcançado por meio de intervenções confortadoras. Estas constituem um processo multicontextual, contínuo, integrador e intencional, parte integrante do processo de cuidados e visam um melhor e maior estado de conforto. (Sousa, 2020).

Neste sentido, os enfermeiros devem compreender o fenómeno do conforto na relação com a identificação das necessidades, o planeamento das intervenções e a avaliação das mesmas, de forma a compreender em que medida os resultados de cuidados confortadores foram atingidos (Kolcaba, 2003; Marques et al., 2016; Sousa, 2020). Torna-se essencial dar oportunidade à família de exprimir os seus desejos, as suas vontades e compreender as suas necessidades, atendendo à sua unicidade, considerando-a de forma integral, valorizando a sua vivência no momento e circunstância, na relação com o ambiente e contexto. Desta forma, o cuidado confortador é revestido de intencionalidade, refletido, responsável e individual de acordo com as singularidades características de cada família (Sousa, 2020).

Questão de Investigação

Como é experienciado o conforto da família da PSC em contexto de urgência?

Metodologia

Trata-se de um estudo exploratório descritivo misto (abordagem de investigação que combina as formas qualitativas e quantitativas) para compreender a experiência do conforto da família da PSC em contexto de urgência. Pretendemos (i) conhecer o significado de conforto para a família da PSC; (ii) identificar fatores promotores de conforto para a família da PSC em contexto do quotidiano e do SU; (iii) identificar o nível de conforto da família da PSC e, (iv) identificar as intervenções de enfermagem confortadoras para a família da PSC. A população alvo do estudo foi constituída pelos familiares da PSC que recorreram ao SU central de um hospital público da região de Lisboa. Optou-se pela técnica de amostragem não probabilística acidental (Fortin, 2009), tendo-se definido como critérios de inclusão, familiares adultos da pessoa adulta em situação crítica em contexto de ambulatório ou internados até vinte e quatro horas no SU, que dominassem a língua portuguesa. A dimensão e composição final da amostra foi determinada pela saturação dos dados, durante o processo da análise seguindo as orientações de Bogdan e Biklen (1994), ao recomendar a riqueza da experiência individual e o atingir da redundância da informação sem acrescentar dados novos.

Partindo da questão de investigação e dos objetivos, selecionou-se como método de recolha de dados a entrevista semi-estruturada, com base num guião construído pelos autores, onde constam os blocos temáticos em resposta aos objetivos do estudo. O guião foi composto por uma primeira parte referente às variáveis sociodemográficas do familiar, nomeadamente a idade, o género, a relação de parentesco, o grau de escolaridade, bem como, o setor do SU onde receberam os cuidados. A segunda parte foi constituída por duas questões abertas referentes ao significado de conforto e ao que promove conforto aos familiares no seu quotidiano. A terceira parte foi constituída por três questões, sendo a primeira fechada, referente ao nível de conforto dos familiares, através da utilização de uma Escala de Likert de zero a 10, em que ao zero foi atribuído ausência de conforto e ao 10 o conforto total. As duas questões abertas foram referentes aos aspetos que contribuíram para mais e melhor conforto, bem como, sugestões dos mesmos acerca de intervenções de enfermagem potenciadoras do conforto.

O guião foi discutido informalmente com alguns enfermeiros e formalmente com dois juízes, a fim de assegurar a validade dos mesmos. Foi igualmente submetido a um pré-teste em sujeitos da população que não fizeram parte do estudo, procurando assim assegurar a compreensão das questões e perceber a duração média da entrevista. A seleção dos familiares foi realizada pela investigadora, tendo sempre a preocupação de verificar a disponibilidade dos mesmos através de um diálogo inicial de apresentação. A abordagem aos familiares foi realizada após a admissão e cuidados ao doente crítico, enquanto estes aguardavam por realização ou resultados de exames.

As entrevistas decorreram num espaço destinado a esse fim, numa sala com privacidade do SU, estando apenas presentes o entrevistador e o entrevistado. Antes de iniciar a entrevista explicou-se o objetivo, solicitou-se o consentimento livre e esclarecido a todos os participantes do estudo, sendo que o anonimato e a confidencialidade dos dados foram assegurados.

