Introdução
O presente estudo foca-se nos cuidados de enfermagem ao prestador de cuidados (PC) da pessoa com dependência (PD), em contexto de cuidados de saúde primários. Este é um tema de elevada pertinência considerando-se o crescente número de famílias que integram e asseguram a continuidade de cuidados domiciliários a membros da família. Desde os finais do século passado, este desafio colocado às famílias tem merecido uma crescente atenção da comunidade científica, procurando obter evidências que ajudem os profissionais de saúde, nomeadamente os enfermeiros, a apoiarem os PC, recorrendo a uma abordagem integradora, alicerçada num modelo de parceria e de empoderamento, que permita muni-los de conhecimentos e de habilidades necessárias para a aquisição do seu papel.
O objetivo desta investigação foi compreender a conceção de cuidados de enfermagem relativa ao PC.
Enquadramento
Das mudanças sociodemográficas e epidemiológicas ocorridas nas sociedades atuais emergiram condições de saúde frequentemente associadas a compromissos funcionais que exigem apoio de terceiros para assegurar o autocuidado. Perante esta nova situação, alguns elementos da família veem-se impelidos a assumir o papel de tomar conta da PD. Este processo de transição para o papel de PC exige a aquisição de conhecimentos e habilidades (Ploeg et al., 2020). Na equipa de saúde, o enfermeiro assume uma posição privilegiada para apoiar o PC neste complexo processo. Um trabalho de proximidade com os cuidadores informais, por forma a identificar e responder precocemente às necessidades que emergem, permite prevenir e diagnosticar atempadamente a sobrecarga. Perante o exposto, estes profissionais necessitam que a sua tomada de decisão assente numa base conceptual sólida (Ribeiro et al., 2018). Este processo deve ser suportado pelo recurso aos sistemas de informação em enfermagem (SIE), devendo os registos eletrónicos ser um espelho da prática diária. A informação adquirida com o processo documental é crucial para a gestão dos cuidados de saúde permitindo o conhecimento de vivências e estratégias implementadas pelos enfermeiros, levando a ganhos em saúde (Ribeiro et al., 2019). A consciencialização dos enfermeiros para a importância da documentação é crucial, visto que esta permite registar o trabalho autónomo e colaborativo, autoafirmando a profissão (Reis et al., 2016; Vieira, 2018).
Em Portugal os SIE, têm vindo a evoluir de um sistema inicial designado por Sistema de Apoio à Prática de Enfermagem alicerçado na Classificação Internacional para a Prática de Enfermagem β2 para uma versão mais atual designada por SClínico. Este, possibilita a uniformização de informação nas diversas áreas, permitindo aos profissionais de saúde uma atuação mais eficiente e eficaz (Serviços Partilhados do Ministério da Saúde, 2018), com recurso à Classificação Internacional para a Prática de Enfermagem versão 1. O SClínico disponibiliza dois focos, para os registos referentes ao PC, papel de prestador de cuidados (PPC) e stress do prestador de cuidados (SPC).
Questão de Investigação
A documentação reflete a conceção de cuidados dos enfermeiros dirigida aos PC?
Metodologia
Estudo de natureza descritiva e exploratória, com abordagem mista, recorrendo à análise dos registos de enfermagem sobre o PC, efetuados no SIE, no período de 6 meses (01 de agosto de 2016 a 1 de fevereiro de 2017) e à caracterização dos PC de pessoas adultas/idosas dependentes, correspondendo a uma amostra por conveniência. O processo de colheita de dados teve dois momentos sequenciais, o primeiro correspondeu à pesquisa retrospetiva realizada no sistema de informação (SClínico) referente aos focos/diagnósticos e intervenções no PC. No segundo momento foi realizada a caracterização dos PC. Delineados os critérios de inclusão: PD inscritas na listagem de dependentes de duas unidades de saúde familiar (USF) da região metropolitana do Porto nos últimos 6 meses, ter dependência no autocuidado e ter PC identificado. Foram critérios de exclusão: estar institucionalizado ou ter sido referenciado para uma equipa de cuidados continuados integrados ou terem sido transferidos de USF.
Na consulta das listagens do programa de saúde de dependentes (março, 2017), foram identificadas 254 PD. Na primeira fase de colheita de dados foram selecionadas 163 PD, para consulta dos respetivos processos clínicos. Na segunda fase de colheita de dados realizou-se a visita domiciliária (VD) a 72 PC (Figura 1).