Deixou-se o participante falar livremente a fim de expressar as suas ideias e evitando condicionar as respostas. A entrevista aconteceu de uma forma não forçada, deixando seguir o fluxo das ideias, no entanto, houve necessidade, por vezes, de concretizar algumas questões para recentrar o entrevistado. O tempo de cada entrevista foi variável, entre 15 e 30 minutos. O registo das respostas verbais foi feito de forma integral por escrito e a informação validada, no final, com os familiares.

Relativamente aos procedimentos formais e éticos, antes do início da colheita de dados, encetou-se algumas diligências para a realização do estudo na instituição escolhida. Foi solicitada autorização ao Conselho da Administração da Instituição e Enfermeiro Chefe do SU, assim como o parecer da Comissão de Ética da instituição, com obtenção de parecer favorável (Referência:141/20) em 13/05/2021.

Após a recolha de dados procedeu-se à transcrição das entrevistas na íntegra. Foram analisados os dados qualitativos/análise de conteúdo de acordo com Bardin (2018), com abordagem puramente dedutiva, ou seja, recorrendo às dimensões pré-definidas por Kolcaba (2003): física; psico-espiritual; sócio-cultural; e ambiental. Para o tratamento dos dados quantitativos, estatística descritiva, recorreu-se Statistical Package for the Social Sciences (SPSS) version 23.0 for Windows.

Resultados

A amostra foi constituída por 10 familiares da PSC, caucasianos (100%), mulheres (100%), com idades compreendidas entre 37 e os 79 anos (média = 56 anos) e que residiam no distrito onde se situa o hospital. Verificou-se quanto à relação de parentesco que seis familiares eram filhas (60%), dois familiares eram primas (20%) e dois cônjuges (20%). Em relação ao nível de escolaridade, quatro familiares apresentaram nível de escolaridade superior, designadamente licenciatura (40%) e mestrado (20%), dois com ensino básico (20%), um com ensino secundário (10%) e um com o primeiro ciclo (10%). O setor do SU onde se realizou o acolhimento e abordagem aos familiares foi maioritariamente na sala de atendimento muito urgente (70%), na sala de internamento (20%) e na sala de atendimento emergente (10%). Os relatos transcritos das participantes são identificados pela letra E (Entrevistado) seguida do número referente à ordem pela qual os participantes foram entrevistados.

Após a transcrição do verbatim, o tratamento da informação permitiu a desmontagem do discurso, a organização, sistematização e análise com o objetivo de selecionar, agrupar, simplificar e transformar os dados, emergindo quatro áreas temáticas que dão resposta aos objetivos:

(i) O significado de conforto para a família da PSC

O significado de conforto inclui a forma de significação atribuída pelos familiares levando à compreensão do conceito na relação com os elementos que dão sentido à experiência do conforto. Emergiram características que se enquadram na dimensão psico-espiritual, numa forma de expressão ligada a um sentido positivo e abrangente, com um carácter vinculativo aos desejos/necessidades individuais da família, como é exemplo nos relatos dos familiares: “conforto é bem-estar”(E5, E7); “segurança”(E7); “aconchego”(E8); “sentir que não está sozinha”(E3); “partilha”(E9); “amar”(E9); “paz de espírito”(E6); “sem preocupações”(E5); “ter paciência para cuidar da mãe”(E8); e “sentir que a mãe está bem”(E8).

Também, neste estudo, a expressão do conceito ganha sentido na dimensão física, quando se reporta a uma perceção de funcionamento equilibrado das funções, tal como: “estar bem” (E1; E2; E8; E10); “ausência de “mal-estar” (E6); “ausência de dor” (E5; E6); “sentir-me bem” (E4); e “ter saúde” (E9).

O conceito é identificado numa relação estreita com a dimensão social, “estar acompanhada” (E3), “estar bem com todos” e ao “conviver” (E1); e com a dimensão ambiental, “estar rodeada por um meio envolvente confortável que transmita bem-estar” (E2; E4).

(ii) Fatores promotores de conforto para os familiares da PSC em contexto do quotidiano e do SU

Com vista à compreensão do sentido da experiência de conforto dos familiares da PSC, procurámos conhecer os fatores promotores de conforto tanto na vivência do dia-a-dia (contexto quotidiano), como na vivência do momento experienciado (contexto de SU).

No contexto do quotidiano, emergiram resultados que se enquadram em duas dimensões: (i) psico-espiritual e (ii) sociocultural (Kolcaba, 2003).