A recolha dos dados dos processos clínicos no SIE foi realizada pelo enfermeiro interlocutor de cada USF, com recurso ao número operacional do processo da PD, consultando a documentação de enfermagem e transmitindo à investigadora principal, garantindo o anonimato. Após estar concluída esta etapa e ter-se identificado elevada subnotificação nos registos nos focos PPC e SPC, em reunião com os dois enfermeiros interlocutores, decidiu-se alargar a colheita de dados a outros focos de atenção direcionados para a PD, onde se evidenciava que a informação correspondia ao PC. Foram identificados os processos em que os focos PPC e SPC se encontravam num estado de ativo, mas sem registos efetivos no período em análise.
Concomitantemente com a pesquisa dos dados no SIE, o enfermeiro de família da PD selecionada contactava com o PC explicando o propósito do estudo e informando acerca do investigador. Após o consentimento do PC a investigadora estabelecia um contacto telefónico, para agendar a VD, permitindo esta a apropriação com mais precisão da realidade no contexto de cuidar.
Para a recolha dos dados os PC responderam, em forma de autopreenchimento, a um questionário elaborado que comtemplava variáveis para a sua caracterização, recorrendo-se a questões fechadas. Foram disponibilizadas duas questões abertas para os PC explicitarem as necessidades e as dificuldades sentidas no desempenho do papel de cuidador. Para a avaliação da perceção da sua saúde e qualidade de vida recorreu-se a duas questões com recurso à escala tipo Likert, incluindo o muito bom; bom; razoável; mau e muito mau. O instrumento de recolha de dados integrou ainda o Questionário de Avaliação da Sobrecarga do Cuidador Informal (QASCI), escala que foi construída para a população portuguesa por Martins et al. (2003) com o objetivo de avaliar a sobrecarga física, emocional e social dos cuidadores informais. É constituída por 32 itens, avaliados por uma escala ordinal que varia entre 1 e 5, com as categorias: não/nunca, raramente, às vezes, quase sempre e sempre. É constituído por 7 dimensões: Implicações na vida pessoal do cuidador; Satisfação com o papel e com o familiar; Reações a exigências; Sobrecarga emocional; Suporte familiar; Sobrecarga financeira e Perceção dos mecanismos de eficácia e controlo. A pontuação de cada subescala varia entre 0 e 100, valores mais baixos indicam menor sobrecarga, nas quatro primeiras subescalas, enquanto nas três últimas, valores mais altos são indicativos de maior suporte, satisfação ou autoeficácia. Segundo os autores do artigo e tendo em conta que a pontuação varia entre 0 e 100, a análise é realizada pelos percentis 25, 50 e 75, ou seja, pontuações abaixo de 25 são consideradas indicativas de uma sobrecarga leve, entre 25 e 50 sobrecarga moderada, entre 51 e 75 sobrecarga grave e acima deste valor sobrecarga extrema.
No nosso estudo (N = 72) a escala global mostrou ter uma boa consistência interna avaliada através do coeficiente alfa de Cronbach (α = 0,79).
Recorreu-se ao software IBM SPSS Statistics, versão 24.0 para a estatística descritiva (medidas de tendência central e dispersão) e para análise bivariada. Todas as variáveis foram apresentadas através de frequência absoluta e relativa.
Para efetuar as correlações entre o QASCI, as dimensões da escala e as variáveis dicotómicas (sexo, idade, anos de escolaridade, se coabita com a PD, se existe outro cuidador, problemas de saúde e se deixou de fazer alguma atividade que gostava) recorreu-se ao teste t. Para a análise dos resultados foi assumido um nível de significância de 0.005. Para a variável idade foram criados dois grupos [PC adultos (< 65 anos) e PC idosos (≥ 65 anos)], bem como para a escolaridade [escolaridade (< 5 anos) escolaridade (≥ 5 anos)]. Na apresentação dos dados nos quadros, o número total de participantes poderá ser diferente, caso se registem valores omissos.