Na dimensão psico-espiritual emergem asserções determinantes como: “estar com Deus” (E1); “saber que os familiares e amigos estão todos bem” (E3); “saber que há pessoas que gostam de mim” (E4); “que eu e os meus, família, estão seguros, sem doença” (E6); “paz” (E6); “estar com os filhos e neta e que estejam bem, que a mãe esteja bem” (E8); e “a família estar bem” (E10).

Na dimensão sociocultural, evidencia-se: “ajudar os outros” (E1; E9); “estar bem com todos” (E1); “serem amigos um do outro” (E2); “conversar com os outros” (E1); “estarem juntos, em família, a conviver” (E2); “estar com os filhos e a neta…” (E8); “ter perto de mim aqueles que eu amo, a família e os amigos” (E9); “estar bem no trabalho” (E10); “passear e estar ao ar livre” (E1); “silêncio” (E5); e “estar em casa” (E7).

No contexto de SU, os fatores que promovem conforto aos familiares, concretamente no momento do acolhimento e na interação com os profissionais de saúde, relacionam-se com as mesmas dimensões: (i) psico-espiritual e (ii) sociocultural.

Destaca-se a dimensão psico-espiritual na subcategoria segurança/confiança emocional: “sentir esperança” (E1); “competência dos profissionais” (E1; E2; E3; E4; E5; E6; E7; E8; E9; E10); “saber o que se está a passar” (E2); “ver resolvida a situação de saúde/doença do meu familiar” (E8); “ser atendida com atenção” (E9); “o sorriso dos profissionais quando nos recebem” (E9) e “já tem alguma perspetiva do diagnóstico” (E5); “ter informação atualizada da situação para organização pessoal e profissional” (E6); “poder comprar os medicamentos” (E7). Os achados revelam-se também no domínio sociocultural: “conversar com os médicos e os enfermeiros” (E2); “os profissionais serem simpáticos” (E8); e “poder tirar dias para assistência à família” (E8).

(iii) Nível de conforto da família da PSC

Quando questionados os familiares da PSC acerca do nível de conforto (Escala de Likert de zero a dez), no momento do acolhimento e momentos de interação seguintes, este variou entre zero e dez com média de cinco valores.

(iv) Intervenções de enfermagem confortadoras para a família da PSC

Na esfera da ação do profissional de enfermagem, os intervenientes consideram que no SU, os modos e formas de confortar se centram em duas dimensões: (i) psico-espiritual e (ii) ambiental. Inserida na dimensão psico-espiritual, emergiram achados que foram integrados na subcategoria segurança/confiança emocional, concretamente na relação com uma maior interação enfermeiro/familiar e humanização dos cuidados: “os profissionais contatarem mais” (E2); “falar mais com ela sobre a situação” (E2); “falar com as pessoas” (E5); “saber como está, mesmo que esteja na mesma” (E6); “serem humanos com os doentes e familiares” (E10); e “serem competentes, a parte técnica é importante, mas a parte humana é indispensável” (E10).

Ainda, agrupados na subcategoria presença/aproximação relacional do eu, surgiram aspetos relacionados com a presença junto do doente “deixarem estar ao pé do marido” (E2). Na subcategoria atitudes/interação positivas foram integradas a atenção, a paciência, a sensibilidade e a disponibilidade. O profissional “ter paciência” (E1); “dar atenção” (E1, E5); “não atuar de uma forma tão rápida” (E4); “demorar mais no atendimento das pessoas” (E4); “disponibilidade” (E5); “serem sensíveis” (E10); o profissional “dar informação” (E1, E5, E6); “dar informação sobre existência serviço religioso” (E1); “informar que ela está bem o mais rapidamente possível” (E3); “orientação no ambiente” (E3); e “orientação para a assistência social” (E8).

Relacionados com a dimensão ambiental, foram referidos aspetos como a melhoria da estrutura e funcionamento do SU, nomeadamente, o terem direito à alimentação (E7), as condições físicas das salas de espera (E3), o posicionamento dos profissionais nas salas em relação à pessoa/familiar em prol da proximidade e interação entre estes (E5) e, ainda, a necessidade de existirem pessoas capazes de fornecer orientação neste ambiente desconhecido (E3).

Discussão

Numa lógica de cuidado centrado na pessoa, a caracterização do fenómeno exige que se identifique a estrutura essencial, o sentido e significado, bem como, as intervenções de enfermagem para esta população. O cuidado centrado na pessoa exige que as organizações de saúde, bem como os seus profissionais, valorizem as experiências e valores das pessoas, reconhecendo-as na sua totalidade e unicidade. Nesta perspetiva, há que reconhecer a pessoa como parceiro de cuidados com vista à co-construção do cuidado (Edgman-Levitan & Schoenbaum, 2021).

(i) O significado de conforto para a família da PSC

Na diversidade dos significados encontrados, relativamente ao conforto dos familiares da PSC, surgiram achados que se enquadram nas quatro categorias da teoria de Kolcaba (2003) com diferentes perceções para cada familiar. Os achados encontram similaridade na estrutura essencial do fenómeno no que se relaciona com um sentido multidimensional do mesmo e um carácter positivo e abrangente ajustado às necessidades e desejos da família.

A vivência de conforto liga-se a um sentimento de bem-estar, encontrando relação com a perspetiva de Vaz e Amor (2018) ao considerá-lo como um estado de contentamento em resposta às exigências do corpo e/ou espírito e uma sensação de conforto e tranquilidade. A expressão do conceito é designada também como um estado de estar-bem, percecionado como a ausência de desconfortos variados, tais como, doença e problemas ao nível físico, psicológico e social (Sousa, 2020), embora tenha mais expressão ao nível do contexto físico, relacionando-o com a dor e outro tipo de sintomatologia geradora de sofrimento (Kolcaba, 2003). Numa perspetiva ligada ao fator social, os resultados encontram sentido nas relações interpessoais, familiares e sociais, que de forma positiva e favorável influenciam e geram conforto (Kolcaba, 2003). Parece haver também um elo de ligação entre o ambiente e o conceito, havendo uma influência recíproca, pelo que emerge a necessidade de um ambiente tranquilizador e de privacidade.

(ii) Fatores promotores de conforto para os familiares da PSC em contexto do quotidiano e do SU

Em contexto de quotidiano, é evidente a existência de fatores promotores do conforto associados à dimensão psico-espiritual, à consciência interna de si próprio, onde se inclui o significado da vida e de si mesmo e a relação com um ser mais elevado. Igualmente se dá importância à autoestima, ao sentir-se útil como uma forma de capacitação promotora de mais e melhor conforto, revelando-se uma combinação entre a componente mental, emocional e espiritual (Kolcaba, 2003; Sousa, 2020).

Numa procura intencional da singularidade/particularidade de cada familiar, os participantes do estudo referiram, também, que estarem próximos e conviver com os familiares e amigos, contar com ajuda, partilha e apoio recíproco, assim como sentir segurança profissional, constituem fatores promotores de conforto no seu dia-a-dia, o que está em consonância com Santos et al (2016). Manter relações positivas com familiares e amigos faz com que as pessoas se sintam cuidadas, amadas, estimadas, valorizadas, apoiadas e com sentimento de pertença (Sousa, 2020).

Em contexto de SU, também emergiram as mesmas dimensões, onde se destacou a confiança e a segurança como instrumentos confortadores e pré-requisitos para a vivência de conforto, aspetos por si só positivos e terapêuticos. A segurança financeira e os aspetos educacionais são estruturantes do estado confortador pela valorização, estabilidade, autonomia que se deseja ter, bem como pelas atitudes de suporte, pelo envolvimento no cuidado e a tomada de decisão.

O processo comunicacional intervém na construção confortadora, assumindo um carácter determinante na interação e no desenvolvimento de uma relação terapêutica. Nesta ordem de ideias, os intervenientes valorizam atitudes/interações positivas como a simpatia, o sorriso e a atenção, o que se inscreve na dimensão psico-espiritual (Kolcaba, 2003). Tais atitudes/interações são habilidades de comunicação confortadora, que se assumem como padrões de estrutura dos atores de cuidados, favorecendo a adaptação à situação vivida, encontrando sentido na relação profissional de saúde/doente/família como é o caso da transmissão de informação sobre a situação do doente (Ocak & Avsarogullari, 2019; Sousa, 2020).

O estabelecimento de uma relação autêntica promotora da compreensão da situação constitui-se como uma resposta de ajuda humanizada e ajustada à situação vivida, podendo ser mobilizadas pelos enfermeiros através da rede de suporte social, apoio emocional e de informação aos familiares (Freitas et al., 2012).

(iii) Nível de conforto da família da PSC

Avaliar o nível de conforto é determinante para a ação do enfermeiro. Na perceção familiar, o momento do acolhimento e os momentos de interação seguintes foram medianamente confortáveis, dado que o acolhimento é um momento de cuidado particularmente importante, que ao não ser revestido de uma intencionalidade confortadora é gerador de angústia e stress.