Para as questões abertas direcionadas, recorreu-se à análise de conteúdo de acordo com o modelo de Bardin (2013). A leitura inicial objetivou sistematizar e organizar ideias. Inicialmente efetuada a leitura das respostas várias vezes e efetuada a escolha dos dados a incluir na análise, procedendo-se à codificação do corpus de análise. Na segunda fase, efetuada a codificação, decomposição e enumeração dos dados e na terceira e última fase categorizaram-se esses mesmos dados, tornando-os mais claros.
Este estudo iniciou-se após parecer favorável da Comissão Nacional de Proteção de Dados (autorização 10744/2016) e da Comissão de Ética em Saúde (autorização 105/2016) da Administração Regional de Saúde do Norte e da Diretora Executiva do Agrupamento de Centros de Saúde onde decorreu o estudo. Cada participante foi esclarecido dos objetivos e finalidade do estudo, assinando o consentimento informado livre e esclarecido. Foi obtida a autorização do autor do instrumento utilizado.
Resultados
A apresentação dos resultados sistematizou-se em dois domínios: caracterização dos PC e documentação dos focos relativos ao PC.
Prestador de cuidados
Dos 72 PC, 62 (86,1%) são mulheres com uma média de idades de 61,9 ± 13,6 anos (23-89) com elevada escolaridade (8 ± 4,5 anos; 0-18). A maioria 44 (61,1%) são casados/união de facto, reformados 32 (44,9%) e 62 (86,1%) coabitam com a PD. Em 36 (50%) das situações são filhas/filhos e 36 (50%) referem ter outro cuidador. Cuidam da PD, em média há 8,10 ± 7,0 anos (1-39), cerca de 11,8 ± 8,8 horas nas 24h e 60 (83,3%) não tinham outra PD a cargo. Dos PC, 55 (76,4%) têm problemas de saúde, o mais frequente (33; 60%) é hipertensão arterial. A maioria perceciona o seu estado de saúde como razoável (41; 56,9%), bem como a sua qualidade de vida (46; 63.9%). (Tabela 1).
Referente à questão “Neste papel de cuidador quais as suas principais dificuldades”, responderam 46 (63,9%) PC. Os dados revelaram 49 dificuldades sendo, essencialmente de ordem física, totalizando 33 (67,3%) respostas.
Referente à questão “Neste papel de cuidador quais as suas principais necessidades” responderam 35 (48,6%) PC, tendo sido elencadas 37 necessidades, sendo a mais referida o apoio de outro cuidador ou de uma rede de apoio formal (26; 70,3%).
A maioria dos PC (48; 66,7%) referem receber algum tipo de apoio. O mais expressado foi o apoio domiciliário (higiene, alimentação, . . .) (29; 60,4%). Dos participantes, 47 (65,3%) recebem apoio da equipa de enfermagem da USF. Cerca de 32 (44,4%) referem que para cuidar do seu familiar deixaram de fazer alguma atividade, nomeadamente no âmbito do lazer (30; 93,8%).
Os resultados da sobrecarga (QASCI) evidenciaram um score médio de 32,8 ± 21,4, correspondendo a uma sobrecarga moderada, destes 13 (18,1%) PC apresentam níveis de sobrecarga superiores a 51,0, indicando sobrecarga grave e extrema. A perceção de sobrecarga mais elevada foi identificada na dimensão Implicações na vida pessoal 46,7 ± 29,9, embora também com valor indicativo de sobrecarga moderada, enquanto que a maior satisfação foi descrita nos Mecanismos de eficácia e controlo 75,8 ± 25,5.
Foram encontradas diferenças estatísticas significativas entre homens e mulheres cuidadores na dimensão Suporte familiar (t (70) = 2,923; p = 0,008), homens cuidadores apresentam valores mais elevados de suporte da família (87,5 ± 18,6).
Quando se comparam PC com < 65 anos e com ≥ 65 anos, observaram-se diferenças estatisticamente significativas na sobrecarga, na dimensão Implicações na vida pessoal (t (70) = 2,073; p = 0,042), na dimensão Suporte familiar (t (70) = 2,664; p = 0,010) e na dimensão Satisfação com o papel e com o familiar (t (70) = 2,189: p = 0,032). Os PC idosos apresentam maiores Implicações na vida pessoal (55,2 ± 27,4). e percecionam um maior Suporte familiar (80,8 ± 29,3), PC mais jovens apresentam maior Satisfação com o papel e com o familiar (77,6 ± 23,8). Verificaram-se diferenças estatisticamente significativas entre PC com escolaridade < 5 anos e com escolaridade ≥ 5 anos relativamente ao Suporte familiar (t (70) = 2,047; p = 0,044), ou seja, PC com menor escolaridade apresentam maior Suporte familiar (79,8 ± 31,0).