Neste encontro inicial, as necessidades de conforto são elevadas, pelo que a finalidade deverá centrar-se no aumento do conforto potencial, mas dificilmente este será alcançado na sua totalidade (Kolcaba, 2003; Sousa, 2020). Os familiares da pessoa internada vivem sentimentos de incerteza, medo e ansiedade, relacionados com a gravidade da situação clínica (Galinha de Sá et al., 2015), por isso, torna-se essencial avaliar o nível de conforto dos familiares de forma a promover intervenções de enfermagem confortadoras, intencionais, refletidas, ajustadas e individuais, passíveis de serem validadas (Sousa, 2020).

(iv) Intervenções de enfermagem confortadoras para a família da PSC

Na relação de cuidado, várias estratégias relacionadas com a postura e o comportamento dos profissionais acontecem e se assumem como qualidades humanas para a relação confortadora, que se incluem nas dimensões: (i) psico-espiritual; (ii) sociocultural; e (iii) ambiental.

As influências das características do comportamento humano do enfermeiro são determinantes para o nível de conforto, contribuindo para uma maior capacitação e encorajamento da família. Atitudes e disposições baseadas numa relação positiva e favorável efetivam o estabelecimento de laços de confiança.

O desenvolvimento de competências interpessoais conjuga uma série de gestos, posturas e palavras, nas quais sobressai a forma de ser/estar em relação como estratégia de aproximação. A informação e o esclarecimento acerca da situação clínica do doente de forma rigorosa e atualizada, dos serviços religiosos, de assistência social e do ambiente que rodeia, são evidenciados como formas de confortar capazes de promover um maior controle sobre os próprios cuidados de saúde (Ocak & Avsarogullari, 2019; Ponte et al., 2019).

Na estrutura confortadora, a interação com a equipa revela-se importante na medida em que permite a transmissão das preocupações, medos e receios, bem como a partilha de conhecimento (Mendes, 2018). A comunicação verbal e não verbal surge como instrumento fundamental do cuidado confortador, o que implica por parte dos enfermeiros a necessidade de serem empáticos e estarem próximos, de forma a interagir e a estabelecer uma relação de parceria com a PSC e os seus familiares. Promover a presença do familiar como entidade próxima e única é uma estratégia de interação e cuidado confortador à família da PSC (Galinha de Sá et al., 2015; Sousa & Marques, 2021). Os familiares sentem necessidade de manter proximidade com a pessoa doente na medida em que podem observar, constatar, acompanhar a situação e evolução clínica, tal como evidenciado noutros estudos (Freitas et al., 2012; Fortunatti, 2018; Ocak & Avsarogullari, 2019).

Na opinião dos familiares, a informação/esclarecimento reduz a incerteza, tornando mais fácil gerir as situações, tendo em conta a particularidade de cada familiar, o que constitui uma postura confortadora. A complexidade da vivência de uma situação crítica gera sentimentos de angústia e preocupação face à incerteza da recuperação, assim como, é causadora de sofrimento, originando, nos familiares, necessidades concretas que se centram na procura de manter proximidade com a pessoa em situação crítica e com os outros membros da família, a procura de reorganizar a vida social, profissional e a expectativa para projetos de vida futuros (Freitas et al., 2012, Valente et al., 2017; Fortunatti, 2018; Sousa, 2020).

Na microcultura estudada, as condições inerentes ao ambiente físico hospitalar identificadas como humanizadoras são condicionantes favoráveis ao processo terapêutico do doente e ao conforto da família.

Os resultados obtidos permitiram obter conhecimento acerca do sentido e significado do fenómeno do conforto dos familiares do doente crítico bem como de intervenções promotoras desse conforto, mas sugere-se a realização de um estudo com maior número de participantes e através de outros métodos de investigação, concretamente a observação. Este estudo apresenta algumas limitações que se prendem com o número de participantes que foi possível entrevistar, bem como o facto de termos optado por não gravar as entrevistas, o que poderá ter limitado o registo da informação ou até mesmo ter condicionado as respostas dos participantes.

Conclusão

As questões inerentes ao conforto ocupam lugar central na enfermagem, já que este se constitui como desejável à vida da pessoa. As atividades realizadas pelos enfermeiros centradas no suporte, apoio, ajuda e capacitação da família, emergem como determinantes no cuidado e possibilitam os enfermeiros de serem reconhecidos como atores privilegiados de conforto.