Referente ao facto do PC coabitar com a PD foram também encontradas diferenças estatísticas significativas na dimensão da Sobrecarga financeira (t (70) = 18,356; p = 0,014). Quem coabita apresenta valores mais elevados (40,1 ± 40,3).
O facto de existir outro cuidador comparando com um cuidador que não tem apoio de outro também apresenta diferenças estatísticas significativas na Sobrecarga emocional (t (70) = 2,457; p = 0,016), Reação a exigências (t (70) = 2,699; p = 0,009), Suporte familiar (t (70) = 2,615; p = 0,011) e no score total do QASCI (t (70) = 2,857; p = 0,006). Quem não tem o apoio de outro cuidador apresenta uma SE maior (45,7 ± 30,5), maior sobrecarga na Reação a exigências (32,5 ± 27,7) e maior sobrecarga no score total da escala (39,7 ± 24,3). Por outro lado, a presença de outro cuidador associa-se a um maior Suporte familiar (79,8 ± 29,4). Os resultados espelharam que os PC com problemas de saúde apresentam sobrecarga significativamente pior (t (70) = 2,216; p = 0,032), na dimensão de Mecanismos de eficácia e controlo (72,9 ± 27,0). Também o abandono de uma atividade significativa apresenta valores estatisticamente significativos quando comparados com quem não deixou de fazer uma atividade que gostasse na Sobrecarga emocional (t (70) = 2,590; p = 0,012), Reação a exigências (t (70) = 2,828; p = 0,007) e ao score total do QASCI (t (70) = 2,621; p = 0,011). Os PC que deixaram de realizar a atividade que gostavam revelam maior Sobrecarga emocional (47,5 ± 33,9), maior Reação a exigências (34,1 ± 27,5) e uma sobrecarga total superior (40,0 ± 22,4; Tabela 2).
Nota. SE = Sobrecarga emocional; IVP = Implicações para a vida pessoal; SF = Sobrecarga financeira; RE = Reação a exigências; MEC = Mecanismos de eficácia e control; SupF: Suporte familiar; SPF = Satisfação com o papel e o familiar; QASCI = Questionário de Avaliação da Sobrecarga do Cuidador Informal.
Documentação
A documentação foi consultada em 163 processos, no entanto só foi possível efetuar a caracterização de 72 PC após a recolha de dados em VD.
Dos 163 processos clínicos verificou-se a identificação do PC na folha de admissão num processo (0,6%). O foco PPC foi registado em cinco processos (3,1%), e o SPC em seis (3,7%).
Identificaram-se registos respeitantes aos PC associados a focos da PD:“Gestão do Regime Terapêutico”[13(8,0%)], “Queda”[5(3,1%)], “Alimentar-se”[4(2,5%)], “Úlcera por pressão”[3(1,8%)], “Aspiração”[2(1,2%)], “Maceração” [2(1,2%)], “Autocuidado” [1(0,6%)], “Orientação”[1(0,6%)], “Andar”[1(0,6%)], “Metabolismo energético”[1(0,6%)], “Auto-administração de medicamentos”[1(0,6%)], “Auto-vigilância”[1(0,6%)], “Dispneia”[1(0,6%)], “Sono”[1(0,6%)], “Autocuidado higiene”[1(0,6%)], “Confusão” [1(0,6%)]e “Desidratação”[1(0,6%)].
No que concerne aos diagnósticos registados pelos enfermeiros, foram identificados 33 diagnósticos distintos, abrangendo essencialmente o potencial, o conhecimento e a capacidade. O diagnóstico Conhecimento do Prestador de Cuidados sobre Regime Terapêutico foi o mais documentado (9 registos; 5,5%).
Face aos diagnósticos enunciados foram identificadas 78 intervenções, no âmbito “Avaliar”, “Ensinar”, “Instruir”, “Incentivar”, “Treinar”, “Orientar” e “Apoiar”. A intervenção mais documentada foi: “Avaliar o conhecimento do Prestador de cuidados sobre Regime Terapêutico”. Com respeito às necessidades identificadas as intervenções mais documentadas foram “Ensinar” com 53 registos e “Avaliar” com 51 registos. As intervenções do âmbito do “Orientar” e “Apoiar” foram registadas uma vez (Tabela 3).
Discussão
O presente estudo apresenta como limitação o espaço temporal definido para a colheita de dados, provavelmente com uma pesquisa retrospetiva mais alargada no tempo poderia ter enriquecido os dados da documentação.
No presente estudo os PC são essencialmente mulheres, com idade avançada, resultados consistentes com os de outros estudos (Cunha, 2018; Day et al., 2021; Duarte et al., 2017; Park et al., 2015; Peixoto, 2016; Pereira & Petronilho, 2018). Com uma média de escolaridade elevada, tal como refere Day et al. (2021).
A maioria são casados, reformados e coabitam com a PD. Este perfil está descrito na literatura nacional e estrangeira (Park et al., 2015; Peixoto, 2016; Pereira & Petronilho, 2018). No que concerne ao grau de parentesco, tal como em outros estudos são essencialmente filhos e filhas (Pereira & Petronilho, 2018).
Neste estudo o tempo médio no exercício deste papel remete para 8,10 ± 7,0, semelhante ao de Cunha (2018) e superior ao de Parket al. (2015). Este período prolongado pode associar-se a pior qualidade de vida (Duarte et al., 2017).
Os resultados à questão sobre as dificuldades/necessidades percecionadas pelos PC traduzem essencialmente dificuldades de ordem física. Quanto às suas principais necessidades os inquiridos revelaram essencialmente necessidade de outro cuidador ou apoio de rede formal para poderem descansar. A expressão destes dados obtidos em questões abertas pode indicar-nos que o questionário poderá não ter sido o método de recolha indicado e estas associações também podemos efetuá-las na VD, provavelmente uma entrevista teria conduzido a resultados diferentes, tal como refere Pereira (2018). Atualmente a literatura aponta que no processo de cuidar a existência de recursos ao PC é fulcral para a manutenção do seu próprio bem-estar, conduzindo à prevenção/diminuição de sobrecarga, como descreve Araújo e Martins (2016). Pereira (2018) corrobora a importância do apoio de outro cuidador/rede formal.
A quase inexistência da identificação do PC na folha de avaliação inicial do processo clínico, bem como a expressiva subnotificação nos focos do papel prestador de cuidados e no stress do prestador de cuidados, refletem que a documentação realizada pelos enfermeiros, no que concerne aos prestadores de cuidados, não é reveladora de uma abordagem integradora e dirigida às suas necessidades. No entanto, constatou-se que os enfermeiros fazem registo de alguma atividade diagnóstica e de intervenções, em focos identificados na PD. Estes resultados podem indicar uma fraca adesão dos enfermeiros ao processo de documentação. A literatura científica tem dado a conhecer algumas barreiras percecionadas pelos profissionais na documentação dos cuidados, entre elas, a falta de conhecimento e preparação (Huitzi-Egilegoret al., 2018; Silva et al., 2016; Vieira, 2018), a falta de material e recursos humanos (Huitzi-Egilegor et al., 2018; Vieira, 2018), a falta de tempo e o excesso de trabalho (Reis et al., 2016), a necessidade de formação contínua e a falta de suporte técnico (Silva et al., 2016), mas também a resistência à mudança (Huitzi-Egilegor et al., 2018),
Num estudo desenvolvido por Vieira (2018) que procurou perceber a importância atribuída pelos enfermeiros à documentação dos cuidados de enfermagem acerca da reformulação dos SIE perante as principais mudanças do SClínico comparativamente com o SAPE, os resultados espelharam que apesar da importância dada pelos enfermeiros aos registos, estes consideram que a mudança não é fácil. Identificou como principais condicionantes o défice de liderança institucional, a formação desadequada, escassez de recursos humanos e questões motivacionais.
A identificação de informação referente ao PC nos focos da PD parece refletir a perceção dos enfermeiros da importância em documentar as suas atividades, espelhando, no entanto, alguma dificuldade no processo de registo. Alguns estudos identificam a falta de tempo e excesso de trabalho e mesmo a resistência à mudança como uma condicionante na documentação dos enfermeiros (Huitzi-Egilegor et al., 2018; Reis et al., 2016).