Numa lógica de assistência de qualidade, o conforto surge como uma dimensão parcialmente controlável, através de atividades de suporte, proteção ou correção dos ambientes, junto da família da PSC.

O suporte emocional do enfermeiro à família emerge como determinante no cuidado e possibilita os enfermeiros serem reconhecidos como atores privilegiados de conforto. Em contexto do quotidiano, sentir-se confortado, para os familiares da PSC, liga-se a estratégias que vão nutrir a relação e criar mais proximidade, aspetos que foram integrados essencialmente nas dimensões psico-espiritual e social. Já em contexto de urgência, os familiares referiram sentir-se confortáveis (média=5; 0-10). Enquanto fatores promotores de conforto, releva-se o facto de se sentirem seguros e confiantes nas competências técnico-científicas e relacionais dos profissionais, percecionarem simpatia, sorriso e atenção, receberem informação atualizada sobre a situação da PSC, terem possibilidades financeiras, poderem usufruir do direito de assistência à família e reorganizar a sua vida pessoal e profissional.

Relativamente às intervenções de enfermagem confortadoras em contexto de urgência, as sugestões dos familiares da PSC surgem como um conjunto de estratégias que tomam particular atenção na relação humanizadora, numa procura de sintonia e que visam a gestão da informação. Evidencia-se o facto de os enfermeiros desenvolverem competências relacionais e de comunicação que revelem atenção, sensibilidade, disponibilidade, humanização e preocupação em informar e atualizar a informação da situação clínica da pessoa de forma a capacitar os familiares para o seu projeto de vida numa melhor reorganização. Sugerem ainda melhorar a estrutura e funcionamento do SU na procura de um ambiente fisicamente confortável e facilitador da interação e proximidade entre a pessoa doente/família/profissionais de saúde. Verificaram-se diferenças nos aspetos que confortam os familiares da PSC, no momento do acolhimento e durante a interação, em contexto de urgência relativamente ao contexto do quotidiano, na medida em que a perceção de conforto para além de ser individual, é transitória, pois varia de acordo com a situação vivida, o momento e contexto situacional, aspetos que encontram sentido em estudos sobre este fenómeno.

Em condição de vulnerabilidade acrescida, a relevância da individualização é orientadora da ação confortadora. Através das habilidades de comunicação é possível construir uma relação de parceria com os familiares da PSC permitindo identificar as necessidades individuais e possibilitando intervenções de enfermagem capazes de melhorar e potenciar o conforto. Na prática dos cuidados, a intencionalidade deverá constituir fundamento do agir dos enfermeiros. Torna-se imprescindível que se foquem na perceção do significado e sentido atribuído ao conforto, de forma a minimizar o sofrimento e os desconfortos vividos pelos familiares da PSC em contexto de urgência. A realidade do contexto de ação evidenciou a importância da individualização dos cuidados, tendo em conta a unicidade da família revelando-se importante a particularização do cuidado confortador, baseado nas reais necessidades, expetativas, preferências e valores das pessoas.

Consideramos que será útil explorar o fenómeno como conceito integrador da satisfação das pessoas em diferentes contextos e diferentes populações, como estruturante da humanização dos cuidados de saúde.

Financiamento

Este trabalho foi financiado por fundos nacionais através da Fundação para a Ciência e Tecnologia, I.P. (FCT - Portugal, UIDB/04279/2020).

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7Como citar este artigo:Lima, E. R., Sousa, P. P., & Marques, R. M. (2022). O conforto em contexto de urgência: A experiência da família da pessoa em situação crítica. Revista de Enfermagem Referência, 6(1), e21118. https://doi.org/10.12707/RV21118

Recebido: 23 de Setembro de 2021; Aceito: 26 de Maio de 2022

Autor de correspondência Elsa Romeiros Crisanta Braga Lima E-mail: elsalima@netcabo.pt

Concetualização: Lima, E. R.

Tratamentos de dados: Lima, E. R.

Análise formal: Lima, E. R., Sousa, P. P., & Marques, R. M.

Validação: Sousa, P. P., & Marques, R. M.

Redação - preparação do rascunho original: Lima, E. R., Sousa, P. P., & Marques, R. M.

Redação - revisão e edição: Lima, E. R., Sousa, P. P., & Marques, R. M.

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