Segundo Vieira (2018) a perceção pouco favorável dos enfermeiros, relativamente à recente mudança no SIE para o SClínico pode ser justificada pela falta de acompanhamento das equipas neste processo de mudança, resultando que cada serviço crie as suas próprias estratégias, dificultando um padrão documental.
As intervenções do tipo “Ensinar” são efetivamente as mais representativas, no entanto também as intervenções do âmbito do “Instruir” e “Treinar” são documentadas, correspondendo à aquisição de competências para o novo papel. Este tipo de intervenções pode refletir uma abordagem centrada no “saber fazer” e na necessidade do PC de adquirir conhecimentos para suprir as necessidades do seu familiar em situação de dependência.
No que concerne à avaliação da sobrecarga do PC, o resultado no score final do QASCI traduziu um nível de sobrecarga moderada (32,8 ± 21,4), dados corroborados por Cunha (2018). Neste estudo as Implicações na vida pessoal revelam valores de sobrecarga superiores e a maior satisfação encontrada foi nos Mecanismos de eficácia e controlo, tal como no estudo de Peixoto (2016).
Os homens cuidadores revelam maior Suporte familiar, possivelmente por associação do papel de cuidar à figura feminina, como já justificado anteriormente.
Os PC mais idosos revelam maiores Implicações na vida pessoal, bem como Suporte familiar, enquanto que os mais jovens apresentam maior Satisfação com o papel e com o familiar. Os PC com menor escolaridade também apresentam maior Suporte familiar, podendo-se associar a PC mais idosos. Outro estudo também corrobora estes dados associados às idades mais avançadas dos PC (Duarte et al., 2017).
Também o estudo de Duarte et al. (2017), evidencia maior sobrecarga associada a problemas de saúde dos PC, como os dados deste estudo.
O apoio de outro cuidador revelou-se positivo para a manutenção de bem-estar do PC, visto que os PC sem apoio revelam maior Sobrecarga emocional, Reação a exigências e sobrecarga no score total e menor Suporte familiar. Estes valores não podem ser generalizados, no entanto são indicativos da importância revelada na literatura acerca da família cuidadora, pelo impacto positivo que esta pode trazer no desempenho do papel de cuidador e na prevenção/diminuição de sobrecargas associadas ao cuidar (Araújo & Martins, 2016). Os PC que deixaram de fazer alguma atividade que gostavam para cuidarem da PD, manifestaram valores de sobrecarga superior (Sobrecarga emocional, Reação a exigências e Sobrecarga total), justificando a importância do apoio de outro cuidador/rede formal (Peixoto & Machado, 2016).
A análise à documentação evidenciou o registo no foco SPC em seis (3,7%) processos clínicos. Esta subnotificação traduz uma abordagem redutora, considerando o papel privilegiado dos enfermeiros para liderarem na equipa multidisciplinar, o processo de capacitação do cuidador para a manutenção do seu autocuidado e promoção do seu bem-estar, implementando terapêuticas de enfermagem que conduzam à prevenção/redução da sobrecarga.
Os PC deste estudo cuidam em média há 8,10 ± 7,0 anos, e 18,1% encontram-se em situação de sobrecarga grave e extrema, assim parece pertinente a implementação de uma abordagem mais abrangente que englobasse a avaliação do stress do PC(conhecimento do prestador de cuidados para gerir o stress e stress do prestador de cuidados), permitindo avaliações à aquisição de dados que suportam o diagnóstico e a identificação de intervenções direcionadas à manutenção de bem-estar e prevenção/diminuição de sobrecarga (Peixoto, 2016; Peixoto & Machado, 2016).
Conclusão
Constata-se uma reduzida documentação referente aos focos do PC no período em análise, no entanto identificam-se registos direcionados ao PC em focos elencados para a PD. A documentação espelha intervenções muito focadas nos cuidados instrumentais, verificando-se que as intervenções do tipo “Ensinar” são das mais frequentemente registadas.
A documentação apresenta muita pouca visibilidade em cuidados antecipatórios na promoção do bem-estar do PC que continua a não ser alvo de atenção dos enfermeiros.
A identificação das necessidades e dificuldades do PC em confronto com a subnotificação observada reforça a necessidade de uma aproximação dos modelos em uso aos modelos expostos, traduzindo este processo numa melhoria dos padrões de qualidade em enfermagem dirigida aos PC.